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Processo nº 548/2018
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 6 de Dezembro de 2018

Recorrentes : - A (3ª Ré)
(representante legal do menor B e
Sucessora do falecido C)

- D e E (6.ºs Réus) (representantes legais do menor F)

Recorrido : - G

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    A (3ª Ré), D e E (6ºs Réus), devidamente identificados nos autos, discordando da sentença de primeira instância, desta vieram, em 22/02/2018, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 478 a 487, tendo formulado as seguintes conclusões:
     A) O presente recurso, conforme acima referido, foi interposto da decisão proferida em 3 de Julho de 2013, pelo Mm.º Juiz do Tribunal Judicial de Base, que condenou os 1.ºs a 9.ºs Réus, bem como o 11.° Réu, a pagar solidariamente ao Autor a quantia de MOP$ 230,000.00, acrescida de juros à taxa legal desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento, porquanto a referida decisão, salvo o devido respeito, assenta em erro na apreciação das provas produzidas.
     B) Em relação aos pontos da matéria de facto correspondentes aos números n.ºs 4°, 6.°, 7.°, 8.° da base instrutória, os mesmos foram incorrectamente julgados e deveriam ter sido julgados no sentido de serem dados como não provados;
     C) Existiu um lapso de apreciação da prova, que não pode ser justificado com a liberdade de apreciação do julgador, do qual resultou um erro na formação da convicção por parte do Tribunal a quo no julgamento da matéria de facto, uma vez que as provas acima referidas, sendo devidamente valoradas, obrigavam a uma conclusão diferente, forçosamente oposta à que ficou a constar da decisão recorrida.
     D) Conjugados os depoimentos das testemunhas com os documentos de fls. 32 a 111, nomeadamente as declarações dos existem provas suficientes para identificar quais foram em concreto os jovens que realmente participaram nos "actos ilícitos" alegados pelo Autor, nem qual o contributo de cada um para a ocorrência dos factos que provocaram os danos no veículo do Autor.
     E) Não foi possível de concretizar quem foi efectivamente o responsável pelos danos causados ao Autor, mas por esse facto não podem todos os que estavam no local, serem todos responsáveis pelos danos do veículo.
     F) Na medida em que nenhuma testemunha consegue identificar quais os jovens que estiveram no local, fizeram fogueiras e queimaram fogo-de-artificio e lixo, nem qual foi o último a abandonar o local, não se pode concluir que todos contribuíram em igual medida para o lamentável resultado que se veio a produzir.
     G) Os Recorrentes entendem que não existem provas concretas quanto aos filhos dos 3.ºs Réus, B, nem dos 6.º Reús, F, que indiciem ou comprovem terem sido por aqueles praticados os actos que lhes são imputados, e que tais actos deram causa aos danos causados ao Autor.
     H) No entender dos recorrentes, a decisão recorrida enferma de uma apreciação incorrecta da matéria de facto, na medida em que conduziu a que fossem dados como provados factos em relação aos quais o Tribunal a quo não tinha elementos de prova para poder dá-los como provados, sendo que alguns dos factos dados como provados são inclusivamente contrariados por depoimentos e documentos juntos aos autos que apontam em sentido exactamente oposto.
     I) A decisão recorrida enferma de vício de erro na apreciação da prova, por terem sido incorrectamente julgados provados os factos n.os 4.°, 6.°, 7.°, 8.° da Base Instrutória, de onde resultam violados pela decisão recorrida quer o princípio de livre apreciação da prova (artigo 558.º, n.º 1 do CPC), quer o artigo 340.º do CC, bem como também há violação das regras de imputação da culpa, do nexo de causalidade.
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Não houve resposta a este recurso.
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    Corridos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.

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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:

Da Matéria de Facto Assente:
- O requerente é dono de um veículo pesado de transporte de mercadorias de marca Isuzu, com o número de matrícula MJ-66-XX (alínea A) dos factos assentes).
- Procedeu o requerente, em 2/12/2003, ao registo da actividade de transportador de mercadorias junto da Direcção dos Serviços de Finanças, para efeitos de Contribuição Industrial (alínea B) dos factos assentes).
- O 1º réu é pai de H (alínea C) dos factos assentes).
- O 2º réu é pai de I (alínea D) dos factos assentes).
- A 2ª ré é mãe de I (alínea E) dos factos assentes).
- O 3º réu é pai de B (alínea F) dos factos assentes).
- A 3ª ré é mãe de B (alínea G) dos factos assentes).
- O 4º réu é pai de J (alínea H) dos factos assentes).
- A 4ª ré é mãe de J (alínea I) dos factos assentes).
- O 5º réu é pai de K (alínea J) dos factos assentes).
- A 5ª ré é mãe de K (alínea K) dos factos assentes).
- O 6º réu é pai de F (alínea L) dos factos assentes).
- A 6ª ré é mãe de F (alínea M) dos factos assentes).
- O 7º réu é pai de L (alínea N) dos factos assentes).
- A 7ª ré é mãe de L (alínea O) dos factos assentes).
- O 8º réu é pai de M (alínea P) dos factos assentes).
- A 8ª ré é mãe de M (alínea Q) dos factos assentes).
- O 9º réu é pai de N(alínea R) dos factos assentes).
- A 9ª ré é mãe de N (alínea S) dos factos assentes).
- O 10º réu é pai de O (alínea T) dos factos assentes).
- O 11º réu é pai de P (alínea U) dos factos assentes).

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Da Base Instrutória:
- O veículo pesado referido em A) dos factos assentes destinava-se à actividade de transporte de mercadorias (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Entre as 18:00 e as 20:00 do dia 29 de Fevereiro de 2008, na Rua Comandante João Belo e num terreno usado para estacionamento de veículos pesados, encontravam-se os menores H, I, B, J, K, F, L, M, N e P, entretendo-se a fazer fogueiras e a queimar fogo-de-artifício e lixo (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Por volta das 19:15 desse mesmo dia, Q estacionou o veículo referido em A) dos factos assentes no local acima referido (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- O fogo ateado pelos jovens referidos na resposta ao quesito 4º propagou-se às viaturas estacionadas nas redondezas (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Atingindo também o veículo identificado em A) dos factos assentes (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Provocando-lhe (resposta ao quesito da 8º da base instrutória):
i) a destruição integral da cabina do condutor a qual teve que ser substituída por uma nova;
ii) a destruição do sistema de ar-condicionado o qual teve que ser substituído;
iii) a destruição de jantes, pneus, depósito de combustível e tubagens que tiveram que ser substituídos por novos.
- Danos cuja reparação custou ao Autor a quantia de MOP$230.000,00 (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- Durante o período de 43 dias de imobilização do referido veículo para efeitos da sua reparação, o Autor não o pôde utilizar (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
- A 1ª Ré é mãe de H referido na resposta ao quesito 4º (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- A 10ª Ré é mãe de O referido nas resposta ao quesito 4º (resposta ao quesito da 12º da base instrutória).
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
    Compulsados os autos, verifica-se que existe uma questão pendente, que não foi objecto de decisão por parte do Tribunal a quo, que é o pedido de escusa formulada pela ilustre patrona, mediante o requerimento de fls. 409 a 410, de 17/07/2013, invocando como fundamento a falta de colaboração dos Réus representados, pois estes encontravam-se incontactáveis.
    Ora, tendo em conta que o processo já está na fase final e o que se incumbia à ilustre patrona fazer está praticamente já feito, e considerando que, se os representados não tivessem dado a colaboração à patrona, quem assumia, na conta final, as consequências seriam sempre os representados, nestes termos, é de indeferir o pedido de escusa em análise.
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    Prosseguindo, como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância, importa ver o que o Tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
I – Relatório:
G, casado, de nacionalidade Chinesa, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, emitido em Macau pela D.S.I. aos 26 de Setembro de 2008, com domicílio profissional na XXX, em Macau,
veio intentar a presente
Acção Ordinária
contra
1ºs - R e S, pais do H, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio na XXX, em Macau,
2ºs - T e U, pais do I, solteiro, de nacionalidade Filipina, estudante, titular do Bihete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio no XXX, em Macau,
3ºs - V e A, pais do B, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio na XXX, em Macau,
4ºs - W e X, pais do J, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio no XXX, em Macau,
5ºs - Y e Z, pais do K, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio na XXX, em Macau,
6ºs - D e E, pais do F, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio na XXX, em Macau,
7ºs - AA e AB, pais do L, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio na XXX, em Macau,
8ºs - AC e AD, pais do M, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio no XXX, em Macau,
9ºs - AE e AF, pais do N, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio na XXX, em Macau,
10ºs - AG e AH, pais do O, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, todos com domicílio no XXX, na República Popular da China,
11º - AI, pai do P, solteiro, de nacionalidade Chinesa, estudante, titular do Bilhete de Identidade de Residente nº XXX, com domicílio na XXX, em Macau,
    
    
    Com os fundamentos constantes da petição inicial de fls. 2 a 12, concluiu pedindo que seja julgada procedente por provada a presente acção e, em consequência:
1. Serem os Réus condenados a pagar solidariamente ao Autor a quantia de MOP$230.000,00, a título de reparação pelos danos provocados no veículo pesado de transporte de mercadorias de marca Isuzu, com o número de matrícula MJ-66-XX;
2. Serem os Réus condenados a pagar solidariamente ao Autor a quantia de MOP$50.138,00 (43 dias x MOP$1.166,00), a título de reparação por lucros cessantes;
3. Serem os Réus condenados a pagar juros sobre os valores acima referidos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
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Citados pessoalmente 1º Réu, 2ºs a 9ºs Réus, 10º Réu e 11º Réu, apenas os 3ºs Réus, V e A, o 6º Réu, D, e os 8ºs Réus, AC e AD,1 contestaram a acção com os fundamentos constantes de fls. 249 a 258 dos autos e concluíram pedindo que sejam julgados improcedentes os pedidos do Autor.
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Frustrada a citação pessoal da 1ª Ré, S, e 10ª Ré, AH, procedeu-se à citação edital das mesmas tendo a final citado o Ministério Público nos termos do artigo 49º do CPC.
Essas Rés não vieram contestar sendo actualmente representadas pelo Ministério Público.
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    Fundamentos:
Pela presente acção, pretende o Autor que os Réus sejam condenados a indemnizá-lo dos prejuízos causados pelos H, I, B, J, K, F, L, M, N, O e P.
Para o efeito, alega que é proprietário do veículo automóvel pesado com a matrícula MJ-66-XX; que, em determinado dia e hora, este veículo foi estacionado no local onde H, I, B, J, K, F, L, M, N, O e P, nesta altura menores, respectivamente filho dos 1ºs a 10º Réus e 11º Réu, estavam a fazer fogueiras e a queimar fogo-de-artifício e lixo; que o veículo foi gravemente danificado pelo fogo que os filhos dos Réus tinham deixado no local; que despendeu MOP$230.000,00 com a reparação do aludido veículo; que o veículo ficou imobilizado durante 43 dias para efeitos de reparação; e que, por isso, deixou de poder prestar serviços de transporte de mercadorias com este veículo a um terceiro de quem recebia mensalmente MOP$35.000,00 por este serviço.
Conforme o Autor, os Réus são responsáveis pelos prejuízos por si sofridos porque estes prejuízos foram causados pelos filhos dos Réus e os Réus não cumpriram o dever de vigilância dos seus filhos.
Está provado que H, I, B, J, K, F, L, M, N, O e P são respectivamente filho dos 1ºs a 10ºs Réus e 11º Réu e, em 29 de Fevereiro de 2008, eram menores.
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Nos termos do artigo 477º, nº 1, do CC, “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Dispõe o artigo 484º do CC que “As pessoas que, por lei ou negócio jurídico, forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas, são responsáveis pelos danos que elas causem a terceiro, salvo se mostrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.”
Segundo Vaz Serra, RLJ, Ano 111º, pg 24, “A responsabilidade prevista no artigo 491º depende da existência de um dever de vigilância por parte do responsável e de haver dano causado por facto antijurídico (ilícito) da pessoa sujeita à vigilância. Não é exigida culpa desta, dado que, mesmo que não tenha culpa (é, por ex., inimputável, por não ter capacidade natural de entender ou de querer, do Cód. Civil, art. 488º), isso não exclui que se trate de acto objectivamente contrário a direito que se teria evitado com a vigilância devida: precisamente, tais pessoas são as que mais carecem de vigilância e aquelas quanto a cujos actos mais se justifica a responsabilidade das pessoas encarregadas de as vigiar.” (sublinhado nosso)
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Assim, para os efeitos da presente causa, urge, antes de mais, aquilatar se, efectivamente, os danos invocados pelo Autor se verificaram e se estes danos foram causados pelos filhos dos Réus.
Conforme os factos assentes, o veículo automóvel pesado com a matrícula MJ-66-XX, propriedade do Autor, estava estacionado no local onde H, I, B, J, K, F, L, M, N e P, respectivamente filho do 1ºs a 9ºs Réus e do 11º Réu, estavam a entreter-se fazendo fogueiras e a queimando fogo-de-artifício e lixo o qual acabou por ser atingido pelo fogo ateado pelos filhos destes Réus causando-lhe danos em várias partes para cuja reparação o Autor despendeu MOP$230.000,00.
Dos factos provados acima referidos conclui-se que os filhos dos citados Réus praticaram um acto ilícito visto que violaram o direito de propriedade que o Autor tem sobre o seu veículo automóvel pesado sem qualquer causa que justifique tal acto. A isso acresce que se verificaram alguns dos danos invocados pelo Autor: a destruição de várias partes do veículo do Autor.
Estando provado que esses estragos foram provocados pelo fogo, há nexo de causalidade entre esses danos e o referido facto ilícito porque não consta dos autos qualquer indicação de que algo anormal tivesse interrompido esta causalidade.
Uma vez que não se provou que O tinha estado no local do acidente, é manifesto que os 10ºs Réus, pais daquele, não são responsáveis pelos danos invocados pelo Autor inclusivamente os danos acima referidos.
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Posto isto, é de aquilatar se impende sobre os 1ºs a 9ºs Réus e do 11º Réu qualquer obrigação de indemnizar o Autor desses danos.
Fui da norma do artigo 484º do CC que tal responsabilidade pressupõe que esses Réus estivessem obrigados a vigiar os seus filhos por virtude da incapacidade natural destes.
No que se refere ao dever de vigilância dos progenitores, é inquestionável que o mesmo se funda no dever de educação previsto no artigo 1733º do CC o qual preceitua expressamente que os pais devem também reconhecer aos filhos autonomia na organização da própria vida, de acordo com a sua maturidade.
Foi assim que se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 15 de Junho de 1982, BMJ, 318º, PG 430, que “O dever de vigilância, a que alude o art. 491º do Cód. Civil, deve ser apreciado em fase das circunstâncias de cada caso, não exigindo uma actuação constante dos pais que levaria a uma limitação de liberdade de movimentos prejudicial à educação dos filhos, contentando-se, naturalmente, com os cuidados que, seguindo um juízo de normalidade, garantam a segurança destes.”
Em sentido semelhante, defende Vaz Serra, ob. cit., pg 24, que “O dever de vigilância ‘deve ser entendido em relação com as circunstâncias de cada caso, não se podendo ser demasiado severo a tal respeito. As pessoas, que têm o dever de vigilância, têm, em regra, outras ocupações; por outro lado, as concepções dominantes e os costumes influem na maneira de exercer a vigilância, de modo a não poder considerar-se culpado quem, de acordo com elas ou com eles, deixa certa liberdade às pessoas cuja vigilância lhe cabe’.”
Por outra banda, entende De Cupis, citado por Vaz Serra na obra acima referida, pg 24, ponto 5, nota (1), que “‘culpa in vigilando pode bem ter exisitido … também por uma falta da educação dada que predispôs o menor à causação do dano. Bem se entende, culpa pode existir por não ter vigiado no próprio tempo em que o dano estava para ser causado. Não há dúvida, então, de que se aplique a presunção legal. Tenha-se, de todo o modo, presente que a possibilidade da vigilância – e, correlativamente, também a violação do dever de vigilância – está sujeita a variar e é, mais, de entender em sentido relativo: assim, a culpa do pai por falta de vigilância quanto às acções do filho deverá avaliar-se em relação à sua ocupação e à sua condição, e segundo as circunstâncias de tempo e de lugar, etc’.”
Está assente que, à data em que os danos acima referidos se verificaram, H, I, B, J, K, F, L, M, N e P eram menores sendo os 1ºs a 9ºs Réus e o 11º Réu os respectivos progenitores.
Assim, a obrigação de vigiar esses menores cabia, por lei, aos 1ºs a 9ºs Réus e ao 11º Réu.
Dos factos assentes vê-se que o fogo que atingiu o veículo automóvel do Autor ocorreu porque, no período compreendido entre as 18h00 e 20h00 do dia 29 de Fevereiro de 2008, esses menores estavam a brincar no local fazendo fogueiras e queimando fogo-de-artifício e lixo.
Estão inequivocamente em causa actos cuja perigosidade e danosidade devem ser objecto de chamada de atenção por parte de qualquer progenitor e fazer parte do conteúdo do dever de educação a cargo do mesmo. A isso acresce que tais actos verificaram-se já fora das horas normais escolares em que os progenitores têm uma responsabilidade acrescida de vigilância.
Assim, não se pode deixar de entender que os 1ºs a 9ºs Réus e o 11º Réu não cumpriram o seu dever de vigilância.
Conforme o artigo 484º, presume-se que tal incumprimento é culposo.
Uma vez que nada consta dos factos assentes que possam ilidir essa presunção, os 1ºs a 9ºs Réus e o 11º Réu são responsáveis pelos prejuízos sofridos pelo Autor.
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Assente o dever de indemnizar desses Réus, cabe agora analisar quais foram os danos considerados causados pelo acto ilícito praticado pelos citados menores a fim de determinar o conteúdo da indemnização que assiste ao Autor.
    Dispõe o artigo 556º do CC que “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Uma vez que o Autor não logrou provar que prestava serviços de transporte com o veículo danificado a um terceiro de quem recebia determinada retribuição, não faz parte do seu direito de indemnização a quantia que alegadamente teria recebido se o veículo automóvel em questão não tivesse sido danificado.
Fito já dito que os estragos verificados no veículo automóvel pesado de que o Autor é proprietário tinham sido causados pelos H, I, B, J, K, F, L, M, N e P.
Está provado que o Autor despendeu a quantia de MOP$230.000,00 com a reparação do aludido veículo automóvel.
Pelo que, é de fixar a indemnização a favor do Autor em MOP$230.000,00.
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Além dos supramencionados pedidos, o Autor pede o pagamento de juros legais até integral pagamento.
Nos termos do artº 795º, nº 1, do CC, “Na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.” Por seu turno, dispõe o artº 794º, nº 4, do CC, que “Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo a falta de liquidez for imputável ao devedor.”
Tendo em conta que a indemnização acima fixada se torna líquida com a fixação acima feita, os juros devidos são calculados a partir da presente sentença.
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Nos termos do artigo 490º, nº 1, do CC, “Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua responsabilidade.”
Por se ter concluído que os 1ºs a 9ºs Réus e o 11º Réu são responsáveis pelos prejuízos sofridos pelo Autor, é de os condenar a pagar solidariamente a quantia de MOP$230.000,00 acrescida de juros à taxa legal contados desde a data da presente sentença.
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    Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência, decide:
1. Absolver os 10ºs Réus, AG e AH dos pedidos formulados pelo Autor, G;
2. Condenar os seguintes Réus a pagar solidariamente ao Autor, G, a quantia de MOP$230.000,00 acrescida de juros à taxa legal desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento:
- 1ºs Réus, R e S;
- 2ºs Réus, T e U;
- 3ºs Réus, V e A;
- 4ºs Réus, W e X;
- 5ºs Réus, Y e Z;
- 6ºs Réus, D e E;
- 7ºs Réus, AA e AB;
- 8ºs Réus, AC e AD;
- 9ºs Réus, AE e AF; e
- 11º Réu, AI,; e

3. Absolver os 1ºs a 9ºs Réus e 11º Réu dos restantes pedidos formulados pelo Autor.
    Custas pelos Autor e 1ºs a 9ºs Réus e 11º Réu na proporção dos respectivos decaimentos sendo as custas pela absolvição do pedido decidida a fls 285 a cargo do Autor.
    Fixar-se em MOP$ 6.000,00 a título de honorários para à patrona nomeada dos 3ºs, 6ºs e 8ºs Réus, a suportar pelo GPTUI (artigo 29o do DL no 41/94/M, de 1 de Agosto, em conjugação com a Tabela aprovada pela Portaria no 265/96/M, de 28 de Outubro).
    
    Registe e Notifique.
*
據上論結,本法庭裁定訴訟理由部分成立,裁決如下:
1. 駁回原告G針對第十被告AG及AH所提出之請求,開釋此等被告;
2. 判處以下被告連帶地向原告G支付澳門幣230,000.00元,附加自本判決日起、按法定利率計算之到期利息,直至全數及實際支付為止:
- 第一被告R及S;
- 第二被告T及U;
- 第三被告V及A;
- 第四被告W及X;
- 第五被告Y及Z;
- 第六被告D及E;
- 第七被告AA及AB;
- 第八被告AC及AD;
- 第九被告AE及AF;
- 第十一被告AI。
    3. 駁回原告針對第一至九及第十一被告提出的其他請求,開釋此等被告。
    訴訟費用由原告、第一至九及第十一被告按勝負比例承擔,而卷宗第285頁所指之駁回請求之訴訟費則由原告承擔。
將第三、第六及第八被告的律師代理費訂為澳門6,000.00元,由終審法院院長辦公室支付 (見8月1日《第41/94/M號法令》第29條及10月28日《第265/96/M號訓令》)。
依法作出通知及登錄本判決。”

    Os Recorrentes vieram atacar as respostas dadas aos quesitos 4º, 6º , 7º e 8º da base instrutória, as quais têm o seguinte teor:
- Entre as 18:00 e as 20:00 do dia 29 de Fevereiro de 2008, na Rua Comandante João Belo e num terreno usado para estacionamento de veículos pesados, encontravam-se os menores H, I, B, J, K, F, L, M, N e P, entretendo-se a fazer fogueiras e a queimar fogo-de-artifício e lixo (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- Por volta das 19:15 desse mesmo dia, Q estacionou o veículo referido em A) dos factos assentes no local acima referido (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
- O fogo ateado pelos jovens referidos na resposta ao quesito 4º propagou-se às viaturas estacionadas nas redondezas (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- Atingindo também o veículo identificado em A) dos factos assentes (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- Provocando-lhe (resposta ao quesito da 8º da base instrutória):
i) a destruição integral da cabina do condutor a qual teve que ser substituída por uma nova;
ii) a destruição do sistema de ar-condicionado o qual teve que ser substituído;
iii) a destruição de jantes, pneus, depósito de combustível e tubagens que tiveram que ser substituídos por novos.
Sobre esta matéria os Recorrentes alegaram o seguinte:
(…)
IV. No entender dos recorrentes, a decisão recorrida enferma de uma apreciação incorrecta da matéria de facto, na medida em que conduziu a que fossem dados como provados factos em relação aos quais o Tribunal a quo não tinha elementos de prova para poder dá-los como provados, sendo que alguns dos factos dados como provados são inclusivamente contrariados por depoimentos e documentos juntos aos autos que apontam em sentido exactamente oposto.
V. Na verdade, os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas, a saber, AJ, AK e B, que sobre eles se debruçaram e nos quais o Tribunal a quo se fundou, não consentiriam os juízos formulados.
VI. Também acontece que, de acordo com os depoimentos das testemunhas AJ (cfr. as gravações no suporte digital, Recorded - Recorded on 07-Mar-2013 at 10.19.05 (0R2CHD@105111270) – 2:08 a 10:05); AK Recorded on 07-Mar-2013 at 10.19.05 (0R2CHD@105111270) – 10:32 a 26:54), bem como da testemunha B, Recorded on 07-Mar-2013 at 10.19.05 (0R2CHD@105111270) – a partir de 1:36:53 e Recorded on 07-Mar-2013 at 12.07.00 (0R2G294W05111270), que nenhumas das referidas testemunhas conseguiu concretizar quais foram as crianças que estiveram no local e que participaram nos “actos ilícitos” que deram causa aos danos provocados ao Autor, apenas limitando-se a explicar ao Tribunal que todos os miúdos foram envolvidos no presente processo apenas porque se encontravam no local dos factos por aí costumarem brincar, o que evidentemente não faz deles agentes do crime.
VII. Acresce que a Testemunha B explicou ao Tribunal o seguinte: (cfr. Recorded on 07-Mar-2013 at 12.07.00 (0R2G294W05111270)
06:43 律師:當你地離開戈個地方戈陣時,有冇熄滅戈啲火種,定係你地由得戈啲火種燃燒?
06:56 B:我地睇過熄左先走。
07:03 律師:但係之後係有火燭,並且係波及埋停左係度啲車輛,即係表示吾係所有火種都熄曬,至少吾係熄得完全熄滅戈種。
07:25 B:咁呢個我吾知道,我行頭走先。
09:00 律師:咁你地當時燒著左之後,係點樣整熄啲火,定係你睇到佢燒曬再冇野可以著火你地先走?
09:12 B:我走戈陣,我睇係冇野著火先走,因為我行先。
11:30 律師:咁你走戈陣其他人未走呢?
11:32 B:走啦。
11:33 律師:即係話你地全部一齊走?
11:35 B:吾係,有兩批人走,有啲人早走先。
11:40 律師:有兩批人走,你係早走先?
11:42 B:我係後。
11:44 律師:即係你走戈時已經最後一批,即係有一批人走左先,你係最後走戈批?咁你頭先講戈四個人係咪同你一齊最後走?
12:00 B:F佢地好似有啲人早走先。
12:07 律師:即係你記得F比你更加早走左?
12:10 B:係呀。
VIII. Por outro lado, o documento n.º 9 que acompanha a p.i., de fls.32 a 111, trata-se de uma certidão emitida pelo Tribunal Judicial base, de onde constam “informações” elaboradas pela P.J., e declarações dos menores, filhos dos Réus, também prestadas na P.J. sem estarem acompanhados de advogado e sem que estivessem na presença de qualquer magistrado.
IX. Conforme a informação (fls. 96 a 98 dos autos) elaborada pela 1.ª testemunha, AJ, consta o seguinte: “Da presente questão, ao tempo foram desenvolvendo múltiplas e variadas diligências, na finalidade de localizar e/ou localizar o/s indivíduos, autores do caso, o que, no entanto e não obstante de continuadas diligências efectuadas para com o fim em vista, ao momento, foram de resultados não satisfatórios.” (fls. 96 dos autos) e “Que, de diligências a seguirem diligências, após saturados trabalhos, viemos por identificar os possíveis implicantes, todos menores de idade...” (fls. 97 dos autos)
X. Conforme a informação (fls. 110 e 111 dos autos) também elaborada pela 1.ª Testemunha, a fls. 110 dos autos, consta o seguinte: “Foram convocados a comparecerem a esta Polícia, os respectivos encarregados de educação e na presença dos mesmos, foram obtidos depoimentos aos identificados menores e dos quais, devidamente analizados, constacta-se, apesar de alguma reserva, a concreta intervenção dos identificados menores...”
XIV. Conjugados os depoimentos das referidas testemunhas com os documentos de fls. 32 a 111, nomeadamente as declarações dos menores prestadas ao P.J., as duas informações elaboradas pela P.J., não existem provas suficientes para identificar quais foram em concreto os jovens que realmente participaram nos “actos ilícitos” alegados pelo Autor, nem qual o contributo de cada um para a ocorrência dos factos que provocaram os danos no veículo do Autor.
XV. Não foi possível de concretizar quem foi efectivamente o responsável pelos danos causados ao Autor, mas por esse facto não podem todos os que estavam no local, serem todos responsáveis pelos danos do veículo.
XVI. Os Recorrentes entendem que não existem provas concretas quanto aos filhos dos 3.ºs Réus, B, nem dos 6.º Reús, F, que indiciem ou comprovem terem sido por aqueles praticados os actos que lhes são imputados, e que tais actos deram causa aos danos causados ao Autor.
XVII. Salvo o devido respeito, os Recorrentes entendem que perante as provas acima mencionadas, isto é, os depoimentos das testemunhas acima indicadas, com a prova documental existente nos autos não poderia o Tribunal a quo ter dado como provados os factos n.ºs n.ºs 4.º, 6.º, 7.º, 8.º da base instrutória, tanto mais que essa “prova documental” não foi sequer objecto de produção, apreciação e análise em sede de audiência”.
Ora, não têm razão os Recorrentes, pois:
1) – Nenhum dos menores chegou a negar o seu envolvimento no facto de queimar fogo-de-artifício no local;
2) – A causa de destruição do veículo em causa deveu-se ao fogo ateado pelos menores identificados nos autos, se bem que eles não tinham intenção de danificar coisas alheias, mas é inegável que a causa proviesse (e provinha efectivamente) dos factos cometidos pelos menores;
3) – Os Recorrentes alegaram também que a PJ teve de realizar várias diligências e finalmente é que veio a descobrir e identificar os menores envolvidos, querem com este argumento dar a ideia de que não é segura a presença e participação dos menores nos factos, se é defensável esta leitura dos factos, outra face da versão é sustentável também, ou seja, feitos esforços vários é que se veio a identificar tal grupo de menores envolvidos, o que contribui para formar uma convicção mais segura e mais sólida acerca da participação dos menores nos factos.
4) – A fundamentação do Colectivo, quando este respondeu aos quesitos, é muito ilustrativa:
“(…)
Também não deu como provado que o jovem O tinha praticado os actos referidos no quesito 4º porque nem as testemunhas nem a prova documental assim indica. Já o mesmo não acontece com os restantes jovens porque tanto o depoimento da testemunha B e a prova documental donde constam declarações desses jovens, conjugados com as circunstâncias nelas descritas, levaram ao entendimento de que, segundo a razoabilidade e normalidade das coisas, os referidos jovens praticaram os actos que lhes são imputados.
No que concerne à qualidade de mãe da 1ª Ré e da 10ª Ré, a convicção do tribunal baseou-se nos documentos de fls 306 e 307.
Quanto aos restantes factos, a convicção fundou-se essencialmente na prova documental sendo que a convicção relativa ao número de dias por que o Autor não podia utilizar o veículo resultou da conjugação das declarações das testemunhas e do documento de fls 30. “

5) – Sendo certo que um menor chegou a depor na audiência e afirmou que, quando deixou o local, o fogo já estava extinto, só que não se deve esquecer que o menor é um dos responsáveis pelos factos danosos, ele tem interesse directo no processo, nesta óptica não é tudo aquilo que ele afirmava devia ser acolhido pelo Tribunal, este deve valorar todas as provas no seu conjunto (e assim fez e bem) nomeadamente os demais elementos já encontrados nos autos.
6) – Pelo que, não se verifica qualquer indício da violação do artigo 558º do CPC, nem violação das regras de culpa ou de nexo de causalidade, tal como os Recorrentes sustentam nas suas alegações, não merece por isso censura a decisão atacada.
7) – Por último, é de realçar que os artigos 334º e 335º do CCM dão resposta directa à situação dos autos, que mandam:
Artigo 334.º
(Função das provas)
       As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
Artigo 335.º
(Ónus da prova)
1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.
3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.
    Pelo que, é de manter a decisão recorrida.
*
Concluindo, é do nosso entendimento que, em face das considerações e impugnações do ora Recorrente, a argumentação produzida pelo MMo. Juíz do Tribunal a quo continua a ser válida, a qual não foi contrariada mediante elementos probatórios concretos, trazidos por quem tem o ónus de prova, razão pela qual, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de sustentar e manter a posição assumida na sentença recorrida.
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Tudo visto, resta decidir

* * *

V) - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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    Custas a cargo dos Recorrentes, sem prejuízo da isenção resultante de apoio judiciário.
    Fixem-se em MOP$3,000.00 (três mil patacas) a título de honoráios a favor da patrona nomeada.
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    Notifique e Registe.
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RAEM, 6 de Dezembro de 2018.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Conforme a contestação de fls 249 a 258, são contestantes B, F e M. Tendo, no entanto, em conta o expendido no despacho de fls 281 a 282, deve-se entender que a contestação em questão foi apresentada pelos 3ºs Réus, V e A, o 6º Réu, D, e os 8ºs Réus, AC e AD visto que foram estes quem formularam o pedido de apoio judiciário (cfr. documento de fls 130, 136 e 146) e a quem foi nomeada a patrona oficiosa que subscreveu a contestação (cfr. despacho de fls 237v).
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