Processo nº 612/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 22 de Novembro de 2018
Recorrente: A, S.A. (1ª Ré)
Recorrido: C (Autor)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 13/02/2018, julgou-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou-se a 1ª Ré A, S.A. a pagar ao Autor C a quantia de MOP$105,650.00 e a 2ª Ré B, S.A. a pagar ao Autor a quantia de MOP$81,560.00, acrescida de juros moratórios à taxa legal.
Dessa decisão vem recorrer a 1ª Ré, alegando, em sede de conclusões, os seguintes:
I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré A, ora Recorrente, no pagamento de urna indemnização no valor global MOP$105.650,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar do trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório,
II. Entende a Recorrente que no que respeita ao (i) subsídio de alimentação, (ii) trabalho prestado em dia de descanso semanal, (iii) compensação pelo descanso compensatório e (iv) trabalho extraordinário, a sentença proferida a final nunca poderia ter decidido como decidiu, em violação e incorrecta aplicação das normas jurídicas que lhe servem de fundamento.
III. O Tribunal a quo não estava em condições de condenar a Recorrente no pagamento de qualquer indemnização a título de subsídio de alimentação.
IV. Apenas se provou que durante o período em que o Autor trabalhou para a Recorrente nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia (8.º) e bem assim que anualmente gozava de 24 dias de férias (37º) sem que se tenha, por exemplo, apurado quando foram gozadas essas férias, pelo que nunca poderia o Tribunal a quo afirmar que entre 27.07.2001 e 21.07.2003 o Autor gozou de 48 dias de ferias.
V. Também não se comprovou que 27 de Junho de 2001 e 21 de Julho de 2003 o Autor tenha trabalhado 695 dias para a Recorrente, como parece ressaltar da formula de calculo de fls 11 e 12, pelo que nunca poderia a Recorrente ter sido condenada a pagar o subsídio de alimentação desses dias.
VI. O que se provou foi que durante o período em que o Autor prestou trabalho nunca deu qualquer falta ao trabalho, sem conhecimento e autorização (cfr. resposta ao quesito 8.º), resultando assim assumido pelo Autor na sua petição que se gozou de vários períodos de dispensa ao trabalho remuneradas e/ou não remuneradas, conforme resulta nomeadamente da nota de rodapé ao artigo 48º da petição, tendo ainda sido provado que gozou 24 dias de ferias anuais. Pergunta-se então quantos dias o Autor esteve ausente? Ou, a contrário, quantos dias trabalhou?
VII. O direito invocado pelo Autor não se pode presumir como certo, e o Tribunal terá que apreciar com base nos factos alegados pelo Autor e conforme o Direito, o que não fez, sendo que a parca matéria fáctica alegada pelo Autor não poderia conduzir, sem mais, à procedência do pedido;
VIII. Não se trata apenas de determinar o número de dias de trabalho efectivo e o número de ausência, mas antes de determinar quais os dias em que o trabalho foi prestado.
IX. O subsídio de alimentação, conforme tem vindo a ser entendimento unânime da doutrina e jurisprudência, trata-se de um acréscimo salarial que pressupõe necessariamente a prestação efectiva de trabalho por parte do seu beneficiário (vide, entre outros, o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância em 13.04.2014 no processo 414/2012);
X. Não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em o fez, padecendo assim a douta Sentença, nesta parte, do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsídio de alimentação, ou caso assim não se entenda, que tão-somente condene a Recorrente a pagar ao Recorrido compensação a título de subsídio de alimentação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
XI. Da factualidade provada nada resulta quanto ao quantum e ao quando o Recorrido trabalhou para que se pudesse chegar à conclusão que o Recorrido tem direito a ser compensado por 73 dias de descansos semanais;
XII. Não obstante da decisão recorrida ressaltar que "os factos assentes demonstrem que alem dos lerias anuais de 24 dias que o Autor gozou todo os anos durante a período que trabalhou para a 1ª Ré, o Autor não tem qualquer registo de ausência ao trabalho" a verdade é que da factualidade provada não resulta a falta de ausências.
XIII. Não se provou, nem tão pouco se alegou, o número de dias concretos que o Recorrido trabalhou para se poder concluir pelo número de dias de descanso semanal que deixou de gozar.
XIV. Novamente se mostra insuficiente a matéria de facto apurada nos presentes autos que permitisse ao Tribunal condenar a Recorrente pelo alegado trabalho prestado em dias de descanso semanal,
XV. Verifica-se, assim, uma errada aplicação do Direito por parte do Tribunal a quo na condenação da Recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, em violação do princípio do dispositivo consagrado no artigo 5.º do CPC e, bem assim, o disposto nos artigos 17.º do DL 24/89/M,
XVI. Devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a 1ª Recorrente do peticionado, ou que tão somente condene 1ª Recorrente a pagar ao Recorrido compensação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
XVII. No que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário, à semelhança do ocorrido com os demais pedidos, o Recorrido limitou-se a invocar factos genéricos.
XVIII. O Recorrido não especifica datas, dias de trabalho efectivamente prestado, quando é que tais turnos coincidiam e quais os dias, não sendo por isso possível apurar quais as horas que o Recorrido teria trabalhado a mais ou a menos, dada a falta de alegação do Autor, ora Recorrido e de prova em julgamento;
XIX. Se se comprovou que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) e que gozava de 24 dias de ferias anuais, não se vislumbra como pôde o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que estava de turno e quantas horas extraordinárias foram feitas por dia.
XX. Não se provou em concreto quantos dias o Recorrido prestou a sua actividade pelo que não se pode com certeza afirmar quantos ciclos de 21 dias de trabalho continuo e consecutivo o Recorrido prestou entre 9 de Julho de 2001 e 21 de Julho de 2003.
XXI. Motivo pelo qual também aqui o Tribunal andou mal ao condenar a Recorrente, em violação do artigo 5.º do CPC e do artigo 10.º do DL 24/89/M, devendo assim ser revogada e substituída por outra que absolva as Recorrentes do peticionado, ou que tão-somente condene 1ª Recorrente a pagar ao Recorrido compensação que se venham a liquidar em sede de execução de sentença, nos termos do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC.
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O Autor respondeu à motivação do recurso da 1ª Ré, nos termos constantes a fls. 281 a 290, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Entre 27/06/2001 e 21/07/2003, o Autor esteve ao serviço da 1.ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (A).
2. O contracto de prestação de serviço n.º 2/96 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Entidade Pública competente (B).
3. Por força do Despacho n.º 01949/IMO/SEF/2003, do Senhor Secretário para Economia e Finanças da RAEM, de 17/07/2003, foi autorizada a transferência das autorizações concedidas para a contratação dos 280 trabalhadores não residentes por parte da 1.ª Ré para a 2.ª Ré, com efeitos a partir de 21/07/2003 (cf. fls. 34 a 36, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (C).
4. Entre 22/07/2003 e 19/02/2009, o Autor esteve ao serviço da 2.ª Ré, prestando funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente (D).
5. Durante o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre prestou a sua actividade nos locais (postos de trabalho) indicados pela 1.ª Ré (E).
6. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés (Fº).
7. O Autor foi recrutado pela sociedade D- Serviço de Apoio e Gestão Empresarial Cia, Lda. – e exerceu a sua prestação de trabalho ao abrigo do Contracto de Prestação de Serviços n.º 6/2000, celebrado entre a referida Agência de Emprego e a 1.ª Ré (1.º).
8. Durante todo o tempo que prestou trabalho, o Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pelas Rés (2.º).
9. Os locais de trabalho do Autor eram fixados de acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades (3.º).
10. Ao longo do período que prestou trabalho, as Rés apresentaram ao Autor contractos individuais de trabalho, previamente redigidos e cujo conteúdo o Autor se limitou a assinar, sem qualquer negociação (4.º).
11. Os contractos individuais de trabalho apresentados ao Autor eram idênticos para os demais trabalhadores não residentes, guardas de segurança do Nepal (5.º).
12. Durante o período que prestou trabalho, as Rés pagaram ao Autor a quantia de MOP$7.500,00 a título de salário de base mensal (6.º).
13. Resultada do ponto 3.4 do Contrato de Prestação de Serviço n.º 6/2000 celebrado entre a 1.ª Ré e Agência de Emprego, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contratados) “(…) um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço (7.º).
14. Durante todo o período em que o Autor prestou trabalho, o Autor nunca deu qualquer falta ao trabalho sem conhecimento e autorização prévia por parte das Rés (8.º).
15. Entre 27/06/2001 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade (9.º).
16. Entre 22/07/2003 e 19/02/2009, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de efectividade (10.º).
17. Resultada do ponto 3.1 do Contracto de Prestação de Serviços n.º 6/2000 celebrado entre a 1.ª Ré e Agência de Emprego, ser devido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes com ele contractados) a quantia de “ (…) $20,00 patacas diárias por pessoa, a título de subsídio de alimentação” (11.º).
18. Entre 27/06/2001 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação (12.º).
19. Entre 27/06/2001 e 21/07/2003, a 1.ª Ré nunca entregou ao Autor qualquer tipo de alimentos e/ou géneros (13.º).
20. Entre 22/07/2003 e 19/02/2009, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação (14.º).
21. Entre 22/07/2003 e 31/12/2006, o Autor prestou a sua actividade nos Casinos que não disponibilizavam comida nas cantinas (15.º).
22. Entre 27/06/2001 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, nem um período de descanso consecutivo de quatro dias por cada conjunto de quatro semanas ou fracção, sem prejuízo da correspondente retribuição (16.º).
23. Entre 27/06/2001 e 31/12/2002, o Autor prestou a sua actividade de segurança por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré” (17.º).
24. Entre 27/06/2001 e 31/12/2002, a 1.ª Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório em consequência do trabalho prestado em dia de descanso semanal (18.º).
25. Entre 27/06/2001 e 21/07/2003, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante alguns dias não identificados em dias de feriados obrigatórios, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 1.ª Ré (19.º).
26. Durante o referido período de tempo, a 1.ª Ré nunca pagou ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatórios (20.º).
27. Entre 22/07/2003 e 31/12/2008, o Autor prestou a sua actividade de segurança durante alguns dias não identificados em dias de feriados obrigatórios, por forma a garantir o funcionamento contínuo e diário dos vários Casinos operados pela 2.ª Ré (21.º).
28. Durante o referido período de tempo, a 2.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado nos referidos dias de feriado obrigatório (22.º).
29. Aquando da contratação do Autor no Nepal, foi garantido ao Autor (e aos demais trabalhadores não residentes de origem Nepalesa) alojamento gratuito em Macau (23.º).
30. Durante o período em que o Autor prestou trabalho, as Rés procederam a uma dedução no valor de HKD750,00 sobre o salário mensal do Autor, a título de “comparticipação nos custos de alojamento (24.º)
31. A referida dedução no salário do Autor era operada de forma automática, e independentemente do Autor residir ou não na habitação que lhe era providenciada pelas Rés e/ou pela agencia de emprego (25.º).
32. Durante todo o período da relação de trabalho, o Autor exerceu a sua actividade para a 1.ª Ré num regime de 3 turnos rotativos de 8 horas por dia (26.º):
Turno A : (das 08h às 16h)
Turno B : (das 16h às 00h)
Turno C : (das 00h às 08h)
33. Durante todo o período da relação de trabalho com as Rés, o Autor sempre respeitou o regime de turnos especificamente fixados pelas Rés (27.º).
34. Os turnos fixados pela 1.ª Ré respeitavam sempre uma mesma ordem sucessiva de rotatividade (A-C)-(B-A)-(C-B), após a prestação pelo Autor (e pelos demais trabalhadores) de sete dias de trabalho contínuo e consecutivo (28.º).
35. Em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo fixado pela 1.ª Ré, o Autor prestava trabalho durante dois períodos de 8 horas cada num período de 24 horas, sempre que se operasse uma mudança entre os tunos (C-B) e (B-A) (29.º).
36. A 1.ª Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (em singelo e/ou adicional) pelo trabalho prestado pelo Autor durante os dois períodos de 8 horas cada prestado num período de 24 horas, em cada ciclo de 21 dias de trabalho contínuo e consecutivo (30.º).
37. A partir do dia 01/01/2007, a 2.ª Ré começou a fornecer refeições diárias aos seus trabalhadores e assim terá o Autor beneficiado das mesmas na sala de descanso dos trabalhadores (36.º).
38. 每名尼泊爾籍的保安員每年可享有24日年假,日期由僱主安排(37.º).
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III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Do erro de julgamento quanto ao subsídio de alimentação, compensação de descanso semanal e do dia compensatório, turnos e horas extraordinárias:
Para a 1ª Ré, o Tribunal a quo cometeu erro de julgamento no que respeita ao nº de dias de trabalho efectivo do Autor, já que ficou provado que o Autor deu faltas justificadas além das férias anuais, e assim sendo, sem saber quais são essas faltas, o Tribunal a quo não pode determinar os dias de trabalho efectivo do Autor simplesmente com base nos cálculos efectuados nos termos referidos na sentença recorrida.
Não lhe assiste razão.
Ficou provado no quesito 37º de que “每名尼泊爾籍的保安員每年可享有24日年假,日期由僱主安排”, é lógica para o Tribunal retirar a conclusão de que o Autor não deu mais faltas além dos dias de férias anuais autorizados pela 1ª Ré, uma vez que não foram alegadas outras faltas justificadas do mesmo, matéria fáctica essa que, a nosso ver, constitui excepção peremptória que obsta ou modifica o pedido do Autor, pelo que incumbe à parte contrária o ónus de alegar e provar.
Pois, como o Autor alegou que só tinha dado aquele nº de dias de faltas, caso a 1ª Ré entender que o Autor tinha dado mais faltas do que alegou, tem o ónus de alegar e provar tal matéria fáctica.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela 1ª Ré, confirmando a sentença recorrida.
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Custas pela 1ª Ré.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 22 de Novembro de 2018.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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