Processo nº 671/2017
(Autos de recurso cível)
Data: 22/Novembro/2018
Assuntos: Responsabilidade civil decorrente da omissão
Repartição da responsabilidade
SUMÁRIO
Dispõe o artigo 479.º do Código Civil que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”.
Se está previsto na lei que cabe ao responsável dos estabelecimentos hoteleiros e similares “providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento”, impõe-lhe que tome providências adequadas a assegurar a segurança do hotel e, reflexamente, a dos seus clientes, mas não o fez, pode vir a responder civilmente pelos danos causados a terceiros.
Ademais, quando alguém possui coisas ou exerce uma actividade que se apresentam como potencialmente susceptíveis de causar danos a outrem, tem igualmente o dever de tomar as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos, podendo responder por omissão se o não fizer.
Tendo a 2ª Ré organizado uma festa que decorreu entre as 21 horas até as 5 horas da madrugada, num espaço cedido pela 1ª Ré que incluía a piscina e o bar dum hotel, podendo os participantes, entre outras actividades, nadar e brincar na piscina, mas sem havendo nadador-salvador destacado no local, nem o sistema de videovigilância ali instalado estava em funcionamento para observar situações da piscina, atento ainda o facto de que foram servidas bebidas alcoólicas aos participantes da festa, há-de concluir pela existência de factores potenciadores de causar danos a terceiros.
Nesta noite, o filho dos Autores foi encontrado debaixo de água, no fundo da piscina.
Bem sabendo as 1ª e 2ª Rés que durante a realização da festa, a piscina seria aberta aos clientes, entretanto não foram tomadas providências necessárias e suficientes para evitar danos e zelar pela segurança dos seus utentes, as mesmas tiveram culpa no acidente.
Por outro lado, tendo em conta que o lesado chegou a consumir substâncias psicotrópicas, a sua conduta também contribuiu para o resultado (morte), não deixando de ter culpa na produção do dano.
Atentas as circunstâncias do caso concreto e a culpa de cada uma das partes, é adequado repartir a responsabilidade em 10% para 1ª Ré, 30% para a 2ª Ré e 60% para o próprio lesado.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 671/2017
(Autos de recurso cível)
Data: 22/Novembro/2018
Recorrentes:
- A e B (Autores)
Recorridos:
- C Macau, S.A. (1ª Ré)
- D Companhia Limitada (2ª Ré)
- E (3º Réu)
- F (4º Réu)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformados com a sentença que absolveu os Réus do pedido, interpuseram os Autores, com sinais nos autos, recurso jurisdicional para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida, depois de fazer uma breve incursão dogmática acerca dos requisitos cumulativos da responsabilidade civil, entendeu que inexistiam os requisitos da ilicitude e da culpa, com base na argumentação que se fulcra no facto de não existir norma jurídica que obrigasse a afectação do nadador salvador nas piscinas do estabelecimento hoteleiro, facto de não haver nadador salvador na piscina nas horas em que se decorreu a festa, não lhe poderá incorrer na violação de dever legal.
II. E desta norma o tribunal a quo funda a inexistência de um dever de cuidado que obrigasse os Réus a garantir a segurança de uma festa com graves elementos potenciadores dos danos que se verificaram, incluindo a morte do filho dos Recorrentes.
III. Já quanto aos 3º e 4º Réus, a sentença recorrida limita-se a excluir a sua responsabilidade no facto de terem agido meramente como representantes das respectivas sociedades.
IV. O Tribunal a quo errou na aplicação do direito aquando da subsunção dos factos, não tendo valorado os factores de risco criados e agregados pelos recorridos – todos os recorridos – e que necessariamente contribuíram causalmente para a trágica morte do filho dos Autores.
V. Dos factos apurados o Tribunal a quo determinou e concluiu, bem, que a causa da morte resultou do afogamento, o qual foi a causa da sua morte em 2 de Julho de 2012.
VI. Está assim clarificado que a morte resultou do afogamento, restando agora saber o que efectivamente causou esse afogamento, sendo necessário apurar e avaliar as circunstâncias em que esse afogamento ocorreu, e quem deu causa a essas circunstâncias.
VII. Nos termos da decisão recorrida “Em boa verdade, não sabe em que circunstância e por quê causa o filho dos Autores se encontrava inconsciente no fundo da piscina, por ex. se ele chegou pedir socorro, mas não foi atendido atempadamente por falta de nadador-salvador, sem esses elementos pormenores, nem é possível apurar se existe nexo de causalidade entre a falta de nadador-salvador e o afogamento.”
VIII. Os Recorrentes se não conformam com a abstracção que a decisão proferida figura, abrindo as portas para que a culpa morra solteira mesmo sabendo que os Réus criaram as circunstâncias potenciadoras do dano e que permitem, de per se, para que nem tampouco se saiba as circunstâncias em que acidente possa ocorrer.
IX. Resulta da factualidade apurada que a Recorrida C era a proprietária do Hotel e, por isso, da piscina onde o filho dos Recorrentes se afogou sobre a qual tem responsabilidades de fiscalização e de segurança.
X. Nos termos do artigo 45º do Decreto-Lei n.º 16/96/M de 1 de Abril, “1. Nos estabelecimentos hoteleiros e similares deve existir um responsável, a quem cabe zelar pelo bom funcionamento do estabelecimento, atendimento correcto da clientela, rapidez e eficiência do serviço e pelo cumprimento das disposições legais aplicáveis.” “2. Ao responsável a que se refere o número anterior cabe também providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento.”
XI. O estabelecimento hoteleiro tem, nos termos da referida Lei uma obrigação por zelar pela segurança do Hotel.
XII. A referida norma, por si só não determina a necessidade de ter um nadador salvador dedicado 24 horas por dia na referida piscina. Contudo, tal norma impõe aquilo que a norma ipsis verbis impõe: a segurança do hotel para os clientes. Segurança essa que se deverá adequar ao caso concreto e às actividades que com a permissão do hotel são realizadas nas respectivas instalações.
XIII. O erro de julgamento plasmado na sentença proferida resulta do facto de o Tribunal a quo ter isolado a norma do contexto fáctico apurado.
XIV. A sentença proferida faz uma análise da norma no sentido de se apurar se, do próprio texto resulta uma obrigação genérica de dedicar, em abstrato, um nadador salvador.
XV. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo, afastou da ponderação de direito os elementos que os autores do facto omissivo tinham conhecimento e que, na modesta perspectiva dos Recorrentes, fazia incorrer/nascer sobre os Recorridos um especial dever de cuidado.
XVI. O caso dos autos não resulta numa simples morte numa piscina, como infelizmente ocorre noutros casos. E essa morte, em circunstâncias paralelas, poderá até não a levar a uma responsabilidade do explorador se não ocorrerem os alertas, da vítima ou de terceiro, que evidencie o perigo para a pobre vítima.
XVII. A festa foi organizada com o propósito claro e exclusivo de concentrar elementos potenciadores do dano!
XVIII. Neste particular ficou provado que as festas a organizar precisavam de ser pedidas e registadas, ficando especificadamente provado que a festa foi desde logo intitulada como “Summer Hanghover party”.
XIX. O primeiro risco acrescido foi desde logo a identificação e anúncio da festa do primeiro factor de risco: a identificação como a festa da ressaca.
XX. Resulta também dos factos que a festa foi realizada à noite!
XXI. Para um bonus pater familias que a visibilidade à noite é menor.
XXII. Tratando-se de uma festa, a actividade principal não era de natação ou similar, mas antes de uma actividade recreativa, pelo que é normal, para um bonus pater familias assumir que as pessoas participantes desta festa teriam múltiplos factores de distracção, que não a atenção para as pessoas que se encontrassem na piscina.
XXIII. Essa distracção é ainda maior se acrescentarmos o elemento de música alta comum nestas festas.
XXIV. A existência de música alta diminui a possibilidade de se detectar que uma pessoa normal esteja em situação de aflição e esteja a pedir socorro.
XXV. Resulta da factualidade provada que era do próprio conhecimento dos Réus que a festa era dedicada ao consumo de bebidas alcoólicas, ou seja, de uma substância que consabidamente diminui as capacidades físicas das pessoas, que necessariamente leva a uma maior perigosidade se associada à actividade de natação e, da mesma forma, diminui a capacidade de atenção das pessoas na percepção ou não que um jovem se encontre em estado de aflição.
XXVI. Estes elementos de facto não resultam de circunstâncias exógenas para as quais os Réus seriam alheios. Na qualidade de pais, da mesma forma que um bonus pater familias, recusam-se a aceitar o alheamento dado pela sentença recorrida a todos os factores de risco ora criados, ora consentidos pelos Réus no seu conjunto.
XXVII. Os Réus não foram alheios aos factores de risco: criaram-nos ou consentiram que mos mesmos se agregassem no mesmo espaço!
XXVIII. Essa aglomeração dos factores potenciadores dos danos foram assim decididos por parte dos Réus!
XXIX. Essa conduta determina, salvo o devido respeito, em termos de subsunção, à qualificação da actividade, pelo menos, como uma actividade perigosa. Lembramos que actividade estamos a tratar, já que se não trata de uma mera actividade de exploração de piscina ou hotel.
XXX. A actividade consistiu: Na realização de uma festa; à noite; Com consumo massivo de álcool e convite ao seu consumo excessivo (“hangover party”); Com piscina; Com música alta.
XXXI. A interpretação sustentada no acórdão em crise é, salvo melhor opinião, manifestamente incorrecta, na medida em que não ponderou a conduta dos Réus como os geradores dos factores de risco que permitiram precisamente que a morte passasse desapercebida.
XXXII. Foi a confusão gerada pelos Réus que permitiu, precisamente, que ninguém se apercebesse do sinistro, na MORTE do filho dos Recorrentes.
XXXIII. É contraditória conclusão de que “Não se afigura que a organização duma festa num espaço com acesso à piscina e com o consumo do álcool torna a actividade com maior probabilidade de causar danos.”
XXXIV. Com todo o respeito que é devido, a frase do acórdão é paradoxal e contradiz a generalidade da jurisprudência que se refere aos efeitos do consumo de álcool para qualquer actividade.
XXXV. A lei não definiu o conceito de “actividade perigosa”, deixando esse trabalho para a doutrina e à jurisprudência, contudo, o legislador é claro no sentido de determinar que que a perigosidade há-de resultar de própria natureza da actividade desenvolvida ou da natureza dos meios utilizados.
XXXVI. Perigosa será a actividade que envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral quer pelas características da actividade em si, quer pelos meios utilizados para a desenvolver, sendo a sua apreciação casuística.
XXXVII. Se pode ser discutível a actividade de gestão de piscina como uma actividade perigosa, não é, nem é concebível de que seja discutível que o incentivo ao consumo intenso do álcool – a ponto da ressaca – traz necessariamente um factor de risco e perigosidade acrescido à referida actividade.
XXXVIII. A actividade criada, permitida e explorada pelos Réus foi assim, necessariamente uma actividade perigosa.
XXXIX. A lei estabelece neste caso unia inversão do ónus da prova, a presunção de culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa.
XL. É este quem tem de provar, para se eximir à responsabilidade, que não teve culpa na produção do facto danoso.
XLI. Nenhum dos Recorridos demonstrou – nem alegou, aliás – que promoveram todas as providências exigidas pelas circunstâncias.
XLII. Desde logo a primeira Recorrida porquanto, na medida em que se alheou de toda a gestão da festa que permitiu, aceitou e tornou-se cúmplice nos meios empregues, não quis saber da segurança dos consumidores que frequentaram o seu estabelecimento comercial.
XLIII. Em conjunto, os Recorridos C MACAU, SA, D, Companhia Limitada e E, são solidariamente responsáveis pelas consequências do acidente dos autos, nos termos do disposto nos artigos 486º e 490º do Código Civil.
XLIV. O 3º Recorrido é ainda responsável, como administrador da D, Companhia Limitada, pelos danos que o mesmo causou.
XLV. Foi este administrador o responsável pela contratação do evento, tendo o mesmo dado a designação e promovido a festa da ressaca ao evento por si organizado, não cuidando de salvaguardar a existência e provisão de meios de salvamento próprios.
XLVI. Esta responsabilidade aquiliana directa dos administradores face aos sócios ou terceiros, faz com que os administradores respondam também, nos termos gerais, para com terceiros, in casu, os Autores, pelos danos que a estes directamente causaram no exercício das suas funções, conforme estatuído no artigo 250º do Código Comercial.
XLVII. Com a inversão do ónus da prova, e não tendo os Recorridos demonstrado terem tomado todas as diligências para evitar que o dano ocorresse, considera-se que os mesmos agiram com culpa.
XLVIII. Tendo a morte resultado do afogamento, não tendo os Recorridos demonstrado que tomaram todas as diligências aptas a garantir a segurança e afastar o dano são solidariamente responsáveis pelo acidente ocorrido.
XLIX. São, pois, pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, e da consequente obrigação de indemnizar, a existência de um facto voluntário, que tanto pode consistir num facto positivo – uma acção – como num negativo – uma omissão ou abstenção -, a sua ilicitude ou desconformidade com a lei, a possibilidade de imputação desse facto voluntário ao lesante a título de dolo ou negligência, a ocorrência de um dano ou prejuízo e o nexo de causalidade entre o facto voluntário e o dano.
L. Ora, eram os funcionários das Recorridas que estavam obrigados a averiguar se as condições de segurança estavam garantidas.
LI. Cabia às duas primeiras Recorridas verificar e garantir a segurança da festa da ressaca na piscina, festa concebida pela 2ª Recorrida e aceite pela 1ª Recorrida.
LII. Em face da factualidade descrita e apurada nos presentes autos é de concluir que os Recorridos omitiram os seus deveres de diligência.
LIII. A conduta dos Recorridos não pode deixar de se considerar ilícita e culposa, consubstanciando-se a ilicitude nas lesões sofridas pelo filho dos Recorrentes e a culpa na omissão dos deveres de cuidado que sob os Recorridos impendiam.
LIV. Demonstrada a ilicitude, a culpa e o nexo causal entre o facto (no caso a omissão de fiscalização e segurança) e o dano sofrido, terá de se concluir pela obrigação de indemnizar dos Recorridos.
LV. Resulta claro que a sentença em crise, com todo o devido respeito, passou mesmo ao lado da questão submetida pelos Autores à apreciação do Tribunal: a avaliação em conjunto dos factores potenciadores de risco criados ou consentidos pelos Réus.
LVI. A sentença em crise faz uma análise isolada e destacada dos elementos de perigosidade, concluindo, separadamente pela falta de perigosidade dos elementos.
LVII. Isto quando os factos apurados impunham e impõem uma análise agregada ou cumulativa dos factores de risco e dos seus autores/promotores, i.e., dos Recorridos.
LVIII. Ao não se referir aos factores de risco apurados como provados, a sentença padece, salvo o devido respeito em invalidade cominada na lei com o vício de nulidade nos termos do disposto no art. 571º, n.º 1, al. d) do CPC.
LIX. Invoca-se na fundamentação da sentença na parte em que se refere que a vítima, o filho dos Recorrentes ter sido diagnosticada como tendo tomado substâncias psicotrópicas.
LX. Não resulta da sentença qualquer conclusão jurídica para o referido facto.
LXI. Com efeito, se a actividade promovida, como se viu, deve ser qualificada como sendo uma actividade perigosa, atendendo aos elementos cumulativos de perigosidade criados pelos Recorridos, é sobre estes, e não sobre os Autores, ora Recorrentes, que deverá resultar o ónus de demonstrar que tomaram todas as diligências que assegurassem a não verificação do dano.
LXII. A causa específica da morte está demonstrada como sendo o afogamento… e não um consumo qualquer de substâncias psicotrópicas e esse afogamento ocorreu nas circunstâncias perigosas criadas pelos Recorridos, não tendo sido demonstrado, pelos Réus, ora recorridos, não tendo sido demonstrado, pelos Réus, ora recorridos, qualquer nexo de causalidade entre esse eventual consumo e a morte, pelo que esse facto não pode servir de exclusão de responsabilidade dos Recorridos.
LXIII. Pelo que, face a todo o exposto, e salvo devido respeito, foram violadas pelo Tribunal a quo as normas dos artigos 571º, n.º 1, al, d) do Código de Processo Civil, 486º, n.º 2 e 490º do Código Civil devendo a douta sentença recorrida ser revogada.
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que V. Exas. melhor suprirão, requerem os Recorrentes que seja revogada a sentença recorrida e seja a mesma substituída por outra que julgue a acção procedente por provada e condene os Recorridos nos termos peticionados.”
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Responderam os 2ª e 3º Réus ao recurso, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. A 2ª Ré, ora Recorrida, organizou uma festa privada no dia 4 de Julho de 2010, no espaço comercial “Reflections”, no Hotel X, à qual deu a denominação de “D SUMMER HANGOVER”.
II. Para ter acesso à referida festa, os clientes tinham que ser maiores de idade e adquirir um bilhete que concedia o direito a uma bebida.
III. Na referida festa, os clientes podiam beber, ouvir música, dançar, conviver e ver jogos de futebol do Campeonato do Mundo FIFA.
IV. O ambiente da festa era igual ao de qualquer outra festa com a mesma natureza: havia um bar com bebidas à disposição daqueles que as quisessem consumir e tivessem dinheiro para as pagar, luzes adequadas a um espaço de dança e música apropriada à ocasião.
V. Os AA. baseiam todo o peticionado nos presentes autos no facto de existir uma piscina no espaço escolhido para a realização da festa, porquanto reputam que uma festa num local onde existe uma piscina torna a organização da mesma como uma “actividade perigosa”.
VI. Mesmo sabendo que a piscina tinha uma altura máxima de 1,40 metros (cfr. alínea j) dos Factos Assentes).
VII. Que para ter acesso à festa, os clientes tinham que ser maiores de 18 anos (cfr. resposta ao quesito 2-Aº da Base Instrutória), ou seja, com “plena capacidade de exercício de direitos” e capaz de “reger a sua pessoa (…)” (cfr. artigo 118º do CC).
VIII. No momento da compra do bilhete para participar na referida festa, os adquirentes precisavam de exibir o seu Bilhete de Identidade.
IX. O ambiente da festa era igual ao de qualquer outra festa ou evento social: havia música, luz adequada a uma festa e liberdade para os convidados circularem pelo espaço reservado ao evento.
X. Os convidados podiam, consoante a sua vontade, consumir ou não bebidas alcoólicas.
XI. A piscina situada no perímetro da festa tinha uma altura máxima de 1,40 metros (cfr. alínea j) dos Factos Assentes).
XII. Não havia nadador salvador no local da festa, por tal não ser exigível, por um lado, pelas circunstâncias da festa e idade dos convidados e, por outro lado, por força da lei.
XIII. Ora, dadas as características do evento e a idade dos participantes, é mister concluir que os RR. não descuraram qualquer “dever de cuidado” nem tampouco criaram quaisquer “factores de risco”.
XIV. Na tese defendida pelos AA., os “factores de risco” criados pelos RR. foram os seguintes: organização de um evento denominado “D SUMMER HANGOVER” e inexistência de um nadador salvados na piscina situada no local onde foi realizado o evento.
XV. No que concerne ao nome/denominação escolhida para a festa (“D SUMMER HANGOVER”), o mesmo não pode ser gerador ou potenciador de quaisquer efeitos jurídicos – um nome ou designação não é potenciador ou criador de quais efeitos, nem jurídicos nem de qualquer outra espécie.
XVI. Acresce a tal facto que ficou amplamente provado em sede de audiência de discussão e julgamento que a maioria dos participantes no evento não sabia qual era o seu nome.
XVII. Por outro lado, entendem os AA. que impendia sob os RR. um dever legal de vigilância, porquanto o local do evento era dotado de “especiais factores de risco” que, no entender dos AA. eram os seguintes:
- “Realização de uma festa”;
- “À noite”;
- “Com consumo massivo de álcool e convite ao seu consumo excessivo”;
- “Com piscina”;
- “Com música alta”.
XVIII. Não obstante o sucedido ao filho dos AA., que se lamenta, não poderá considerar-se que os referidos factores fossem de risco, porquanto as características (ou factores) referidas se verificam em qualquer festa ou evento.
XIX. Os factores “realização de uma festa”, “à noite”, com consumo de álcool (como em qualquer outra festa), “com piscina” (que tinha uma altura máxima de 1,40 metros) e “com música alta” (entendem os AA. que o nível sonoro da música da festa prejudicou o pedido de ajuda – que ficou provado que não aconteceu – do seu filho) analisados em conjunto nunca poderiam configurar uma situação potenciadora de risco com a concebem os AA.
XX. Assim, nenhum dos referidos factores contribui para que impenda sob a organização do evento qualquer dever especial de cuidado por existência de qualquer factor agravado de risco ou por se tratar de uma actividade perigosa.
XXI. Pelo que, é mister e forçoso concluir que não há qualquer culpa por parte de qualquer um dos RR. e ora Recorridos, mas sim culpa do lesado, que ingeriu álcool e substâncias psicotrópicas em demasia por sua conta e risco, não tendo assim o comportamento adequado a uma festa.
XXII. Ficou provado que o filho dos AA. ingeriu não só álcool como também substancias psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepinas (resposta aos quesitos 80º e 82º da Base Instrutória).
XXIII. Que, como se sabe, diminuem as capacidades de reacção de quem as consome.
XXIV. Motivo pelo qual o filho dos AA. não pediu qualquer ajuda ou auxilio.
XXV. Acaso o tivesse feito, e visto que havia muitas pessoas dentro da piscina, o socorro teria sido providenciado.
XXVI. Assim, será forçoso concluir que o comportamento do filho dos AA. contribuiu decisivamente para a diminuição das suas capacidades e, consequentemente, para o resultado que se verificou (cfr. artigo 564º, n.º 1 do CC).
XXVII. Pelo exposto, andou bem o Tribunal a quo ao concluir pela absolvição dos RR.
Mesmo que assim não se entenda,
XXVIII. Para que haja obrigação de indemnizar, os pressupostos da responsabilidade civil têm que se encontrar preenchidos, a saber: facto ilícito – acção ou omissão -, culpa e nexo de causalidade.
XXIX. No caso em apreço não impendia sobre os RR. qualquer dever de vigilância, pese embora a mesma tenha sido realizada através de guardas de segurança, pelo que não poderá considerar-se que houve qualquer omissão.
XXX. Dispõe o artigo 479º do CC que “As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.”
XXXI. Acresce que não poderá considerar-se que o facto de haver álcool à disposição de pessoas maiores de idade que o queiram consumir e uma piscina (com altura máxima de 1,40 metros) sejam factores que onerem os RR. com qualquer dever especial de vigilância, nos termos já explanados supra.
XXXII. Ora, o facto de os participantes na festa ingerirem álcool ou drogas – por sua livre vontade – e depois tomarem banho numa piscina (onde quer que esta esteja inserida, numa festa ou em qualquer outro local) pode ser considerado um meio idóneo para provocar o resultado afogamento, sendo isso, no entanto, da exclusiva responsabilidade dos consumidores.
XXXIII. Pelo que, uma vez mais, terá que se concluir que não há qualquer culpa por parte dos RR.
XXXIV. Mais, o filho dos AA. foi assistido por uma médico que se encontrava de serviço no Hotel X.
XXXV. Assistência esta que foi mais rápida do que a assistência dos Bombeiros.
XXXVI. Mesmo assim, reputam os AA. a assistência prestada pela médica do Hotel X – que, reitera-se, não tem qualquer obrigatoriedade de dispor de pessoal médico 24 horas – de tardia..
XXXVII. Por outro lado, andou bem o Tribunal a quo ao considerar que “obviamente os 3º e 4º Réus não se poderão responsabilizar pelos danos reclamados pelos Autores” porquanto “da factualidade apurada resulta apenas que a conexão que esses dois Réus têm com o caso ora discutido é que os dois assinaram o contrato de arrendamento em representação das 1ª e 2ª , Rés, sendo o 3º Réu também administrador da 2ª Ré.”
XXXVIII. Dispõe o artigo 250º do Código Comercial dispõe que: “Os administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros, pelos danos que a estes directamente causem no exercício das suas funções.”
XXXIX. In casu tal preceito não poderá ser aplicável, visto que o dano verificado foi a morte por afogamento do filho dos AA. e o acto praticado pelo 3º Réu foi a assinatura de um contrato, “no exercício das suas funções”.
XL. Pelo que, também neste ponto falece a tese dos AA.
XLI. Por fim, resultou provado que do filho dos AA. consumiu álcool e substâncias psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepinas (respostas aos quesitos 80º e 82º da base instrutória) supondo-se que o fez no período imediatamente anterior à hora e data da festa que, infelizmente, o vitimou – cfr. análises toxicológicas realizadas ao filho dos AA. aquando da sua entrada no Hospital Kiang Wu, a fls. 988 dos autos.
XLII. O tempo de semi-vida (isto é, o tempo que o organismo demora a reduzir as quantidades administradas a metade da dose inicial) da Ketamina é de aproximadamente 4 horas.
XLIII. Aquando da admissão no Hospital, após ter sido encontrado, o filho dos AA. ainda continha uma quantidade elevada de Ketamina e Benzodiazepinas no organismo (cfr. análises toxicológicas, a fls. 988 dos autos).
XLIV. Pelo que se poderá concluir que o filho dos AA. consumiu uma dose elevada destas substâncias psicotrópicas.
XLV. A ketamina é um anestésico que, em quantidades elevadas, pode provocar entrada em estado comatoso dos seus consumidores.
XLVI. Por outro lado, as benzodiazepinas são um grupo de fármacos que têm efeitos relaxantes.
XLVII. Ora, em conjunto, ketamina e benzodiazepinas provocam um efeito de sonolência e relaxe capazes de diminuir as capacidades de qualquer ser humano.
XLVIII. Tendo em conta o exposto, terá forçosamente que se concluir que andou bem o Tribunal a quo ao decidir que “Convêm não esquecer que, para além do álcool, o filho dos Autores tinha ingerido igualmente substâncias psicotrópicas antes do acidente (resposta ao quesito 80), se bem que não ficasse provado o nexo de causalidade entre essas substâncias e o afogamento, o que não poderia afastar a hipótese de estas terem contribuído para a sua consciência e a capacidade de decidir.”
Nestes termos, e nos melhores de Direitos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a costumada Justiça.”
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Também responderam os 1ª e 4.º Réus ao recurso, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
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Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
A 1ª R. é uma sociedade comercial cujo objecto social consiste, em instalar, operar e gerir jogos de fortuna ou azar em casino e outras actividades conexas; desenvolver, gerir, melhorar, vender, arrendar ou alugar, trocar, investir, reinvestir, estabelecer, conceder licenças, autorizações, ónus, opções, servidões e quaisquer outros direitos sobre, ou fazer negócios relativos a todo ou parte do património da sociedade, activo e passivo (presente ou futuro), incluindo subscrição de capital, e a quaisquer direitos, interesses e privilégios da dita sociedade, adquirir, vender, possuir ou ser proprietária, locar, alugar, administrar, gerir, controlar, operar, construir, reparar, alterar, equipar, fornecer, acomodar, decorar, melhorar e por qualquer outro forma tomar e negociar trabalhos de construção civil, prédios, projectos, escritórios e estruturas de qualquer tipo; prosseguir toda e qualquer actividade de hotelaria e restauração, patrocínio, gestão e licenciamento de todos os tipos de desportos, competições, actividades sociais e de recreio e de clubes, associações e eventos sociais de todos os tipos e fins; ser parte em quaisquer acordos com governos, autoridades, sociedades, ou pessoas e realizar ou submeter-se a quaisquer leis, ordens, estatutos, contratos, decretos, direitos, privilégios ou faculdades, licenças, franquias, autorizações e concessões para quaisquer fins e levar a cabo, exercer e cumprir os mesmos e fazer, executar, ser parte, iniciar, prosseguir, fazer cumprir e defender todos os actos, contratos acordos, negociações, acções legais ou outras, compromissos e esquemas e levar a cabo todos os outros actos, matérias e factos que sejam considerados necessários ou convenientes para a prossecução dos fins ou protecção da sociedade; prosseguir qualquer outro negocio e efectuar qualquer acto ou actividade em que os sócios acordem que seja de interesse ou necessário fazer ou levar a cabo em conexão com qualquer dos acima referidos, ou que pareça apropriado para, directa ou indirectamente, aumentar o valor de toda ou parte das propriedades ou bens da sociedade, ou torna-los mais rentáveis, ou por qualquer modo favorecer os interesses da sociedade ou dos sócios nomeadamente, na instalação, operação e gestão de jogos de fortuna ou azar em casino e outras actividades conexas, conforme certidão de registo comercial que ora se junta como Documento 2 e se dá por integralmente reproduzido. (alínea A) dos factos assentes)
No âmbito do exercício da sua actividade comercial, a Ré C é proprietária do Hotel X, estabelecimento comercial com número de cadastro …, sito na…, Macau, conforme certidão da Direcção dos Serviços de Finanças que se junta como documento número 4 e que a aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legas. (alínea B) dos factos assentes)
A Ré D, Companhia Limitada, é uma sociedade comercial e cujo objecto social se refere à produção de entretenimento conforme certidão de registo comercial. (alínea C) dos factos assentes)
No dia 4 de Julho de 2010, por volta das 4 horas da madrugada, decorria uma festa na piscina que vinha denominada como “D Summer Hangover”. (alínea D) dos factos assentes)
O filho dos Autores, G, participou na referida festa como cliente. (alínea E) dos Factos Assentes)
A festa foi organizada pela 2ª Ré, a D Companhia Limitada, na sequência da celebração de um contrato com a C Macau, Limited, ora 1ª Ré. (alínea F) dos factos assentes)
O qual foi assinado por E, 3º Réu e representante e administrador da D e assinado por F, 4º Réu, em representação da C. (alínea G) dos factos assentes)
E no qual a 2ª Ré arrendou o espaço ao Hotel X, durante o período das 21 horas do dia 3 de Julho até às 5 horas da manhã do dia 4 de Julho de 2010. (alínea H) dos factos assentes)
Que compreendia a piscina e o bar do 6º andar do referido Hotel, local designado como “Reflections”. (alínea I) dos factos assentes)
A profundidade máxima da piscina era de 1,40 metros. (alínea J) dos factos assentes)
O filho dos Autores tinha à data do incidente 21 anos de idade. (alínea K) dos factos assentes)
O filho dos Autores faleceu no dia 2 de Julho de 2012 em Macau. (alínea L) dos factos assentes)
Na festa referida em D) os clientes podiam beber, ouvir música, dançar, assistir ao jogos de futebol do Campeonato do Mundo, nadar e brincar na piscina. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Para ter acesso à festa denominada “D Summer Hangover” era necessário ser maior de 18 anos e comprar o respectivo bilhete. (resposta ao quesito 2-Aº da base instrutória)
Por volta das 3h15m, a maioria dos convidados estavam a consumir bebida alcoólica. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
Alguns deles atirando-se e atirando outros para a piscina. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
O filho dos Autores foi atirado para a piscina. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
O filho dos Autores, após ter saído da piscina, sentou-se no seu lugar e depois de ter retirado a sua roupa voltou para a piscina. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
Perto das 4h17minutos da manhã, um conhecido de nome X apercebeu-se que o filho dos Autores estava debaixo de água, no fundo da piscina e sem se mover. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
A piscina não tinha nadador salvador. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
A piscina tinha duas câmaras de CCTV. (resposta ao quesito 14-Aº da base instrutória)
A câmara de CCTV que estava no local da piscina onde correu o acidente encontrava-se tapada por um guarda-sol, não existindo por isso qualquer registo de imagens naquele sítio. (resposta ao quesito 14-Bº da base instrutória)
As únicas imagens que existem são as captadas por uma câmara situada num lugar mais distante de local onde ocorreu o acidente. (resposta ao quesito 14-Cº da base instrutória)
As câmaras apesar de estarem a gravar, não estavam a ser visionadas pelos funcionários do Serviços de Vigilância e Fiscalização do Hotel X, que estavam ao serviço naquele noite. (resposta ao quesito 16º da base instrutória)
A médica do Hotel X chegou ao local do incidente às 4h28m. (resposta ao quesito 17º da base instrutória)
Os Réus sabiam qual é o tema da referida festa. (resposta ao quesito 22º da base instrutória)
Os danos causados ao filho dos Autores resultaram de pneumonia de aspiração, inflamação pulmonar que impede as trocas gasosas (ARSD), Consumo de factores de coagulação (DIC) originando hemorragias, isquémia e hipoxia cerebral. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
Consequência do afogamento. (resposta ao quesito 26º da base instrutória)
O afogamento do filho dos Autores conduziu ao seu estado de coma durante dois anos. (resposta ao quesito 27º da base instrutória)
O qual foi a causa da sua morte em 2 de Julho de 2012. (resposta ao quesito 28º da base instrutória)
Desde a data do incidente até à sua morte o filho dos Autores tinha tido respiração assistida a todo o tempo. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)
Era alimentado de forma intravenosa. (resposta ao quesito 33º da base instrutória)
Os Autores desde o dia 4 de Julho de 2010 sofreram todos os dias enquanto o seu filho permaneceu em coma e continuam a sofrer agora com a sua morte. (resposta ao quesito 35º da base instrutória)
Durante todo este tempo assistiram impotentes à degradação gradual da saúde do filho. (resposta ao quesito 36º da base instrutória)
Tiveram que assistir todos os dias à degradação gradual e sistemática do corpo do filho, prostrado numa cama de hospital, ligado a uma máquina que lhe fornecia oxigénio para sobreviver. (resposta ao quesito 37º da base instrutória)
Vendo-o a ser alimentado através de uma sonda. (resposta ao quesito 38º da base instrutória)
O sentimento de impotência e angústia dos Autores, adensou-se quando viram que não podiam mais suportar os custos para tratamento médico. (resposta ao quesito 39º da base instrutória)
O facto de todos os dias, desde o incidente, viverem este sofrimento levou a que o Autor pai deixasse de trabalhar. (resposta ao quesito 40º da base instrutória)
Tendo chegado a encerrar a sua empresa durante quase dois anos. (resposta ao quesito 41º da base instrutória)
Durante o mesmo período a Autora mãe entrou em depressão nervosa. (resposta ao quesito 42º da base instrutória)
Os Autores deslocaram-se a várias regiões da China, designadamente, a Pequim, Foshan e Hong Kong para procurar outras opiniões médicas. (resposta ao quesito 43º da base instrutória)
O filho dos Autores permaneceu no Hospital Kiang Wu desde o dia do incidente, 4 de Julho de 2010 até 18 de Agosto de 2010. (resposta ao quesito 44º da base instrutória)
Onde aí recebeu tratamentos que comportaram despesas na quantia de MOP$409.340,00. (resposta ao quesito 45º da base instrutória)
No dia 18 de Agosto de 2010, o filho dos Autores foi transferido para o Hospital Militar em Cantão. (resposta ao quesito 46º da base instrutória)
O filho dos Autores foi transferido para o Hospital Conde São Januário no dia 25 de Março de 2011 e aí permanecido até a sua morte em 2 de Julho de 2012. (resposta ao quesito 46-Aº da base instrutória)
Os Autores gastaram a quantia de RMB¥751.368,00 e ainda RMB¥4.130,70 em suplementos médicos em Hospital Militar de Cantão. (resposta ao quesito 47º da base instrutória)
Quando o filho foi transferido para o Hospital Militar de Cantão e aí permaneceu cerca de 7 meses, a Autora também para aí se deslocou em companhia da filha mais velha e aí viveram durante aquele período de tempo primeiro num hotel e depois numa casa arrendada. (resposta ao quesito 47-Aº da base instrutória)
Tendo aí despendido na estadia do Hotel e no arrendamento da casa a quantia de RMB¥18.596,55. (resposta ao quesito 48º da base instrutória)
Tendo gasto também a quantia de RMB¥772,00 em relatórios médicos. (resposta ao quesito 49º da base instrutória)
Em transportes de táxi em Cantão gastaram a quantia de RMB¥178.00. (resposta ao quesito 50º da base instrutória)
Em autocarro nas viagens de Cantão – Macau os Autores gastaram a quantia de RMB¥6,830.00. (resposta ao quesito 51º da base instrutória)
Em autocarro nas viagens de Cantão – Nanlang os Autores gastaram a quantia de RMB¥2.158,00. (resposta ao quesito 52º da base instrutória)
Tendo gasto em deslocações para consultas médicas em Pequim RMB¥5.878,20. (resposta ao quesito 53º da base instrutória)
Gastaram em deslocações para consultas médicas em Foshan a quantia de RMB¥546,00. (resposta ao quesito 54º da base instrutória)
Em Hong Kong gastaram em consultas médicas a quantia de HK$5.255,00. (resposta ao quesito 56º da base instrutória)
E em Macau gastaram a quantia de MOP$370,00. (resposta ao quesito 57º da base instrutória)
Por seu lado, no Hospital Conde D. Januário os Autores têm que pagar a quantia de MOP$67.733,00 em tratamentos médicos e internamento do filho. (resposta ao quesito 58º da base instrutória)
Pagaram MOP$2.082,84 em chamadas telefónicas internacionais. (resposta ao quesito 60º da base instrutória)
Pagaram ainda a quantia de MOP$975,00 em despesas de relatórios médicos e MOP$6.345,00 em despesas médicas. (resposta ao quesito 61º da base instrutória)
Pagaram também em produtos paliativos, tais como fraldas para o seu filho, a quantia de RMB¥4.130,70. (resposta ao quesito 62º da base instrutória)
Por sua vez em certidões de casamento, de óbito e de nascimento pagaram a quantia total de MOP$540,00. (resposta ao quesito 63º da base instrutória)
E na realização da habilitação de herdeiros pagaram a quantia total de MOP$590,00. (resposta ao quesito 64º da base instrutória)
Os Autores tiveram também que pagar pelo funeral do filho a quantia de MOP$86.269,50. (resposta ao quesito 65º da base instrutória)
Os Autores pagaram ainda a quantia de MOP$15.000,00 até ao momento em honorários de advogado. (resposta ao quesito 66º da base instrutória)
Para fazer face a todas estas despesas os Autores tiveram que hipotecar três imóveis que possuíam e contrair dois empréstimos. (resposta ao quesito 67º da base instrutória)
O filho dos Autores vivia com os Autores e contribuía para a economia do agregado familiar com MOP$5.000,00 mensais. (resposta ao quesito 69º da base instrutória)
O 3º Réu foi o responsável pela contratação do evento, tendo o mesmo dado a designação “Summer Hangover Party”. (resposta ao quesito 70º da base instrutória)
Foi o D, Lda., quem fixou as regras de admissão e de comportamento durante a festa. (resposta ao quesito 77º da base instrutória)
A D, Lda., encarregou-se do fornecimento e venda de bebidas. (resposta ao quesito 78º da base instrutória)
A D, Lda., encarregou-se sozinha da música da festa. (resposta ao quesito 79º da base instrutória)
Foi detectado no organismo do filho dos Autores substância psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepinas. (resposta ao quesito 80º da base instrutória)
O filho dos Autores havia consumido álcool antes de ter sido transportado para o Hospital Kiang Wu. (resposta ao quesito 82º da base instrutória)
O filho dos AA. tinha resíduos de alimentos na boca quando foi admitido no hospital. (resposta ao quesito 83º da base instrutória)
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O caso dos autos
Foi organizada pela 2ª Ré uma festa que decorreu entre as 21 horas do dia 3 de Julho e as 5 horas do dia 4 de Julho de 2010, num espaço cedido pela 1ª Ré que incluía a piscina e o bar do referido hotel.
Nesta festa, os clientes podiam nadar e brincar na piscina, consumir bebidas alcoólicas ou não alcoólicas, ouvir música, dançar, ver jogos do campeonato mundial de futebol, etc.
Ocorreu nesta noite um acidente, tendo o filho dos Autores sido encontrado debaixo de água, no fundo da piscina.
Não foi disponibilizado nesta noite nadador-salvador na piscina e a câmara de videovigilância instalada no local da piscina encontrava-se tapada por um guarda-sol.
O filho dos Autores foi depois encaminhado para o hospital, tendo permanecido em coma por cerca de 2 anos e veio a falecer em 2.7.2012.
Resulta da autópsia e do relatório médico que o filho dos Autores se afogou na piscina e morreu na sequência do afogamento.
Foi ainda detectado no organismo do filho dos Autores substâncias psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepinas.
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Entende a sentença recorrida que os Réus não tinham responsabilidade pela morte do filho dos Autores.
Vejamos por partes.
No que respeita à responsabilidade dos 3º e 4º Réus, julgamos não assistir razão aos recorrentes, devendo confirmar a sentença recorrida nesta parte, pois aqueles Réus apenas intervieram na outorga do contrato de cedência temporária de determinado espaço do Hotel com vista à organização da festa, tendo agido em representação das 2ª e 1ª Rés, respectivamente.
Prevê o artigo 250.º do Código Comercial que “os administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros, pelos danos que a estes directamente causem no exercício das suas funções.”
Entende António Menezes Cordeiro que se trata aqui de danos directamente causados sem a interferência da sociedade, ou seja, ficam excluídos os danos derivados de má gestão. Pois, estando em causa danos causados no exercício das suas funções, tais danos são naturalmente imputados à própria sociedade, e não ao administrador em si1.
Como se refere na sentença recorrida, e bem, não se logrou a prova de que os 3º e 4º Réus teriam praticado em nome próprio factos de que resultaram danos para os Autores, pois aqueles apenas outorgaram em nome das respectivas sociedades o contrato de cedência temporária de espaço do hotel, pelo que, inaplicável seria o disposto no artigo 250.º do Código Comercial, não devendo os mesmos assumir qualquer responsabilidade perante os Autores.
Improcede o recurso quanto a esta parte.
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Entende ainda a sentença recorrida que as 1ª e 2ª Rés não precisam de assumir qualquer responsabilidade pela morte do filho dos Autores.
Salvo o devido respeito por opinião diferente, não acompanhamos a tal posição.
Dispõe o artigo 479.º do Código Civil que “as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido”.
Como observa Antunes Varela2, “a omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omissão é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano.”
Desta forma, a omissão só é ilícita se alguém tem o dever de agir e não agiu, podendo esse dever ser criado por contrato ou ser imposto por lei.
Entende a sentença recorrida que, não existindo norma jurídica que exige obrigatoriamente a afectação de nadador-salvador nas piscinas do estabelecimento hoteleiro, o facto de não ter colocado nadador-salvador na piscina durante a festa, não incorreram as Rés em violação de nenhum dever legal.
Vejamos.
Preceitua-se no artigo 45º do Decreto-Lei n.º 46/96/M, de 1 de Abril o seguinte:
“1. Os estabelecimentos hoteleiros e similares deve existir um responsável, a quem cabe zelar pelo bom funcionamento do estabelecimento, atendimento correcto da clientela, rapidez e eficiência do serviço e pelo cumprimento das disposições legais aplicáveis.
2. Ao responsável a que se refere o número anterior cabe também providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento.”
Conforme elucida o preâmbulo3 daquele diploma legal, a finalidade de nova regulamentação consiste em elevar a qualidade da actividade hoteleira, criando condições e definindo regras para que aquela actividade possa ser exercida segundo parâmetros internacionalmente reconhecidos, sobretudo em matérias de higiene, segurança e conforto dos clientes.
A nosso ver, é verdade que não se estipula expressamente nesse artigo 45.º que os estabelecimentos hoteleiros e similares terão que proceder à afectação de nadador-salvador para zelar pela segurança dos utentes das suas piscinas, mas não é menos verdade que essa exigência legal de “providenciar, através dos meios adequados, pela segurança geral do estabelecimento” vai depender do tipo de serviços a fornecer pelo respectivo estabelecimento hoteleiro.
Na generalidade dos casos, para os hotéis que só fornecem serviços de hospedagem, basta o hotel, por exemplo, reunir as condições de segurança contra incêndio ou contratar guardas de segurança suficientes para zelar pelo bem-estar e segurança dos seus hóspedes.
Mas hoje em dia, há hotéis que proporcionam outras actividades para além dos serviços de hospedagem, nomeadamente piscinas, corredeiras ou actividades para crianças. Nessas situações, é natural que as exigências em termos de segurança são muito maiores, sendo que para zelar pela segurança do hotel e reflexamente segurança dos seus clientes, o hotel é obrigado a tomar providências adequadas quando fornece aqueles serviços.
Nesta medida, sendo a 1ª Ré proprietária da piscina, ao permitir o seu uso por pessoas terceiras, aquela norma impõe-lhe que tome providências adequadas a assegurar a segurança do hotel e, reflexamente, a dos seus clientes, mas não o fez, teve uma conduta omissiva, devendo, assim, responder civilmente pelos danos causados a terceiros.
Ademais, uma boa parte da doutrina portuguesa já tem vindo a alargar a responsabilidade delitual por omissão para além dos casos legalmente típicos, entendendo que “alguém possui coisas ou exerce uma actividade que se apresentam como potencialmente susceptíveis de causar danos a outrem, tem igualmente o dever de tomar as providências adequadas a evitar a ocorrência de danos, podendo responder por omissão se o não fizer”4.
Também a jurisprudência portuguesa, citado a título de direito comparado, defende no mesmo sentido: “Daí que para alguém ser responsável por omissão pelos danos sofridos por outrem se exija, para além dos outros pressupostos da responsabilidade delitual, um dever específico, que torne um particular sujeito garante da não ocorrência desses danos. Tal específico dever pode resultar de contrato, ou ser imposto por lei, como ocorre na previsão dos artigos 491.º, 492.º e 493.º, havendo ainda que ter em consideração, neste domínio, os denominados deveres de prevenção do perigo (ou, noutra terminologia, deveres de segurança no tráfico), cujo acolhimento permite estender a responsabilidade delitual por omissão a todo aquele que, exercendo o domínio de facto sobre uma coisa, móvel ou imóvel, ou determinada actividade, sendo aquela e esta susceptíveis de causar danos a terceiro, não tome as providências destinadas a evitá-los. A existência de um dever genérico de prevenção impõe assim ao criador ou mantenedor de uma situação especial de perigo que proceda à sua remoção, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão…”5 – sublinhado nosso
A nosso ver, julgamos ser essa a melhor doutrina.
No caso vertente, está em causa uma actividade realizada durante a noite (das 21:00 até as 5:00 da madrugada), num espaço dentro do hotel em que havia uma piscina onde os clientes podiam ir nadar ou brincar água, foram-lhes servidas bebidas alcoólicas e não alcoólicas (conforme a escolha dos clientes), podiam também os clientes dançar e ver jogos do campeonato mundial de futebol.
Ponderando todo o circunstancialismo acima descrito, ou seja, tendo a festa sido realizada à noite, num espaço com acesso à piscina mas sem havendo nadador-salvador destacado no local, nem o sistema de videovigilância ali instalado estava em funcionamento para observar situações da piscina, atento ainda o facto de que foram servidas bebidas alcoólicas aos participantes da festa, somos a entender que existiam naquele local factores potenciadores de causar danos a terceiros.
Isto posto, não tendo a 1ª Ré (proprietária da piscina) e a 2ª Ré (empresa organizadora da actividade) tomado providências adequadas que deviam ter tomado com vista a evitar a ocorrência de factos danosos, as suas condutas omissivas são dignas de censura.
É verdade que existia bóias, equipamentos de salvamento e de primeiros socorros no local, mas se ninguém tinha aptidão técnica para salvar alguém de afogamento, para quê serviam aqueles equipamentos?
Também é verdade que a parte mais profunda da piscina só tinha 1,40 metros e que os participantes da festa eram pessoas adultas, mas mesmo assim, não constituía razão suficiente para as Rés não tomar medidas de precaução necessárias para evitar o dano, contanto que, sendo o acesso à piscina livre para os participantes da festa, o risco de os clientes sofrerem acidente na piscina é acrescido e previsível, sobretudo quando os clientes tiver ingerido bebidas alcoólicas. Nesta senda, considerando que as circunstâncias verificadas naquela noite são susceptíveis de causar danos a terceiros, deviam as Rés ter tomado providências necessárias destinadas a evitá-los, mas não assim procederam, sobre aquelas recai a responsabilidade civil por omissão.
Por outro lado, para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário ainda que o lesante tenha agido com culpa, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 477.º do Código Civil.
Como observa Luís Menezes Leitão6, “a culpa pode ser assim definida como o juízo de censura ao agente por ter adoptado a conduta que adoptou, quando de acordo com o comando legal estaria obrigado a adoptar conduta diferente”.
E segundo Antunes Varela7, “agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo”.
Assim, há culpa do lesante se, em face das circunstâncias do caso, o mesmo não só devia, mas também podia ter agido de outro modo.
E na apreciação da culpa, manda a lei atender, na falta de outro critério legal, o seu grau em função da diligência do homem médio ou de um bom pai de família.
No caso dos autos, bem sabendo as 1ª e 2ª Rés que durante a realização da festa, a piscina seria aberta aos clientes, entretanto não foram tomadas providências necessárias e suficientes para evitar danos, nomeadamente proceder à afectação de nadador-salvador ou pôr em funcionamento o sistema de videovigilância para observar situações da piscina com vista a zelar pela segurança dos seus utentes, temos que concluir que as Rés tiveram culpa no acidente.
Ademais, o lesado foi encontrado no fundo da piscina.
Feita a autópsia, foi encontrado no organismo do filho dos Autores substâncias psicotrópicas, nomeadamente Ketamina e Benzodiazepina.
De acordo com os nossos conhecimentos gerais, as substâncias psicotrópicas causam distúrbios no nível de consciência, cognição, percepção, afecto ou comportamento do consumidor, sendo a reacção ainda mais grave se forem consumidas juntamente com álcool.
Quanto aos efeitos da Ketamina, refere-se nas informações constantes da página electrónica https://azarius.pt/encyclopedia/39/ketamina/, o seguinte:
“Em doses baixas tem um efeito ligeiro, sonhador, semelhante ao do óxido nítrico. Os utilizadores relatam sentirem-se a flutuar e ligeiramente fora do corpo. A falta de sensação nas extremidades é também comum. Doses mais altas produzem um efeito alucinogénio (tripante), e podem causar ao utilizador a sensação de estar muito longe do seu corpo. Esta experiência é muitas vezes referida como a entrada num buraco (estado “K-hole”) e tem sido comparada a experiências de quase-morte com a sensação de sair do corpo e pairar acima deste. Muitos utilizadores acham a experiência espiritualmente significante, enquanto que outros a consideram assustadora. Enquanto se está num “buraco-Ketamina” é muito difícil mover-se. As pessoas normalmente permanecem sentadas durante a experiência.”
Ora, considerando que o lesado chegou a consumir as tais substâncias psicotrópicas, depreendemos que a sua conduta também contribuiu para o resultado (morte), sendo assim, não deixa de ter culpa na produção do dano.
Por fim, é bom de ver que existe nexo de causalidade adequado entre o facto (omissivo) e o dano.
Preceitua o artigo 557.º do Código Civil que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Segundo Antunes Varela8, “para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha actuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstracto, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano”.
Refere-se no sumário do Acórdão deste TSI, no Processo n.º 470/2016 que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que, tendo resultado da lesão, provavelmente (ou seja em termos de um juízo de probabilidade ex post) dela teriam resultado; ou numa versão negativa: a obrigação de indemnizar não existe em relação aos danos que, tendo resultado da lesão, todavia, em termos de juízo de probabilidade, dela não resultariam.”
Assim sendo, para que um facto possa ser considerado como causa adequada dos danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal e provável daquele facto.
No caso vertente, somos da opinião de que a omissão das 1ª e 2ª Rés, ao não ter tomado providências necessárias para garantir a segurança dos utentes da piscina, pode ser havida, juridicamente, como causa adequada à produção da morte do lesado, por ter contribuído, em termos de juízo de probabilidade, para o afogamento. Melhor dizendo, o falecido poderia ser salvo de afogamento se tivesse sido detectado por algum nadador-salvador ou por funcionários das Rés, antes de morrer afogado.
Mostrando-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, há-de apurar o valor das indemnizações.
Pedem os Autores a quantia de MOP$1.500.000,00 pelo sofrimento da vítima e MOP$1.500.000,00 pela perda do direito à vida.
Dispõe o artigo 489.º do Código Civil: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de facto e aos filhos ou outros descendentes na falta destes, ao unido de facto e aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.”
Conforme se decidiu no Acórdão do STJ, de 24.1.1995, Proc. n.º 85834, BMJ 443, 366, citado a título de direito comparado: “A indemnização pela perda do direito à vida atribuída ao cônjuge sobrevivente, traduz o dano moral causado pela morte da vítima – dano específico da perda da vida. O dano mencionado na conclusão anterior é distinto do dano não patrimonial sofrido pela falecida, no período temporal, ainda que curto, que ocorre entre o momento do acidente e o seu decesso.”
De facto, o sofrimento da vítima antes da morte e a perda do direito à vida são bens juridicamente tutelados e indemnizáveis.
Na fixação do valor da indemnização, o Código manda fixar o montante da indemnização equitativamente, tendo em conta as circunstâncias previstas no artigo 487.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesante e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Seguramente, o filho dos Autores morreu por afogamento, apesar de entre a queda na água e a morte ter durado cerca de dois anos, mas está provado que durante esse período de tempo, o mesmo ficou em coma, ou seja, perdeu basicamente consciência, pelo que, socorrendo-nos dos valores fixados pela jurisprudência recente em acções semelhantes, sobre os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, entendemos justo fixar o montante de MOP$300.000,00 pelo sofrimento da vítima antes da morte.
Sobre o dano resultante da privação da vida, considerando que se trata de um mero acidente, atendendo ainda aos actuais índices económicos, financeiros e sociais, é ajustada a quantia de MOP$1.000.000,00 pela perda do direito à vida.
Pedem ainda a fixação dos danos não patrimoniais sofridos pela perda do filho, na quantia de MOP$1.000.000,00 para cada um dos Autores.
Ponderando o desgosto e a dor que os Autores tiveram com a morte do seu filho, que era ainda um jovem, socorrendo-nos dos padrões jurisprudencialmente definidos, entendemos que é justo fixar o valor dos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores em MOP$200.000,00 cada.
No tocante aos danos patrimoniais, uma vez provado que foram efectuadas despesas médicas, medicamentosas e outras relacionadas com o acidente, serão as mesmas tidas em consideração (resposta aos quesitos 45º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 56º, 57º, 58º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º da base instrutória), sendo o valor global das despesas fixado em MOP$574.245,34, HKD$5.255,00 e RMB$794.588,15, convertíveis em patacas de acordo com as respectivas taxas de câmbio.
Em relação aos honorários de advogado, salvo o devido respeito por opinião diferente, os mesmos serão contados a título de procuradoria, e que só serão atendidos para efeitos de indemnização em caso de litigância de má fé, que não é o caso.
Pedem ainda os Autores danos patrimoniais, na perspectiva de perda de alimentos que o lesado, se fosse vivo, teria de prestar-lhes.
Provado está que o filho do Autor tinha à data do acidente 21 anos e vivia com os Autores, a quem contribuía para a economia do agregado familiar com MOP$5.000,00 por mês.
Segundo a corrente jurisprudencial, entende-se que os titulares do direito de indemnização têm direito a receber, a título de lucros cessantes, os alimentos que deixaram de poder receber por causa da morte da vítima, até esta completaria 65 anos.
De acordo com a matéria provada, o filho dos Autores contribuía mensalmente para a economia do agregado familiar com MOP$5.000,00.
Uma vez que o próprio lesado também fazia parte do referido agregado familiar, constituído pelo próprio e pelos pais, há-de descontar a quota-parte que o próprio falecido filho dos Autores consumia.
Desta forma, fixa-se os alimentos devidos a favor de cada um dos Autores em MOP$1.666,70 por mês.
Fazendo o respectivo cálculo aritmético, conclui-se que a indemnização a título de lucros cessantes em relação a cada um dos Autores é o seguinte:
- MOP$1.666,70 x 12 meses x 44 anos = MOP$880.017,60
Entretanto, considerando que os Autores irão receber de uma só vez o valor total dos alimentos a título de lucros cessantes, entendemos dever haver uma redução do valor da indemnização em virtude do benefício obtido pelos Autores pela antecipação do pagamento integral da prestação, sendo, a nosso ver, justo e razoável reduzir a tal quantia até 75%, ou seja, MOP$660.013,20.
Conforme dito acima, para além das 1ª e 2ª Rés, provado que o lesado também teve culpa no acidente.
Preceitua o n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.
Efectivamente, a lei confere ao tribunal a possibilidade de manter, reduzir ou excluir a indemnização, de acordo com o comportamento censurável do lesado.
No caso dos autos, atendendo às circunstâncias do caso concreto e a culpa de cada uma das partes, achamos adequado repartir a responsabilidade em 10% para 1ª Ré, 30% para a 2ª Ré e 60% para o próprio lesado.
Feitas as respectivas contas, os Autores têm direito a receber as seguintes quantias:
- Danos não patrimoniais sofridos pela vítima --- MOP$300.000,00x40% = MOP$120.000,00 (sendo MOP$30.000,00 a suportar pela 1ª Ré e MOP$90.000,00 pela 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais pela perda do direito à vida --- MOP$1.000.000,00x40% = MOP$400.000,00 (sendo MOP$100.000,00 a suportar pela 1ª Ré e MOP$300.000,00 pela 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais sofridos pelos Autores --- MOP$200.000,00x40% = MOP$80.000,00 para cada um dos Autores (sendo MOP$20.000,00 a suportar pela 1ª Ré e MOP$60.000,00 pela 2ª Ré);
- Danos patrimoniais referentes a despesas nas seguintes quantias:
- MOP$574.245,34x40% = MOP$229.698,14;
- HKD$5.255,00x40% = HKD$2.102,00; e
- RMB$794.588,15x40% = RMB$317.835,26,
Sendo:
- MOP$57.424,53 a suportar pela 1ª Ré e MOP$172.273,60 pela 2ª Ré;
- HKD$525,50 a suportar pela 1ª Ré e HKD$1.576,50 pela 2ª Ré; e
- RMB$79.458,82 a suportar pela 1ª Ré e RMB$238.376,45 pela 2ª Ré;
- Danos patrimoniais referentes a alimentos a título de lucros cessantes --- MOP$660.013,20x40% = MOP$264.005,28 para cada um dos Autores (sendo MOP$66.001,32 a suportar pela 1ª Ré e MOP$198.003,96 pela 2ª Ré).
Por força do disposto no artigo 490º do Código Civil, a responsabilidade das 1ª e 2ª Rés é solidária.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, condenando a 1ª Ré C Macau, S.A. e a 2ª Ré D Companhia Limitada a pagar solidariamente aos Autores A e B as seguintes quantias:
- Danos não patrimoniais sofridos pela vítima, no montante de MOP$120.000,00 (MOP$30.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$90.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais pela perda do direito à vida, no montante de MOP$400.000,00 (MOP$100.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$300.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, no montante de MOP$80.000,00 cada (MOP$20.000,00 a cargo da 1ª Ré e MOP$60.000,00 a cargo da 2ª Ré);
- Danos patrimoniais referentes a despesas, nos montantes de MOP$229.698,14, HKD$2.102,00 e RMB$317.835,26 (MOP$57.424,53, HKD$525,50 e RMB$79.458,82 a cargo da 1ª Ré e MOP$172.273,60, HKD$1.576,50 e RMB$238.376,45 a cargo da 2ª Ré), convertíveis em patacas de acordo com as respectivas taxas de câmbio;
- Danos patrimoniais referentes a alimentos a título de lucros cessantes, no montante de MOP$264.005,28 cada (MOP$66.001,32 a cargo da 1ª Ré e MOP$198.003,96 a cargo da 2ª Ré).
Custas pelos recorrentes e recorridas na proporção do decaimento.
Registe e notifique.
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RAEM, 22 de Novembro de 2018
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª edição, Almedina, pág. 292
2 Das obrigações em geral, 7.ª edição, pág.518
33“…Não basta porém a intenção de investir, amplamente demonstrada aliás, mas importa que o resultado desse investimento, traduzido nos bens de equipamento hoteleiro e similar, tenha qualidade e obedeça no mínimo aos parâmetros internacionalmente reconhecidos e que os serviços que o suportam e animam disponham de igual nível de qualidade.
Torna-se assim indispensável rever e actualizar o normativo regulador da actividade hoteleira e similar, desonerando os serviços oficiais de turismo da competência licenciadora e fiscalizadora em relação a certo tipo de estabelecimentos similares que, assim, é remetida para o âmbito das atribuições dos Municípios. Reformulam-se as disposições respeitantes aos requisitos dos estabelecimentos, designadamente os que concernem a matérias de higiene, segurança e conforto dos clientes.
Redefine-se outrossim os mecanismos de controlo e fiscalização, reúne-se num só documento o título de licenciamento e reajusta-se o sistema sancionatório agravando-se nomeadamente as sanções em matérias de higiene e segurança."
4 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, 5.ª edição, pág. 287
5 Acórdão da RC, de 14-1-2014, in dgsi, 1393/11.0TBVIS.C1
6 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações Vol. I, 5.ª edição, pág. 311
7 Das obrigações em geral, Vol. I, 7.ª edição, pág. 554
8 Das obrigações em geral, 7.ª edição, pág. 898 e 899
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Recurso Cível 671/2017 Página 44