Processo n.º 962/2018 Data do acórdão: 2018-11-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– sequestro
– aceitação de documentos para garantia do empréstimo para jogo
– julgamento na ausência consentida pelo próprio arguido
– consentimento do arguido para a leitura das suas declarações
– desconhecimento do arguido da decisão condenatória penal
– cometimento de novo crime no período da suspensão da pena
– revogação da suspensão da execução da pena
– art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
1. No caso dos autos, o arguido recorrente foi então julgado na sua ausência, tal como foi consentido por escrito por ele próprio. Assim sendo, ele já ficou representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor na audiência de julgamento em primeira instância (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal).
2. E como chegou ele a consentir a leitura, na (então vindoura) audiência de julgamento, das suas declarações outrora prestadas no Ministério Público (traduzidas em admitir materialmente a prática, em co-autoria material, dos crimes de sequestro e de aceitação de documentos para garantia do empréstimo para jogo), ele devia, ao prestar este tipo de consentimento escrito, ter contado com a sua condenação nesses dois crimes, pelo que mesmo que ele não tenha vindo a conhecer pessoalmente dos termos concretos da decisão judicial condenatória desses crimes, ao tribunal de recurso é possível ainda decidir da questão da revogação da suspensão da pena de prisão.
3. Como o recorrente, durante a plena vigência do período da suspensão da pena única de prisão imposta nos subjacentes autos penais, não só voltou a cometer um novo crime, como também o cometeu como um crime doloso, essa situação já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena, sobretudo na vertente de prevenção especial, não puderam, por meio dela, ser alcançadas, havendo, pois, que revogar directamente a suspensão da pena nos termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal.
O relator por vencimento,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 962/2018
(Recurso em processo penal)
Recorrente (arguido): A (A)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 265 a 266 dos autos de Processo Comum Colectivo n.o CR5-17-0243-PCC do 5.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou a suspensão, por três anos, da execução da pena única de dois anos e nove meses de prisão (pela prática, em co-autoria material, de um crime de sequestro e de um crime de exigência ou aceitação de documentos para garantia do empréstimo para jogo), veio o arguido A recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a revogação desse despacho judicial, com consequente manutenção da suspensão da execução da pena, tendo alegado, para o efeito, e na sua essência, que a decisão recorrida violou os art.os 54.º, n.º 1, e 48.o, n.o 1, do Código Penal (CP), para além de salientar que se tivesse tomado conhecimento da decisão condenatória penal tomada naqueles subjacentes autos, não teria cometido o (novo) crime de reentrada ilegal (cfr. o teor da motivação do recurso, apresentada a fls. 273 a 280 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu a Digna Delegada do Procurador (a fls. 283 a 285) no sentido de manutenção da decisão recorrida.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 319 a 320), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, e vencido o M.mo Relator do processo na votação feita em conferência sobre a solução do recurso por si minutada, cumpre decidir do recurso nos termos do presente acórdão definitivo, lavrado pelo primeiro dos juízes-adjuntos nos termos do art.o 417.o, n.o 1, segunda parte, do Código de Processo Penal (CPP).
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à solução do objecto do recurso, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por acórdão do Primeiro de Fevereiro de 2018 do ora subjacente Processo Comum Colectivo n.º CR5-17-0243-PCC do TJB, transitado em julgado em 28 de Fevereiro de 2018 (cf. a cota lançada a fl. 238), o arguido ora recorrente, então julgado aí na sua ausência tal como consentido por ele próprio (cf. a declaração dele a fl. 100), ficou condenado como co-autor material de um crime de sequestro e de um crime de exigência ou aceitação de documentos para garantia do empréstimo para jogo, na pena única de dois anos e nove meses de prisão, suspensa na execução por três anos;
– Quando consentiu por escrito a realização da audiência de julgamento na sua ausência, o arguido ora recorrente também requereu que se procedesse, na vindoura audiência de julgamento, à leitura do auto do seu interrogatório pelo Ministério Público (cf. o teor da mesma declaração de fl. 100), sendo certo que quando interrogado pelo Ministério Público em sede de inquérito o próprio ora recorrente admitiu materialmente a prática, em co-autoria material, dos crimes de sequestro e de aceitação de documentos para garantia do empréstimo para jogo (cf. o teor do auto de interrogatório de fls. 91 a 91v, do qual constando que o ora recorrente também declarou confirmar o teor das suas declarações então prestadas na Polícia Judiciária e registadas a fls. 38 a 40);
– Em 6 de Julho de 2018, foi junta (a fls. 252 e seguintes) a certidão da decisão condenatória do Processo Sumário n.º CR2-18-0032-PSM do TJB, transitada em julgado em 2 de Julho de 2018, segundo cujo teor o arguido ora recorrente ficou condenado como autor material de um crime, consumado em Junho de 2018, de reentrada ilegal, na pena de quatro meses de prisão efectiva;
– Em face dessa nova condenação penal do arguido, a M.ma Juíza titular dos subjacentes (e presentes) autos n.º CR5-17-0243-PCC em primeira instância procedeu à audição do arguido em 25 de Julho de 2018, e após essa audição, acabou por decidir em revogar, nos citados termos do art.º 54.º, n.o 1, alínea d), do CP, a suspensão da execução da pena única de prisão anteriormente imposta ao arguido (cfr. o teor deste despacho, constante de fls. 265 a 266, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso dos autos, o arguido ora recorrente foi então julgado na sua ausência, tal como foi consentido por escrito por ele próprio. Assim sendo, ele já ficou representado para todos os efeitos possíveis pela sua Ex.ma Defensora de então na audiência de julgamento em primeira instância (art.º 315.º, n.os 2 e 3, do CPP).
E como chegou ele a consentir a leitura, na (então vindoura) audiência de julgamento, das suas declarações outrora prestadas no Ministério Público (traduzidas em admitir materialmente a prática, em co-autoria material, dos crimes de sequestro e de aceitação de documentos para garantia do empréstimo para jogo), ele devia, ao prestar este tipo de consentimento escrito, ter contado com a sua condenação nesses dois crimes, pelo que mesmo que ele não tenha vindo a conhecer pessoalmente dos termos concretos da decisão judicial condenatória desses crimes, ao presente Tribunal de recurso é possível ainda decidir da questão da revogação ou não da suspensão da pena de prisão, posta na motivação do seu recurso.
Pois bem, ante os elementos fácticos acima coligidos dos autos, vê-se que o arguido ora recorrente, durante a plena vigência do período da suspensão da pena única de prisão imposta nos subjacentes (e presentes) autos penais, não só voltou a cometer um novo crime (qual seja, o de reentrada ilegal) pelo qual veio a ser condenado no Processo Sumário n.º CR2-18-0032-PSM do TJB, como também o cometeu como um crime doloso, pelo que é entendimento deste Tribunal ad quem que essa situação já revela que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena, sobretudo na vertente de prevenção especial, não puderam, por meio dela, ser alcançadas, havendo, pois, que revogar directamente a suspensão da pena nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, sem mais indagação por desnecessária.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com duas UC de taxa de justiça.
Macau, 29 de Novembro de 2018.
___________________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro Juiz-Adjunto vencedor)
___________________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
___________________________ (附表決聲明)
Choi Mou Pan
(Relator inicial do processo)
上訴案第962/2018號
表決聲明
我們知道,《刑法典》第54條所規定的廢止緩刑的條件除了並非本案的情節的“粗暴違反緩刑義務”(第一款第a項)外,還規定了“再次犯罪”的情況:
“-犯罪並因此而被判刑”。
我們且不去討論大多學者所主張的只有在第二此犯罪被判處實際徒刑的情況才由可能適用廢止緩刑的問題1,我們首先看看法律對此廢止緩刑的制度所限定的條件。從表面上,法律僅規定“犯罪並因此而被判刑”的條件,可以導致法院廢止其之前所適用的緩刑。但是,這一款的主文明確規定了法院必須得出“顯示作為暫緩執行徒刑依據之目的未能藉此途徑達到”的結論。
很明顯,原審法院單純認為由於上訴人再次犯罪就認為據此“顯示作為暫緩執行徒刑依據之目的未能藉此途徑達到”的結論。
問題在哪?在於原審法院陷入對兩個層次的條件循環論述之中。就本案而言,要廢止其緩刑,除了犯罪並因此而被判刑的條件外,還必須充分說明“因此顯示作為暫緩執行徒刑依據之目的未能藉此途徑達到”這個條件。我們不能簡單地再用第一個條件來論證第二個條件,否則就無疑陷入像《刑法典》第65條所規定禁止的在量刑的時候再此考量構成犯罪的要件的情節那樣的錯誤之中。
事實上,上訴人沒有出席第一次審判程序,雖然屬於《刑事訴訟法典》第315條所規定的同意缺席審判的情況,但是,我們不能將此等只為著訴訟程序進行和開展的程序法的效力的條件轉化為“與上訴人是否知悉判決內容和已給予充夠告誡實質意義”的實體法的效力。因為實體法的效力取決於當事人的實體行為的價值判斷,尤其是對於犯罪的預防方面所帶來的考量因素所起的作用。
那麼,很簡單,在沒有對上訴人作出實體上良好行為的告誡以及違反緩刑義務的法律後果的警告的情況下,很難單憑一個簡單的再犯的行為得出予以“因此顯示作為暫緩執行徒刑依據之目的未能藉此途徑達到”的結論。也就是說,在本案中尚沒有確定所有的可以廢止緩刑的條件,原審法院的被上訴的決定應該予以撤銷,並在可以考慮上訴人所提出的其經濟狀況以及來澳的目的,更重要的是仍要考慮犯罪預防的需要的基礎上,依《刑法典》第53條第d)項的規定,作出延長上訴人的緩刑一年,仍然維持禁止進入澳門的命令,尤其要遵守在延長的緩刑期間禁止進入澳門的義務的決定。
澳門特別行政區,2018年11月29日
蔡武彬
1 參見Paulo Pinto Albuquerque在其刑法典的注解一書中對第56條的注解。
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Processo n.º 962/2018 Pág. 3/10