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Proc. nº 349/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, casado, de nacionalidade nepalesa, residente no Reini Unido, em 32 ...... road, ......, ......, NP... 3BY, portador do Passaporte Nepales n.º 08XXXXXX, emitido pelas autoridades competentes do Nepal, instaurou no TJB (Proc. nº LB1-16-0034-LAC) contra: -----
Xxxx Xxxx Xxxx Xxxx, SARL, com sede na Avenida ......, Hotel ......, ....º andar, Macau, -----
acção executiva para pagamento de quantia certa na forma sumária com liquidação.
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Na oportunidade foi proferida sentença, que condenou a executada a pagar ao autor a quantia liquidada de MOP$ 246.629,06.
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A XXXX interpôs recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1 - Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo douto Tribunal a quo dos presentes autos, que julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a Executada, ora Recorrente, a pagar ao Exequente A, ora Recorrido, a quantia de MOP$246.629,06 (duzentos e quarenta e seis mil, seiscentos e vinte e nove patacas e seis avos), acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.
2 - A Recorrente não se conforma com a decisão assim proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância, estando em crer que a mesma padece dos vícios de nulidade por falta de fundamentação ou por os fundamentos se encontrarem em oposição à decisão e ainda de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito.
3 - Quanto à nulidade da sentença por falta de fundamentação e violação de caso julgado formal ou por os fundamentos se encontrarem em oposição à decisão por decisão proferida nos presentes autos pelo Venerando Tribunal de Segunda Instância, foi a sentença previamente proferida declarada nula por falta de fundamentação já que de acordo com aquele Venerando Tribunal, a decisão então em crise padecia gravemente do vício de falta de fundamentação porquanto, pelo menos parte dos factos peticionados, não poderiam definitivamente serem dados como provados, singelamente, sem que fossem suportados por outros que os justificassem, apontando para uma omissão de factos, tendo o Tribunal de Segunda Instância determinado que esses factos ausentes, designadamente os dias de faltas e de ausências do Recorrido ao trabalho fossem tidos em conta pelo Tribunal de Primeira Instância e que daí resultasse uma decisão de matéria de facto devidamente suportada em factos que pudessem ou devessem serem dados por reconhecidos pela Ré.
4 - Com todo o respeito que é sempre merecido, a decisão ora em crise, “passou novamente por cima” dessa orientação, senão mesmo determinação do Tribunal de Segunda Instância, passando apenas, em nossa opinião, a factualizar as conclusões feitas pelo Autor na sua petição inicial e que se não encontram suportadas em factos concretos e coerentes, por isso vejamos o que o Tribunal a quo deu como provado com interesse para o recurso dos factos que se encontram em discussão que são os seguintes: “O Exequente entrou em Macau às 22h15 do dia 8 de Novembro de 1997; e
Saiu de Macau às 08h59 do dia 2 de Maio de 2002;
O Exequente começou a prestar a sua actividade de guarda de segurança para a Executada em 9 de Novembro de 1997;
Durante o exercício das suas funções, o Exequente gozou as seguintes férias:
09/05/1998 - 23/05/1998 (15 dias)
07/03/1999 - 28/03/1999 (22 dias)
01/02/2000 - 24/02/2000 (24 dias)
30/0112001- 22/02/2001 (24 dias)
03/01/2002 - 26/0112002 (24 dias)

Cada guarda de segurança nepalês pode gozar anualmente 24 dias de férias, os quais são indicados pela Executada.
Para além dos referidos períodos de ausência, não se verificou nenhuma falta, quer justificada quer injustificada, do Exequente durante a sua prestação de serviços.”
5 - Ora, tinha sido dado como provado pelo Tribunal de Primeira Instancia e ainda por este Venerando Tribunal de Segunda Instancia que: “Descontados os dias que - com autorização prévia da 1ª Ré - o Autor se ausentou para o Nepal e/ou outros dias em que tenha sido expressamente dispensado do trabalho e se tenha ausentado para o exterior da RAEM por um período superior a 24 horas, o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré todos os dias da semana (10º) Durante o tempo que prestou trabalho para a 1ª Ré, o Autor nunca deu qualquer falta injustificada (11º) Durante o tempo que prestou trabalho, todas as faltas justificadas e/ou dispensas ao serviço (com ou sem retribuição) foram previamente autorizadas pela 1ª Ré, mediante o preenchimento pelo Autor de um formulário (pedido de faltas) que a 1ª Ré conservava na sua posse, sem que alguma vez tivessem sido devolvidas ao Autor quaisquer dos referidos formulários (12º).
6 - Ou seja, daqui se conclui que o Recorrido deu faltas, ainda que justificadas, ao serviço e se ausentou com autorização da Recorrente e foi considerado pelo Tribunal de Primeira Instância (na primeira sentença) como provado, por confissão, e, por isso, passível já de caso julgado tendo o próprio Tribunal de Segunda Instancia baseado a nulidade da sentença na falta de determinação pelo Recorrido dos dias de faltas justificadas anuais. No entanto, e quanto a este facto veio o Tribunal a quo determinar que: “Além do mencionado no nº 10 da sentença: “Descontados os dias que - com autorização prévia da 1ª Ré - o Autor se ausentou para o Nepal e/ou outros dias em que tenha sido expressamente dispensado do trabalho e se tenha ausentado para o exterior da RAEM por um período superior a 24 horas, o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré todos os dias da semana.” não foi possível apurar em audiência que o Exequente tenha qualquer falta, i.e. o Tribunal a quo admite que o Recorrido deu faltas justificadas ao serviço e até ausências ao serviço não conseguindo no entanto apurar quando ocorreram, facto que é primordial para determinar quando o Recorrido teve descansos semanais, feriados obrigatórios, horas extras de turno e quando entrou ao serviço 30 minutos antes do seu horário.
7 - Na verdade, não é bastante termos um documento com as entradas e saídas do Exequente do Território de Macau para se concluir que o mesmo só não trabalhava para a Recorrente quando estava ausente da RAEM, pois o facto de o Recorrido estar em Macau não o impede de ter faltado ao serviço e muito menos de ter tido o gozo de ausências permitidas pela entidade patronal, sendo aliás referido pelo Meritíssimo Juiz a quo que a testemunha não tinha conhecimento das férias do Exequente, nem sabia se o mesmo tinha gozado qualquer feriado obrigatório, e se assim é como pode a testemunha saber quando é que o colega faltou ao serviço?
8 - E não pode o Tribunal a quo, e é com todo o respeito que o dizemos, vir alegar que “a Executada não apresentou qualquer prova, quer material quer testemunhal destinada aos factos impugnados apresentados pelo Exequente, sobretudo o registo dos dias de trabalho efectivos, de faltas ou de férias.” pois o ónus da prova não respeita à ora Recorrente mas sim ao Recorrido o qual terminou a sua relação laboral em 2002 e, só 15 anos depois veio reclamar os seus créditos, é que nem o legislador esperava essa obrigação por parte da Recorrente já que antes da Lei 7/2008 podíamos supor a obrigação de manutenção de documentos até 5 anos após o términus da relação laboral aplicando-se analogicamente o Código Comercial, mas que para uma Companhia com a enorme dimensão como a da Executada e dada a enorme mobilidade de recurso humanos existente em Macau e na própria Recorrente, se tomava mesmo assim completamente impossível manter documentos de trabalhadores que saíram da Companhia há 15 anos.
9 - Aliás, quanto à obrigação do recorrido e ao ónus que sobre si impende se pronunciou já este Venerando Tribunal em casos em tudo semelhantes, dando como exemplo o processo 858/2017 (pagina 30) quando diz: “Ainda que não se enjeite essa possibilidade, numa recondução a um completamento da matéria de facto, estamos em crer que a presente solução aponta para uma necessidade de exigência e de rigor, desde logo para as próprias partes - muitas nem sequer aqui permanecendo, porventura desinteressando-se dos seus direitos aquando da cessação dos contrato, visto até o tempo entretanto decorrido - não podendo elas facilitar na concretização e prova das prestações que dizem estar em dívida. Quanto se diz não retira de forma nenhuma o reconhecimento à tutela dos direitos dos trabalhadores que tenham sido violados, apenas se pretendendo a sua cooperação e responsabilização na realização da Justiça.”
10 - Em suma, as incoerências apontadas pelo Tribunal de Segunda Instância deveriam ter sido resolvidas pelo Tribunal a quo, como bem determinou o Tribunal Superior, no entanto, a decisão em crise mantém na íntegra as conclusões incoerentes feitas pelo Exequente na petição inicial, mantendo por responder todas as questões e vícios já apontados pelo Tribunal de Segunda Instância designadamente: ter o Exequente trabalhado todos os dias da semana (com a transcrição do art. 10º, 11º e 12º da Base Instrutória), embora reconheça ter faltado algumas vezes com autorização prévia da 1ª Ré e quantos foram esses dias de faltas justificadas?
11 - Neste sentido, consideramos com todo o devido respeito que a decisão é, essencialmente a mesma, com os mesmos vícios, ao qual acresce o vício resultante da violação do já decidido no acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância e adiante-se ainda que na douta sentença recorrida na parte da convicção do Tribunal pode ler-se que: “De facto, no caso em apreço, o Exequente só tem uma testemunha, a qual também foi guarda de segurança da Executada XXXX entre Maio de 1999 e 21 de Julho de 2003 e Guarda de Segurança da YYY entre 22 de Julho de 2003 e 20 de Dezembro de 2007.” (sublinhado nosso), ora, se a testemunha começou a trabalhar para a XXXX em Maio de 1999 como pode o Tribunal dar como provada matéria relativa aos anos de 1997 e 1998, designadamente quanto às faltas e ausências do trabalhador ao serviço durante esse período? Esta decisão, por essa razão, padece do mesmo vício já anteriormente apontado pelo Tribunal de Segunda Instância à anterior sentença proferida: a falta de fundamentação, sendo, consequentemente nula, nos termos do artigo 571º, nº 1, al. b), do CPC.
12 - Mas caso assim não seja entendido, existe uma notória contradição entre os fundamentos da condenação da Executada e a decisão já que, tal como acima já referido o Tribunal a quo deu como provado que: Além do mencionado no nº 10 da sentença: “Descontados os dias que - com autorização prévia da lª Ré - O Autor se ausentou para o Nepal e/ou outros dias em que tenha sido expressamente dispensado do trabalho e se tenha ausentado para o exterior da RAEM por um período superior a 24 horas, o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré todos os dias da semana.” não foi possível apurar em audiência que o Exequente tenha qualquer falta i.e. o Tribunal a quo admite que o Recorrido deu faltas justificadas ao serviço e até ausências ao serviço não conseguindo no entanto apurar quando ocorreram, facto que se toma de todo primordial para determinar quando o Recorrido teve descansos semanais, feriados obrigatórios, horas extras de turno e quando entrou ao serviço 30 minutos antes do seu horário e mesmo assim o Tribunal recorrido fixa dias e apura as compensações condenando a Executada no seu pagamento, pelo que face ao aludido e em consequência a decisão em crise padece ainda do vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, conforme estipulado no artigo 571º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil, pois existe total contradição entre o que foi dado como provado pelo Digno Tribunal a quo e a decisão proferida, sendo a mesma nula.
13 - Existe também erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito e no que se refere ao subsídio de alimentação reclamado pelo Autor, ora Recorrido o Douto Tribunal a quo condenou a Executada, ora Recorrente, a pagar ao Autor a quantia de MOP$22.890,00, a título de subsídio de alimentação, ora com relevo para a apreciação de tal pedido deu o douto Tribunal a quo provado que: “Além do mencionado no nº 10 da sentença: “Descontados os dias que - com autorização prévia da 1ª Ré - o Autor se ausentou para o Nepal e/ou outros dias em que tenha sido expressamente dispensado do trabalho e se tenha ausentado para o exterior da RAEM por um período superior a 24 horas, o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré todos os dias da semana.” não foi possível apurar em audiência que o Exequente tenha qualquer falta. (Sublinhado e destacado nossos) e com base nos sobreditos factos entendeu o Tribunal a quo que tem o Exequente a receber a título de subsídio de alimentação a quantia de MOP$22.890,00 (1526 dias x MOP$20.00), porém se resulta do elenco dos factos provados que o Recorrido teve faltas e ausências ao serviço ainda que justificadas como pode o Tribunal a quo decidir que este tenha trabalhado 1526 dias.
14 - O que se alegou e provou foi que o Recorrido (i) esteve ao serviço da Recorrente entre 08/11/1997 e 2/05/2002; (ii) que se ausentou para o Nepal (iii) que foi expressamente dispensado do trabalho (iv) que teve faltas justificadas e o direito invocado pelo Exequente não se pode presumir como certo, e o Tribunal terá que apreciar com base nos factos alegados por este e conforme o Direito. E não o faz, já que o Recorrido confessa que deu faltas ao serviço e que pediu dias de dispensa em alguns dias mas não logrou o Tribunal a quo apurar quais são esses dias. E se não foram apurados quais esses dias, e sendo o subsídio de alimentação atribuído em função da efectiva prestação de trabalho, como poderá o Tribunal determinar quais os dias em que o Recorrido trabalhou e quais efectivamente os dias em que o Exequente tem direito a tais subsídios?
15 - Na verdade, face a tal facto toma-se impossível ao Tribunal estabelecer quais os dias relativos aos quais o Recorrido tem direito ao subsídio de alimentação. Pelo que, salvo devido respeito por melhor opinião, não tendo sido alegados nem provados os factos essenciais de que depende a atribuição do mencionado subsídio de alimentação, ou seja, a prestação efectiva de trabalho, não poderia o douto Tribunal ter condenado a Recorrente nos termos em que o fez, padecendo assim a douta sentença nesta parte do vício de erro de julgamento da matéria de facto e na aplicação do Direito, devendo consequentemente ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do pagamento de compensação a título de subsídio de alimentação em violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto no contrato de prestação de serviços nº 5/96.
16 - Já quanto à compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios pretendia o Recorrido ser ainda indemnizado pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal e feriados obrigatórios no período decorrido entre 01.11.1997 e 29.05.2002 e com relevo para a apreciação de tais pedidos deu o Tribunal a quo por provado que: “Além do mencionado no nº 10 da sentença: “Descontados os dias que - com autorização prévia da 1ª Ré - o Autor se ausentou para o Nepal e/ou outros dias em que tenha sido expressamente dispensado do trabalho e se tenha ausentado para o exterior da RAEM por um período superior a 24 horas, o Autor prestou trabalho para a 1ª Ré todos os dias da semana.” não foi possível apurar em audiência que o Exequente tenha qualquer falta.(Sublinhado e destacado nossos).
17 - E resultando provado nos pontos 10 a 12 da matéria de facto (i) que o Recorrido esteve ao serviço da Recorrente entre 08/11/1997 e 2/05/2002; (ii) que o Recorrido se ausentou para o Nepal (iii) que o Recorrido foi expressamente dispensado do trabalho (com ou sem remuneração) (iv) que teve faltas justificadas, como pode o Tribunal entender decidir que o número de dias devidos e não gozados pelo Recorrido são os 218 a que se faz alusão na douta sentença recorrida? E com todo o respeito se pergunta, como e de que forma apurou o Tribunal a quo esses 218 dias? É que o Digno Tribunal não demonstra a forma de apuramento de tais dias não fundamentando portanto de que forma alcançou tal número.
18 - E mais, estando provadas as dispensas para o trabalho remuneradas nunca poderia o Tribunal ter condenado a Recorrente ao pagamento da quantia de MOP$112.270.00 sem que se provasse o número de dias concretos que o Autor deixou de gozar o seu descanso semanal, assim como o descanso compensatório.
19 - E o mesmo se diga quanto aos dias de feriado obrigatório, já que se questiona como conclui o Tribunal que durante o período em que decorreu a relação laboral deixou o Recorrido de gozar 6 dias de feriados obrigatórios se não se sabe quando o Recorrido foi dispensado de trabalhar? Parece existir uma evidente e clara contradição entre a matéria de facto provada nas alíneas 10º e 12º dos factos provados e a decisão no que concerne à condenação pelo alegado trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios.
20 - Tendo o Tribunal dado por provado que o Recorrido foi expressamente dispensado do trabalho (com ou sem remuneração) e que teve faltas justificadas nunca o Tribunal a quo poderia ter feito a liquidação das compensações e nem poderia ter condenado a Recorrente no pagamento dos montantes em que condenou pois ficou por apurar o número de dias de descanso semanal que o Recorrente deixou de gozar e quais os dias de feriados obrigatórios remunerados em que trabalhou. Verificando-se assim uma errada aplicação do Direito e erro no julgamento da matéria de facto por parte do Tribunal a quo na condenação da recorrente nas quantias peticionadas a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dias feriados, em violação do princípio do dispositivo consagrado no art. 5º do CPC e bem assim o disposto nos artigos 17º e 19º do DL 24/89/M. Devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado.
21 - E ainda quanto ao trabalho por turnos e trabalho extraordinário no que diz respeito à reclamação das compensações reclamadas pela prestação de trabalho em regime de turno e trabalho extraordinário onde se incluiu os 30 minutos prestados para além do horário normal de trabalho, à semelhança do ocorrido com o subsídio de alimentação se ficou provado que o Recorrido dava faltas ao serviço (ainda que justificadas) ou pedia dispensas como pode o Tribunal determinar com certeza quais os dias em que o Autor estava de turno? Ou ainda se eram ou não despendidas horas extraordinárias? Na verdade, não é possível ao Tribunal determinar quais as horas extraordinárias que o trabalhador efectuava, quais os dias em que este entrava 30 minutos antes do início de cada turno, motivo pelo qual também aqui o Tribunal andou mal ao condenar a Recorrente, em violação do art. 5º do CPC e do art. 10º do DL 24/89/M, devendo assim a sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente do peticionado.
22 - Face a esta falta de previsão por parte do Digno Tribunal no apuramento das compensações a atribuir ao Recorrido entende a Recorrente, sempre com todo o respeito, que padece a douta decisão dos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito e neste sentido também aqui pecou a douta sentença recorrida nos mesmos moldes pelos vícios de erro de julgamento da matéria de facto e erro na aplicação do direito.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, em conformidade, deverá ser declarada nula a sentença recorrida nos termos nos termos do disposto no artigo 571º, n.º 1 al. b) ou c), ex vi do artigo 43º do CPT, com as demais consequências legais;
Sem prescindir, e caso assim não se entenda, deverá ser revogada a sentença recorrida nos termos supra explanados, com as demais consequências da lei.
Termos em que farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!”
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Na resposta ao recurso, o autor formulou as seguintes conclusões:
“1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente o Tribunal a quo apreciou e enquadrou devidamente os factos, determinando com rigor o número total de dias de trabalho efectivo (e, bem assim, o número de dias de falta e de ausências) que o Recorrido prestou à Recorrente, devidamente suportados em provas - testemunhal e documental - tudo em conformidade com o que havia sido expressamente ordenado pelo Tribunal de Segunda Instância no âmbito da douta Decisão de 27 de Abril de 2017 (Proc. n.º 167/2017), razão pela qual deve a douta decisão manter-se na íntegra, o que desde já e para os legais efeitos se requer;
Em concreto,
2. A leitura atenta da Decisão Recorrida deixa ver que o Tribunal a quo procedeu com rigor à identificação dos factos a decidir e, em concreto, à determinação do número de ausências (no total de 109 dias) e, bem assim, à determinação do número de dias de trabalho efectivo prestados pelo Recorrido à Recorrente (no total de 1526 dias1), tendo justificado devidamente a sua razão de ser, em conformidade com o que havia sido” determinado” pelo douto Tribunal de Segunda Instância;
3. Em segundo lugar, contrariamente ao que é repetidamente alegado pela Recorrente, não se vislumbra uma qualquer contradição entre o conteúdo da matéria de facto anteriormente provada - e vazada sob os pontos 10.º, 11.º e 12.º das decisões precedentes - e o conteúdo do ponto 6 da matéria de facto constante da Decisão Recorrida;
4. Ao invés, o Tribunal a quo conclui de forma fundamentada - em sede de liquidação de Sentença - que para além dos períodos de ausência expressamente indicados sob os pontos 1, 2, 3, 4 e 5, não se verificou uma qualquer falta, quer justificada, quer injustificada, do Exequente (leia-se, do Recorrido) durante a sua prestação de trabalho para a Ré (leia-se, para a Recorrente);
Sem prescindir,
5. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, não é correcto afirmar que o Tribunal a quo não conseguiu apurar quando as faltas ocorreram: pelo contrário, a leitura do ponto 6 da Decisão Recorrida deixa ver o quanto a Recorrente está equivocada: sob os pontos 1 a 5 o Tribunal a quo identifica com rigor todos os períodos de ausência do Recorrido durante a relação de trabalho com a Recorrente, razão pela qual conclui que nenhuma outra situação de ausência (justificada e/ ou injustificada) existe para além dos períodos expressamente indicados;
Sem prescindir,
6. Em qualquer dos casos, sempre se sublinha que centrando-se a “discordância” da Recorrente em alegadas faltas justificadas e/ou períodos de ausência expressamente autorizados pela própria Recorrente, em caso algum se pode deixar de tratar de matéria que diz directamente respeito à própria Recorrente sendo, portanto, um facto que também lhe é pessoal e de que a mesma não pode deixar de ter conhecimento, sem que lhe possa ser agora admissível impugnar de forma genérica e descontextualizada a douta Decisão Recorrida, bem sabendo que nada fez com vista a infirmar o que nos autos estava em discussão, ou sequer se dignou a juntar um qualquer meio de prova (documental ou testemunhal) que se tivesse revelado minimamente apto a debilitar o alegado pelo Exequente a respeito de uma matéria que a Executada não podia ignorar ou não podia desconhecer;

Assim,
7. Tendo o Tribunal a quo concluído - de forma fundamentada - o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo Recorrido para a Recorrente durante todo o período da relação de trabalho e, bem assim, resultando provado que por cada dia de trabalho prestado o Recorrido teria direito a auferir o montante de Mop$20,00 a título de subsídio de alimentação, um simples cálculo aritmético (1526 dias X Mop$20) permite concluir que nenhuma dúvida ou reparo importa fazer à Decisão Recorrida;
8. Do mesmo modo, também a respeito do trabalho prestado pelo Recorrido em dia de descanso semanal e de feriados obrigatórios não se vislumbra um qualquer vício e/ou erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, porquanto um simples cálculo aritmético é quanto basta para se apurar o número de dias de trabalho prestado pelo Recorrido em período que deveria ter sido destinado a descanso semanal e nos quais o Recorrido prestou trabalho para a Recorrente;
9. Depois, a oposição da Recorrente ao trabalho prestado pelo Recorrido em dias de feriado obrigatório, torna-se, ainda, mais estranha, sabido que do ponto 7 da Decisão Recorrida consta exactamente e com rigor quais os dias de feriado em que o Recorrido prestou (e não prestou) a sua actividade para a Recorrente, razão pela qual deve a douta Decisão manter-se, o que desde já e para os legais efeitos se requer;
10. De igual modo, também a respeito do trabalho prestado pelo Recorrido em turnos e reiteradamente durante 30 minutos para além do período de trabalho normal nenhum reparo se impõe fazer à douta Decisão Recorrida, razão pela qual deve a mesma manter-se, o que desde já e para os legais efeitos se requer;
Em qualquer caso,

11. Importa não olvidar que a Decisão Recorrida foi tomada em sede de Liquidação de Sentença e, como tal, destinou-se tão-só a concretizar o objecto da condenação a que a Ré (leia-se Recorrente) já foi reiteradamente condenada pelas Instâncias anteriores, e sem que à mesma seja permitido tomar uma posição diferente (ou mais favorável) do que a que já por si assumida na competente acção declarativa;
12. De onde, mesmo que, por absurdo, se pudesse concluir que a douta Decisão enferma de um qualquer vício de falta de prova - v.g., relativo ao número de dias de faltas justificadas e/ ou de ausências autorizadas que o Recorrido tivesse dado ao longo da relação de trabalho que manteve com a Recorrente - o que apenas e tão-só por completude de raciocínio e bom dever de patrocínio se admite e se invoca - nunca a liquidação de sentença poderia vir a ser julgada improcedente por falta de prova, nos termos que resultam do n.º 2 do art. 691.º 2 do CPC, ex vi art. 1.º do CPT;
13. De onde se deixa ver que a Recorrente mais não faz do que procurar protelar ao máximo o desfecho da presente acção, em vista do adiamento de uma decisão final que sabe ser inevitável;
14. Pelo exposto, devem as Alegações de Recurso apresentadas pela Recorrente serem julgadas totalmente improcedentes, por manifesta carência de fundamento legal, devendo a douta Decisão Recorrida manter-se na íntegra, porque justa e conforme com a lei e o Direito.
Nestes termos e nos de mais de Direito, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o Recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
“1. Em 8 de Novembro de 1997, pelas 22h15, o exequente entrou em Macau.
2. Em 2 de Maio de 2002, pelas 08h59, o exequente saiu de Macau.
3. O exequente começou a trabalhar para a executada no dia seguinte à sua entrada no território de Macau (9 de Novembro de 1997), exercendo as funções de guarda de segurança.
4. Os dias em que o exequente gozou as férias durante todo o período da relação de trabalho são os seguintes:
➢  9 de Maio de 1998 a 23 de Maio de 1998 (15 dias)
➢  7 de Março de 1999 a 28 de Março de 1999 (22 dias)
➢  1 de Fevereiro de 2000 a 24 de Fevereiro de 2000 (24 dias)
➢  30 de Janeiro de 2001 a 22 de Fevereiro de 2001 (24 dias)
➢  3 de Janeiro de 2002 a 26 de Janeiro de 2002 (24 dias)
5. A executada concedia a cada um de guarda de segurança de nacionalidade nepalesa 24 dias de férias e a altura para o gozo de férias era decidida pela mesma.
6. Além das ferias acima expostas, não se encontra qualquer informação relativa aos dias de falta justificada ou injustificada do exequente durante o período da prestação de serviço.
7. Os feriados obrigatórios entre 1997 e 2002 são os seguintes: (os feriados obrigatórios antes de 2000 eram Fraternidade Universal, três dias do Ano Novo Lunar, Dia do Trabalhador e Dia da Implantação da República Popular da China):
Obs.
1997
1998
1999
2000
2001
2002
Fraternidade Universal
1/1
1/1
1/1
1/1
1/1
1/1

7/2
28/1
16/2
5/2
24/1
12/2
Ano Novo Lunar
8/2
29/1
17/2
6/2
25/1
13/2

9/2
30/1
18/2
7/2
26/1
14/2
Cheng Ming
---
---
---
5/4
5/4
5/4
Dia do Trabalhador
1/5
1/5
1/5
1/5
1/5
1/5
Dia seguinte ao Chong Chao
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---
---
13/9
2/10
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Dia da Implantação da República Popular da China
1/10
1/10
1/10
1/10
1/10
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Chong Yeong
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---
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6/10
25/10
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Dia Comemorativo do Estabelecimento da RAEM
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---
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20/12
20/12
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8. O rendimento mensal do exequente em Dezembro de 1997 foi de MOP7.467,00 e o rendimento anual de 1998 foi de MOP95.732,00, de 1999 foi de MOP101.111,00, de 2000 foi de MOP101.766,00, de 2001 foi de MOP102.087,00 e de 2002 foi de MOP33.620,00.
9. O passaporte de Nepal é válido por cinco anos. Cada nepalês só pode ter um passaporte.”
*
III – O Direito
1 – Recorde-se que a sentença ora impugnada surge na sequência do acórdão proferido por este mesmo TSI, proferido no Proc. nº 167/2017, que determinou que a liquidação dos créditos salariais se processasse em sede de execução de sentença.
A razão de ser do aresto do TSI deveu-se ao facto de ter entendido que não estavam apurados, concretamente, os dias em que o autor registou auências, mesmo que justificadas, ao trabalho, o que era essencial com vista ao cálculo do valor dos diversos créditos invocados.
E, em execução de sentença, foi apurada a matéria acima transcrita, da qual resulta que o autor da acção trabalho efectivamente para a ora recorrente durante 1526 dias. Foi com base neste número de dias que, então, procedeu à liquidação do valor reportado ao subsídio de alimentação, descanso semanal, descanso compensatório, feriado obrigatório, trabalho extraordinário, ao período de 30 minutos diários para além do turno normal
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2 – Da nulidade da sentença
Começa a XXXX por suscitar a nulidade da sentença, por falta de fundamentação e violação do caso julgado formal ou por os fundamentos se encontrarem em oposição à decisão.
Não tem razão. Antes de mais, quando o TSI no aludido acórdão fez referência às faltas que o autor teria dado, mesmo com autorização, fê-lo com base no artigo da base instrutória de onde isso se podia aparentemente inferir. Mas, o tribunal em sede de execução, com melhores dados, chegou à conclusão de que, para além dos dias de férias anuais, o trabalhador não chegou a dar quaisquer faltas, justificadas ou injustificadas.
Não entendemos que se esteja perante uma violação do caso julgado, já que o que estava em causa era, precisamente, apurar – o que na altura não parecia certo ou não estava absolutamente demostrado – se o exequente tinha, ou não, registado ausências ao serviço, mesmo consentidas. É preciso ver que a redacção do artigo da BI em causa (art. 10º), pela forma pouco assertiva do ponto de vista factual como está redigido permitia inferir algo que podia eventualmente não corresponder à realidade.
E, por isso, a circunstância de o tribunal da execução ter agora concluído que o autor da acção não chegou a dar qualquer falta não surpreende, nem, por essa razão, ofende o caso julgado.
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2.1 - Por outro lado, se o autor chegou a dar qualquer falta, cabia à ré a prova desse facto impeditivo e modificativo, já que esse ónus lhe cumpria, enquanto gerador de uma “indemnização” inferior relativamente àquela que era peticionada. E não ficou provado, como diz a sentença que o exequente/autor tenha pedido à executada qualquer dia de ausência ao serviço.
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2.2 - Por outro lado, não cremos que a sentença padeça de falta de fundamentação ou que a sua parte decisória esteja em contradição ou oposição com os fundamentos explanados. É que, agora, o que conta para o preenchimento do apontado vício era que a falta ou a dita oposição afectasse a sentença em si mesma, e não que estivesse algo afastada da sentença declarada nula pelo acórdão do TSI atrás mencionado. Na realidade, o que para tanto releva são os dias que o tribunal “a quo” apurou” ou não apurou a respeito das faltas autorizadas. E quanto a isso, como já vimos, a conclusão a que chegou foi a de que não chegou a dar faltas dessa natureza.
Não existe, pois, o invocado vício de nulidade imputado à sentença impugnada.
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2.3 - Em suma, não cremos que a sentença padeça do apontado vício, já que, além do que se disse, ela está fundamentada com a suficiente clareza, quer do ponto de vista fáctico, quer jurídico, além de em nada a sua decisão se mostrar em oposição com a fundamentação que ela mesma explanou.
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3 – Dos créditos referentes ao subsídio de alimentação, do trabalho prestado em dias de descanso semanal e feriados obrigatórios, por turnos e extraordinário, com inclusão dos 30 dias de serviço diário prestado antes do início de cada turno diário.
A recorrente, com base no mesmo tipo de argumentação, entende que não podia ser arbitrado o valor da respectiva compensação, precisamente por não se saber se os dias de trabalho foram efectivamente aqueles que a sentença apurou (1526) e se os dias devidos e não gozados a título de descanso semanal pelo recorrido foram 218.
Quanto a isso, nada mais se justifica adiantar ao que já ficou dito. A sentença justificou a forma como apurou os dias de descanso (quanto a isso está fundamentada e nenhuma invalidade se lhe pode imputar por isso) e os dias de serviço efectivo ao logo de todo o período relevante da relação laboral.
Também quanto a esta parte, a sentença não merece censura
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
T.S.I., 01 de Novembro de 2018
(Relator)
José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
1 Sempre se adianta, ainda que tal resulte de forma mais do que evidente do teor da douta Sentença Recorrida, que os 1526 dias de trabalho efectivos prestados pelo Recorrido à Recorrente resultam do seguinte cálculo: Ficou provado que entre 01/11/1997 a 29/05/2002 o Autor esteve ao serviço da Ré, o que perfaz um total de 1671 dias de calendário. Aos referidos dias de calendário impõe-se descontar os dias de falta e/ou de ausências do Recorrido entre 1997 a 2002. Assim, tendo resultado provado que entre 1 a 8 de Novembro de 1977 o Recorrido não se encontrava na RAEM (o que perfaz 8 dias); que entre 1998 a 2002 o Recorrido esteve ausente da RAEM num total de 109 dias e que o Recorrido abandonou a RAEM em 2 de Maio de 1997 (isto é, menos 28 dias da data do termo do contrato de trabalho) e que para além dos referidos períodos não se provou quaisquer outos períodos de ausência, tal deixa ver que o Autor prestou um total de 1526 dias de trabalho efectivo, correspondente à seguinte operação: (1671dias - 8dias -109dias -28dias =1526 dias).
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349/2018 11