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Processo n.º 749/2018 Data do acórdão: 2018-11-29 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– erro notório na apreciação da prova
– art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
  Não ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova de que se fala no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal, quando após vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra ao tribunal de recurso que o tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 749/2018
(Recurso em processo penal)
Recorrente (2.a arguido): B (B)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 556 a 575v (com lapso de escrita rectificado por decisão judicial de fl. 637v) do subjacente Processo Comum Colectivo n.o CR3-17-0470-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou inclusivamente condenado o 2.o arguido desse processo chamado B, aí já melhor identificado, como co-autor material, na forma consumada, de
– um crime de usura com exigência ou aceitação de documentos, p. e p. pelos art.os 14.o e 13.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, na pena de dois anos e seis meses de prisão, com inibição de entrada em casinos de Macau por três anos;
– um crime de sequestro, p. e p. pelo art.o 152.o, n.o 1, do Código Penal (CP), em dois anos de prisão;
– um crime de coacção, p. e p. pelo art.o 148.o, n.o 1, do CP, em seis meses de prisão;
– mais um crime de usura com exigência ou aceitação de documentos, p. e p. pelos art.os 14.o e 13.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, na pena de dois anos e seis meses de prisão, com inibição de entrada em casinos de Macau por três anos;
– e, em cúmulo jurídico dessas quatro penas parcelares, finalmente na pena única de três anos e nove meses de prisão, com inibição de entrada em casinos de Macau por seis anos.
Inconformado, veio esse 2.o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para rogar – cf. em mais detalhes, a motivação de fls. 613 a 634 dos presentes autos correspondentes:
– a absolvição dos seus dois crimes de usura com exigência ou aceitação de documentos, por alegada já verificação do vício de erro notório na apreciação da prova, aludido no art.o 400.o, n.o 2, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP), com pretensão subsidiária de convolação de um desses crimes crimes para o tipo legal de usura para jogo, p. e p. pelo art.o 13.o, n.o 1, da Lei n.o 8/96/M, com nova medida da pena;
– a absolvição do seu crime de coacção, por alegada existência da relação de concurso aparente entre este crime e o seu crime de sequestro, devendo a coacção ser absorvida pelo sequestro;
– e fosse como fosse, a redução das suas penas.
Ao recurso, respondeu a fls. 652 a 656v a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência do recurso.
Subidos os autos, opinou a Digna Procuradora-Adjunta a fls. 676 a 678v, no sentido de manutenção do julgado.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que o acórdão ora recorrido se encontra proferido a fls. 556 a 575v (com lapso de escrita rectificado por decisão judicial de fl. 637v), cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
É nesses parâmetros que vai ser decidida a presente lide recursória.
O 2.o arguido ora recorrente começou por apontar à decisão recorrida o vício de erro notório na apreciação da prova.
Entretanto, para o presente Tribunal de recurso, vistos todos os elementos probatórios referidos na fundamentação probatória da decisão recorrida, não se vislumbra que o Tribunal recorrido, aquando da formação da sua convicção sobre os factos, tenha violado quaisquer regras da experiência da vida humana em normalidade de situações, quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no julgamento de factos. Aliás, o Tribunal recorrido já explicou, congruentemente, nas páginas 20 a 24 do texto do acórdão recorrido, ora concretamente a fls. 565v a 567v, o processo de formação da sua livre convicção sobre os factos.
Não pode, pois, ter existido erro notório na apreciação da prova (como vício referido na alínea c) do n.o 2 do art.o 400.o do CPP) por parte do Tribunal recorrido no julgamento dos factos.
Nota-se que em caso de co-autoria, não é necessário a qualquer dos co-autores a prática pessoal de todos os actos constitutivos do crime.
Sendo de respeitar assim o resultado do julgamento dos factos feito pelo Tribunal recorrido, têm que improceder não só a pretendida absolvição dos dois crimes do recorrente de usura com exigência ou aceitação de documentos, como a rogada convolação de um desses crimes para um crime de usura simples.
Outrossim, desejou o recorrente que fosse absolvido do seu crime de coacção, alegando para o efeito que este crime deveria ser entendido como já absorvido pelo cometimento do crime de sequestro.
Mas, não assiste razão ao recorrente, porquanto o tipo-de-ilícito de sequestro pune quem priva a liberdade de outrem, enquanto o tipo legal de coacção pune quem constranger outrem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma acção ou omissão ou a suportar uma actividade.
Em face de toda a matéria de facto já dada por provada e como tal descrita no texto do acórdão recorrido, mostra-se acertada a qualificação jurídico-penal dos factos feita pelo Tribunal sentenciador, no sentido de serem os dois tipos de delitos penais punidos em simultâneo e em autónomo.
Por fim, quanto ao pedido subsidiário da redução das penas: nesta parte, é de louvar também os termos da decisão recorrida, sem mais indagação por ociosa.
Improcede, pois, o recurso (sendo de observar que nos termos do art.o 631.o, n.o 5, do Código de Processo Civil, ex vi do art.o 4.o do CPP, o tribunal de recurso pode remeter para a fundamentação da decisão recorrida como forma de julgar não provido o recurso).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso pelo 2.o arguido, com quatro UC de taxa de justiça.
Macau, 29 de Novembro de 2018.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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