Proc. nº 290/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 22 de Novembro de 2018
Descritores:
- Prova;
- Ónus probatório
- Livre apreciação da prova
SUMÁRIO:
I - A matéria exceptiva invocada deve pelo réu ser provada (cfr. Art. 335º, nº2, do CC). Não conseguindo ele demonstrar a sua “verdade”, a dúvida é resolvida contra si, ao abrigo do art. 437º, do CPC.
II - Relativamente à matéria concernente ao direito invocado pelo autor, a este cabe o respectivo ónus probatório. Se o tribunal dispuser de elementos bastantes para concluir pela razão do autor e o réu não conseguir, na impugnação, colocar a dúvida no espírito do julgador sobre se os factos invocados pelo autor são verdadeiros, o julgador não pode responder à matéria quesitada contra o autor nos termos do art. 437º, do CC).
III - Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso numa nova instância de prova.
IV - A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
Proc. nº 290/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I - Relatório
B, casada no regime da separação de bens, residente na Avenida ......, n.ºs ... a ..., Edifício ......, rés-da-chão “N”, Macau, representada por C (**** **** ****), residente na Avenida ......, n.ºs ... e ..., Edifício ......, rés-da-chão “AP”, -------------
Moveu no TJB (Proc. nº CV2-17-0019-CPE) ------
acção especial de despejo, com processo sumário contra: ----
D (D), de nacionalidade chinesa, portador do Passaporte da República Popular da China n.º E10******, emitido em 18/12/2012 pela autoridade competente da República Popular da China, residente habitualmente na Avenida ...... n.ºs ... a ... e ... a ... da Rua ......, Edifício “......”, 14.º andar “A”, Macau, telemóvel n.º 62*****/62******.
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Na oportunidade, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, determinando a entrega imediata da fracção à autora, e parcialmente procedente a excepção de compensação invocada pelo réu de determinados créditos (HK$ 10.000,00 e MOP$20.910,00) deste em relação àquela.
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O Réu recorre desta sentença, formulando na respectiva peça alegatória as seguintes conclusões:
“ 1. Nos termos do art.º 599.º do Código de Processo Civil, o recorrente impugna a decisão da matéria de facto, que tem como o objecto o seguinte:
i. “A qual (renda) foi actualizada, pelo menos a partir de Junho de 2011, para HK$7.000” (art.º 7.º dos factos assentes);
ii. “No período entre Março e Dezembro de 2015, por razão não apurada, o réu, para além de depositar HK$7.000 a título da renda, mensalmente depositou HK$1.000 a mais na conta bancária designada pela autora.” (art.º 12.º dos factos assentes);
iii. Factos constantes da contestação, dos art.ºs 30.º a 33.º.
2. O tribunal recorrido deu como provado o art.º 7.º dos factos assentes devido a que considera que “a testemunha da autora sabia directamente o facto, bem como o papel desta tende para ser neutro, o seu depoimento mais merece ser acreditado” (vd. fls. 5 da sentença recorrida), bem como os actos do réu abaixo indicados também sustentam a alegação de actualização da renda (vd. fls. 5 e 6 da sentença recorrida, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3. Em primeiro lugar, quanto à credibilidade dos depoimentos da respectiva testemunha, é de salientar que a dita testemunha, quanto à relação com a autora, segundo os depoimentos prestados pela dita testemunha na audiência de julgamento, a testemunha era mediador imobiliário da autora, até que a autora designou a conta bancária da esposa da testemunha para servir da conta bancária através da qual o recorrente pagava a renda.
4. Tendo em conta a relação estreita entre a dita testemunha, a esposa dela e a autora, o papel da testemunha não é completamente neutro tal como indicado pelo tribunal recorrido, os depoimentos da dita testemunha não merecem necessariamente ser acreditados.
5. Alem disso, o recorrente considera que os seus actos, na realidade, não sustentam a alegação da actualização da renda.
6. É de salientar que, embora o recorrente, a partir de Junho de 2011, tenha depositado mensalmente pelo menos HK$7.000 na conta bancária designada pela autora, tal acto não significa necessariamente que a renda já foi actualizada para HK$7.000 por mês. Mas ao contrário, no período entre Março e Dezembro de 2015, o recorrente depositou mensalmente HK$8.000, o que o recorrente fez é capaz de mostrar que ele tinha uma tendência de depositar, na conta bancária designada pela autora, uma quantia superior à da renda (que mensalmente depositou na respectiva conta HK$8.000 no período entre Março e Dezembro de 2015).
7. Na realidade, tal como indicado pelo recorrente no art.º 9.º da contestação, quando o recorrente tivesse mais dinheiro na mão, gostaria de depositar uma quantia superior à da renda na conta bancária designada pela autora para que a quantia paga a mais servisse da renda adiantada.
8. Embora o recorrente tenha esperado depositar mais rendas quando tivesse mais dinheiro na mão, não era necessário que o recorrente viesse alterar a quantia de depósito mensal para aumentar a dificuldade de “cálculo” a fazer com o proprietário no futuro.
9. Pelo que, o recorrente considera que, embora desde Junho de 2011, durante muitos anos, ele sempre tenha depositado, na conta bancária designada pela autora, pelo menos HK$7.000 por mês, tal acto não pode ser considerado como sustentar a alegação da actualização da renda
10. Além disso, diz o tribunal recorrido que “o réu tentava assegurar o depósito mensal até HK$7.000”, mas é de salientar que, segundo os dados constantes dos autos (em particular, o Doc.1 apresentado pelo recorrente em 18/7/2017), o depósito das supracitadas rendas foi feito por três vez e separadamente através da “máquina de depósito”.
11. É do conhecimento comum que, quando utilizar a máquina de depósito para proceder ao depósito, às vezes pode ocorrer a situação que a máquina inesperadamente falha na leitura de uma nota até várias notas, nessa circunstância, é mais comum e possível que a gente coloque de novo as notas na máquina para tentar fazer outra vez o depósito, em comparação com aquele que tira a nota e abandona a máquina.
12. O recorrente considera que, face ao respectivo acto de proceder, por várias vezes, ao depósito, não se pode considerar de qualquer maneira que o recorrente “tente assegurar” o depósito mensal até HK$7.000, nem que a renda já tenha sido actualizada para HK$7.000.
13. Quanto à conservação dos recibos, é de salientar que, para além do hábito de conservação de recibo, será que o recorrente conserva tais recibos de pagamentos feitos por vários anos antes, não destinando-se a fazer o “cálculo” com a autora no futuro que o recorrente prevê ter essa possibilidade? Caso contrário, qual a razão que levou o inquilino a conservar tais recibos do pagamento da renda por si efectuado há 5 e 6 anos, se não tinha uma necessidade especial?
14. Além disso, qual a razão a renda dum contrato de arrendamento com “prazo de início da renda” em Fevereiro de 2009, subitamente foi actualizada em Junho de 2011? E porque o recorrente felizmente aceitou tal exigência de actualização da renda no prazo contratual?
15. É de salientar que, segundo o depoimento da testemunha fornecida pela autora, tendo a mesma referido na audiência de julgamento que ao mesmo tempo quando exigiu ao recorrente a actualização da renda, também lhe comunicou o pagamento de despesa de condomínio por si próprio, mas antes de actualização da renda, foi a proprietária da fracção quem pagou a despesa de condomínio.
16. De acordo com os dados contantes dos autos, o recorrente começou a pagar a despesa de condomínio em Julho de 2013 (vd. art.º 13.º dos factos assentes e o Doc.4 apresentado pelo recorrente em 18/7/2017), tendo, contudo, a dita testemunha referido que a autora e o recorrente chegaram a um acordo sobre a actualização da renda a partir de meados de 2011.
17. Se corresponder à verdade o depoimento daquela testemunha, deve o recorrente começar a pagar a despesa de condomínio a partir de meados de 2011, mas não a pagou até Julho de 2013.
18. Considera o recorrente que tudo o que acima foi indicado é capaz de provar que os depoimentos da testemunha fornecidas pela autora não totalmente merecem ser acreditados, ou pelo menos, nos autos não há dados concretos que em Junho de 2011 a renda já tenha sido actualizada para HK$7.000.
19. Com base nas supracitadas dúvidas existentes e na falta da prova documental sobre a efectiva actualização da renda para HK$7.000, não deve o tribunal recorrido dar por provado o facto de a renda ter sido actualizada para HK$7.000, o mais tardar, em Junho de 2011, pelo contrário, o recorrente considera que deve o tribunal recorrido, nos termos dos art.ºs 335.º e 339.º do Código Civil, julgar não provada a actualização da renda.
20. Ao mesmo tempo, o recorrente considera que se deve julgar como provado o facto de o recorrente ter depositado extraordinariamente HK$800 por mês na conta bancária designada pela autora no período entre Junho de 2011 e Fevereiro de 2015, bem como Janeiro e Outubro de 2016.
21. Além disso, tendo em consideração a conexidade de entre os art.ºs 7.º e 12.º dos factos assentes, caso os meritíssimos juízes julguem procedente a supracitada alegação do recorrente e alterem o art.º 7.º dos factos assentes, pede-se aos meritíssimos juízes que seja alterado também o art.º 12.º dos factos assentes.
22. Quanto aos factos constantes dos art.ºs 30.º a 33.º da contestação, salvo o devido respeito quanto ao entendimento da sentença recorrida, tendo em consideração que consta do documento a fls. 71 dos autos o carimbo da respectiva companhia de administração, bem como nos autos não há prova que o teor de tal documento não corresponda à verdade, o recorrente considera que tal documento já é suficiente para provar que os factos constantes dos art.ºs 30.º a 33.º da contestação correspondem à verdade.
23. Por fim, quanto às excepções deduzidas pelo recorrente na contestação, baseando-se na decisão da matéria de facto (em particular, não foram dados como provados os art.ºs 7.º e 12.º dos factos assentes e art.ºs 30.º a 33.º da contestação), o tribunal recorrido julgou parcialmente procedentes as excepções peremptórias alegadas pelo recorrente na contestação (vd. fls. 13 e 14 da sentença recorrida)
24. Caso V. Ex.ªs julguem procedente o presente recurso e alterem os art.ºs 7.º e 12.º dos factos assentes e considerem como provados os art.ºs 30.º a 33.º da contestação, em conjugação dos art.º 12.º e 15.º dos factos assentes, o valor total do crédito que o recorrente goza para com a autora já é suficiente para compensar as rendas em dívidas que a autora, alegando como fundamento da resolução do contrato de arrendam, vem exigir o seu pagamento do recorrente, através da presente acção.
Pelo acima exposto, pede-se a V. Ex.ªs se dignem:
1. Alterar os art.ºs 7.º e 12.º dos factos assentes, dando como provados os factos constantes dos art.ºs 30.º a 33.º da contestação, ao abrigo do art.º 629.º, n.º1, al. a) do Código de Processo Civil, e
2. Julgar improcedentes todos os pedidos formulados pela autora contra o recorrente, face à alteração ou aumento dos factos e tendo em consideração procedentes as excepções peremptórias alegadas pelo recorrente.”
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A autora respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“I. O Recorrente limita-se a fazer uma leitura própria dos meios de prova para, a partir deles, substituir a convicção do tribunal a quo pela sua, concluindo pela ausência de prova suficiente quanto aos factos impugnados, sem, todavia, apontar um verdadeiro erro de julgamento.
II. O Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 7, o qual rezava “A qual foi actualizada, pelo menos a partir de Junho de 2011, para HKD$7.000,00”.
III. Entendo o Recorrente que o mesmo deveria ter sido dado como não provado. Para tanto, ataca a credibilidade e imparcialidade que o Tribunal a quo atribuiu à testemunha da Autora. Porém, trata-se de testemunha que depôs com isenção, de forma objectiva e coerente.
IV. Da relação de proximidade entre a testemunha, a mulher desta e a Autora, que o Recorrente extrai do depoimento daquela, não resulta parcialidade ou falta de credibilidade da testemunha. Na verdade, o que resulta é que a testemunha, por ser mediador imobiliário da Autora, teve conhecimento directo dos factos sobre os quais depôs, donde o seu depoimento assentar em razão de ciência, não tendo a sua isenção sido questionada.
V. De resto, se assim não fosse, e por maioria de razão, nenhuma credibilidade poderia atribuir o tribunal a quo ao depoimento da única testemunha produzida pelo Recorrente, que é sua filha.
VI. Quanto à invocada insuficiência das condutas descritas nas páginas 5 e 6 da sentença recorrida para provar a actualização da renda, o Recorrente apenas discorda da forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida, não referindo quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impusessem decisão de facto diversa da recorrida.
VII. Quanto às invocadas dúvidas acerca do ajustamento da renda, sustentadas numa suposta falta de rigor no depoimento da testemunha da Autora, e numa hipotética contradição com o facto provado n.º 13, há que dizer que do facto n.º 13 não resulta provado que só a partir de Julho de 2013 o Recorrente começou a pagar as despesas de condomínio, mas sim que o fez entre Julho de 2013 e Março de 2016.
VIII. Resultou provado que, no período de Julho de 2013 a Dezembro de 2015, o Réu pagou, a título de despesas de condomínio, a quantia total de MOP$18.600,00; e de Janeiro de 2016 a Março de 2016, a título de despesas de condomínio, a quantia de MOP$2.310,00.
IX. Do teor do facto provado e da fundamentação da sentença, o que ficou provado foi que, entre Julho de 2013 e Março de 2016, o Réu pagou as despesas de condomínio e não, como pretende o Recorrente, que só a partir de Julho de 2013 começou a pagar as referidas despesas.
X. Se pagou ou não despesas de condomínio antes de Julho de 20l3, é facto que não foi discutido, nem resulta da matéria de facto provada.
XL Ainda que o Recorrente apenas tivesse começado a pagar as despesas de condomínio em Julho de 2013, tal não significa que a testemunha não lhe tivesse pedido que passasse a pagá-las em meados de 2011.
XII. À Recorrida cabia fazer prova dos factos por si alegados, coisa que fez, tal como resulta das transcrições do depoimento da testemunha da Autora constantes da alegação do Recorrente.
XIII. Por outro lado, nenhum elemento probatório de sinal oposto produziu o Recorrente que deixasse o tribunal a quo na dúvida sobre a existência do facto a demonstrar.
XIV. Não tem razão o Recorrente quando afirma que os factos constantes dos artigos 30.º a 33.º da contestação deveriam ter ficado provados.
XV. Nos artigos 30.º a 33.º da contestação, alegou o Recorrente que em 2015 se verificou uma ruptura na canalização da água que provocou danos na parede da fracção autónoma vizinha, tendo o mesmo suportado o pagamento da reparação. Na contestação, alegou a Recorrida que dos factos alegados pelo Réu apenas se retirava que, a terem sido feitas obras, estas teriam sido feitas na fracção afectada, e não na arrendada; e que a mesma seria responsável pelos danos causados na fracção autónoma contigua à sua, se se apurasse que a origem do problema se situava na sua.
XVI. O tribunal a quo considerou não terem ficado provados os artigos 30.º a 33.º da contestação, por a prova documental e testemunhal produzida ser insuficiente para a demonstração de tais factos, bem como não ser possível, através desses meios prova, demonstrar-se a origem do problema.
XVII. O documento a fls. 71 dos autos é um documento particular, e como tal sujeito à livre apreciação do Juiz, que o apreciou e explicou o porquê da análise em termos probatórios relevantes que dele fez e decidiu em conformidade.
XVIII. A Autora impugnou o referido documento, declarando não saber quem o havia elaborado, bem como se as assinaturas nele apostas pertenciam às pessoas a quem vinham atribuídas e ainda impugnou o seu conteúdo.
XIX. O facto documento ter aposto um carimbo da empresa de gestão do condomínio não impõe a sua suficiência para que o tribunal desse como provados os artigos 30.º a 33.º.
XX. A sentença fundamenta-se nos factos provados, e não naqueles que o não foram.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências certamente suprirão, não deve ser dado provimento ao recurso, e, em consequência, deve manter-se a decisão recorrida, assim se rogando a habitual Justiça de Vossas Excelências.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por apurada a seguinte factualidade:
“1. A autora é proprietária da fracção autónoma para habitação designada pelas letras “A14”, correspondente ao 14º andar “A”, do prédio urbano sito na Avenida ......, n.ºs ... a ... e ... a ... da rua ......, denominado Edifício “......”, inscrito na matriz urbana sob o artigo 71231, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 2****, da freguesa da Sé, Macau, inscrita a seu favor pelo número 8****G.
2. Por acordo escrito de 06 de Fevereiro de 2009, cuja cópia consta da fl. 19 dos autos, a autora, por intermédio de C, cedeu ao réu o uso da referida fracção pra sua habitação, mediante o pagamento de u ma renda mensal.
3. Foi em representação da autora que C cedeu ao réu o uso da referida fracção.
4. O arrendamento foi celebrado pelo prazo de um ano, com início a 13/02/2009 e termo a 12/02/2010.
5. O réu passou a ocupar o imóvel arrendado no mês de Fevereiro de 2009.
6. A renda mensal inicial foi fixada em HK$6.200,00.
7. A qual foi actualizada pelo menos a partir de Junho de 2011, para HK$7.000,00.
8. Ficou acordado que a renda mensal seria paga no décimo terceiro dia de cada mês, por meio de depósito na conta bancária n.º06-10-******** do Banco da China em nome de E.
9. O réu não pagou nem depositou a renda que se venceu em 13 de Novembro de 2016, relativa ao mês de Dezembro de 2016.
10. Nem pagou ou depositou as que posteriormente se venceram, estando assim em dívida as rendas referentes aos meses de Dezembro de 2016, Janeiro, Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2017.
11. Desde a celebração do contrato de arrendamento em 6 de Fevereiro de 2009 indicado nos factos provados n.º2, tanto a autora como o réu, não foi feita à outra parte declaração de cessação unilateral da relação contratual.
12. No período entre Março e Dezembro de 2015, por razão não apurada, o réu, para além de depositar HK$7.000 a título da renda, mensalmente depositou HK$1.000 a mais na conta bancária designada pela autora.
13. No período entre Julho de 2013 e Março de 2016, o réu pagou as despesas de condomínio da fracção em causa.
14. No período entre Julho de 2013 e Dezembro de 2015, o réu pagou as despesas de condomínio no valor total de MOP18.600,00.
15. No período entre Janeiro de 2016 e Março de 2016, o réu pagou as despesas de condomínio no valor total de MOP2.310,00.
16. Em certo dia de Novembro de 2016, o réu recebeu a notificação judicial avulsa requerida pela autora contra si. (vd. 72 a 74 dos autos)
17. No dia de 19 de Novembro de 2016, o réu apresentou à mandatária judicial da autora, a “carta de pretensão” constante das fls. 75 a 76 dos autos, cujo teor aqui se dá por integramente reproduzido.”
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III – O Direito
1 – Pretendia a autora obter sentença que declarasse a resolução do contrato, por incumprimento do réu no pagamento de rendas referentes ao arrendamento da fracção nos autos identificada.
Tal foi alcançado e, em consequência, foi ordenado o despejo imediato da fracção.
Contudo, o reu tinha invocado o pagamento de algumas importâncias. Ficou provado que apenas o reu pagou as seguintes, sem obrigação para tal:
- O valor da prestação mensal de condomínio no valor de MOP$ 20.910,00, correspondente ao período entre Julho e Março de 2016;
- O valor de depósito total, para além da renda mensal, de HK$ 10.000,00, correspondente ao período entre Março e Dezembro de 2015 (HK$ 1.000,00x10 meses).
Não é este, porém, o pagamento que está questionado no recurso.
Considerou ainda a sentença, tal como havia sido “excepcionado”, que estas quantias em dinheiro deviam ser consideradas a título de compensação no montante em dívida pelo réu nas rendas em atraso.
Também esta não é matéria que esteja impugnada.
Impugnada está, isso sim, e tal como decorre das alegações do recurso jurisdicional e respectivas conclusões, a matéria de facto respeitante aos pontos 7º, 12º da matéria assente e dos 30º, 31º e 32º da contestação:
Facto 7 - A qual foi actualizada pelo menos a partir de Junho de 2011, para HK$7.000,00.
Facto 12 - No período entre Março e Dezembro de 2015, por razão não apurada, o réu, para além de depositar HK$7.000 a título da renda, mensalmente depositou HK$1.000 a mais na conta bancária designada pela autora.
Art. 30º da Contestação - Além disso, em certo dia de 2015, devido à falta de manutenção por muito tempo, as canalizações de água da fracção arrendada inesperadamente romperam-se, causando a infiltração e estrago na parede da fracção vizinha "B" do 14º andar.
Art. 31º da Contestação - Depois de ocorrido o incidente, o proprietário da fracção vizinha "B" do 14º andar exigiu ao réu que pagasse despesas para reparação.
32º da Contestação - Já que o réu não conseguiu entrar em contacto com a autora para resolver a questão de indemnização acima indicada, viu-se obrigado a pagar, em nome da autora, a respectiva despesa de reparação no valor de MOP 11.000 (vd. doc.), pelo que o réu reserva-se o direito de exigir da locadora o pagamento da respectiva despesa (vd. expressão no Doc. 1 - "o adiantamento é deduzido da renda do contrato").
Considera o réu/recorrente que não foi feita prova de que a renda foi actualizada e, por isso, deveria o valor pago a mais ser deduzido ao valor em dívida em sede de compensação.
Considera ainda que a matéria do facto 12º deveria ser alterada, de forma a que neste ficasse a constar que ele (réu), para além de depositar HK$6.200 a título da renda, mensalmente depositou HK$1.800 a mais na conta bancária designada pela autora.
Contudo, a sentença exibe um exaustivo labor de fundamentação acerca da matéria dada por provada, justificando, em termos que não nos merecem censura, nem reprovação, a razão pela qual deu por assente o aumento da renda (de 6.200,00 para 7.00,00) e o valor efectivamente pago no período considerado.
Portanto, nada temos a acrescentar ao modo como foi feito o julgamento de facto, nem mesmo perante a invocação feita agora no recurso, já que as declarações gravadas e transcritas (referidas na alegação de recurso) não são suficientes para darem razão ao recorrente e alterarem a convicção livremente assumida pelo tribunal “a quo”.
O mesmo se diz em relação à matéria dos arts. 30º a 32º da contestação.
Também sobre eles o tribunal recorrido teve ensejo de emitir eloquente pronúncia de fundamentação, de um modo que nos parece não merecer crítica alguma. Realmente, é difícil obter um grau de probabilidade profundo acerca da origem da eventual infiltração de água na fracção B do andar 14º (vizinha da fracção arrendada), especialmente para concluir que essa eventual infiltração se tenha devido a rompimento da canalização da fracção arrendada ao réu. Foi isso o que o tribunal “a quo “ acabou por duvidar. Ou seja, fica a dúvida acerca deste facto; pode ser que sim, pode ser que não.
Ora, perante a incerteza acerca da realidade de um facto, ela resolve-se contra a parte que tem o ónus probatório respectivo, tal como o expressam os art. 335º, do Código Civil e 437º do CPC.
Recorde-se, aliás, que “I - A matéria exceptiva invocada deve pelo réu ser provada (cfr. Art. 335º, nº2, do CC). Não conseguindo ele demonstrar a sua “verdade”, a dúvida é resolvida contra si, ao abrigo do art. 437º, do CPC. II - Relativamente à matéria do direito invocado pelo autor, a este cabe o respectivo ónus probatório. Se o tribunal dispuser de elementos bastantes para concluir pela razão do autor e réu não conseguir, na impugnação, colocar a dúvida no espírito do julgador sobre se os factos invocados pelo autor são verdadeiros, o julgador não pode responder à matéria quesitada contra o autor nos termos do art. 437º, do CC).III - Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. IV - A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu. (Ac. do TSI, de 19/07/2018, Proc. nº 915/2017).
Nada mais tem, pois, este TSI a acrescentar, senão que improcede o recurso.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordem em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 22 de Novembro de 2018
(Relator) José Cândido de Pinho
(Segundo Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
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