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Processo n.º 54/2018
Recurso penal
Recorrente: A
Recorrido: Ministério Público
Data da conferência: 28 de Novembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Crime de tráfico de estupefacientes
- Erro notório na apreciação da prova

SUMÁRIO

1. Existe erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou quando se violam as regras da experiência ou as legis artis na apreciação da prova. E tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores.
2. Vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova e estando as declarações prestadas pelos arguidos sujeitas à livre valoração do Tribunal, não se encontra obstáculo que impeça o Tribunal a acreditar nas declarações de um e não de outro, ou acreditar nas declarações prestadas em audiência de julgamento, e não as anteriormente feitas na fase de inquérito pelo mesmo arguido.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

1. Relatório
Por Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base em 1 de Fevereiro de 2018, A (2.º arguida nos autos) foi condenado, pela prática de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 8.º n.º 1, um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo art.º 14.º e um crime de detenção indevida de utensílio p.p. pelo art.º 15.º, todos da Lei n.º 17/2009, nas penas de 5 anos e 9 meses de prisão, 1 mês de prisão e 1 mês e 15 dias de prisão, respectivamente. Em cúmulo jurídico, foi arguido condenado na pena única de 5 anos e 10 meses e 15 dias de prisão efectiva.
Inconformado com o acórdão, recorreu o arguido para o Tribunal de Segunda Instância, que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso, passando a absolver o arguido do crime de detenção indevida de utensílio e a condená-lo na pena única de 5 anos e 9 meses e 15 dias de prisão, como resultante do cúmulo jurídico das penas concretas já aplicadas no acórdão de 1.ª instância pela prática dos crimes de tráfico e de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas.
Deste acórdão recorreu o arguido para o Tribunal de Última Instância, onde a juíza-relatora do processo decidiu, por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto na al. b) do n.º 6 do art.º 407.º do Código de Processo Penal, rejeitar o recurso.
Vem agora o arguido apresentar reclamação para a conferência, com imputação do vício de erro notório na apreciação da prova,pretendendo a sua absolvição do crime de tráfico ilícito de estupefacientes, ou a sua condenação pelo crime de tráfico de menor gravidade ou ainda o reenvio do processo para novo julgamento.
O Digo Procurador-Adjunto do Ministério Público pugna pela improcedência da presente reclamação.
Foram corridos vistos.
Cumpre decidir.

2. Os factos
2.1. Nos autos foram dados como provados os seguintes factos:
1. Pelo menos a partir de meados de 2016, B (1º arguido), A (2º arguido) e um homem chamado “C” (nome fictício) chegaram a um acordo de que o 1º arguido e “C” se encarregariam de comprar as drogas “ice” (metanfetamina), “canábis” e “ketamina” em Tanzhou, China de um homem cuja identificação não foi apurada. O 1º arguido guardava uma parte das drogas num carregador, cujo uso foi alterado, e entregava o resto das drogas ao “C”. Os dois entravam em Macau através do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco, levando com eles as drogas mencionadas. As drogas eram deixadas no quarto num hotel em Macau que foi alugado pelo 2º arguido para o 1º arguido. Os 1º e 2º arguidos dividiam ou confeccionavam as drogas e, depois disso, o 1º arguido próprio ou o 2º arguido (sob instruções do 1º arguido) vendia as drogas em Macau aos compradores de droga. Os interesses obtidos do tráfico de droga eram divididos igualmente entre os 1º e 2º arguidos.
2. Além disso, o 2º arguido responsabilizava-se pelo aluguer, em seu nome, dum quarto num hotel para o 1º arguido, com visa a evitar a detecção policial.
3. Cada vez o 1º arguido foi a Tanzhou, China, comprou 20 a 50 gramas de “ice” pelo preço de cinco mil renminbi/28 gramas para trazer para Macau. Depois, os 1º e 2º arguidos venderam a droga pelo preço, ao menos, oitocentos patacas/grama. A par disso, o 1º arguido também comprou “canábis” pelo preço de 300 renminbi/grama, esta droga, depois de ser misturada com tabaco ordinário picado, foi vendida pelos 1º e 2º arguidos pelo preço de trezentas patacas/cigarro.
4. Além de vender drogas a compradores, os 1º e 2º arguidos guardavam uma parte pequena das drogas para o consumo deles.
5. Durante o tempo em que praticavam o tráfico de estupefacientes, os 1º e 2º arguidos vendiam “metanfetamina”, pelo preço que variava de oitocentas a mil e duzentas patacas, e “ketamina”, pelo preço de mil e quinhentas patacas/grama. O 1º arguido contactava muitas vezes com os compradores de droga mediante o software de comunicação “WECHAT”: nas conversas, foram indicados as designações de drogas tais como “fa” (花 que significa “flor”) (canábis), “K2” (Ketamina), tendo sido utilizados também os códigos tais como “900=1” significa que a “metanfetamina é vendida pelo preço de $900/grama”, “$800 por um se mais de 20” significa que “no caso de o comprador adquirir mais de 20 gramas de metanfetamina o preço é de oitocentas patacas/grama”.
6. Pelo menos a partir de Junho de 2016, D (3ª arguida) e E (4ª arguida) conheceram os 1º e 2º arguidos através de terceiro. O 1º arguido forneceu várias vezes, gratuitamente, “ice” às duas para consumirem no quarto de hotel alugado pelos 1º e 2º arguidos, exigindo-lhes que recomendassem o 1º arguido aos seus amigos para comprarem drogas ao mesmo.
7. Quando a 3ª arguido consumiu droga no quarto de hotel alugado pelos 1º e 2º arguidos, viu por três vezes que o 1º arguido entregou uma parte das drogas ao 2º arguido para este entregar a terceiros e indicou ao 2º arguido os montantes a receber.
8. Em Setembro de 2016, o 1º arguido e “C” deslocaram-se, pelo menos cinco vezes, a Tanzhou, China para comprar “ice”, “canabis” e “ketamina” ao homem não identificado acima referido. A fim de evitar ser interceptado pelos Serviços de Alfândega, o arguido pagou cada vez um montante de duas mil patacas a “C” para este levar as drogas adquiridas para Macau através do Posto Fronteiriço das Portas do Cerco e deixou-as no quarto de hotel alugado pelo 2º arguido para o 1º arguido. As drogas, depois de serem divididas e confeccionadas pelos 1º e 2º arguidos, eram para ser vendidas em Macau a compradores de estupefacientes.
9. Em 19 de Setembro de 2016, o 2º arguido alugou para o 1º arguido o quarto n.º 2111 no [Hotel]. Depois, os dois levaram o resto das drogas para o quarto indicado.
10. Em 21 de Setembro de 2016, o 1º arguido e “C” deslocaram-se a Tanzhou, China e compraram 28 gramas de “ice” pelo preço de cinco mil renminbi e 15 gramas de “canábis” pelo preço de quatro mil e quinhentos renmimbi. As drogas foram levadas para Macau por “C” e foram divididas e confeccionadas no referido quarto pelos 1º e 2º arguidos.
11. Em 22 de Setembro de 2016, cerca das 22h30, a 3ª e 4ª arguidas deslocaram-se ao dito quarto no hotel depois ter contactado o 1º arguido. O 2º arguido bem como as 3ª e 4ª arguidas consumiram “ice” utilizando os utensílios feitos pelo 1º arguido.
12. Em 23 de Setembro de 2016, cerca da 01h50, os 1º e 2º arguidos saíram do hotel com um saco de drogas para realizar transacções com os compradores de drogas, mas foram interceptados pelo pessoal da Polícia Judiciária ao saírem do lóbi do [Hotel].
13. O agente da Polícia Judiciária revistou o 1º arguido, tendo encontrado na sua posse seis saquinho plásticos transparentes contendo substância cristalina branca e uma caixa em pele de cor preta contendo três cigarros enrolados à mão contendo no seu interior fragmentos de planta.
14. Submetidos a exame laboratorial, a substância cristalina branca nos seis saquinhos plásticos, com peso líquido de 4,067 gramas, continha 2,67 gramas de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009, representando 65,4% do peso. Os fragmentos de planta nos três cigarros enrolados à mão com peso líquido de 1,04 gramas continham “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009.
15. Posteriormente, o pessoal da Polícia Judiciária levou os 1º e 2º arguidos ao quarto n.º 2111 do [Hotel], no qual foram interceptadas as 3ª e 4ª arguidas.
16. O pessoal da PJ efectuou uma busca ao quarto n.º 2111 do [Hotel], tendo encontrado em cima da secretária uma caixa metálica de cores amarela e preta com fragmentos de planta no seu interior, três saquinhos plásticos transparentes contendo substância cristalina branca e uma balança electrónica preta. Foram encontrados em cima da mesa de centro três garrafas de água com líquido transparente no seu interior e as tampas com palhinha embutida, um saquinho plástico transparente contendo substância cristalina branca, duas palhinhas e um papel de estanho com vestígios de pó. No cofre do quarto foram encontrados um saquinho plástico transparente contendo no seu interior fragmentos de planta, um saquinho plástica transparente contendo no seu interior substância cristalina branca e três palhinhas.
17. Submetidos a exame laboratorial os objectos encontrados em cima da secretária, os fragmentos de planta no interior da referida caixa metálica com peso líquido de 4,7 gramas continham “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009. A substância cristalina branca nos três saquinhos tinha peso líquido de 38,731 gramas e continha 28,6 gramas de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009, representando 73,9% do peso. A balança electrónica tinha vestígios de “metanfetamina” e “tetraidrocanabinol”, substâncias abrangidas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009. Quanto às três garrafas de água cujas tampas com palhinha embutida e continham no seu interior líquido transparente, uma delas tinha vestígios de “metanfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009 e as outras duas tinham vestígios de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009. A substância cristalina branca no saquinho referido tinha peso líquido de 0,306 grama e continha 0,231 grama de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009, representando 75,6% do peso. Uma das duas palhinhas referidas tinha vestígios de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009 e a outra tinha vestígios de “metanfetamina”, “anfetamina” e “N,N-dimetanfetamina”, substâncias abrangidas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009. O papel de estanho tinha vestígios de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009. Submetidos a exame laboratorial os objectos encontrados no cofre do quarto de hotel, os fragmentos de planta no saquinho tinham peso líquido de 14,049 gramas e continham “canábis”, substância abrangida na Tabela II-C da Lei n.º 17/2009. A substância cristalina branca no saquinho referido tinha peso líquido de 0,152 grama e continha 0,112 gramas de “metanfetamina”, substância abrangida na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009, representando 73,8% do peso. As três palhinhas encontradas tinham vestígios de “metanfetamina”, “anfetamina” e “N,N-diMetanfetamina”, substâncias abrangidas na Tabela II-B da Lei n.º 17/2009.
18. As drogas mencionadas foram trazidas secretamente para Macau pelo 1º arguido e “C”, cuja maior parte se destinava à venda em Macau através do 1º arguido ou do 2º arguido, designado pelo 1º arguido, e ao consumo de terceiros. Uma parte pequena das drogas eram para o consumo pessoal dos 1º e 2º arguidos.
19. As garrafas de água com palhinhas embutidas e papel de estanho eram utensílios usados pelos quatro arguidos para o consumo das drogas. Os vestígios das drogas nos objectos referidos foram deixados na sequência do consumo de drogas dos quatro arguidos.
20. Os vestígios na balança electrónica, palhinhas e papel de estanho foram os resíduos deixados após a divisão e confecção das drogas por parte dos 1º e 2º arguidos.
21. Além disso, o pessoal da Polícia Judiciária encontrou na posse do 1º arguido uma caixa plástica branca contendo no seu interior 10 folhas de papel de estanho, encontrando, no veículo ligeiro de matrícula MJ-XX-XX do arguido, uma caixa amarela contendo no seu interior um rolo de papel de estanho e um saco de palhinhas e encontrado, no quarto de hotel alugado pelos 1º e 2º arguidos, duas folhas de papel de estanho, um envelope vermelho de “lai si” contendo no seu interior 25 saquinhos plásticos transparentes, três isqueiros e uma caixa amarela contendo no seu interior um rolo de papel de estanho, os quais eram objectos utilizados pelos 1º e 2º arguidos para dividir e embalar as drogas, bem como para fornecer aos compradores de droga ou consumir drogas entre si.
22. O pessoal da Polícia Judiciária encontrou, ao mesmo tempo, na posse do 1º arguido um telemóvel que era o instrumento de comunicação entre os 1º e 2º arguidos na prática dos actos acima ditos.
23. Os quatro arguidos agiram livre, voluntaria e conscientemente na prática dos actos descritos.
24. Os 1º e 2º arguidos sabiam bem das naturezas e características das drogas acima indicadas, mas agiram em comunhão de esforços e de vontades no sentido de adquirir, transportar e deter ilegalmente os estupefacientes controlados por lei, com intenção de vender a maior parte das drogas adquiridas e oferecer a terceiros, guardando uma parte pequena das drogas para o consumo próprio deles.
25. As 3ª e 4ª arguidas sabiam bem das naturezas e características das drogas acima indicadas, agiram para obter ilegalmente as drogas para o consumo próprio.
26. Os 1º e 2º arguidos detinham indevidamente as referidas garrafas de água com palhinhas embutidas, com finalidade de usá-las para consumir drogas.
27. As condutas dos quatro arguidos não eram permitidas por lei. Os mesmos sabiam bem que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei de Macau.
28. Do registo criminal resultou que o 1º arguido não é primário, tendo os seguintes antecedentes criminais:
Em 17 de Fevereiro de 2011, o arguido foi condenado, no âmbito do processo CR3-09-0443-PCS, pela prática de um crime de fuga à responsabilidade, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de MOP80, perfazendo a multa global de MOP4.800, ou em alternativa de 40 dias de prisão se a multa não fosse paga ou substituída pelo trabalho. Foi condenado pela prática de uma contravenção na pena de multa de MOP6.000, ou em alternativa de 26 dias de prisão se a multa não fosse paga ou substituída pelo trabalho. Além disso, foi-lhe aplicada a sanção de inibição de condução pelo período de 7 meses. A sentença transitou em julgado em 28 de Fevereiro de 2011.
Em 6 de Março de 2015, o arguido foi condenado, no âmbito do processo CR2-13-0105-PCC, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses. A sentença transitou em julgado em 1 de Junho de 2015. A pena aplicada nestes autos ao arguido encontra-se em concurso com aquela que lhe foi aplicada no processo CR3-15-0342-PCS.
Em 29 de Outubro de 2015, o arguido foi condenado, no âmbito do processo CR3-15-0342-PCS, pela prática de um crime de ofensas simples à integridade física, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. Foi realizado o cúmulo jurídico da pena aplicada neste processo e da no processo CR2-13-0105-PCC, foi condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos. O arguido foi obrigado a pagar solidariamente ao ofendido um montante de MOP5.000, a título de indemnização. A sentença transitou em julgado em 19 de Novembro de 2015. Já decorreu o prazo de suspensão da pena.
29. Do registo criminal resultou que o 2º arguido não é primário, tendo os seguintes antecedentes criminais:
Em 10 de Novembro de 2017, o 2º arguido foi condenado, no âmbito do processo CR3-17-0181-PCC, pela prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano. A sentença transitou em julgado em 30 de Novembro de 2017. Ainda não decorreu o prazo de execução da pena.
30. De acordo com os respectivos registos criminais as 3ª e 4ª arguidas são primárias.
31. O 1º arguido alegou ter o 11º ano de escolaridade, auferindo mensalmente MOP6.000 e tendo a seu cargo uma filha.
32. O 2º arguido alegou ter o 12º ano de escolaridade, vivendo a cargo dos pais e tendo a seu cargo a avó.
33. A 3ª arguida alegou ter concluído o ensino primário, auferindo mensalmente MOP10.000, não tendo ninguém a seu cargo.
34. A 4ª arguida alegou estar no 9º ano, auferindo mensalmente MOP3.000 mediante trabalho a tempo parcial.
2.2. Não foram considerados provados os seguintes factos:
1. O pessoal da Polícia Judiciária encontrou na posse do 2º arguido um telemóvel que era o instrumento de comunicação usado pelo 2º arguido na prática dos actos acima ditos.
2. As 3ª e 4ª arguidas detinham indevidamente as referidas garrafas de água com palhinhas embutidas, com finalidade de usá-las para consumir drogas.

3. O direito
Na sua reclamação apresentada, reitera o recorrente os mesmos fundamentos já alegados nas suas motivações dos recursos interpostos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Judicial de Base e pelo Tribunal de Segunda Instância.
Desde logo, passa a transcrever a decisão sumária proferida pela juíza-relatora do processo, em que foram apreciadas as questões suscitadas pelo recorrente:
「Na óptica do recorrente, o Tribunal cometeu erro notório na apreciação da prova, alegando que há contradições evidentes entre as declarações do 1.º arguido, sendo incríveis e não devendo ser admitidas as suas declarações sobre a participação do ora recorrente nas actividades de tráfico de droga; as declarações da 3.ª arguida, para além de serem entre si contraditórias, não correspondem ao que foi dito pelo 1.º arguido, pelo que também são incríveis; e a 4.ª arguida, que consumia droga sempre em conjunto com a 3.ª arguida, não sabia nada do facto de o recorrente ajudar o 1.º arguido a traficar drogas. Por outro lado, o recorrente não tinha nenhum poder de decisão sobre as drogas, estas não lhe pertenciam, daí que o Tribunal deve absolvê-lo ao abrigo do princípio in dubio pro reo, ou condená-lo pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, pois não foi apurada a quantidade exacta das drogas que foram vendidas pelo recorrente.
Como se sabe, há erro notório na apreciação da prova “quando se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável, ou viola as regras sobre o valor da prova vinculada, da experiência ou as legis artis”. E “tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.”1
No caso vertente não se verificou qualquer das situações acima indicadas que constituem o vício invocado. O que se revela é apenas a discordância com a valoração das provas produzidas em audiência de julgamento por parte do recorrente, que questiona a convicção do Tribunal.
No seu acórdão, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base explica concretamente como foram apreciados os factos e como foi formada a sua convicção, tendo relatado os fundamentos com base nos quais foram dados como provados os factos, dos quais deduziu a conclusão de que o recorrente e o 1.º arguido agiram em comunhão de esforços e de vontades e com distribuição das tarefas no delito de tráfico de droga. Daí se pode ver que a convicção do Tribunal Colectivo foi formada com base na análise global das declarações prestadas pelos arguidos em audiência de julgamento e dos depoimentos das testemunhas, bem como na apreciação dos objectos apreendidos e das provas documentais constantes nos autos.
Não obstante a negação do recorrente sobre o facto de tráfico de droga, aponta o Tribunal Colectivo que: o 1.º arguido relatou explicitamente os factos relativos à prática de tráfico de estupefacientes em conjunto com o recorrente e que eles fornecerem droga à 3.ª arguida, as 3.ª e 4.ª arguidas relataram o facto de que elas adquiriram droga do 1.º arguido e do recorrente para consumir e a 3.ª arguida ainda referiu ter visto que o 1.º arguido entregou droga ao recorrente para ele entregar a terceiros e por duas vezes viu que o 1.º arguido indicou ao 2.º quantias de dinheiro que devia cobrar; as declarações prestadas pelo 1.º arguido correspondem basicamente à versão apresentada pela 3.ª arguida. Além disso, o Tribunal Colectivo toma em consideração as circunstâncias em que o 1.º arguido e o recorrente foram interceptados pela autoridade policial, altura em que foram encontradas drogas na posse do 1.º arguido e no corpo do recorrente foi encontrado o cartão da porta do respectivo quarto de hotel, não tendo o 1.º arguido o cartão da porta do quarto; posteriormente, a autoridade policial encontrou no quarto de hotel drogas, balança electrónica e utensílios para consumo de droga; o quarto em causa foi alugado pelo recorrente e já foi o quarto dia do alugue quando ocorreram os factos imputados.
Analisadas as provas produzidas e as circunstâncias supra mencionadas, conjugando-as com as regras da experiência comum, não se vê que o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base incorreu no erro na apreciação da prova, alegado pelo recorrente, que qualquer homem médio o detecte com facilidade após examinados todos os factos provados e os meios da prova.
É de frisar que, vigorando no processo penal o princípio da livre apreciação da prova, as provas produzidas em audiência de julgamento são apreciadas segundo as regras da experiência e a livre apreciação do tribunal, salvo disposição legal em contrário.
In casu, tanto as declarações dos arguidos no mesmo processo como os depoimentos prestados pelas testemunhas são provas sujeitas à livre valoração do Tribunal e nada obsta a que o Tribunal acredite nas declarações de uma determinada pessoa e não de outra. O tribunal pode perfeitamente fazer uma valoração diversa daquela do recorrente, à luz das regras da experiência comum e da sua livre convicção.
Não se vislumbra a violação, por parte do Tribunal e aquando da apreciação da prova, das regras sobre o valor da prova vinculada, da experiência ou as legis artis, não se verificando, nesta conformidade, o alegado erro notório na apreciação da prova.
É também improcedente a pretensão formulada pelo recorrente de condená-lo pela prática do crime de tráfico de menor gravidade. O Tribunal confirmou as espécies e quantidades das drogas apreendidas, de acordo com o exame laboratorial e a análise quantitativa feitos pela PJ e, ao mesmo tempo, deu como provado que o 1.º arguido e o recorrente agiram em comunhão de esforços e de vontades e com distribuição das tarefas, tendo adquirido, transportado e detido ilegalmente as referidas drogas, com intenção de vender e oferecer a terceiros a maior parte das drogas, guardando uma parte pequena das drogas para o consumo próprio deles.
Atendendo ao peso das drogas apreendidas, é de afirmar que a quantidade destinada à venda e ao oferecimento a terceiros para consumo é absolutamente superior à quantidade diminuta, daí que a pretensão do recorrente não tem fundamentos de facto e de direito.
É manifestamente improcedente o recurso do recorrente.」
Analisados os elementos constantes dos autos e as circunstâncias do caso apuradas, afigura-se-nos que não merece censura a decisão sumária, que deve ser mantida.
Acresce-se que segundo o princípio da imediação, que assenta na “relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele pessoa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base na sua decisão”2, o tribunal deve apreciar e obter os meios de prova mais próximos ou mais directos3, o que favorece uma valoração e análise ao vivo e directa das provas produzidas em audiência de julgamento, incluindo as declarações prestas pelos arguidos, bem como da personalidade e da conduta das pessoas ouvidas na mesma ocasião, o que contribui sem dúvida para ajuizar da credibilidade das declarações e dos depoimentos prestados.
Em audiência de julgamento realizada em 1.ª instância, o Tribunal Colectivo ouviu as declarações dos arguidos, incluindo o ora recorrente e os restantes arguido, e os depoimentos das testemunhas, conjugando-os com os outros elementos da prova constantes dos autos. E formou a sua convicção com base na análise global de todas as provas, tomando ainda em consideração as regras da experiência comum.
Repetindo, é de salientar que, vigorando no processo penal também o princípio da livre apreciação da prova e estando as declarações prestadas pelos arguidos sujeitas à livre valoração do Tribunal, não se encontra obstáculo que impeça o Tribunal a acreditar nas declarações de um e não de outro, ou acreditar nas declarações prestadas em audiência de julgamento, e não as anteriormente feitas na fase de inquérito pelo mesmo arguido.
Inverificado o vício do erro notório na apreciação da prova nem os outros previstos no n.º 2 do art.º 400.º do CPP, evidentemente não pode haver lugar ao reenvio do processo para novo julgamento (art.º 418.º n.º 1 do CPP).
Relativamente à pretensa convolação para o crime de tráfico de menor gravidade, também deve ser julgada improcedente. Dado que, face à factualidade assente nos autos, referentes nomeadamente à quantidade da droga apreendida nos autos e o facto de que o 1º arguido e o ora recorrente agiram em comunhão de esforços e de vontades e com distribuição das tarefas, tendo detido ilegalmente a droga, que se destinava, na sua maior parte, para vender e oferecer a terceiros, é de afastar a aplicação do art.º 11.º da Lei n.º 17/2009.
Indefere-se a reclamação apresentada pelo recorrente.

4. Decisão
Face ao expendido, acordam em indeferir a presente reclamação, rejeitando-se o recurso interposto pelo Recorrente.
Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça fixada em 5 UC.

               Macau, 28 de Novembro de 2018
               
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
               
1 Cfr. Acórdãos do TUI de 30/1/2003, de 15/10/2003 e de 16/2/2004, nos Processos n.ºs 18/2002, 16/2003, e 3/2004, entre muitos.
2 Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I Volume, p. 232.
3 Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II Volume, p. 316.
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