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Processo n.º 65/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Secretário para a Segurança
Recorrido: A
Data da conferência: 5 de Dezembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Interdição de entrada na RAEM
- Prazo de interdição de entrada
- Poder discricionário

SUMÁRIO
1. Está-se perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
2. Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
3. Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração.
4. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação dos princípios orientadores, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça.
5. E só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável.
6. A intervenção do juiz na apreciação do respeito pelos princípios orientadores por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
  
1. Relatório
A, melhor identificado nos autos, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, de 16 de Dezembro de 2016, que indeferiu o seu recurso hierárquico interposto do despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, que lhe tinha determinado a medida de interdição de entrada na RAEM, por um período de 3 anos.
Por Acórdão proferido em 19 de Abril de 2018, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar procedente o recurso, anulando o acto impugnado.
Inconformado com a decisão, recorre o Secretário para a Segurança para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Ao abrigo do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 6/2004, o acto administrativo anulado é, sem dúvida, dotado de natureza discricionária, nomeadamente em termos de determinar o prazo da interdição de entrada.
2. A Administração previne a perturbação do funcionamento normal dos casinos mediante a aplicação da medida de interdição de entrada (dotada de natureza preventiva e de segurança), visando defender a segurança e ordem pública de acordo com a lei e no âmbito das suas atribuições. Cumpre salientar que, devido ao peso decisivo da indústria de jogo na sociedade de Macau, o seu funcionamento saudável é especialmente importante, logo, qualquer factor perturbador dessa indústria naturalmente chama a maior atenção da Administração.
3. Estabelecer o critério do prazo de interdição de entrada é a competência exclusiva da Administração, que actua dentro da ampla margem de discricionariedade para determinar o respectivo prazo de interdição, tendo como orientação as necessidades da segurança pública e baseando-se nas políticas e critérios vigentes no momento da prática de facto.
4. A Administração estabelece o critério de ponderação em função da sua experiência e funções exclusivas na correspondente área, as quais lhe permitem, através dos trabalhos quotidianos, o acesso às informações dos casos concretos e a compreensão das situações gerais. Portanto, para efeitos da segurança pública, nenhum outro organismo ou poder pode imiscuir-se nela.
5. Razão pela qual, a Administração tem direito à escolha do critério respeitante ao prazo de interdição de entrada, não podendo o prazo fixado segundo esse critério ser considerado como totalmente desrazoável.
6. Os actos praticados no exercício do poder discricionário devem cumprir as normas respeitantes às competências dos órgãos e as procedimentais, o objectivo prosseguido pelo acto de conferir a discricionariedade, o dever de fundamentação bem como os princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade, só podendo os tribunais imiscuir-se em caso de erro grosseiro ou injustiça manifesta.
7. O acórdão recorrido errou ao imputar, pelo motivo por este invocado, a total desrazoabilidade à decisão feita pela Administração em caso concreto.
8. Se assim não for, não podemos deixar de perguntar: o prazo de quanto tempo é razoável?
9. Dessarte, o acórdão recorrido deve ser julgado nulo por violar manifestamente o princípio da separação de poderes estabelecido no artigo 2.º da Lei Básica de Macau e interpretar e aplicar erradamente o disposto no artigo 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso.

Não contra-alegou o recorrido A.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, pugnando pelo provimento do recurso jurisdicional, com a revogação do acórdão impugnado e a consequente manutenção do acto administrativo.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos
Nos autos foram considerados assentes os seguintes factos:
1 - O recorrido é um jogador habitual dos casinos da RAEM, em particular do [Casino].
2 - No dia 24 Abril 2016, pelas 03:21, encontrava-se o recorrido a jogar Bacará numa mesa de jogo do dito [Casino].
3 - Estando o “croupier” B ao serviço na mesa onde o recorrido jogava.
4 - A dado passo, o recorrido apostou $10,000 no Banker, e quando o croupier B abriu a carta do jogador o resultado foi Player 9(9&K), Banker 7(10&7), ganhando o Player.
5 - O recorrido ficou irritado por ter perdido a aposta supra e manifestou a sua irritação e frustração atirando as cartas que segurava na direcção do croupier B.
6 - Posteriormente, e por estar a perder, o recorrido arremessou um panfleto na direcção do croupier.
7 - O croupier apresentou uma queixa crime contra o recorrido.
8 - No respectivo procedimento administrativo foi prestada a seguinte Informação XXX/2016:
“Assunto: audiência e alegação da medida de interdição da entrada em Macau a A

Informação n.º XXX/2016-Pº.XXX.XX
Referência:

Data: 06/07/2016
1) entrada do CPSP: XXXXX/SCTPSP/P2016 (27 de Maio de 2016)


2) entrada do CPSP: XXXXX/SCTPSP/P2016 (30 de Maio de 2016)



  1. O CPSP instaurou o processo de interdição da entrada em Macau a A por este ter praticado crime de ofensa simples à integridade física previsto no art.º 137.º n.º 1 do Código Penal (vide a proposta n.º XXXX/2016-pº.XXX.XX).
  2. Nos dias 27 e 30 de Maio de 2016, o CPSP recebeu as alegações por escrito do interessado A, através do seu representante, advogado C, pediu ao CPSP que não aplique a medida de interdição da entrada em Macau pelo período de 3 anos ao representado (vide as entradas do CPSP n.º XXXXX/SCTPSP/P2016 e XXXXX/SCTPSP/P2016).
  3. Quanto ao teor das alegações por escrito, o advogado C pretendeu fornecer quatro testemunhas, mas acabou por fornecer duas (D e E) após a notificação ao CPSP, no intuito de provar que o seu representado não praticou nem pretendeu praticar o crime que lhe foi acusado:
  3.l. No dia 1 de Julho de 2016, pelas 10h00, o gerente de funcionamento do [Casino], D (do sexo masculino, nascido a XX de XX de 19XX, titular do BIRPM n.º XXXXXX(X) dirigiu-se a prestar depoimento:
  D, gerente de funcionamento do [Casino] e chefe de B, no dia 24 de Abril de 2016, por volta das 03h15 até às 03h30, B e o cliente A tiveram litígio no mercado de massas no [Casino], pelo que D dirigiu-se para conhecer da situação, na altura, A disse-lhe que a atitude de B não é boa e disse ainda “tu perdeste dinheiro não é a minha coisa”, do vídeo constata-se que no momento da ocorrência do caso, B lançou os cartões com força grande para a mesa, em seguida, A pegou num folheto e lançou-o para a mesa, já que naquele momento, as mãos de B estão na mesa, assim, o folheto acertou-lhe a costa da mão direita. Após o caso, D perguntou a B a situação de ferimento e se precise de informar o ferimento de trabalho, mas B disse que não. Até às 21h00 do mesmo dia, B e o seu filho chegaram ao casino e disseram-lhe que há necessidade de informar o ferimento de trabalho e chamar a Polícia.
  3.2. No dia 1 de Julho de 2016, pelas 15h00, a gerente de funcionamento do [Casino] E (do sexo feminino, nascida a XX de XX de 19XX, titular do BIRPM n.º XXXXXXX(X)) dirigiu-se a prestar depoimento:
  E, gerente de funcionamento do [Casino] e chefe de B, no dia 24 de Abril de 2016, por volta das 03h15 até às 03h30, B e o cliente A tiveram litígio no mercado de massas no [Casino], do vídeo constata-se que no momento da ocorrência do caso, A, depois de ter olhado os cartões, sabia que perdeu, lançou os cartões para B, na altura B pegou nos cartões e lançou-os para a mesa com grande força, dizendo algo. Em seguida, A pegou num folheto e lançou-o para a mesa, no momento em que B estava a arrumar os cartões, por isso, o folheto acertou-lhe a costa da mão direita. No mesmo dia, por volta das 5h00, perguntou a B a situação de ferimento e se precisa de informar o ferimento de trabalho, B respondeu que não. Como no momento da ocorrência do caso, não estava lá, por isso não sabia o teor do diálogo entre B e A.
  4. Após a análise dos autos e das alegações por escrito do interessado, entende a presente Secção que os fundamentos não são suficientes, por isso sugere que o superior considere a aplicação da medida de interdição da entrada a A.
  5. Submete-se à apreciação do superior.
Chefe da Secção de Informática e Análise Estatística
F
Ass.: vide o original
Guarda n.º XXXXXX”
9 - O Comandante do CPSP de 20/07/2016 proferiu o seguinte despacho:
“Assunto: medida de interdição de entrada na RAEM
Segundo o resultado de investigação do CPSP, A (do sexo masculino, nascido a XX de XX de 19XX, titular do salvo-conduto para deslocação a Hong Kong e Macau n.º CXXXXXXXX) praticou crime em Macau, a saber:
No dia 24 de Abril de 2016, A estava a jogar numa mesa de mercado de massas no [Casino], insatisfeito com a perda contínua, atribuiu a responsabilidade a croupier em serviço, durante o processo, A e o croupier em serviço discutiram, A pegou num folheto e bateu na costa da mão direita do ofendido. O assunto foi conciliado por gerente em serviço do casino, tendo saído A do casino. Após a saída dos serviços, o ofendido ainda sentiu dores na costa da mão direita, por isso dirigiu-se ao hospital e chamou a Polícia. A foi interceptado quando entrou novamente no [Casino]. O mesmo confessou o crime que lhe foi acusado e o vídeo envolvido no caso mostra claramente que A praticou o respectivo acto.
Após a investigação da PJ, há fortes indícios de que A praticou os actos criminosos do crime de ofensa simples à integridade física previsto no art.º 137.º n.º 1 do Código Penal de Macau, tendo sido encaminhado o caso ao MP.
Dados os factos objectivos e as circunstâncias criminosas, a sua entrada na RAEM irá constituir perigo à ordem e segurança pública da RAEM. Para defender os interesses públicos da RAEM e cumprir as competências específicas do CPSP, no uso das competências ora subdelegadas, decide-se interditar a entrada na RAEM ao indivíduo supracitado pelo período de 3 anos (a partir de 27 de Abril de 2016) nos termos do art.º 4.º n.º 2 da Lei n.º 4/2003, conjugado com o art.º 12.º n.º 2 al. 1) e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Da presente decisão cabe recurso hierárquico necessário ao Secretário para a Segurança. Notifica-se o interessado de que se submeterá à pena de prisão prevista no art.º 21.º da Lei n.º 6/2004 em caso de incumprimento da medida ora aplicada.
Aos 20 de Julho de 2016, no CPSP
O Comandante do CPSP
Leong Man Cheong
Superintendente Geral
Ass.: vide o original”
10 - Contra este despacho, o interessado apresentou recurso hierárquico para o Secretário para a Segurança.
11 - Foi então prestada a seguinte Informação:
«Assunto: Recurso hierárquico. Medida de interdição de entrada. Recorrente: A
1. O recorrente, visitante da RPC, titular do SC n.º C 08975401, vem impugnar o despacho através do qual lhe foi aplicada a medida de interdição de entrada pelo período de 3 anos, invocando, em síntese, o seguinte:
2. Que, acabara de perder a aposta de 10 mil Hong Kong dólares e, chateado, atirou as cartas em direcção ao croupier, e que este respondeu “tu perdes dinheiro e a culpa é minha?”, e que este também afastou as cartas atiradas pelo recorrente;
3. E essa reacção do croupier, no entender do recorrente uma atitude não profissional e provocatória, e como já estava perturbado pela perda da tal jogada, fez com se sentisse claramente provocado pela atitude do croupier que assim como entendeu violava as regras da sua conduta profissional, e vai daí agarrou num planfleto publicitário que ali estava e com ele veio a tocar na mão do croupier, podendo aliás esses factos serem constatados pelas imagens das câmaras de vigilância e pelos testemunhos que arrolou, pelo que assim fica demonstrado que a acção do recorrente não foi susceptível de causar qualquer tipo de lesão ao croupier;
4. Depois, junta aos seus argumentos uma narrativa entre o croupier e a sua entidade patronal de que aquele teria ameaçado os seus patrões impondo como condição estes não lhe moverem procedimento disciplinar, ou senão ele apresentaria queixa às autoridades dos acontecimentos com o recorrente;
5. E pede ao órgão recorrido que oficie a entidade patronal do croupier pedindo informação sobre estes factos, uma vez que o recorrente é, sim, uma vítima dos factos falsos participados pelo croupier,
6. pedindo, pelos fundamentos acima descritos, que o acto recorrido seja revogado.
---xxx---
7. Para a aplicação da presente medida de interdição de entrada, o orgão recorrido levou em conta os factos participados no ofício remetido pela Polícia Judiciária, com o n.º XXXX/NDI/2015, de 17 de Outubro desse ano, os quais versam sobre o seguinte:
8. Cerca das três e quinze da madrugada do passado dia 24 de Abril de 2016, no [Casino], o recorrente que vinha perdendo dinheiro numa mesa de bacarat, começou a invectivar o croupier da mesa culpando-o pelos desaires que estava a sofrer, e nisto pegou num cartão publicitário e com ele bateu na mão do profissional, ferindo-o.
9. Por causa do agente da PSP destacado no Hospital Conde de São Januário, ficou-se a saber a razão do ferimento e disso se deu conhecimento à Polícia Judiciária, que veio a desencadear e a concluir a investigação aos acontecimentos.
10. Não corresponde à verdade portanto, o que o recorrente invocou na sua petição de recurso, de que a investigação aos factos só se iniciou porque o croupier vendo que a entidade patronal não ligou às suas ameaças: se não fosse processado disciplinarmente não apresentaria queixa do recorrente; se fosse, iria de imediato às autoridades apresentar queixa sobre o acontecimento.
11. Depois, no dia a seguir, a 25 de Abril, o recorrente quando pretendia de novo entrar no casino foi barrado pela segurança do local e entregue às autoridades, perante quem prontamente admitiu os factos.
12. Como refere o ofício a Polícia Judiciária, esta corporação detém as imagens captadas pelas câmaras de vigilância no local, onde se verifica e prova claramente a conduta do recorrente.
13. Por outro lado, cabe ao recorrente provar os factos invocados que, de resto, se consideram irrelevantes, sobre a relação entre o croupier e a sua entidade patronal, pois o presente processo não trata da avaliação profissional do referido funcionário, pelo que não será enviado qualquer ofício aos responsáveis desse estabelecimento.
14. Também, das declarações recolhidas junto das testemunhas arroladas pelo recorrente, estas nada juntaram que possa contrariar o desenrolar dos factos investigados e participados pela Polícia Judiciária.
15. Assim, perante a conduta do recorrente, ciente de que a sua acção era contrária à lei, indiciando a prática do crime de ofensas simples à integridade física, p. e p. no art.º 137.º do CP, considerou-se necessário aplicar ao recorrente uma medida de interdição de entrada nos termos do n.ºs 2, alínea 1), e 3 e 4, do art.º 12.º da Lei n.º 6/2004, por um período de afastamento julgado adequado e proporcional à defesa dos interesses públicos que a mesma visa prosseguir.
16. Pelo exposto, considera-se igualmente que o despacho através do qual foi aplicada a medida de interdição ao recorrente, não se encontra ferido de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não devendo por isso ser concedido provimento ao recurso.
17. Por fim, pelo que acima se referiu e pelas circunstâncias que rodearam a prática dos factos, considera-se também nos termos da segunda parte do art.º 157.º do CPA, que não deve ser concedida a suspensão da eficácia do acto recorrido porque tal causaria grave prejuízo ao interesse público.
18. À superior consideração de V.Exa .
CPSP, aos 15 de Novembro de 2016».
12 - O Secretário para a Segurança, em 16/12/2016 proferiu o seguinte decisão (a.a.: fls. 11 dos autos e 4 do apenso “traduções”):
«Governo da Região Administrativa Especial de Macau
Gabinete do Secretário para a Segurança
Despacho
Assunto: recurso hierárquico necessário
Recorrente: A
Ponderando a análise na informação de 15 de Novembro de 2016 do Comandante do CPSP e o despacho de 20 de Julho de 2016, cujo teor se dá por integralmente reproduzido,
A decisão recorrida tem como objectivo defender a segurança pública, é legal e adequada, pelo que, nos termos do art.º 161.º n.º 1 do Código de Procedimento Administrativo, é indeferido o recurso hierárquico e mantida a decisão original.
Secretário para a Segurança
Ass. vide o original
Wong Sio Chak
16 de Dezembro de 2016».

3. Direito
O acórdão recorrido julgou procedente o recurso contencioso, por entender que o acto administrativo impugnado, no sentido de interdição de entrada por 3 anos, se mostra desproporcionada, excessiva, desrazoável e injusta.
Na tese da entidade recorrente, o acórdão recorrido cometeu erro ao imputar a total desrazoabilidade à decisão da Administração, com interpretação e aplicação errada do disposto no art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC.
E violou manifestamente o princípio da separação de poderes consagrado no art.º 2.º da Lei Básica da RAEM.
Vejamos se assiste razão à entidade recorrente.
Desde logo, não se vê como foi violado o princípio da separação de poderes, pois cabe ao tribunal apreciar a legalidade dos actos administrativos (art.º 20.º do CPAC), podendo ele intervir na apreciação sobre a crítica feita à actuação administrativa de desrespeito pelos princípios orientadores no exercício de poderes discricionários, para ver se as decisões administrativas violam a lei, com erro manifesto ou total desrazoabilidade (art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC).

Sobre a matéria ora em causa, a interdição de entrada na RAEM, dispõe o art.º 12.º da Lei n.º 6/2004:
“Artigo 12. º
Interdição de entrada
1. As pessoas a quem seja decretada a expulsão ficam, depois de esta ser concretizada, interditas de entrar na RAEM por um período a fixar na ordem de expulsão.
2. Pode igualmente ser decretada a interdição de entrada:
1) Preventiva ou sucessivamente, quando os motivos que levam à recusa de entrada, nos termos das alíneas 1) a 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003, justifiquem que essa medida seja prolongada no tempo;
2) Às pessoas a quem seja revogada a autorização de permanência nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
3. A interdição de entrada pelos motivos constantes das alíneas 2) e 3) do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 4/2003 deve fundar-se na existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
4. O período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.”
Por sua vez, nos termos da al. 3) do n.º 2 do art.º 4.º da Lei n.º 4/2003, pode recusar-se a entrada dos não-residentes na RAEM em virtude de “existirem fortes indícios de terem praticado ou de se prepararem para a prática de quaisquer crimes”.

No caso vertente, decorre dos autos que a interdição de entrada do ora recorrido por um período de 3 anos foi determinada ao abrigo do disposto no art.º 4.º n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003 e no art.º 12.º n.ºs 2, al. 1), 3 e 4 da Lei n.º 6/2004, porque houve fortes indícios de que o recorrido praticou os actos criminosos que integram no crime de ofensa simples à integridade física p.p. pelo art.º 137.º n.º 1 do Código Penal.
O Tribunal recorrido considera desproporcional, excessiva, desrazoável e injusta a duração de 3 anos para a interdição da entrada imposta ao recorrido.
No que concerne à fixação do período de duração da medida em causa, está em causa o exercício do poder discricionário por parte da Administração.
Como é sabido, a decisão de decretar a interdição de entrada “é discricionária, como também é discricionária a fixação do período de interdição de entrada, já que os conceitos a que a lei subordina o mesmo período concedem uma margem de livre apreciação à Administração”, tal como entende este Tribunal de Última Instância.1
Não se pode perder de vista que a medida de proibição de entrada constitui uma autêntica medida de polícia, que visa intervir no exercício de actividades individuais susceptíveis de fazerem perigar interesses gerais que se prendem concretamente com a manutenção da ordem pública e segurança da RAEM, que podem ser postas em perigo com a entrada e permanência de não residentes cuja situação se enquadra nas previsões legais.
Há que ter sempre presente as razões atinentes à segurança e à ordem públicas que estão subjacentes na proibição de entrada e a natureza dessa mesma medida.
E estamos perante o exercício do poder discricionário quando a Administração determina o prazo de interdição de entrada na RAEM segundo as normas legais.
Nos casos em que a Administração actua no âmbito do poder discricionário, não estando em causa matéria a resolver por decisão vinculada, como é o nosso caso, a decisão tomada pela Administração fica fora de controlo jurisdicional, salvo nos casos excepcionais.
Sendo entendimento uniforme e pacífico, este Tribunal de Última Instância tem afirmado que “a intervenção dos tribunais na anulação de actos exercidos no exercício de poderes discricionários, com fundamento em violação de princípios como da proporcionalidade ou da justiça, só deve ter lugar naqueles casos flagrantes, evidentes, de violações intoleráveis destes princípios”.
“Ao tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.”2
Daí que só o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários constituem uma forma de violação de lei que é judicialmente sindicável [art.º 21.º n.º 1, al. d) do CPAC], sendo que a intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.3
Há que pôr em confronto os bens, interesses ou valores perseguidos com o acto administrativo restritivo ou limitativo e os bens e interesses individuais sacrificados por esse acto, para aferir da proporcionalidade da medida concretamente aplicada. E só no caso de considerar inaceitável e intolerável o sacrifício é que se deve concluir pela violação dos princípios orientadores do exercício de poderes discricionários, tais como da proporcionalidade, da razoabilidade e da justiça.
Na realidade, a interdição de entrada na RAEM é considerada como “uma medida policial de prevenção tomada em consequência da análise de personalidade e situação pessoal de um não-residente da RAEM”, para cuja determinação prevalecem mais os interesses públicos da sociedade da RAEM.4
No caso vertente, o acto administrativo impugnado visa obviamente prosseguir um dos interesses públicos, que é prevenção e garantia da segurança e da ordem públicas da RAEM.
Cabe à Administração da RAEM considerar e avaliar a conduta e a personalidade do ora recorrido, ponderar a existência de perigo que pode ser causado à segurança e ordem públicas com a sua entrada e permanência em Macau e tomar a medida que considera adequada e necessária.
Salientam-se o ambiente e o circunstancialismo em que se envolve a agressão feita pelo ora recorrido que, chateado e irritado com a perda de apostas numa mesa de jogo do casino, atribuiu culpa ao croupier, que não a tinha, atirou as cartas em direcção ao croupier e até agarrou numa placa de publicidade, arremessando-o para aquele trabalhador, causando-lhe dores e inchaço nas costas da mão direita.
É verdade que as lesões corporais causadas não são graves.
No enanto, e tal como afirma a entidade recorrente, o mais importante é que a conduta do recorrido perturbou a boa ordem e o bom funcionamento do casino.
E como é consabido, o sector de jogo de fortuna e azar assume uma relevância tão significativa para a RAEM, que constitui o seu maior suporte económico, pelo que não se pode dizer que é muito leve a ameaça à segurança e ordem públicas provocada pelo facto ilícito perturbador da boa ordem e do bom funcionamento desse sector.
Na determinação do prazo para interdição de entrada imposta ao recorrido, não se vislumbra qualquer erro manifesto ou total desrazoabilidade.
Tudo ponderado, não se nos afigura que a medida da interdição de entrada por 3 anos é manifestamente injusta, excessiva, desrazoável nem desproporcional.
É de julgar procedente o recurso jurisdicional.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando o acórdão recorrido e negando provimento ao recurso contencioso.
Custas pelo recorrido, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UC.

                 Macau, 5 de Dezembro de 2018
                 
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa
                 
1 Cfr. Ac.do Tribunal de Última Instância, de 9-5-2012, Processo n.º 13/2012.
2 Cfr. Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 19-11-2014, Processo n.º 112/2014 e de 9-5-2012, Processo n.º 13/2012.
3 Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, de 15-10-2003, Processo n.º 26/2003, entre outros.
4 Cfr. Ac.do Tribunal de Última Instância, de 30-7-2008, Proc. n.º 34/2007.
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