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Processo n.º 17/2017
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrentes: A e B
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças
Data da conferência: 19 de Dezembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima

Assuntos: - Renovação da autorização de residência temporária
- Direito de audiência
- Forma de notificação do interessado
- Razões humanitárias

SUMÁRIO
1. A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
2. O n.º 1 do art.º 72.º do Código do Procedimento Administrativo prevê várias formas das notificações dos actos administrativos, no qual não se vê qualquer relação de hierarquia entre as formas previstas, sendo ainda de notar que a lei confere à Administração o poder de escolher, entre as várias formas, a mais adequada, “consoante as possibilidades e as conveniências”.
3. Tendo em consideração a intenção legislativa e o objectivo pretendido atingir com o regime de fixação de residência por investimento, de atrair investimentos para Macau, é de crer que não é no procedimento administrativo de fixação de residência por investimento a sede própria para apreciar se se deve renovar a autorização de residência temporária com base nas razões humanitárias invocadas pelos interessados.

A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
   
1. Relatório
A e B, melhor identificados nos autos, interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, datado de 20 de Fevereiro de 2012, que indeferiu o pedido de renovação da autorização de residência temporária da primeira recorrente e do seu agregado familiar, composto pelo segundo recorrente (seu marido) e os dois filhos.
Por Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância, foi julgado improcedente o recurso, mantendo-se o acto administrativo impugnado.
Inconformados com a decisão, vêm A e B recorrer para o Tribunal de Última Instância, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1. Em termos da violação ou não da exigência da audiência, os recorrentes entendem que o Tribunal de Segunda Instância faltava a ponderar o seguinte facto provado: A Requerente A, de 55 anos de idade, e o filho C, de 27 anos de idade, sofrem de doença do foro psiquiátrico e neurológico, respectivamente.
2. De facto, a notificação da audiência feita pelo Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento aconteceu durante o período em que a recorrente A tinha doença psiquiátrica.
3. Além disso, como sabemos, a forma de notificação mais proferida é a pessoal, e depois, a por ofício, nos termos do art.º 72.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo.
4. Por isso, caso o Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento tivesse cumprido o disposto de notificação acima referido, verificaria definitivamente a situação mental anormal da recorrente A.
5. O Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento deve, cumprindo o princípio da boa fé e o princípio da participação, garantir à recorrente A uma forma melhor para defender relativamente à eventual decisão desfavorável.
6. No entanto, neste vertente, não vemos que a administração tivesse praticar qualquer diligência ou arranjo adequado. Assim sendo, prejudica-se o exercício do contraditório da recorrente A.
7. Por isso, o acto recorrido viola o art.º 93.º do Código do Procedimento Administrativo e o disposto relativo à participação dos particulares no processo, o que implica a nulidade referida no art.º 122.º, n.º 2, al. d) do mesmo Código, ou pelo menos, o vício da anulabilidade.
8. Por outro lado, tanto o Decreto-Lei n.º 14/95/M como o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, fixam a possibilidade da aplicação subsidiária o regime geral da entrada, permanência e residência.
9. O regime de entrada, permanência e residência, quer anterior quer novo, dispõe a ponderação das razões humanitárias.
10. Como referimos por várias vezes, a recorrente A tem doença psiquiátrica e o membro da sua família C tem doença neurológica, sendo os dois ambos avaliados pelo Instituto de Associação Social como deficiência mental grave. Ademais, o outro recorrente B, marido da A, está no caso de ausência na parte incerta.
11. Como podemos exigir uma mulher de 60 anos de idade que tem doença psiquiátrica, a preencher o montante faltado de investimento num período de audiência escrita tão curto.
12. Ademais, a parte culpada, que perde um dos imóveis investidos, não é os dois recorrentes, porque eles também são ofendidos na violação de contrato.
13. Ficando na posição dos recorrentes, é fácil saber e sentir que a situação deles vai ser muito difícil após a perda do imóvel investido. Os recorrentes, que usaram todos os dinheiros no investimento de Macau, acabam por ter nada, sem casa para voltar.
14. Por isso, antes de praticar o acto recorrido, a entidade recorrida devia ter ponderado a situação concreta dos dois recorrentes, designadamente a da A, procurando uma forma mais humanitária para resolver a questão do pedido da renovação da residência
15. No presente caso, a entidade recorrida não fez este tipo de ponderação ao praticar o acto recorrido, nem o acórdão recorrido entendeu nesta direcção, por isso, é inevitavelmente violado o princípio de proporcionalidade previsto pelo art.º 5.º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo.

A entidade recorrida apresentou contra-alegações, terminando-as com as seguintes conclusões:
I. O acórdão recorrido não errou ao entender que não houve violação do direito de audiência, que o acto impugnado era vinculado e que não se colocava a questão da sua desproporcionalidade;
II. A Administração notificou repetidamente os interessados, dando­lhes a oportunidade de se fazerem ouvir novamente (pois já se tinham pronunciado sobre o assunto), pelo que o seu direito de audiência foi respeitado;
III. De qualquer forma, a audiência não era uma formalidade essencial, pois a Administração, que actuava no uso de poderes vinculados, não podia ter tomado decisão diferente daquela que tomou,
IV. A natureza vinculada do acto administrativo impugnado resulta da redacção imperativa do art. 8, n. 2, do DL 14/95/M, diploma entretanto revogado;
V. Tendo o DL 14/95/M natureza de lei especial sobre residência, derrogava o disposto na Lei 4/2003, lei geral reguladora dessa matéria;
VI. Sendo o acto vinculado, não se coloca a questão da sua proporcionalidade;
VII. A autorização de residência por razões humanitárias não pode ser concedida em procedimento administrativo instruído, para efeitos de residência por investimento, ao abrigo do DL 14/95/M (ou do RA 3/2005, que lhe sucedeu).

O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso.
Foram corridos os vistos.
Cumpre decidir.

2. Factos Provados
Nos autos foi dada como assente a seguinte factualidade:
1- Com fundamento na aplicação de fundos em propriedade imobiliária na RAEM em valor não inferior a um milhão de patacas a requerente apresentou ao IPIM um pedido de residência temporária, que foi deferido no dia 9/10/2008 ao abrigo do DL nº 14/95/M.
2- A autorização caducava em 9/10/2011 para a requerente e marido, em 9/10/2010 para o descendente C, e em 7/02/2011 para o descendente D.
3- A aplicação dos fundos verificou-se numa fracção imobiliária para habitação no valor de MOP 437.325, na [Endereço(1)] e na [Endereço(2)], no valor de MOP 823.200.
4- Correu termos uma acção no TJB movida pelos aqui recorrentes contra E, F e mulher G, em que era pedida a declaração de nulidade de uma escritura pública outorgada entre as ali rés e fosse restituída aos autores a fracção autónoma ali identificada (referida no facto anterior como loja “BR/C”), vindo a acção a ser julgada improcedente, o que foi confirmado por acórdão deste TSI datado de 27/09/2012, no Proc. nº 367/2012, e mais tarde no TUI no processo de recurso jurisdicional a que coube o nº 12/2013, por acórdão datado de 4/06/2014.
5- Nessa acção foi dado por provado que os ali autores celebraram com a 1ª ré em 26/04/2007 um contrato-promessa de venda da fracção, tendo sido convencionado, porém, que a transacção definitiva não ocorreria antes de sete anos, outorgando a esta ainda uma procuração concedendo-lhe poderes para a prática de negócio consigo mesmo em relação à dita fracção (cit. Acórdão no Proc. nº 367/2012 do TSI).
6- Mais ficou provado que em 10/09/2009, a 1ª ré, como procuradora dos então AA, vendeu a fracção a F (ver Acórdão no Proc. nº 367/2012 do TSI).
7- A requerente pediu a renovação da autorização de residência em 26/11/2010 (ver separador nº 1, do p.a.), que foi indeferido por despacho do Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças de 20/02/2012.
8- O Técnico Superior H emitiu o seguinte parecer:
“Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência por investimento
Exmos. Senhores da Comissão Executiva,
1. São os seguintes indivíduos que pediram a renovação da autorização de residência temporária:

Nome
Relação com a requerente
Documento de identificação
Número do documento de identificação
Validade do documento de identificação
Validade da autorização de residência temporária
1
A
Requerente
Passaporte da RPC
GXXXXXXXX
25/11/2020
09/10/2011

2
B
Cônjuge
Passaporte da RPC
GXXXXXXXX
08/03/2017
09/10/2011

3
C
Descendente
Passaporte da RPC
GXXXXXXXX
17/05/2017
09/10/2010

4
D
Descendente
Passaporte da RPC
GXXXXXXXX
25/11/2020
07/02/2011
2. Com fundamento na aplicação de fundos em propriedade imobiliária no Território de valor não inferior a um milhão de patacas, a requerente apresentou ao IPIM um pedido de residência temporária, que foi deferido no dia 9 de Outubro de 2008.
Nessa altura, a requerente aplicou fundos nas seguintes propriedades imobiliárias:
1) Número da descrição: XXXXX-III
[Endereço(1)]
Valor: MOP 437.325
Data do registo: 23/03/2006 (XXX)
2) Número da descrição: XXXXX
[Endereço(2)]
Valor: MOP 823.200
Data do registo: 27/04/2007 (XXX)
3. Para efeitos de renovação, a requerente apresentou documentos sobre os seguintes bens imóveis, dos quais se verifica que, a requerente não realizou uma aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária, a qual se exige pela lei.
1) Número da descrição: XXXXX-III
[Endereço(1)]
Valor: MOP 437.325
Data do registo: 23/03/2006 (XXX) (sic)
4. Como se revela pelos documentos apresentados pela requerente, do imóvel sito na [Endereço(2)], o proprietário é F e o preço de transacção é de MOP 135.000, tendo sido efectuado o registo predial desse imóvel no dia 14 de Setembro de 2009 (cfr. fls. 45 a 52).
5. Acerca da matéria em causa, a requerente apresentou uma exposição escrita e os respectivos documentos comprovativos. Segundo esses, aquando da aquisição da dita loja “B”, a requerente assinou com E uma declaração de acordo no dia 27 de Abril de 2007 num escritório de advogados, e outorgou, ao mesmo tempo, uma procuração pela qual foram conferidos a E todos os poderes relativos à loja “B”, tendo as partes declarado que o referido imóvel não podia ser hipotecado ou vendido a terceiro dentro de sete anos, bem como que a requerente tinha que transmitir a E a propriedade do mesmo depois de sete anos. Porém, E violou, mais tarde, o estabelecido na declaração e vendeu o mencionado bem imóvel a F (cfr. fls. 54 a 57).
6. A requerente ainda indicou que, em 11 de Junho de 2009, E adquiriu o dito imóvel dela através de engano e vendeu o mesmo a F (cfr. fls. 63). A requerente, nessa altura, apresentou queixa contra E ao CPSP, ao MºPº e ao Tribunal e, depois, interpôs recurso através do seu advogado para o 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base (cfr. fls. 54)
7. Em 11 de Março de 2010, recebemos o ofício n.º XXXXX/S/2010 enviado pela PJ (vide fls. 63), dando conta de que a requerente foi entregue à investigação do MºPº por ser suspeita de ter praticado falsa transacção e falsificação de documentos. Mais tarde, ficou demonstrado pelos respectivos documentos que, após investigações do MºPº, apenas se comprovou que, em relação à aquisição da mencionada loja, existem litígios de natureza civil entre o casal requerente (A e B) e E, sem indícios suficientes de que a requerente tenha falsificado documentos no sentido de enganar o IPIM, pelo que foi decidido, por despacho, o arquivamento do inquérito. (cfr. fls. 59)
8. O valor da propriedade imobiliária possuída pela requerente é de MOP 437.325 e, sendo assim, não atinge o valor exigido pela lei, isto é, MOP 1.000.000. Dispõe o artigo 7.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 14/95/M: “Em caso de perda da titularidade da situação jurídica que determinou a concessão de autorização de residência, esta deve ser cancelada se, no prazo que lhe for fixado e não inferior a trinta dias, o interessado não se constituir em nova situação jurídica atendível.”
9. Por força da supra disposição legal, no dia 23 de Setembro de 2011, o IPIM, através do ofício n.º XXXXX/GJFR/2011 (audiência escrita), notificou a requerente para, no prazo de 31 dias a contar da recepção do ofício, se pronunciar ou indicar propriedades imobiliárias em que aplicou fundos a título permanente e cujo valor atinge aquele fixado pela lei, para que o IPIM trate dos assuntos de forma adequada (cfr. fls. 53). A fim de acompanhar o caso, em 14 de Dezembro de 2011 e 17 de Janeiro de 2012, os agentes do IPIM telefonaram à requerente, mas ninguém atendeu (cfr. fls. 64).
10. Até 17 de Janeiro de 2012, no nosso registo da recepção de elementos adicionais, não se encontrou registo respeitante à apresentação pela requerente de qualquer elemento relativo à audiência escrita.
11. Do facto de que o valor da propriedade imobiliária possuída pela requerente é de MOP 437.325 e, assim sendo, não atinge o valor exigido pela lei, isto é, MOP 1.000.000, resulta que a requerente não realizou uma aplicação de fundos, a título permanente, em propriedade imobiliária de valor não inferior àquele fixado pela lei. Acresce que, recebida a nossa notificação efectuada por ofício, a requerente não apresentou qualquer documento no respectivo prazo, portanto, não podemos emitir parecer favorável ao seu pedido de renovação da autorização de residência temporária.
12. Face ao exposto, a requerente não preenche as exigências para a renovação da autorização de residência temporária, em virtude de não ter aplicado fundos a título permanente em propriedade imobiliária de valor não inferior àquele fixado pela lei. Além disso, depois de ser notificada, a requerente não apresentou qualquer documento. Assim sendo, em consonância com o artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 14/95/M, sugere-se que sejam indeferidos os pedidos de renovação da autorização de residência temporária apresentados pelos seguintes interessados.

Nome
Relação com a requerente
1
A
Requerente
2
B
Cônjuge
3
C
Descendente
4
D
Descendente
9- A Comissão Executiva do IPIM pronunciou-se nos seguintes termos:
“Ex.mo Sr. Secretário para a Economia e Finanças,
Tendo em conta a análise exposta no parecer n.º XXXX/Fixação de residência/2002/01R, como a requerente não detém bem predial cujo valor seja superior a MOP 1.000.000, o que traduz em não reunião de condições para prorrogar a autorização de fixação de residência, foi sugerido que não fosse autorizado o pedido de renovação de fixação de residência temporária apresentado pelos sujeitos abaixo listados. Venho por este meio propor indeferir os respectivos requerimentos”.
10- O Ex.mo Secretário para a Economia e Finanças, em 20/02/2012 proferiu o seguinte despacho:
“Aprovo a proposta” (fls. 24 dos autos).
11- A requerente A, de 55 anos de idade, e o filho C, de 27 anos de idade, sofrem de doença do foro psiquiátrico e neurológico, respectivamente.
12- Todo o agregado recebe do Instituto de Acção Social o subsídio de residência no valor de 11.790, dispondo apenas de uma conta bancária no [Banco], cujo saldo era em 11/06/2012 de MOP 5,29.
13- O filho D frequenta um curso universitário na [Universidade].

3. Direito
Imputam os recorrentes os vícios de falta de audiência prévia e de violação do princípio da proporcionalidade.

3.1. Sobre a audiência prévia
Na óptica dos recorrentes, aquando da notificação para efeitos de audiência prévia antes de ser tomada a decisão final, eles deviam ter sido notificados pessoalmente, pois a forma de notificação mais proferida é a pessoal, e depois, a por ofício, nos termos do art.º 72.º n.º 1 do CPA.
Foi imputada a violação do art.º 93.º do CPA e do disposto relativo à participação dos particulares no processo.
Ora, conforme a previsão do art.º 10.º do CPA, “os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disseram respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código”.
Ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 93.º do CPA, salvo nos casos previstos nos art.ºs 96.º e 97.º do mesmo diploma, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final e “o órgão instrutor decide, em caso concreto, se a audiência dos interessados é escrita ou oral”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
Por sua vez, o art.º 72.º do CPA prevê as formas das notificações dos actos administrativos, cujo n.º 1 estabelece que “as notificações devem ser feitas pessoalmente ou por ofício, telegrama, telex, telefax, ou por telefone, consoante as possibilidades e as conveniências”.
Da norma transcrita não se vê qualquer hierarquia entre as formas de notificação previstas, sendo de salientar que a lei confere à Administração o poder de escolher, entre as várias formas, a mais adequada, “consoante as possibilidades e as conveniências”.
No caso vertente, apesar de não se tratar duma notificação do acto administrativo, nada impede a aplicação da norma à notificação dos interessados para efeitos de audiência prévia.
Tal como decorre da factualidade assente e se constata nos autos, a recorrente A pediu a renovação da autorização de residência em 26/11/2010, que foi indeferido por despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 20/02/2012, dado que o valor da propriedade imobiliária por si possuída na altura é apenas de MOP$437.325,00, inferior ao valor legalmente exigido (MOP$1.000.000,00) para a concessão de autorização de residência, pois tinha sido vendida uma loja que fazia parte dos bens imóveis com base nos quais conseguiu obter a autorização de fixação de residência temporária.
No dia 23 de Setembro de 2011 e ao comando do disposto nos art.ºs 93.º e 94.º do CPA, o IPIM notificou, através do oficio n.º XXXXX/GJFR/2011 e para efeitos da audiência escrita, a recorrente para, no prazo de 31 dias a contar da recepção do oficio, se pronunciar sobre a proposta desfavorável a emitir sobre o seu pedido de renovação de residência temporária ou indicar propriedades imobiliárias em que aplicou fundos a título permanente e cujo valor atinge aquele fixado pela lei, para o IPIM tratar dos assuntos de forma devida (fls. 53 do processo administrativo instruto).
O ofício foi enviado para a morada indicada pela própria recorrente em 15 de Novembro de 2010, precisamente para receber notificações a efectuar pelo IPIM (fls. 68 do processo administrativo instrutor), e não foi devolvido. A mesma morada também foi declarada pelos recorrentes e pelos seus filhos como residência da família (fls. 1, 5, 6 e 7 do processo administrativo instrutor).
A fim de acompanhar o caso, os agentes do IPIM telefonaram ainda à recorrente, por duas vezes, respectivamente em 14 de Dezembro de 2011 e 17 de Janeiro de 2012, mas ninguém atendeu (fls. 64 do processo administrativo instrutor).
Nota-se ainda no processo administrativo instrutor um outro ofício enviado pelo IPIM também para aquele mesmo endereço, com data de 26 de Novembro de 2011, igualmente ao abrigo do disposto nos art.ºs 93.º e 94.º do CPA e para efeitos de audiência escrita da recorrente, uma vez que aquele instituto tinha recebido informação da Polícia Judiciária reveladora de que a recorrente era suspeita da prática de crime, facto este que se mostrava desfavorável à autorização já concedida de residência temporária (fls. 62). E a recorrente recebeu o ofício e respondeu, expondo as vicissitudes relacionadas com a venda da loja que tinha comprado para pedir a autorização de fixação de residência em Macau (fls. 54 e 55 do processo administrativo instrutor).
Daí que é legítimo presumir que o ofício de 23 de Setembro de 2011 tenha chegado ao seu destino.
Assim sendo, e tendo ainda em consideração a exposição feita na carta constante de fls. 54 e 55 do processo administrativo instrutor e ainda numa outra de fls. 56, apresentada pela recorrente, tudo sobre a venda da referida loja, não se pode afirmar que não foi assegurado o direito de audiência aos recorrentes, tendo estes oportunidade para reagir, querendo, contra a decisão desfavorável a tomar pela Administração.
Tal como salienta o acórdão recorrido, “ainda que aquelas cartas entregues pelos recorrentes não tivessem sido feitas em cumprimento do direito de ‘audiência de interessados’, elas não podem deixar de ter o mesmo valor na medida em que acabaram por marcar posição sobre aquilo que estava em discussão”.
Acresce que, não obstante a recorrente sofrer de doença do foro psiquiátrico (depressão, fls. 60 e 61 do processo administrativo instrutor), certo é que não decorre dos autos nenhum elemento que permita suscitar dúvida sobre a sua capacidade de compreensão e cognição do conteúdo dos ofícios do IPIM, daí que se afasta a hipótese de o seu direito de audiência ficar assim afectado.
Não se verifica o vício imputado pelos recorrentes.

3.2. Sobre o princípio da proporcionalidade
Alegam os recorrentes que a entidade recorrida e o Tribunal recorrido deviam ter ponderado a situação pessoal e familiar dos recorrentes, designadamente as doenças sofridas pela recorrente A e o filho, procurando uma forma mais humanitária para resolver a questão de renovação da residência temporária, sob pena de violar o princípio de proporcionalidade previsto no art.º 5.º n.º 2 do CPA.
Estão em causa razões humanitárias.
Ora, é verdade que o Decreto-Lei n.º 14/95/M e o Regulamento Administrativo n.º 3/2005 prevêem a aplicação subsidiária do regime geral da entrada, permanência e residência em Macau, estabelecidos sucessivamente pelo DL n.º 55/95/M e pela Lei n.º 4/2003.
Os diplomas acima referidos conferem ao Senhor Chefe do Executivo o poder de conceder autorização de residência na RAEM, sendo as razões humanitárias (nomeadamente a falta de condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território) um dos aspectos que devem ser atendidos para o efeito – art.º 20.º, al. e) do DL n.º 55/95/M e art.º 9.º n.º 2, al. 6) da Lei n.º 4/2003.
Pese embora a aplicação subsidiária do regime geral da entrada, permanência e residência aos indivíduos que requeiram autorização de residência nos termos do Decreto-Lei n.º 14/95/M e o Regulamento Administrativo n.º 3/2005, que se destinam especialmente a regular a fixação de residência de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, não se nos afigura que aquela norma que manda atender às razões humanitárias se aplica também aos interessados que pretendem fixar residência por aquisição de bens imóveis, que é o nosso caso concreto.
Na realidade, para a fixação de residência por investimento, a lei prevê as condições necessárias, nomeadamente a aquisição de bens imóveis que representem um valor não inferior a um milhão de patacas, com vista à atrair investimentos para Macau.
Tendo em consideração a intenção legislativa e o objectivo pretendido atingir com o regime de fixação de residência por investimento, que parecem incompatíveis com a consideração sobre razões humanitárias, é de crer que não é no procedimento administrativo de fixação de residência por investimento (e no presente recurso) a sede própria para apreciar se se deve renovar a autorização de residência temporária com base nas razões humanitárias invocadas pelos recorrentes.
Sendo a falta de consideração sobre motivos humanitários o único fundamento alegado para imputar o vício de violação do princípio da proporcionalidade, a improcedência deste fundamento implica necessariamente a não verificação do vício em causa.
Concluindo, é de negar provimento ao recurso.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, com taxa de justiça fixada em 5 UC.
   
    Macau, 19 de Dezembro de 2018
   
   Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
   
   



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Processo n.º 17/2017