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Processo n.º 90/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrente: Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial Hua Quan, Limitada.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Sentença. Omissão de selecção de factos provados. Factos não provados. Especificação dos meios de prova. Fundamentos decisivos para a convicção do julgador. Aplicação das leis de terras no tempo. Contrato de concessão por arrendamento. Lei de Terras. Prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano. Renovação de concessões provisórias. Declaração da caducidade do contrato de concessão. Prazo de concessão provisória. Audiência dos interessados. Procedimento administrativo. Princípio do aproveitamento dos actos administrativos praticados no exercício de poderes vinculados.
Data da Sessão: 12 de Dezembro de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - A omissão de selecção de factos provados, (na tese da recorrente) considerados relevantes na sentença do recurso contencioso, só procede se a recorrente indicar qual a relevância, para a apreciação do seu caso, dos factos que arrolou e que não terão sido considerados provados. Ou seja, só procede se a recorrente esclarecer qual a relevância, quanto aos vícios do acto administrativo que suscitou na petição inicial, dos factos que alega não terem sido considerados provados pelo acórdão recorrido. E se o tribunal de recurso concordar com tal relevância.
II - A sentença, no recurso contencioso de anulação, não indica os factos não provados nem especifica os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
III – Os artigos 212.º e seguintes da nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013), entrada em vigor em 1 de Março de 2014, prevalecem sobre as disposições gerais relativas a aplicação de leis no tempo constantes do Código Civil.
IV – No que respeita aos direitos e deveres dos concessionários a alínea 2) do artigo 215.º da nova Lei de Terras faz prevalecer o convencionado nos respectivos contratos sobre o disposto na lei. Na sua falta, aplica-se a nova lei e não a antiga lei (Lei n.º 6/80/M), sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 11.º do Código Civil nos termos do qual “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
V – Tendo em conta que o proémio do artigo 215.º da nova Lei de Terras já determina a aplicação da lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, a intenção da alínea 3) do mencionado artigo 215.º, é a de aplicar imediatamente dois preceitos da lei nova (n.º 3 do artigo 104.º e artigo 166.º), mesmo contra o que esteja convencionado nos respectivos contratos (alínea anterior) e na lei antiga, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário.
VI – A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º da Lei de Terras). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
VII – A Lei de Terras estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (artigo 48.º).
VIII - Decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
IX - E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
X - Nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo quando atingido o prazo máximo de concessão, de 25 anos.
XI - A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo.
XII - Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial Hua Quan, Limitada, interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 15 de Dezembro de 2016, do Chefe do Executivo, que declarou a caducidade do contrato de concessão provisória por arrendamento de um terreno sito na Ilha de Coloane, Macau, na Zona Industrial de Seac Pai Van, designado por Lote SG2, por decurso do prazo da concessão.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 21 de Junho de 2018, negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformada, interpõe Companhia de Desenvolvimento e Fomento Predial, Limitada, recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), suscitando as seguintes questões:
- Nulidade do acórdão recorrido, por não ter apreciado a causa de pedir invocada pela recorrente, bem como por não ter identificado os factos não provados, nem a fundamentação pela qual assim os terá considerado;
- O acto impugnado é inválido por preterição da audiência prévia dos interessados, tendo o TSI incorrido em erro de julgamento a este título, com violação do disposto no artigo 93.° do Código do Procedimento Administrativo;
- Em momento alguma a Lei n.º 10/2013 exclui a necessidade de apreciação do comportamento culposo do concessionário no momento da declração de caducidade das concessões provisórias;
- Deveria ter-se procedido a uma valoração do comportamento da concessionária para se concluir que a recorrente não contribuiu para nem teve culpa na não conclusão do aproveitamento do terreno;
- Atenta a natureza administrativa do contrato e a expressa limitação imposta à Administração na utilização do seu direito de modificação unilateral, impunha-se sobre a RAEM o dever de repor o equilíbrio financeiro do contrato, a única via adequada ao caso concreto a que se pode apelar para prosseguir a finalidade de reposição do equilíbrio financeiro seria a de prorrogar o prazo fixado para a concretização do aproveitamento (e da concessão) pelo período em que este não pôde ser concretizado por efeito da conduta soberana da Administração; se, com tal prorrogação, o prazo de aproveitamento se estendesse para além do prazo fixado para a concessão (provisória), evidentemente que esta via implicava também a prorrogação do próprio prazo da concessão;
- O artigo 167.°, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo torna desnecessária a previsão contratual da possibilidade de prorrogação, tendo o TSI incorrido em erro de julgamento ao concluir em sentido contrário;
- A solução que resulta das disposições de direito transitório contidas na Lei de Terras de 2013 é a de que a matéria respeitante à admissibilidade de renovação das concessões provisórias outorgadas na vigência da Lei de Terras de 1980 é regulada pela disciplina estipulada no contrato, sendo que o regime contratual admite inequivocamente tal renovação, pelo que, ao decidir em contrário, o TSI incorreu em erro de julgamento;
- Não há nenhuma norma na Lei de Terras de 1980 ou na Lei de Terras de 2013 que proíba a prorrogação do prazo de concessão;
- A ideia de que, findo o prazo da concessão provisória, a caducidade tem de ser necessária e imperativamente declarada não tem qualquer sentido sob o ponto de vista teleológico e viola também o princípio estabelecido no artigo 104.°, n.º 5, da Lei de Terras de 2013;
- A prorrogação do prazo inicial da concessão provisória por arrendamento não é uma faculdade do Chefe do Executivo que este possa exercer de forma discricionária, constitui antes um poder-dever;
- Afirmar que a prorrogação não tem lugar no caso em apreço - como pretende o TSI ao afirmar que a concessão não pode exceder os 25 anos em qualquer circunstância - envolve (i) considerar, sem fundamento legal, que o prazo de 25 anos não é passível de ser suspenso em qualquer circunstância e independentemente de quaisquer outras normas legais aplicáveis de sentido contrário, e (ii) constitui uma construção interpretativa baseada numa premissa jurídica errónea;
- Tratar-se-ia, seguramente, de uma possibilidade manifestamente contrária ao princípio da boa-fé, que constitui um princípio geral de Direito Administrativo;
- Nos casos em que se comprove, como sucedeu no caso vertente, que foi por culpa da Administração Pública que decorreu o prazo de caducidade da concessão provisória sem que tenha sido concretizado o aproveitamento, interpretar as normas conjugadas dos artigos 104.°, n.º 5, 215.°, alíneas 1) e 2), 48.°, n.os 1 e 2, 52.° e 167.° da Lei de Terras, é fazer uma interpretação desconforme com a Lei Básica, e, por isso, ilegal, porque violadora do princípios da tutela da confiança, da boa-fé, da igualdade e da proporcionalidade;
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
- Por Despacho nº 63/SATOP/90, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 33, de 13 de Agosto de 1990, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 1575m2, designado por lote “SG2”, situado em Macau, na Ilha de Coloane, na Zona Industrial de Seac Pai Van, descrito na CRP sob o nº 22126 a folhas 44v do livro B111A.
- Uma vez que não chegou a ser celebrada escritura pública do contrato de concessão, a mesma passou a ser titulada pelo sobredito despacho.
- E nos termos do nº 1 da cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de concessão foi fixado em 25 anos, contados a partir da data da publicação do sobredito despacho, ou seja, até 12 de Agosto de 2015.
- Sendo que o prazo global de aproveitamento do terreno foi fixado em 30 meses, contados da data de publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho que autoriza o respectivo contrato.
- A Concessionária, ora Recorrente, pagou a totalidade das prestações do prémio do contrato no valor de MOP2,171,288.00.
- Por despacho do Exmº. Senhor Chefe do Executivo, de 15/12/2016, exarado sobre o parecer do Exmº. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 12/10/2016, que concordou com o proposto no Processo nº 53/2016 da Comissão de Terras, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, foi declarada a caducidade da concessão provisória do terreno acima em referência com fundamento do termo do prazo da concessão.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
Há que apreciar as questões suscitadas pela recorrente, atrás mencionadas, seguindo-se de muito perto a fundamentação exarada no acórdão deste TUI, de 23 de Maio de 2018, no Processo n.º 7/2018, por não só por os vícios suscitados nos presentes autos mas a sua fundamentação serem muito semelhantes aos invocados pela recorrente do mencionado Processo 7/2018 (Sociedade de Importação e Exportação Polytex, Limitada).

2. Falta de indicação de factos provados e dos factos não provados e da fundamentação
Suscita a recorrente a nulidade do acórdão recorrido, por não ter apreciado a causa de pedir invocada pela recorrente, bem como por não ter identificado os factos não provados, nem a fundamentação pela qual assim os terá considerado.
Relativamente à omissão de pronúncia por não ter apreciado a causa de pedir invocada pela recorrente, alega a recorrente que o acórdão recorrido fez um apanhado de factos mas deixou outros de fora.
Em bom rigor, o que a recorrente alega não respeita à falta de apreciação de causa de pedir, já que a própria não alega ter o acórdão recorrido deixado de apreciar algum dos vícios do acto recorrido invocados na petição de recurso contencioso.
O que está em causa é a omissão de selecção de factos provados, (na tese da recorrente) considerados relevantes.
Mas, para esta invocação ter alguma substância, teria a recorrente de ter indicado qual a relevância, para a apreciação do seu caso, dos factos que arrolou e que não terão sido considerados provados. E teria o tribunal de recurso de concordar com tal relevância.
Ou seja, deveria a recorrente ter esclarecido qual a relevância, quanto aos vícios do acto que suscitou na petição inicial, dos factos que alega não terem sido considerados provados pelo acórdão recorrido. O que não fez.
Logo, esta alegação tem de ser julgada improcedente, sem mais.
Relativamente à imputada omissão de identificação dos factos não provados e da fundamentação pela qual o acórdão recorrido assim os terá considerado, já teve este TUI oportunidade de se pronunciar sobre a questão duas vezes, no mesmo sentido, nos acórdãos de 29 de Junho de 2009 e 14 de Novembro de 2012, respectivamente nos Processos n.os 32/2008 e 65/2012. Dissemos o seguinte, doutrina que é de manter agora:
“Como se sabe, em processo civil, na acção declarativa com forma ordinária, que constitui o paradigma para as restantes formas de processo civil e, por conseguinte, para os restantes direitos processuais, há uma cisão entre o julgamento de facto e o julgamento de direito.
O julgamento da matéria de facto tem lugar por meio de uma decisão em que o tribunal (na maior parte dos casos o tribunal colectivo) <... declara quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador> (art. 556.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Posteriormente, tem lugar o julgamento de direito, que se consubstancia na sentença, que é sempre proferida por um juiz (singular).
A estrutura da sentença consta do art. 562.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe:
Artigo 562.º
(Sentença)
<1. A sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3. Na fundamentação da sentença, o juiz toma em consideração os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
4. ...>
Assim, em processo civil, na sentença o juiz não indica os factos não provados, mas apenas os factos provados. Deste modo, mesmo que o Código de Processo Civil fosse aplicável à sentença no recurso contencioso, estava o recorrente equivocado ao defender a aplicação de norma que se aplica à decisão de julgamento de facto e não à sentença, em que se consubstanciou o Acórdão recorrido.
Na verdade, o artigo 556.º, n.º 2 do Código de Processo Civil não se aplica à sentença.
No recurso contencioso não há uma separação entre o julgamento de facto e de direito. À semelhança do processo penal, no recurso contencioso, na sentença (ou Acórdão se se tratar do TSI), procede-se ao julgamento de facto e de direito.
O Código de Processo Administrativo Contencioso contém uma norma respeitante à sentença no recurso contencioso, que é o artigo 76.º e que dispõe:
(Conteúdo da sentença e acórdão)
A sentença e o acórdão devem mencionar o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados, resumir com clareza e precisão os fundamentos e conclusões úteis da petição e das contestações, ou das alegações, especificar os factos provados e concluir pela decisão final, devidamente fundamentada>.
Ora, esta norma determina que a sentença especifique os factos provados, mas não os factos não provados, pelo que, tendo aplicação directa ao nosso caso, não será de aplicar subsidiariamente o artigo 562.º do Código de Processo Civil. Mas ainda que o fosse, o resultado seria o mesmo.
Ou seja, tanto em processo civil, como em processo administrativo contencioso, a sentença não indica os factos alegados pelas partes não considerados provados pelo tribunal, mas indica apenas os factos provados.
Não tem, pois, razão o recorrente nesta parte.
Já quanto à tese do recorrente, de que Acórdão recorrido é nulo porque não especificou os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, a questão é mais complexa.
O artigo 76.º Código de Processo Administrativo Contencioso, atrás transcrito, não impõe ao julgador tal obrigação, naquela norma que se refere à estrutura da sentença no recurso contencioso.
Mas já o n.º 3 do artigo 562.º do Código de Processo Civil determina que .
Na sentença, além dos factos considerados provados na decisão sobre a matéria de facto – factos sujeitos à livre apreciação do julgador (artigo 558.º, n.º 1) - o juiz considera, ainda, os factos cuja prova se baseia em meios de prova que escapam ao julgador da matéria de facto (factos admitidos por acordo ou não impugnados nos articulados, provados por documentos – prova plena – ou por confissão escrita).
Na sentença, quando o juiz examina criticamente as provas fá-lo <... de modo diferente de como fez o julgador da matéria de facto: não se trata já de fazer jogar a convicção formada pelo meio de prova, mas de verificar atentamente se existiram os factos em que se baseia a presunção legal (lato sensu) e delimitá-los com exactidão para seguidamente aplicar a norma de direito probatório>1.
Assim, o Acórdão recorrido não tinha de especificar os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
De resto, mesmo que o Acórdão recorrido contivesse a omissão apontada – e não tem - tal omissão não seria fundamento de nulidade, mas antes, a requerimento da parte, poderia ser determinada a devolução do processo para que o tribunal recorrido fundamentasse a decisão de facto (artigo 629.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente).
O recorrente não efectuou o requerimento a que se refere o artigo 629.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, pelo que sempre seria improcedente a arguição de nulidade”.

3. Aplicação das leis de terras no tempo
Antes de se iniciar a apreciação das questões que respeitam ao acto administrativo recorrido e à resposta que o acórdão recorrido deu aos vícios suscitados, há que definir qual a lei aplicável ao caso dos autos, se a nova Lei de Terras, se a antiga Lei (Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho), no que concerne à declaração de caducidade, que foi emitida em 26 de Janeiro de 2016.
A nova Lei de Terras entrou em vigor em 1 de Março de 2014 (artigo 223.º).
Embora o Código Civil contenha disposições gerais sobre a aplicação de leis no tempo (artigo 11.º), sobre elas prevalecem as normas especiais que o legislador tenha emitido sobre o assunto. Estas constam do Capítulo XV da nova Lei de Terras, epigrafado Disposições finais e transitórias, constituído pelos artigos 212.º a 223.º.
O artigo 212.º, atinente a “Aplicação da presente lei a situações já iniciadas”, dispõe que “A aplicação da presente lei a situações iniciadas antes da sua entrada em vigor subordina-se ao disposto nos artigos seguintes”.
O artigo 213.º rege sobre os procedimentos de ocupação e concessão ainda não concluídos, o artigo 214.º sobre ocupações por licença autorizadas antes da entrada em vigor da lei, o artigo 216.º sobre concessões definitivas por arrendamento do pretérito e o artigo 217.º aplica-se às concessões gratuitas do pretérito.
Relativamente às concessões provisórias anteriores à entrada em vigor da lei nova, prescreve o artigo 215.º da nova Lei de Terras:
“Artigo 215.º
Nas concessões provisórias
A presente lei aplica-se às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas:
1) Quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo;
2) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos;
3) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º”.

A alínea 1) não é relevante para a questão em apreço por se referir à duração de prazos legais.
No que respeita aos direitos e deveres dos concessionários a alínea 2) faz prevalecer o convencionado nos respectivos contratos sobre o disposto na lei. Na sua falta, aplica-se a nova Lei e não a antiga Lei.
Ou seja, em tudo quanto respeite a direitos e deveres dos concessionários aplica-se, em primeiro lugar, o que tiver sido contratado pelas partes. No que não esteja regulado no contrato de concessão aplica-se, supletivamente, a nova Lei. E, eventualmente, se for caso disso, até as normas do artigo 11.º do Código Civil. Pelo menos, o disposto no seu n.º 1, nos termos do qual “a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
Na matéria de facto provada, sob o n.º II, transcrevemos a cláusula 14.ª onde se estipula sobre as condições de caducidade do contrato de concessão por falta de aproveitamento do terreno no prazo contratual, pelo que a mesma se aplica nos termos da alínea 2) do artigo 215.º da Lei nova. Não obstante, isso não quer dizer que as condições de declaração da mencionada caducidade se rejam apenas pela mesma cláusula. Nas situações omissas pode ter lugar a aplicação da Lei nova, como dissemos já.
Interpretemos a alínea 3) do artigo 215.º da Lei nova, segundo a qual, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.
Tendo em conta que o proémio do artigo 215.º já determina a aplicação da lei às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, a intenção desta alínea 3) é a de aplicar imediatamente dois preceitos da lei nova, mesmo contra o que esteja convencionado nos respectivos contratos (alínea anterior) e na lei antiga. A não ser esta a interpretação da alínea 3) (prevalência destas duas normas da lei nova sobre o estabelecido nos contratos), ela seria inútil visto que do proémio do artigo 215.º e da sua alínea 2) já resultaria que a lei nova se aplicaria às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor e que o contratado prevalece sobre a lei no que toca a direitos e deveres dos concessionários. Não haveria necessidade de mandar aplicar expressamente dois preceitos da lei nova. Ou seja, o único efeito útil da alínea 3) é dizer que, ao contrário do que resulta da alínea 2) - onde o convencionado pelas partes prevalece sobre as disposições da lei nova - estes dois preceitos da lei nova prevalecem sobre o contratado.
Analisemos tais preceitos da lei nova que se aplicam, quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário:
- O disposto no n.º 3 do artigo 104.º;
- O disposto no artigo 166.º.
Quanto ao primeiro, estatui o artigo 104.º:

“Artigo 104.º
Procedimento de aproveitamento
1. O prazo e procedimento de aproveitamento dos terrenos concedidos são definidos no respectivo contrato de concessão.
2. Se o contrato de concessão for omisso e quando o aproveitamento incluir, entre outros, a edificação de construções, devem ser observados os seguintes prazos máximos:
1) 90 dias a contar da data de publicação em Boletim Oficial do despacho que titula a concessão, para a apresentação do projecto de arquitectura;
2) 180 dias a contar da data de notificação da aprovação do projecto de arquitectura, para a apresentação de outros projectos de especialidades;
3) 60 dias a contar da data de notificação de aprovação dos projectos de especialidades, para a apresentação do pedido de emissão da licença de obras;
4) 15 dias a contar da data de emissão da licença de obras, para o início da obra;
5) O prazo estabelecido na licença de obras para a conclusão das mesmas.
3. A inobservância de qualquer um dos prazos referidos no número anterior sujeita o concessionário às penalidades estabelecidas no respectivo contrato ou, sendo este omisso, à multa no montante correspondente a 0,1%, consoante as situações, do prémio ou do preço de adjudicação por cada dia de atraso, até 150 dias.
4. …
5. …”
A previsão do n.º 3, sobre o montante da multa, por inobservância dos prazos do procedimento de aproveitamento dos terrenos concedidos, prevalece sobre o n.º 3 do artigo 105.º da lei antiga, nos termos da qual “A inobservância dos prazos sujeita o concessionário às penalidades estabelecidas no respectivo contrato ou, sendo este omisso, à multa de cem patacas por cada dia de atraso, até cento e vinte dias, e, para além deste período mas até ao máximo de sessenta dias, ao dobro daquela importância”.
E prevalece sobre a cláusula 8.ª do contrato, que fixa o montante da multa em questão.
No tocante ao artigo 166.º dispõe-se neste:
“Artigo 166.º
Caducidade das concessões
1. Para além das situações previstas nos Capítulos VII e XI, as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique qualquer uma das seguintes situações:
1) Não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa;
2) Suspensão, consecutiva ou intercalada, do aproveitamento ou reaproveitamento pelo período fixado no contrato ou, no silêncio deste, por prazo superior a metade do previsto para a sua conclusão.
2. Para além das situações previstas nos Capítulos VII e XI, as concessões provisórias de terrenos rústicos caducam quando:
1) O aproveitamento não seja iniciado dentro de seis meses após a concessão ou no prazo contratual fixado;
2) O aproveitamento seja suspenso, consecutiva ou intercaladamente, por um período superior a 12 meses”.
Examinemos as disposições correspondentes da Lei n.º 6/80/M:
“Artigo 166.º
(Caducidade das concessões provisórias)
1. As concessões provisórias por aforamento caducam, quando ao terreno concedido seja dada finalidade diferente da autorizada, sem o consentimento da autoridade concedente, ou quando ocorra qualquer das seguintes circunstâncias, imputáveis ao concessionário:
a) Falta do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no n.º 3 do artigo 105.º;
b) Interrupção do aproveitamento pelo período que o contrato fixar ou, no silêncio deste, por prazo superior a metade do marcado para a sua efectivação.
2. Os arrendamentos provisórios de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam em qualquer dos casos referidos no número anterior e no de subarrendamento proibido ou efectuado sem precedência de autorização.
3. Os arrendamentos provisórios de terrenos rústicos caducam, quando:
a) O aproveitamento não tenha sido iniciado dentro de seis meses após a concessão ou no prazo contratual fixado;
b) O aproveitamento tenha sido interrompido por período consecutivo superior a doze meses;
c) A finalidade da concessão haja sido alterada ou não tenham sido cumpridas as cláusulas contratuais respeitantes ao plano de exploração;
d) O subarrendamento haja sido efectuado sem precedência de autorização ou nos casos em que é proibido”.
Ora, no que respeita às concessões provisórias, as alíneas 1) e 2) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei nova prevalecem sobre as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei antiga.
E a alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei nova prevalece sobre o disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula 14.ª, que estipula:
(1. O presente contrato caducará nos seguintes casos:
a) Termo do prazo da multa agravada, previsto na cláusula oitava;
…).

Isto é, as concessões provisórias caducam quando se verifique não conclusão do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
Ou seja, na nova Lei de Terras pode ser declarada a caducidade por não conclusão do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
Em conclusão, à declaração de caducidade por decurso do prazo aplica-se a lei nova.

4. O regime dos terrenos do Estado na Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), em particular da concessão onerosa por arrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano e o caso dos autos
Trata-se, agora, de saber se a caducidade por decurso do prazo constitui um caso de caducidade-sanção, por não se dar por forma automática, sendo necessário que a Administração verifique o incumprimento das condições estabelecidas, ou seja, se só se pode declarar a caducidade se se demonstrar que a falta de aproveitamento é imputável à concessionária.
Antes de se entrar directamente na questão da caducidade importa relembrar as grandes linhas legislativas que enquadram o contrato em apreço.
A Lei de Terras (Lei n.º 10/2013) estabelece o regime jurídico da gestão, designadamente constituição, exercício, modificação, transmissão e extinção do direito de uso e aproveitamento dos terrenos do Estado na RAEM (artigo 1.º).
Os terrenos existentes em Macau classificam-se em três categorias, que são terrenos do Estado (domínio público e domínio privado) e terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da RAEM (artigo 3.º).
Nos termos do artigo 4.º pertencem ao domínio público os terrenos como tais considerados por lei, designadamente pelo artigo 193.º do Código Civil, e sujeitos ao respectivo regime jurídico e que apenas podem ser objecto de concessão de uso privativo, sempre que a sua natureza o permita (artigo 28.º), ou ser ocupados a título precário, mediante licença, os terrenos do domínio público cuja natureza o permita (artigo 29.º).
Os terrenos de propriedade privada (terrenos que sejam reconhecidos, de acordo com a lei, como propriedade privada, antes do estabelecimento da RAEM) são sujeitos ao regime jurídico de propriedade privada, designadamente ao Código Civil (artigo 6.º, n.º 1).
Pertencem ao domínio privado do Estado os terrenos que não sejam considerados do domínio público ou de propriedade privada (artigo 7.º).
Os terrenos disponíveis (os terrenos vagos da antiga Lei) fazem parte do domínio privado do Estado, podendo ser afectados ao domínio público ou ser concedidos, devendo a afectação ou concessão ser efectuada nos termos do plano urbanístico aprovado (artigo 8.º, n.º 2).
A lei considera como terreno disponível aquele que:
1) Esteja omisso no registo predial e não tenha entrado no regime jurídico do domínio público, nem seja terreno do domínio privado transmitido, definitivamente e de acordo com a lei, a particular antes do estabelecimento da RAEM; ou
2) Seja terreno do domínio privado que não tenha sido concedido ou afectado a qualquer finalidade pública ou privada (artigo 8.º, n.º 1).
Os terrenos disponíveis classificam-se, para efeitos de utilização, em:
1) Terrenos urbanos ou de interesse urbano;
2) Terrenos rústicos.
Os terrenos urbanos ou de interesse urbano são os incluídos no núcleo urbano e na área reconhecida como conveniente para assegurar a sua expansão.
São terrenos rústicos os não incluídos na definição anterior (artigo 23.º).
Relativamente às formas de disposição de terrenos, são concedíveis por arrendamento:
1) Os terrenos urbanos e de interesse urbano;
2) Os terrenos rústicos (artigo 27.º).
Quanto ao regime jurídico aplicável temos que a concessão por arrendamento e o subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano regem-se pelas disposições da Lei de Terras e diplomas complementares, pelas cláusulas dos respectivos contratos e, subsidiariamente, pela lei civil aplicável (artigo 41.º).
O artigo 42.º dispõe sobre o conteúdo do direito resultante da concessão por arrendamento ou subarrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano: este abrange poderes de construção, transformação ou manutenção de obra, para os fins e com os limites consignados no respectivo título constitutivo, entendendo-se que as construções efectuadas ou mantidas permanecem na propriedade do concessionário ou subconcessionário até à extinção da concessão por qualquer das causas previstas na lei ou no contrato. A propriedade das construções referidas no período anterior pode ser transmitida, designadamente no regime da propriedade horizontal, observados os condicionalismos da presente lei sobre a transmissão de situações resultantes da concessão ou subconcessão.
O artigo 44.º da Lei de Terras estabelece que “A concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente”.
Por outro lado, estatui o artigo 47.º que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos. O prazo das renovações sucessivas não pode exceder, para cada uma, dez anos.
No caso dos autos o prazo de concessão por arrendamento fixado no contrato de concessão é de 25 anos (cláusula 2.ª).
A prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º), sendo que a demarcação definitiva2 só é realizada após a prova do aproveitamento do terreno e precede a conversão da concessão provisória em definitiva (artigo 97.º).
Quanto à renovação da concessão, a lei estabelece como princípio que as concessões provisórias não podem ser renovadas. A única excepção a esta regra é a seguinte: a concessão provisória só pode ser renovada a requerimento do concessionário e com autorização prévia do Chefe do Executivo, caso o respectivo terreno se encontre anexado a um terreno concedido a título definitivo e ambos estejam a ser aproveitados em conjunto (n.º 2 do artigo 48.º).
No caso dos autos não estamos perante a situação prevista na excepção, pelo que a concessão provisória não podia ser renovada.
Já as concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são automaticamente renováveis por períodos de dez anos, sem necessidade de formulação de pedido, salvo disposição em contrário prevista no contrato de concessão e com as excepções previstas nos n. os 2 e 3 do artigo 49.º.
No que respeita ao aproveitamento dos terrenos concedidos, o prazo e procedimento de aproveitamento dos terrenos concedidos são definidos no respectivo contrato de concessão (n.º 1 do artigo 104.º).
Se o contrato de concessão for omisso e quando o aproveitamento incluir, entre outros, a edificação de construções, devem ser observados os seguintes prazos máximos:
1) 90 dias a contar da data de publicação em Boletim Oficial do despacho que titula a concessão, para a apresentação do projecto de arquitectura;
2) 180 dias a contar da data de notificação da aprovação do projecto de arquitectura, para a apresentação de outros projectos de especialidades;
3) 60 dias a contar da data de notificação de aprovação dos projectos de especialidades, para a apresentação do pedido de emissão da licença de obras;
4) 15 dias a contar da data de emissão da licença de obras, para o início da obra;
5) O prazo estabelecido na licença de obras para a conclusão das mesmas (n.º 2 do artigo 104.º).
No caso dos autos, o prazo de aproveitamento do terreno concedido foi fixado em 30 meses.
Convém conhecer um preceito da maior importância, o n.º 5 do artigo 104:
“A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º as concessões provisórias ou as concessões definitivas em fase de reaproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano caducam, quando se verifique não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no n.º 3 do artigo 104.º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa.
A lei exige expressamente um acto administrativo que declare a caducidade das concessões. Na verdade, dispõe o artigo 167.º:
“Artigo 167.º
Declaração de caducidade
A caducidade das concessões, provisórias e definitivas, é declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim Oficial”.

5. Caducidade do contrato de concessão por arrendamento na nova Lei de Terras e o caso dos autos
Estamos, agora, em condições de extrair algumas conclusões do regime de caducidade das concessões provisórias e definitivas.
Já vimos que a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas. E que o prazo de concessão por arrendamento é fixado no respectivo contrato de concessão, não podendo exceder 25 anos.
A lei estabelece que as concessões provisórias não podem ser renovadas.
Assim, podemos concluir que decorrido o prazo de 25 anos da concessão provisória (se outro prazo não estiver fixado no contrato) o Chefe do Executivo deve declarar a caducidade do contrato se considerar que, no mencionado prazo, não foram cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas.
É essa a consequência de se esgotar um prazo, que não foi prorrogado, por a lei não admitir a prorrogação. Dispõe-se expressamente que o prazo máximo é de 25 anos.
Por outro lado, como vimos, a prova de aproveitamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano faz-se mediante a apresentação pelo concessionário da licença de utilização (artigo 130.º). Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva (artigo 131.º).
Quer isto dizer que o Chefe do Executivo declara a caducidade pelo decurso do prazo (25 anos, se outro não for o fixado no contrato) se o concessionário não tiver apresentado a licença de utilização do prédio, porque é mediante a apresentação desta licença que se faz a prova de aproveitamento de terreno urbano ou de interesse urbano.
E o Chefe do Executivo não tem que apurar se este incumprimento das cláusulas de aproveitamento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário. Isto é, não tem que apurar se a falta de aproveitamento se deveu a culpa do concessionário ou se, por exemplo, a Administração teve culpa, exclusiva ou não, em tal falta de aproveitamento. Ou, ainda, se a falta de aproveitamento se deveu a caso fortuito ou de força maior.
Por outro lado, nenhuma norma permite à Administração considerar suspenso o prazo de concessão provisória ou prorrogá-lo3.
Que o Chefe do Executivo, quando declara a caducidade pelo decurso do prazo por incumprimento das cláusulas de aproveitamento, não tem que apurar se este incumprimento se deve ter por motivo não imputável ao concessionário, resulta da circunstância de o n.º 5 do artigo 104.º dispor que “A requerimento do concessionário, o prazo de aproveitamento do terreno pode ser suspenso ou prorrogado por autorização do Chefe do Executivo, por motivo não imputável ao concessionário e que o Chefe do Executivo considere justificativo”.
Quer dizer, a propósito do prazo de aproveitamento do terreno (no caso, o prazo de 30 meses), a lei permite que, a requerimento do concessionário, o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
Mas relativamente ao decurso do prazo de 25 anos nenhuma norma permite que o Chefe do Executivo autorize a prorrogação desse prazo ou que o mesmo se considere suspenso, se considerar que o não aproveitamento do terreno não é imputável ao concessionário.
É exacto que a Lei de Terras não estatui expressamente que as prorrogações do prazo de aproveitamento só podem ser concedidas desde que, desse modo, não seja ultrapassado o prazo da concessão, sem prejuízo deste poder ser alterado até perfazer 25 anos. Mas isso resulta com toda a clareza da interpretação conjunta das normas já citadas. Afigura-se-nos que a razão pela qual a lei não teve necessidade de o dizer expressamente se deveu à circunstância de, sendo o prazo da concessão provisória de 25 anos (é o prazo máximo, mas é o prazo normalmente utilizado), não passou pela mente do legislador que, durante tal prazo, o terreno não tivesse, ainda, sido aproveitado (recorde-se que, normalmente, os prazos de aproveitamento rondam os 18 a 48 meses. E, por isso, não se pode dizer que as Leis de Terras não sejam claras. Elas são claras, não podem é contar com o não cumprimento dos prazos e das condições contratuais, seja pela Administração, seja pelos concessionários ou com a menor eficiência na apreciação e na aprovação dos projectos, por parte da Administração Urbanística.
Por outro lado, ao contrário do que se defende nos autos, a renovação do prazo do arrendamento mencionada na cláusula 2.ª, n.º 2, do contrato, que refere a possibilidade de o mesmo ser renovado até 19 de Dezembro de 2049, não é o da concessão provisória, que é a que está em causa nos autos, mas sim o das renovações definitivas, estabelecendo a Administração portuguesa (1990/91) o mencionado prazo, por ser o limite até ao qual o Governo da República Popular da China se obrigou a respeitar os contratos de concessão de terras legalmente celebrados antes do Estabelecimento da RAEM e a propriedade privada, de acordo com a Declaração Conjunta Luso-Chinesa, de 1987.
A caducidade da concessão dos autos resulta inelutavelmente do disposto nos artigos 44.º, 47.º, n.º 1 e 48.º, n.º 1, da Lei de Terras.
Podemos, desta maneira, qualificar a caducidade por decurso do prazo da concessão como caducidade-preclusão (porque depende apenas do decurso do prazo e da constatação objectiva da falta de apresentação da licença de utilização do prédio por parte do concessionário) e a caducidade por incumprimento do concessionário do prazo de aproveitamento do terreno como caducidade-sanção.4

6. O equilíbrio financeiro dos contratos administrativos
Sustenta a recorrente que, atenta a natureza administrativa do contrato e a expressa limitação imposta à Administração na utilização do seu direito de modificação unilateral, impunha-se sobre a RAEM o dever de repor o equilíbrio financeiro do contrato, e que, a única via adequada ao caso concreto a que se pode apelar para prosseguir a finalidade de reposição do equilíbrio financeiro, seria a de prorrogar o prazo fixado para a concretização do aproveitamento (e da concessão) pelo período em que este não pôde ser concretizado por efeito da conduta soberana da Administração; se, com tal prorrogação, o prazo de aproveitamento se estendesse para além do prazo fixado para a concessão (provisória), evidentemente que esta via implicava também a prorrogação do próprio prazo da concessão. Mais acrescenta que o artigo 167.°, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo torna desnecessária a previsão contratual da possibilidade de prorrogação, tendo o TSI incorrido em erro de julgamento ao concluir em sentido contrário.
Não comungamos do entendimento da recorrente.
Não é claro se a recorrente entende que se deu uma modificação do contrato por parte da Administração (face a novas exigências urbanísticas e de carácter ambiental), por via contratual ou se tal modificação contratual se ficou a dever a factos extra-contratuais da Administração, designadamente, por via dos poderes-deveres de apreciação dos projectos de construção das autoridades urbanísticas.
Seja como for, sem discutir a obrigação da Administração, de respeitar o equilíbrio financeiro dos contratos que outorga, quando exerce o seu poder de modificação unilateral do conteúdo das prestações, com fundamento na alínea a) do artigo 167.º do Código de Procedimento Administrativo, tal equilíbrio pode ter lugar por várias formas, não tem necessariamente de passar pela prorrogação do prazo do contrato. Ora, com a interpretação que fazemos do disposto no n.º 1 do artigo 47.º da Lei de Terras, que fixa o prazo máximo da concessão em 25 anos, norma esta imperativa, estava afastada a possibilidade de a Administração poder prorrogar o prazo da concessão que, ao fim de 25 anos, permanecia provisória, por falta de aproveitamento.
Não está, igualmente, afastada a possibilidade de a Administração ter de indemnizar a recorrente se esta, no local próprio, demonstrar os pressupostos da responsabilidade civil da Administração.

7. Princípios da justiça, da tutela da confiança, boa-fé e da proporcionalidade
Do que ficou dito, resulta claro que consideramos que, face à Lei de Terras vigente, o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão: tem que a declarar necessariamente.
Logo, não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, os princípios da imparcialidade, boa-fé e da proporcionalidade.

8. Interpretação desconforme com a Lei Básica
Para a recorrente, nos casos em que se comprove, que foi por culpa da Administração Pública que decorreu o prazo de caducidade da concessão provisória sem que tenha sido concretizado o aproveitamento, interpretar as normas conjugadas dos artigos 104.°, n.º 5, 215.°, alíneas 1) e 2), 48.°, n.os 1 e 2, 52.° e 167.° da Lei de Terras, é fazer uma interpretação desconforme com a Lei Básica, e, por isso, ilegal, porque violadora do princípio da tutela da confiança.
Não se vislumbra qualquer interpretação desconforme com a Lei Básica na declaração de caducidade, mesmo que tivesse havido culpa da Administração no não aproveitamento do terreno, questão que não cumpre apreciar, porque desncessária.
Isso só seria assim, se a Ordem Jurídica não tivesse os meios para a recorrente se ressarcir no caso de, por facto ilícito e culposo da Região, ter tido prejuízos.
Mas, como se disse, é possível à recorrente accionar a Região se se verificarem os pressupostos da responsabilidade civil da Região, previstos em lei geral.
Por outro lado, não é verdade que a nova Lei de Terras afronte o artigo 120.º da Lei Básica.
O artigo 120.º da Lei Básica estatui que:
Artigo 120.º
 A Região Administrativa Especial de Macau reconhece e protege, em conformidade com a lei, os contratos de concessão de terras legalmente celebrados ou aprovados antes do estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau que se prolonguem para além de 19 de Dezembro de 1999 e os direitos deles decorrentes.
 As concessões de terras feitas ou renovadas após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau são tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da Região Administrativa Especial de Macau.

Significa este preceito que os contratos de concessão de terras celebrados antes de 20 de Dezembro de 1999 são reconhecidos pela RAEM, bem como os direitos deles emergentes. Não obstante, já às renovações das concessões que ocorressem após aquela data se aplicavam as leis que, entretanto, vigorassem.
Quer isto dizer que às concessões provisórias se teria de aplicar sempre a lei antiga, imunes às alterações eventualmente efectuadas?
Afigura-se-nos que não é este o sentido da norma. Os direitos dos concessionários de terras previstos nos contratos são reconhecidos e protegidos. Nas matérias não prevista nos contratos, a lei nova lei poderia afastar-se do regime prevista na lei antiga, então vigente.
Ora, nenhuma cláusula do contrato dos autos prevê a renovação da concessão provisória. A possibilidade de renovação prevista no n.º 2 da cláusula 2.ª é o prazo de 25 anos, que é o prazo da concessão, referindo-se a possibilidade de renovação à concessão definitiva, como é evidente.
Por fim, o n.º 1 do artigo 48.º da Lei nova, que estabelece como regra que as concessões provisórias não podem ser renovadas, não é inovador. Embora a Lei n.º 6/80/M não contivesse um preceito expresso como o n.º 1 do artigo 48.º, era também esse o regime nesta Lei antiga. Dos artigos 49.º, 54.º e 55.º desta Lei já resultava que as concessões provisórias não podem ser renovadas.

9. Preterição de audiência prévia da interessada
Relativamente à invocada preterição de audiência prévia da interessada, tem este TUI entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no artigo 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo (acórdãos de 25 de Julho e de 25 de Abril, ambos de 2012, respectivamente, nos Processos n. os 48/2012 e 11/2012), doutrina que é de manter.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.
Macau, 12 de Dezembro de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) (Vencido quanto à preterição de audiência prévia) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Joaquim Teixeira de Sousa

1 J. LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra Editora, 2001, p. 643.
     2 A demarcação definitiva, que se baseia na demarcação provisória e nas subsequentes correcções resultantes do processo de concessão, consiste na marcação dos pontos de fronteira do terreno e na execução das operações relativas à demarcação que permitem a perfeita identificação e localização do terreno concedido no registo predial (artigos 95.º e 96.º).

     3 Salvo, evidentemente, quando o prazo da concessão for inferior a 25 anos (de que não conhecemos nenhuma situação), caso em que pode ser prorrogado até perfazer o prazo de 25 anos, que é o prazo máximo da concessão por arrendamento, nos termos do n.º 1 do artigo 47.º.
     4 Sobre estes conceitos no direito administrativo, cfr. MARIA FERNANDA MAÇÃS, A Caducidade no Direito Administrativo: Breves Considerações, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, II, Coimbra Editora, 2005, p. 126 e seg.
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Processo n.º 90/2018