Processo n.º 91/2018
Recurso jurisdicional em matéria administrativa
Recorrente: Vong Lai Há Dias (representada pelo procurador Lai Pak Leng)
Recorrido: Chefe do Executivo
Data da conferência: 19 de Dezembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora), Sam Hou Fai e Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Assuntos: - Declaração da caducidade da concessão
- Falta de fundamentação
- Audiência prévia dos interessados
- Princípios de boa fé e da protecção da confiança
SUMÁRIO:
1. Nos termos dos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto.
2. Sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo.
3. No âmbito da actividade vinculada, não valem aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, incluindo os princípios da boa fé e da tutela da confiança.
A Relatora,
Song Man Lei
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
1. Relatório
Vong Lai Há Dias (representada pelo procurador Lai Pak Leng), melhor identificada nos autos, interpôs o recurso contencioso de anulação do despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 8 de Novembro de 2016, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 3,459.30 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Povoação de Hac-Sá, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 21200, a fl. 18v do livro B48.
Por acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância em 16 de Junho de 2018, foi julgado improcedente o recurso contencioso, confirmando o acto impugnado.
Inconformada com a decisão, recorre Vong Lai Há Dias para o Tribunal de Última Instância, apresentando em síntese as seguintes conclusões:
I. Errada aplicação da nova Lei de Terras
- Na sua fundamentação, o acórdão recorrido julgou improcedente esta alegação da recorrente, indicando como motivo que, conforme o parecer do STOP, que faz parte integrante do acto recorrido, a declaração de caducidade em questão foi feita nos termos da Lei n.º 6/80/M.
- Salvo o devido respeito, a recorrente discorda do supradito entendimento.
- Em primeiro lugar, nos fundamentos jurídicos citados no acto recorrido constata-se que a entidade recorrida ao praticar tal acto fundamentou-se na Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras, doravante designada por nova Lei de Terras) que entrou em vigor em 1 de Março de 2014, sendo que os fundamentos jurídicos nele mencionados vêm todos dessa nova Lei de Terras.
- Contudo, de acordo com o contrato de concessão em apreço e o Diploma Legislativo n.º 1679, à concessão em causa devia ser aplicado o Diploma Legislativo n.º 651. Não obstante, com a entrada em vigor da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras, adiante designada por Lei de Terras antiga) publicada em 5 de Julho de 1980 e tendo em conta o prazo de validade do contrato de concessão, passou a ser aplicável a Lei n.º 6/80/M.
- Tal como se refere no anterior recurso da recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Código Civil de Macau, ao contrato de concessão em causa deve ser aplicada a Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho de 1980, ou a Lei de Terras antiga, já que todos os factos considerados relevantes para os efeitos do acto recorrido ocorreram antes da entrada em vigor da nova Lei de Terras.
- Com base neste raciocínio, mesmo que se considerasse caducado o contrato de concessão, a caducidade deveria ter sido declarada nos termos da Lei n.º 6/80/M, sendo que nenhum fundamento jurídico indica que ao contrato em causa se aplica a nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013).
- Cumpre mencionar, porém, que a entidade recorrida ao praticar o acto em crise deveria ter indicado os fundamentos de facto e de direito, isto é, especificar os artigos concretos das leis a aplicar e o seu conteúdo, em vez de simplesmente referir o nome das leis.
- Se o acto recorrido tivesse sido praticado com base na Lei de Terras antiga, deveriam ter sido especificadas as disposições concretas que forneceram o fundamento, incluindo as que fundamentaram a declaração de caducidade.
- No entanto, o acto recorrido não indicou quais as disposições da Lei de Terras antiga que foram aplicadas. Na verdade, a falada declaração de caducidade baseou-se completamente na nova Lei de Terras.
- O acto recorrido incorreu em erro na aplicação de lei, uma vez que declarou caducada a concessão do terreno em causa nos termos da nova Lei de Terras, quando, de facto, a caducidade deveria ter sido declarada segundo as disposições da Lei de Terras antiga (Lei n.º 6/80/M), com a menção específica dos fundamentos de direito.
- O acórdão recorrido, entretanto, julgou que a referida declaração de caducidade tinha sido feita nos termos da Lei n.º 6/80/M, sem ter considerado a falta de menção, no acto recorrido, dos fundamentos concretos, nem o facto de a entidade recorrida ter-se fundamentado nas disposições da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de Terras) na prática do mesmo acto.
- A entidade recorrida ao praticar o acto em crise aplicou erradamente a nova Lei de Terras, violando assim a lei. Logo, o acto recorrido é anulável nos termos do artigo 124.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e artigo 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC).
- Tal como se referiu anteriormente, o acto recorrido é anulável pela errada aplicação de lei. No entanto, os venerandos juízes do TSI julgaram erradamente que a entidade recorrida não incorreu em erro na aplicação de lei, pelo que o acórdão recorrido deve ser anulado.
II. Falta de fundamentação
- À luz do disposto nos artigos 114.º e 115.º do CPA, a Administração ao praticar actos administrativos fica obrigada a expor os fundamentos de facto e de direito de forma expressa, clara e suficiente.
- A simples citação de anteriores pareceres na prática de actos administrativos não se qualifica como cumprimento do dever de fundamentação.
- Tal como referido na sentença do Tribunal Administrativo (TA), processo n.º 1033/13-ADM, quanto aos pareceres facultativos e não vinculativos, emitidos por outros serviços, mesmo que a entidade recorrida admita-os totalmente, ainda é necessário ter análise independente e fundamentos suficientes, sendo que o mero acto recorrido conjugado com o parecer citado não satisfazem o disposto no artigo 115.º, n.º 2 do CPA.
- No sentido semelhante se entende no acórdão do TUI, de 22 de Julho de 2016, processo n.º 45/2016: A exigência legal da menção expressa dos fundamentos fácticos e jurídicos da decisão administrativa corresponde aos diversos objectivos que demonstram a sua indispensabilidade não só para os interesses dos particulares, mas também para o público. A fundamentação da decisão da Administrativa Pública apresenta uma plurifuncionalidade que visa não só a tradicional protecção dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares, mas sobretudo a maior prudência e objectividade no processo conducente à tomada da decisão e a correcção e justeza desta, satisfazendo, deste modo, o interesse público da legalidade e até juridicidade das actividades administrativas, bem como a compreensão do sentido decisório pelo próprio destinatário e o público em geral, evitando a potencial conflitualidade.
- No caso sub judice, a entidade ao praticar o acto recorrido não cumpriu, obviamente, o dever de fundamentação, faltando-lhe a análise independente e a menção concreta dos fundamentos de facto e de direito.
- Por conseguinte, de acordo com os artigos 114.º e 115.º do CPA, o acto recorrido padece de vício de forma por falta de fundamentação, devendo ser, logo, anulável nos termos do artigo 124.º do mesmo Código.
- No entanto, o acórdão recorrido erradamente julgou que a entidade já tinha cumprido o dever de fundamentação, pelo que considerou improcedente a argumentação expendida pela ora recorrente. Por isso, a recorrente é de opinião que o acto recorrido é anulável, por violação do disposto no artigo 124.º do CPA e artigo 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC, e que o acórdão recorrido deve ser anulado por ter julgado erradamente que a entidade recorrida já tinha cumprido o dever de fundamentação.
III. Preterição de audiência da interessada
- Só nos casos excepcionais legalmente previstos (tais como os referidos nos artigos 96.º e 97.º do CPA) pode a Administração dispensar a audiência dos interessados.
- No caso vertente, a recorrente, enquanto a única herdeira do concessionário em causa, é necessariamente a interessada em relação ao contrato de concessão em análise e aos direitos dele resultantes.
- E a entidade recorrida bem sabia isso ao praticar o acto ora impugnado.
- O legislador exige a audiência dos interessados no procedimento administrativo tendo como objectivo, por um lado, permitir-lhes pronunciar-se e exercer os devidos direitos oportunamente e, por outro lado, garantir a observância do princípio do inquisitório pela Administração.
- No caso sub judice, porém, a interessada, ou seja, a recorrente, não foi, quer antes da tomada da decisão de declaração de caducidade quer posteriormente a esta, notificada de forma qualquer para poder intervir no procedimento e pronunciar-se.
- A entidade recorrida, apesar de estar bem ciente de que a recorrente era a interessada, não a informou para pronunciar-se antes da tomada da decisão em causa, enfermando assim de vício de forma nos termos do disposto nos artigos 93.º e 124.º do CPA, conjugado com o disposto no artigo 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC.
- O acórdão recorrido, entretanto, julgou erroneamente a desnecessidade de audiência, violando manifestamente o disposto nos artigos 93.º e 94.º do CPA bem como o pensamento legislativo no que concerne ao regime de audiência.
- Face ao exposto, o acto recorrido é anulável por violação do disposto no artigo 124.º do CPA e artigo 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC, e o acórdão recorrido deve ser anulado por ter julgado erradamente a desnecessidade de audiência.
IV. Erro nos pressupostos de facto
- A Administração, embora sem ter cumprido o dever de investigação, concluiu erroneamente pelo não aproveitamento do terreno em causa, decidindo, por conseguinte, não converter em definitiva a concessão provisória em questão.
- De facto, a recorrente tinha plantado culturas no referido terreno, tendo o aproveitamento do terreno correspondido ao seu destino. (vd. documentos 5 a 11 anexos à petição de recurso)
- Se o terreno foi aproveitado é uma questão fáctica relevante e imprescindível para decidir se ou não a concessão do terreno deve ser declarada caducada.
- Contudo, a entidade recorrida ao praticar o acto em escrutínio fundamentou-se apenas na inexistência nos autos de dados comprovativos do aproveitamento.
- Obviamente se verifica aqui erro nos pressupostos de facto, já que a entidade recorrida nunca investigou se o falado terreno tinha sido aproveitado ou não.
- A entidade recorrida, sem ter observado a obrigação de investigação, erradamente deu por provada, com pressupostos fácticos errados, a inexistência de qualquer exploração agrícola no terreno em causa, determinando, em consequência, a caducidade da concessão. Assim sendo, nos termos do disposto no artigo 20.º e artigo 21.º, n.º 1, al. d) do CPAC, e artigo 124.º do CPA, o acto recorrido é anulável por erro nos pressupostos de facto.
- Não obstante, o acórdão recorrido considerou erroneamente irrelevante o respectivo facto, fazendo com que o acto recorrido incorresse em erro nos pressupostos de facto. Logo, o acórdão em causa deve ser anulado.
V. Violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança
- Nos factos dados como provados constata-se que em 4 de Dezembro de 1976, a recorrente, enquanto a única herdeira do concessionário, solicitou junto da Administração a transmissão da concessão do terreno em causa a seu favor.
- Todavia, a Administração, perante vários pedidos formulados pela recorrente, não tomou qualquer decisão a esse respeito.
- A recorrente, com base nos termos contratuais e nas actuações administrativas ao longo dos anos, acreditava que a Administração, após decorrido o prazo, continuaria a conceder-lhe o terreno em causa nas mesmas condições.
- Por isso, a ver da recorrente, a partir da data de expiração do prazo original (29 de Outubro de 1984), a respectiva concessão foi renovada a seu favor nas mesmas condições, com o consentimento tácito da Administração.
- Em 2008, após a recorrente ter sido reconhecida como a única herdeira do concessionário do terreno em causa, pediu, representada por advogado, a renovação da concessão em causa, só que ainda não houve qualquer decisão.
- É óbvio que o consentimento tácito da entidade recorrida ao longo do tempo suscitou na recorrente a confiança no sentido de o contrato ter sido renovado nas mesmas condições a seu favor, pois de outro modo seria difícil explicar porque a Administração durante estes anos não tomou decisão relativamente aos pedidos da recorrente.
- Razão pela qual, a Administração não deveria ter declarado, de repente, a caducidade do contrato de concessão em causa com base nas disposições da nova Lei de Terras, já que isso viola os princípios da boa fé e da protecção da confiança consagrados no direito administrativo.
- Pelo exposto, e nos termos do artigo 20.º e artigo 21, n.º 1, al. d) do CPAC e artigo 124.º do CPA, o acto recorrido é anulável devido à violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança pela a entidade recorrida na tomada da respectiva decisão. O acórdão recorrido, no entanto, julgou em sentido oposto, indicando erradamente que o mesmo acto não violou os referidos princípios, devendo, logo, ser anulado ao abrigo do disposto no artigo 124.º do CPA.
O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer, entendendo que se deve negar provimento ao recurso jurisdicional.
2. Os Factos
O Tribunal de Segunda Instância considera assente a seguinte factualidade:
1. Através de escritura pública de 30 de Outubro de 1959, exarada a fls. 98 verso e seguintes do livro 112 da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 3.459,30 m2, situado na ilha de Coloane, junto à Povoação de Hac-Sá, a favor de Alfredo Augusto Galdino Dias.
2. A concessão foi registada na Conservatória do Registo Predial, adiante designada por CRP, ficando o terreno descrito sob o n.º 21 200 a fls. 18v do livro B48 e o direito de concessão inscrito a favor daquele sob o n.º 8758 a fls. 156v do livro F9.
3. De acordo com o estipulado na cláusula primeira do contrato de concessão, o arrendamento do terreno é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da outorga da respectiva escritura pública.
4. Conforme o estabelecido na cláusula segunda do mesmo contrato, o terreno destinava-se a fins agrícolas.
5. Segundo a cláusula quarta do referido contrato, o concessionário obrigava-se a cumprir as demais disposições aplicáveis do Regulamento para a concessão de terrenos na colónia de Macau, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940.
6. Devido ao não aproveitamento do terreno em causa, a Comissão de Terras notificou o concessionário Alfredo Augusto Galdino Dias em 12 de Outubro de 1961 para este apresentar justificação escrita.
7. O concessionário apresentou a justificação escrita em 25 de Outubro de 1961, afirmando ter já adquirido mais de cem árvores de fruto que seriam plantadas no tempo adequado.
8. A Comissão de Terras deliberou em 14 de Novembro de 1961 concedendo ao concessionário um prazo de 3 anos, contados a partir do dia 30 de Outubro de 1959 até 30 de Outubro de 1962, para o aproveitamento integral do terreno em questão.
9. Em XX de XX de 1964, a recorrente e Alfredo Augusto Galdino Dias celebraram casamento pelo regime de comunhão geral de bens.
10. Alfredo Augusto Galdino Dias faleceu em X de XX de 1964.
11. A recorrente requereu em 4 de Dezembro de 1976 a transmissão da concessão do terreno a seu favor, mas não houve qualquer decisão administrativa sobre o pedido.
12. O prazo de arrendamento do aludido terreno expirou em 29 de Outubro de 1984.
13. No processo de inventário facultativo (n.º CV2-08-0040-CIV), à recorrente foi reconhecida como a única herdeira do concessionário do terreno em causa. A respectiva decisão transitou em julgado em 10 de Novembro de 2008.
14. Em 14 de Novembro de 2008, a recorrente solicitou junto da Conservatória do Registo Predial a aquisição, por sucessão, da titularidade do direito resultante da concessão do terreno em escrutínio. O registo foi efectuado no mesmo dia mediante inscrição provisória.
15. Em 19 de Novembro de 2008, a recorrente pediu à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC) a emissão da planta de alinhamento oficial para efeitos da renovação.
16. Em 20 de Setembro de 2016, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (STOP) emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«Proc. n.º 22/2016 – Respeitante à proposta da declaração de caducidade da concessão, por arrendamento, com dispensa de concurso público e titulada pela escritura pública celebrada a 30 de Outubro de 1959, do terreno com a área de 3.459,30m2, situado na ilha de Coloane, junto à Povoação de Hac-Sá, a favor de Alfredo Augusto Galdino Dias, pelo decurso do seu prazo de vigência, de 25 anos, que expirou em 29 de Outubro de 1984.
1. Reunida em 17 de Março de 2016, a Comissão de Terras, por parecer n.º 55/2016, pronunciou-se a favor da proposta acima referida. Por despacho de 26 de Abril de 2016, o Chefe do Executivo declarou caducada a concessão do terreno em causa nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, o que faz parte integrante do referido despacho. No entanto, na elaboração do projecto de despacho, o pessoal da DSSOPT descobriu que o falado terreno tinha sido apreciado como terreno urbano, embora se destinasse a fins agrícolas. Pelo que o respectivo parecer ficou sujeito à alteração e à reapreciação pela Comissão de Terras.
2. Através de escritura pública de 30 de Outubro de 1959, exarada a fls. 98 verso do livro 112 da então Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade, foi titulada a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de dois terrenos, respectivamente com a área de 3.459,30 m2 e 1.788,38 m2, situados na ilha de Coloane, junto à Povoação de Hac-Sá, a favor de Alfredo Augusto Galdino Dias.
3. De acordo com o estipulado na cláusula primeira do contrato de concessão, o arrendamento dos terrenos é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da outorga da respectiva escritura pública até 29 de Outubro de 1984.
4. Conforme o estabelecido na cláusula segunda do mesmo contrato, o terreno destinava-se a fins agrícolas.
5. Segundo a cláusula quarta do referido contrato, o concessionário obrigava-se a cumprir as demais disposições aplicáveis do Regulamento para a concessão de terrenos na colónia de Macau, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 651, de 3 de Fevereiro de 1940.
6. Uma vez que o concessionário não realizou aquele aproveitamento e perante a justificação e o plano de exploração (plantação de árvores de fruto) apresentados, foi-lhe concedido, para o efeito, um prazo de 3 anos, contados a partir da data da outorga da escritura.
7. Contudo, do processo da Comissão de Terras não consta documento comprovativo de que o concessionário tenha concretizado a plantação de árvores de fruto ou aproveitado o terreno com outras culturas.
8. Tendo o concessionário falecido, por requerimento apresentado em 4 de Dezembro de 1976, Vong Lai Há Dias, viúva do mesmo, solicitou a transmissão da concessão do terreno a seu favor, mas não houve qualquer decisão sobre o pedido.
9. Nos termos do artigo 129.º, n.º 2 do Regulamento da ocupação e concessão de terrenos do Estado na província de Macau, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 1679 de 21 de Agosto de 1965, a concessão supramencionada continuava a reger-se pelo anterior Regulamento, não obstante a sua revogação.
10. Contudo, de acordo com o disposto na Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho, que substituiu o Diploma Legislativo n.º 1679, as concessões provisórias anteriores à entrada em vigor desta lei por esta se passaram a reger, com algumas ressalvas (cfr. artigos 195.º e 196.º).
11. Quanto às concessões definitivas anteriores, ao abrigo do artigo 197.º da mesma Lei, alterado pelo artigo 1.º do DL n.º 78/84/M de 21 de Julho, «Os actuais concessionários por arrendamento definitivo devem declarar, até 31 de Dezembro de 1984, se desejam que os respectivos arrendamentos continuem a reger-se pela legislação anterior até ao termo do prazo ou do período decorrente dos seus contratos»…«No caso de não ser apresentada qualquer declaração nos termos do número anterior, considerar-se-á que os arrendatários optam por esta lei».
12. No caso em apreço, por o concessionário não ter apresentado tal declaração, a referida concessão passou a reger-se pela Lei n.º 6/80/M.
13. Por conseguinte, a concessão em causa, quer tivesse a natureza provisória, por não ter sido executado o plano de exploração agrícola apresentado pelo concessionário e aprovado pela entidade concedente, quer já se convertesse em definitiva pela concretização do referido plano, só que não fosse pedida e autorizada qualquer renovação do prazo de arrendamento, já foi extinta pela expiração do prazo de arrendamento do terreno em questão em 29 de Outubro de 1984.
14. Com efeito, tratando-se de um arrendamento de terreno rústico, destinado a fins agrícolas, atento o disposto no artigo 60.º da Lei n.º 6/80/M, o mesmo não podia beneficiar do regime de renovação automática previsto no seu artigo 55.º, na redacção dada pela Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho. À luz do mesmo artigo 55.º e artigo 3.º, n.º 1 dessa Lei, tal regime só se aplica às concessões por arrendamento, onerosas e definitivas, de terrenos urbanos ou de interesse urbano.
15. Reunida em 17 de Março e 17 de Junho de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, concluiu, nos termos da Lei n.º 6/80/M então aplicável, pela caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento em 29 de Outubro de 1984, independentemente da natureza do referido terreno. Logo, ao abrigo do disposto no artigo 167.º da Lei n.º 10/2013, ou seja, a nova Lei de Terras, a caducidade da referida concessão deve ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Tendo apreciado os autos acima referidos, concordo com a proposta e peço ao Exmo. Sr. Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão em causa pelo decurso do prazo de arrendamento.»
17. Em 8 de Novembro de 2016, o Chefe do Executivo proferiu o seguinte despacho:
«Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, a que se refere o Processo n.º 22/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 3 de Março de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho».
3. O Direito
No presente recurso jurisdicional, foram suscitadas as mesmas questões já colocadas no recurso contencioso:
- Errada aplicação de lei;
- Vício de forma por falta de fundamentação;
- Vício de forma por preterição de audiência;
- Erro nos pressupostos de facto; e
- Violação dos princípios de boa fé e da protecção da confiança.
Vejamos se assiste razão à recorrente.
3.1. Da errada aplicação de lei
Na óptica da recorrente, a entidade recorrida fundamentou a sua decisão na Lei n.º 10/2013 (nova Lei de Terras), enquanto na realidade se devia aplicar a Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras antiga).
Ora, constata-se no despacho impugnado que o Senhor Chefe do Executivo declara a caducidade da concessão do terreno em causa, nos termos e com os fundamentos expostos no Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
E o Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas tem o seguinte teor:
「…
9. Nos termos do artigo 129.º, n.º 2 do Regulamento da ocupação e concessão de terrenos do Estado na província de Macau, aprovado pelo Diploma Legislativo n.º 1679 de 21 de Agosto de 1965, a concessão supramencionada continuava a reger-se pelo anterior Regulamento, não obstante a sua revogação.
10. Contudo, de acordo com o disposto na Lei n.º 6/80/M de 5 de Julho, que substituiu o Diploma Legislativo n.º 1679, as concessões provisórias anteriores à entrada em vigor desta lei por esta se passaram a reger, com algumas ressalvas (cfr. artigos 195.º e 196.º).
11. Quanto às concessões definitivas anteriores, ao abrigo do artigo 197.º da mesma Lei, alterado pelo artigo 1.º do DL n.º 78/84/M de 21 de Julho, «Os actuais concessionários por arrendamento definitivo devem declarar, até 31 de Dezembro de 1984, se desejam que os respectivos arrendamentos continuem a reger-se pela legislação anterior até ao termo do prazo ou do período decorrente dos seus contratos»…«No caso de não ser apresentada qualquer declaração nos termos do número anterior, considerar-se-á que os arrendatários optam por esta lei».
12. No caso em apreço, por o concessionário não ter apresentado tal declaração, a referida concessão passou a reger-se pela Lei n.º 6/80/M.
13. Por conseguinte, a concessão em causa, quer tivesse a natureza provisória, por não ter sido executado o plano de exploração agrícola apresentado pelo concessionário e aprovado pela entidade concedente, quer já se convertesse em definitiva pela concretização do referido plano, só que não fosse pedida e autorizada qualquer renovação do prazo de arrendamento, já foi extinta pela expiração do prazo de arrendamento do terreno em questão em 29 de Outubro de 1984.
14. Com efeito, tratando-se de um arrendamento de terreno rústico, destinado a fins agrícolas, atento o disposto no artigo 60.º da Lei n.º 6/80/M, o mesmo não podia beneficiar do regime de renovação automática previsto no seu artigo 55.º, na redacção dada pela Lei n.º 8/91/M, de 29 de Julho. À luz do mesmo artigo 55.º e artigo 3.º, n.º 1 dessa Lei, tal regime só se aplica às concessões por arrendamento, onerosas e definitivas, de terrenos urbanos ou de interesse urbano.
15. Reunida em 17 de Março e 17 de Junho de 2016, a Comissão de Terras, após ter analisado o processo, concluiu, nos termos da Lei n.º 6/80/M então aplicável, pela caducidade da concessão do terreno pelo decurso do prazo de arrendamento em 29 de Outubro de 1984, independentemente da natureza do referido terreno. Logo, ao abrigo do disposto no artigo 167.º da Lei n.º 10/2013, ou seja, a nova Lei de Terras, a caducidade da referida concessão deve ser declarada por despacho do Chefe do Executivo.
Tendo apreciado os autos acima referidos, concordo com a proposta e peço ao Exmo. Sr. Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão em causa pelo decurso do prazo de arrendamento.」
Da exposição acima transcrita resulta claramente que foi com aplicação da Lei n.º 6/80/M que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas propôs a declaração da caducidade da concessão do terreno.
A citação do art.º 167.º da nova Lei de Terras (Lei n.º 10/2013) foi feita a propósito de indicar que compete ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão, nada tendo a ver com os fundamentos de tal declaração. E foi por causa disso que o Secretário para os Transportes e Obras Públicas solicitou ao Chefe do Executivo que declarasse a caducidade.
É de reparar que, quanto à competência para a declaração da caducidade da concessão do terreno, o art.º 167.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras antiga) tem a redacção semelhante à do art.º 167.º da Lei nova, competindo ao Chefe do Executivo fazer a respectiva declaração. Daí que, mesmo existindo erro na indicação da norma, tal erro é irrelevante.
Reiterando-se aqui o entendimento do Tribunal de Última Instância, “em recurso jurisdicional é irrelevante apreciar determinada violação legal, se o sentido de acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados é legal e se tem de manter, por força do princípio do aproveitamento do acto administrativo praticado no exercício de poderes vinculados”.1
Alega ainda a recorrente que o acto recorrido não indicou quais as disposições legais que foram aplicadas e o acórdão recorrido não considerou a falta de menção, no acto recorrido, dos fundamentos concretos.
Trata-se duma imputação que não corresponde à verdade.
Basta uma leitura muito simples do parecer emitido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, nomeadamente da parte acima transcrita, para concluir pela sem razão da recorrente, pois se constata no parecer a indicação expressa das normas legais que serviram como fundamentos para a declaração da caducidade, que são art.ºs 195.º, 196.º, 197.º, 60.º e 55.º da Lei n.º 6/80/M.
Improcede o argumento da recorrente.
3.2. Do vício de forma por falta de fundamentação
Constata-se nos autos que o despacho impugnado foi proferido sobre o parecer dado pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em que o Senhor Chefe do Executivo manifestou a sua concordância com os fundamentos expostos no mesmo parecer para declarar a caducidade da concessão do terreno em causa.
Na óptica da recorrente, a entidade recorrida não cumpriu o dever de fundamentação, faltando-lhe a análise independente e a menção concreta dos fundamentos de facto e de direito, sendo que a simples citação de anterior parecer não significa o cumprimento do dever de fundamentação.
Ora, nos art.ºs 114.º e 115.º do CPA, a Administração deve fundamentar os seus actos administrativos, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, sendo que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A fundamentação do acto administrativo deve permitir a um destinatário normal reconstituir o iter cognoscitivo e valorativo do autor do mesmo acto.
Sobre o dever de fundamentação, o Tribunal de Última Instância foi chamado por várias vezes para se pronunciar, tendo expendido o entendimento de que a fundamentação do acto administrativo pode “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto”.2
No caso ora em apreciação, cremos que o acto impugnado está devidamente fundamentado, permitindo aos seus destinatários perceber a sua racionalidade.
Conjugando o despacho do Chefe do Executivo e o parecer integrante do STOP, é de afirmar que o acto administrativo se fundamenta no decurso do prazo de arrendamento do terreno, com consideração tecidas designadamente nos pontos 13 e 14 do respectivo parecer, referentes à expiração do prazo de arrendamento do terreno em questão em 29 de Outubro de 1984 e à não aplicação do regime de renovação automática ao arrendamento de terreno rústico destinado a fins agrícolas.
E a lei permite que se faça a fundamentação do acto administrativo com mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, que é precisamente o meio utilizado pelo Chefe do Executivo para fundamentar a sua decisão questionada pela recorrente.
Não obstante a disposição no n.º 2 do art.º 115.º do CPA, no sentido de equivaler à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, certo é que a recorrente nem sequer chegou a alegar qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência nos fundamentos do acto impugnado.
E a citação do acórdão do Tribunal de Última Instância proferido no processo n.º 45/2016 não apoia em nada a tese da recorrente, já que o entendimento aí expendido não se refere à forma como a Administração fundamenta a sua decisão nem à legalidade, ou não, do acto administrativo que declare a sua concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas para fundamentar a decisão.
Não se descortina, no caso vertente, o vício de falta de fundamentação imputado pela recorrente.
3.3. Do vício de forma por preterição de audiência
Alega a recorrente que ela não foi, quer antes da tomada da decisão de declaração de caducidade quer posteriormente a esta, notificada para poder intervir no procedimento administrativo e pronunciar-se e o acórdão recorrido julgou erroneamente a desnecessidade de audiência, violando manifestamente o disposto nos art.ºs 93.º e 94.º do CPA bem como o pensamento legislativo no que concerne ao regime de audiência.
Não se nos afigura assistir razão à recorrente.
Nos termos do n.º 1 do art.º 93.º do CPA, “concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.
A Administração deve, em princípio, ouvir os interessados depois da conclusão da instrução mas antes de tomada da decisão final, de modo a permitir-lhes apresentar a sua posição sobre a questão tratada no respectivo procedimento, participando assim na decisão da Administração que lhes diz respeito.
Ora, este Tribunal de Última Instância já teve várias ocasiões para se pronunciar sobre a questão colocada, tendo entendido que sempre que, no exercício de poderes vinculados por parte da Administração, o tribunal conclua, através de um juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa tomada era a única concretamente possível, a falta de audiência do interessado, prevista no art.º 93.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, degrada-se em formalidade não essencial do procedimento administrativo3, entendimento este que se deve manter.
Ao contrário dum acto praticado no exercício do poder discricionário, o acto tem conteúdo vinculado quando o decisor não tem margem de livre decisão, tendo o acto um único sentido possível.4
No caso vertente, o acto administrativo impugnado foi praticado pelo Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão do terreno em causa pelo decurso do prazo de arrendamento (de 25 anos) estipulado no contrato de concessão.
Tanto na vigência da Lei de Terras antiga como na vigência da Lei nova, o acto de declaração da caducidade da concessão do terreno tem a natureza vinculada, devendo o Chefe do Executivo proceder a tal declaração, face ao decurso do prazo de arrendamento.
Com a aplicação da Lei nova e face à falta de aproveitamento do terreno urbano por parte do concessionado no prazo de 25 anos, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão, no exercício dos poderes vinculados.5
Tal entendimento aplica-se também a terrenos rústicos.
E no âmbito da Lei de Terras antiga, o arrendamento de terrenos rústicos rege-se pelas disposições aplicáveis ao arrendamento de terrenos urbanos ou de interesse urbano, com algumas ressalvas (art.º 60.º do DL n.º 6/80/M).
Daí que a concessão por arrendamento de terrenos rústicos também é inicialmente dada a título provisório, por prazo a fixar em função das características da concessão, e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas (art.º 49.º do DL n.º 6/80/M).
Feita a prova do aproveitamento, a concessão torna-se definitiva, sendo que a prova do aproveitamento de terrenos rústicos é feita por meio de vistoria efectuada (art.ºs 133.º n.º 1 e 132.º n.º 3 do DL n.º 6/80/M).
Os terrenos concedidos provisoriamente para fins rústicos só se consideram aproveitados quando estiver preparada ou cultivada a totalidade da área concedida (art.º 106.º n.º 2 do DL n.º 6/80/M).
As concessões por arrendamento onerosas, quando definitivas, são renováveis por períodos de dez anos, mediante declaração de qualquer titular ou contitular do direito à concessão, apresentada junto dos serviços públicos competentes (art.º 55.º n.º 1 do DL n.º 6/80/M).
A lei não prevê a renovação de concessão provisória nem a prorrogação do seu prazo.
Daí que as concessões provisórias dos terrenos rústicos não podem ser renovadas.
E quando estiverem verificadas as circunstâncias previstas no n.º 3 do art.º 166.º do DL n.º 6/80/M, nas quais se inclui que o aproveitamento não tenha sido iniciado dentro de seis meses após a concessão ou no prazo contratual fixado, caducam os arrendamentos provisórios de terrenos rústicos, sendo a caducidade declarada por despacho do Chefe do Executivo, publicado no Boletim oficial (art.º 167.º do DL n.º 6/80/M).
Resumindo, o não aproveitamento do terreno concedido no prazo de arrendamento implica a caducidade de concessão, que deve ser declarada pelo Chefe do Executivo.
Trata-se assim dum acto vinculado,
Sendo vinculado o acto administrativo impugnado, não há de proceder à audiência prévia da recorrente.
3.4. Do erro nos pressupostos de facto
Na tese da recorrente, a Administração não cumpriu o dever de investigação e concluiu erroneamente pelo não aproveitamento do terreno em causa e, por conseguinte, pela não conversão em definitiva da concessão provisória em questão, enquanto na realidade a recorrente tinha plantado culturas no referido terreno, tendo o aproveitamento do terreno correspondido ao seu destino. E o acórdão recorrido considera erroneamente irrelevante tal facto, fazendo com que incorreu em erro nos pressupostos de facto.
Ora, constata-se no despacho impugnado que o concessionário do terreno não realizou o aproveitamento no prazo fixado de aproveitamento e, perante a justificação e o plano de exploração (plantação de árvores de fruto) apresentados, foi-lhe concedido, para o efeito, um prazo de 3 anos, contados a partir da data da outorga da escritura. Contudo, do processo da Comissão de Terras não consta documento comprovativo de que o concessionário tenha concretizado a plantação de árvores de fruto ou aproveitado o terreno com outras culturas.
E pode ler-se o seguinte: “13. Por conseguinte, a concessão em causa, quer tivesse a natureza provisória, por não ter sido executado o plano de exploração agrícola apresentado pelo concessionário e aprovado pela entidade concedente, quer já se convertesse em definitiva pela concretização do referido plano, só que não fosse pedida e autorizada qualquer renovação do prazo de arrendamento, já foi extinta pela expiração do prazo de arrendamento do terreno em questão em 29 de Outubro de 1984”.
Daí que se revelam duas razões para a declaração da caducidade pelo decurso do prazo de arrendamento: uma, a natureza provisória da concessão pelo não aproveitamento do terreno; outra, a não formulação nem autorização do pedido de renovação da concessão, mesma que já convertida em definitiva.
No acórdão ora recorrido, o Tribunal de Segunda Instância considera precipitado o juízo formado pela Administração sobre o não aproveitamento do terreno só com base na inexistência de qualquer documento comprovativo desse aproveitamento.
Não obstante, o Tribunal de Segunda Instância entende que o aproveitamento, ou não, do terreno deixa de ser relevante, pois o concessionário nunca pediu a conversão em definitiva da concessão provisória e não há elementos que demonstrem a autorização de qualquer pedido de renovação da concessão do terreno, pelo que, face à impossibilidade de renovação da concessão provisória, conclui que é inevitável a declaração da caducidade da concessão, já que decorrido o prazo de 25 anos a concessão em causa era ainda provisória.
Ora, a lei prevê que a concessão provisória do terreno rústico se torna definitiva com a prova do aproveitamento, que é feita por meio de vistoria efectuada (art.ºs 133.º n.º 1 e 132.º n.º 3 do DL n.º 6/80/M).
Nos autos não foi alegada nem provada a vistoria, o que afasta a conversão em definitiva da concessão provisória.
E não se encontra qualquer declaração apresentada atempadamente à Administração com vista à renovação da concessão definitiva (art.º 55.º n.º 1 do DL n.º 6/80/M).
Acresce que as concessões provisórias não podem ser renovadas, tal como acontece na Lei de Terras nova.6
Concluindo, decorrido o prazo de 25 anos de arredamento, a concessão do terreno em causa, mesmo que já convertida em definitiva, não se encontra renovada, pelo que deve ser declarada a caducidade da concessão, tal como já sucedeu.
3.5. Da violação dos princípios de boa fé e da protecção da confiança
A recorrente alega a seu favor que, com base nos termos contratuais e nas actuações administrativas ao longo dos anos, ela acreditava que a Administração, após decorrido o prazo, continuaria a conceder-lhe o terreno em causa nas mesmas condições e que, a partir da data de expiração do prazo original (29 de Outubro de 1984), a respectiva concessão foi renovada a seu favor nas mesmas condições, com o consentimento tácito da Administração, sendo que tal consentimento tácito ao longo do tempo suscita na recorrente a confiança sobre a renovação da concessão.
Invoca ainda a não decisão por parte da Administração sobre o seu pedido apresentado em 2008 para tratar as formalidades de renovação da concessão.
Imputa a violação dos princípios da boa fé e da protecção da confiança.
Afigura-se-nos que não assiste razão à recorrente.
Decorre da factualidade assente que em 19 de Novembro de 2008, a recorrente pediu à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro a emissão da planta de alinhamento oficial para efeitos da renovação.
Desde logo, é de dizer que não se releva a apresentação em 2008 do pedido com vista à renovação da concessão, uma vez que já passaram mais de 20 anos após o termo do prazo de arrendamento do terreno.
Por outro lado, a não actuação por parte da Administração a longo tempo não deve ser vista como consentimento tácito da entidade pública, como efeitos jurídicos, na renovação do contrato de concessão.
Por fim, é de salientar que a questão ora colocada também já foi objecto de apreciação nos acórdãos proferidos nos processos n.o 7/2018, n.o 43/2018 e n.o 69/2017 do Tribunal de Última Instância, no sentido de, uma vez considerando que o Chefe do Executivo não tem margem para declarar ou deixar de declarar a caducidade da concessão do terreno, tendo que a declarar necessariamente, não valer aqui os vícios próprios de actos discricionários, como a violação de princípios gerais do Direito Administrativo, previstos nos artigos 5.º, 7.º e 8.º do Código do Procedimento Administrativo.
No caso ora em apreciação e tal como já foi dito, a Administração está vinculada a praticar o acto administrativo objecto de impugnação, cabendo ao Chefe do Executivo declarar a caducidade da concessão.
E no âmbito da actividade vinculada, como no presente caso, não se releva a alegada violação dos princípios da boa fé e da tutela da confiança.
Improcede o argumento da recorrente.
4. Decisão
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 12 UC.
Macau, 19 de Dezembro de 2018
Juízes: Song Man Lei (Relatora) – Sam Hou Fai –
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
1 Cfr. Ac do TUI, de 13 de Janeiro de 2016, Proc. n.º 79/2015.
2 Cfr. Ac. do TUI, de 6 de Dezembro de 2002, Proc. n.º 14/2002.
3 Cfr. Ac.s do TUI, de 25 de Julho de 2012, Proc. n.o 48/2012; de 25 de Abril de 2012, Proc. n.o 11/2012; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
4 Viriato Lima e Álvaro Dantas, Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 310.
5 Cfr. Acórdãos do TUI, de 11 de Outubro de 2017, Proc. n.o 28/2017; de 23 de Maio de 2018, Proc. n.o 7/2018 e de 6 de Junho de 2018, Proc. n.o 43/2018.
6 Cfr. Ac. do TUI, de 5 de Dezembro de 2018, Proc. n.º 88/2018.
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Processo n.º 91/2018