--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 07/01/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 1022/2018
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. d) do C.P.P.M.)
Relatório
1. O Digno Magistrado do Ministério Público interpôs recurso do despacho da Mma Juiz do T.J.B. que perante a falta de notificação da acusação ao Defensor da arguida, A, ordenou a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público.
Em síntese, considera que a decisão recorrida viola o preceituado aos art°s 53°, 55°, 100°, 110° e 293° do C.P.P.M. e art. 55° e 56° da Lei n.° 9/1999, “Lei de Bases da Organização Judiciária”; (cfr., fls. 89 a 102 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Sem resposta, e admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“O Ministério Público traz a escrutínio do Tribunal de Segunda Instância o despacho de 26 de Julho de 2018, da Mm.a juiz do 4.° juízo criminal, exarado a fls. 83 e seguintes dos autos CR4-18-0064-PCS, que mandou devolver o processo ao Serviço de Acção Penal do Ministério Público, em vista da notificação da acusação ao defensor do arguido.
Imputa ao despacho recorrido a violação de princípios e disposições normativas atinentes, nomeadamente, às notificações aos defensores e ao regime das nulidades e irregularidades em processo penal, bem como à autonomia do Ministério Público no exercício da acção penal.
Não houve resposta à motivação do recurso.
Vejamos, começando por um rápido apanhado do que está em causa.
No âmbito do Inquérito 13389/2017, houve lugar à tomada de declarações para memória futura, nos termos do artigo 253.° do Código de Processo Penal, tendo o Juiz de Instrução Criminal nomeado defensor à arguida A, em consonância com o comando do artigo 53.°, n.° 1, alínea f), do Código de Processo Penal. A final, a arguida acabaria por ser acusada de furto, só ela tendo sido notificada da respectiva acusação.
Enviados os autos à distribuição pelos juízos criminais, viria a ser exarado, pela Exm.a juiz a quem o processo foi distribuído, o despacho agora impugnado, que, em suma, manda devolver o processo aos Serviços do Ministério Público, para os fins convenientes, que se substanciam na notificação da acusação também ao Exm.° defensor anteriormente nomeado.
O Ministério Público entende que não pode haver lugar à ordenada remessa do processo, conforme explica na sua motivação, pedindo a este Tribunal de Segunda Instância a resolução do dissídio.
Sendo isto o que essencialmente está em causa, temos para nós que a razão está do lado do Ministério Público.
Antes de tudo, importa aferir qual a consequência da falta de notificação ao defensor anteriormente nomeado.
Parece-nos de boa prática, porque mais consentânea e harmónica com os comandos legais, a notificação da acusação ao defensor anteriormente nomeado para um acto do Inquérito. Na verdade, enquanto não seja substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes – artigo 55.°, n.° 4, do Código de Processo Penal –, sendo certo que a acusação deve ser notificada, não apenas ao arguido, mas igualmente ao advogado ou defensor – artigo 100.°, n.° 7, alínea a), do Código de Processo Penal.
Assente que a notificação da acusação deve ser notificada ao defensor, qual a consequência da sua falta?
Em processo penal, à semelhança do que também sucede em processo civil, a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva apenas produz nulidade quando a lei assim o comine expressamente, sendo que, nos casos restantes, a violação apenas gera irregularidade – artigo 105.° do Código de Processo Penal.
Compulsados os autos e analisado o regime das nulidades processuais constante dos artigos 105.° e seguintes do Código de Processo Penal, não se apura, nem foi tão pouco invocado, que se esteja perante nulidade, muito menos perante nulidade insanável, nos termos do artigo 106.° do Código de Processo Penal.
Então, o que estará em causa será uma mera irregularidade, que o artigo 110.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, sujeita ao normal regime de arguição.
Não tendo sido arguida tal irregularidade, nomeadamente em vista de um hipotético requerimento de instrução, crê-se que não podia a Mm.a juiz ordenar oficiosamente a remessa dos autos ao Ministério Público para suprir a omissão.
O que lhe era lícito fazer, ao abrigo do n.° 2 do mesmo artigo 110.°, era ordenar oficiosamente a reparação dessa irregularidade, no juízo criminal, caso o tivesse por necessário para evitar a afectação do valor de acto processual, o que aliás acabou por fazer previamente à subida do recurso, não tendo o defensor requerido o que quer que fosse, nem tendo apresentado contra-minuta de recurso.
Ante o sucintamente exposto, procedem os fundamentos do recurso, devendo revogar-se a decisão recorrida, para ser substituída pôr outra que dê observância ao disposto nos artigos 293.° e seguintes do Código de Processo Penal”; (cfr., fls. 159 a 160-v).
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Em sede de exame preliminar, atenta a questão colocada, e tendo presente o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. d) do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Vem o Ministério Público recorrer do despacho da Mma Juiz do T.J.B. que constatando a falta de notificação da acusação ao Defensor da arguida, ordenou a devolução dos autos aos Serviços do Ministério Público.
Tratando de idêntica “questão” à agora em apreciação, já decidiu este T.S.I. que a solução pelo Tribunal a quo encontrada não se apresenta adequada, valendo a pena aqui atentar no que então se considerou; (cfr., v.g., os recentes Acs. de 08.11.2018, nos Procs. n°s 293/2018, 297/2018 e 298/2018, e as decisões sumárias de 09.11.2018, Procs. n°s 978/2018 e 979/2018 e de 21.11.2018, Procs. n°s 294/2018 e 299/2018).
Vejamos.
Nos termos do art. 100° do C.P.P.M.:
“1. As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal, por meio de carta ou aviso registados; ou
c) Editais e anúncios, quando, salvo disposição em contrário, se tenham revelado ineficazes as modalidades previstas nas alíneas anteriores.
2. Quando efectuadas por via postal, as notificações presumem-se feitas no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte, quando aquele o não for, devendo a cominação constar do acto de notificação.
3. O rosto do sobrescrito ou do aviso devem indicar com precisão a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente e as normas de procedimento referidas no número seguinte.
4. Se:
a) O destinatário se recusar a assinar, o agente dos serviços postais entrega a carta ou o aviso e lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
b) O destinatário se recusar a receber a carta ou o aviso, o agente dos serviços postais lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
c) O destinatário não for encontrado, a carta ou o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto;
d) Não for possível, pela ausência de pessoas ou por outro qualquer motivo, proceder nos termos das alíneas anteriores, os serviços postais cumprem o disposto nos respectivos regulamentos.
5. Valem como notificação, salvo nos casos em que a lei exigir forma diferente, as convocações e comunicações feitas:
a) Por autoridade judiciária ou de polícia criminal aos interessados presentes em acto processual por ela presidida, desde que documentados no auto;
b) Por via telefónica em caso de urgência, se respeitarem os requisitos constantes do n.º 2 do artigo anterior e se, além disso, no telefonema se avisar o notificando de que a convocação ou comunicação vale como notificação e ao telefonema se seguir confirmação por telefax ou por qualquer meio telemático.
6. O notificando pode indicar pessoa, com residência na Região Administrativa Especial de Macau, para o efeito de receber notificações; neste caso, as notificações levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos números anteriores consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.
7. As notificações são feitas:
a) Ao arguido, ao assistente e à parte civil e, cumulativamente, aos respectivos defensor ou advogado, quando sejam respeitantes à acusação, arquivamento, despacho de pronúncia ou não-pronúncia, designação de dia para a audiência, sentença, aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e dedução do pedido de indemnização civil;
b) Ao arguido, ao assistente e à parte civil ou aos respectivos defensor ou advogado, nas demais situações.
8. Na situação prevista na alínea a) do número anterior, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
9. Para efeitos de notificação, o assistente e a parte civil indicam a sua residência, local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
10. A indicação de local para efeitos de notificação, nos termos do número anterior, é acompanhada da advertência ao assistente e à parte civil de que a mudança da morada indicada deve ser comunicada através da entrega de requerimento ou a sua remessa por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento, sob pena de se considerarem notificados no local previsto no número anterior”; (sub. nosso).
E, atento o estatuído no n.° 7, alínea a) do transcrito comando legal, dúvidas não há que a acusação deve ser notificada ao arguido e – cumulativamente – ao seu Defensor.
Porém, a “falta de notificação da acusação ao Defensor”, não se tratando de uma situação do art. 106°, al. c), (por não se tratar de “caso em que a lei o exija”; cfr., v.g., L. Henriques, in “Anot. e Com. ao C.P.P.M.”, Vol. I, pág. 715), não constitui “nulidade insanável”, (nem tão pouco, “sanável”), e, como tal, não habilita o Mmo Juiz a quo a decidir como decidiu.
Compreendem-se os motivos da decisão proferida.
Com a mesma, prolatada em sede de “saneamento do processo”, (cfr., art. 293° do C.P.P.M.), pretendeu-se assegurar uma “efectiva defesa” ao arguido dos autos.
Na verdade, a acusação, até pelo “princípio da vinculação temática”, constitui uma “peça fundamental” do processo penal, e se o arguido, (sujeito processual), tem o “direito a ser assistido por um Defensor” – um profissional (especialmente) preparado para o efeito, (sendo, aliás, “obrigatória” a sua assistência em determinados actos processuais; cfr., art. 53° do C.P.P.M.) – razoável e natural se afigura que este deva estar informado (e a par do teor) da acusação deduzida e imputada ao arguido, pelo que, como é óbvio, deve, (portanto), ser notificado.
Porém, o que se deixou considerado, não viabiliza, nem justifica, em nossa opinião, uma solução no sentido de se confirmar a decisão recorrida.
Com efeito, não constituindo a apontada “falta de notificação” uma “nulidade” – cfr., art. 53°, 106°, 107° e 265°, do C.P.P.M., não sendo de olvidar que nos termos do art. 105°, n.° 1 “A violação ou a inobservância das disposições da lei processual penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei” e que prescreve o n.° 2 que “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular” – impõe-se considerar que se está perante uma (mera) “irregularidade”, sujeita ao regime do art. 110° do referido Código, onde se preceitua que “1. Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos 5 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
2. Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado”.
E, atento o estatuído no n.° 2 do transcrito art. 110° do C.P.P.M., (e seja como for), adequado não parece de considerar que deva, ou possa, o Tribunal, ordenar a “devolução dos autos ao Ministério Público”, por tal colidir com o “princípio do acusatório” e com o da “autonomia do Ministério Público”.
Por sua vez, importa ponderar igualmente que com a “falta” em questão não ficou a defesa do arguido (minimamente) comprometida, (estando, a tempo de requerer o que por bem entender).
De facto, atento o prescrito no n.° 8° do transcrito art. 100° do C.P.P.M., “o prazo para a prática de (qualquer) acto processual conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”, e, apenas no caso de algo vir a ser requerido, (como, v.g., a abertura da instrução, e que tenha que implicar a remessa dos autos para outro órgão judiciário), se justificará uma decisão em conformidade, (evitando-se, por sua vez, que um processo já distribuído e em fase de julgamento, volte a uma fase anterior, sem comprovada necessidade para tal).
Tal, aliás, até se nos apresenta como o mais compatível com o “princípio da economia” e da “celeridade processual”.
Dito isto, (e constatando-se também que, até ao momento, e mesmo após a notificação da decisão recorrida e da motivação do presente recurso, pelo Defensor do arguido, nada foi requerido), claras se nos afiguram as razões pelas quais se não julga de confirmar a decisão recorrida, que assim, tem que ser revogada e substituída por outra que – outro motivo não obstando – dê observância ao estatuído no art. 110°, n.°
2 do C.P.P.M.; (sobre a questão, e a título de mera referência, pode-se ver, v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 22.04.1992, Proc. n.° 9240212, de 10.12.2003, Proc. n.° 0343640 e de 20.02.2008, Proc. n.° 0840059, da Rel. de Guimarães de 18.09.2006, Proc. n.° 1055/06, e os da Rel. de Évora de 08.04.2014, Proc. n.° 650/12 e o de 05.05.2015, Proc. n.° 1140/12, onde se considerou haver “nulidade” e/ou que o Tribunal podia devolver o processo ao Ministério Público, e os da Rel. de Lisboa de 17.01.1995, Rec. n.° 8036, de 26.02.2013, Proc. n.° 406/10 e de 21.11.2013, Proc. n.° 304/11, da Rel. do Porto de 31.01.2007, Proc. n.° 0417372, de 17.06.2015, Proc. n.° 750/13 e de 11.04.2018, Proc. n.° 96/17, da Rel. de Guimarães de 06.02.2017, Proc. n.° 540/14, e o da Rel. de Évora de 20.03.2018, Proc. n.° 228/13, onde se considerou estar perante uma mera “irregularidade” e que o Tribunal deverá ordenar a sua reparação pelos seus próprios serviços, não devendo ordenar a devolução dos autos ao Ministério Público).
Apresentando-se-nos inteiramente válidas e adequadas as razões expostas para a decisão do presente recurso, e atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. d) do C.P.P.M., passa-se a decidir em conformidade.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso.
Sem tributação, (dado que a arguida é alheia à questão e não respondeu ao recurso).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 07 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Proc. 1022/2018 Pág. 14
Proc. 1022/2018 Pág. 15