Proc. nº 646/2017
(Reclamação para a Conferência)
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ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL
DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:
I – Introdução
Em 26/Julho/2018 foi proferido por este TSI o acórdão constante de fls. 718 a 740, que foi notificado à Recorrida/Recorrente(Ré) em 30/07/2018 (fls. 742), veio esta arguir a nulidade do acórdão com os fundamentos constantes de fls. 747 a 754 (omissão de pronúncia), cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais.
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As Partes contrárias responderam nos termos constantes de fls. 766 a 768 dos autos.
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Colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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II – Apreciando
1ª questão: insusceptibilidade de recorrer para o TUI
Ora, como o valor da acção deste processo é MOP390,627.50 (fls.12), e, mesmo seguida a tese da Ré, apresentada na contestação, o valor da reconvenção é apenas MOP$643,177.50 (fls. 144), nos termos do disposto no artigo 583º/1 do CPC, não é possível recorrer do acórdão proferido nestes autos para o TUI, vai assim indeferida a pretensão do recurso formulada pela Ré(Recorrida).
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Custas incidentais pela Ré/Requerente que se fixam em 3 UCs.
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2ª questão: nulidade do acórdão:
A arguente invoca a nulidade do acórdão nos termos do disposto no artigo 571º/1-d) do CPC, porque este TSI deixou de se pronunciar sobre as questões levantadas no recurso interposto por ela, constantes de fls. 573 a 605 dos autos.
Nesta parte, tem razão a reclamante.
Efectivamente não foram tratadas no recurso certas questões suscitadas pela Recorrente (que é Recorrida também nos autos), nomeadamente as seguintes:
«VI. Depósito de quantia equivalente à renda e indemnização.
A ser válida e eficaz a denúncia do contrato de arrendamento, as ora Recorridas têm apenas direito a receber da ora Recorrente o valor de HKD$49,500.00, correspondente à indemnização pelo dobro do valor da renda estipulado entre as partes e até então paga, cfr. resulta do disposto no n.º 2 do artigo 1027.º do Código Civil, necessariamente descontando o valor que tem vindo a ser pago pela recorrente.
Neste particular decidiu o Tribunal a quo que:
Depósito de quantia equivalente à renda e indemnização.
“[...]
As Autoras pedem que seja condenada a pagar a indemnização em questão apenas a partir de Julho de 2014.
Ora, está apurado que a Ré continuou a depositar mensalmente a quantia de HKD$24.750,00 na conta bancária onde depositava a renda mensal. Dos documentos juntos a fls 146 a 151 vê-se que isso ocorreu nos meses de Maio a Outubro de 2014. Alega a Ré que a citada conta bancária foi entretanto cancelada tendo a mesma passado a depositar a renda no Banco XX a favor da 4ª Autora. Conforme os documentos juntos a fls 152 a 157., a Ré fez esses depósitos nos meses de Novembro e Dezembro de 2014 e Janeiro a Abril de 2015.
Assim, procede parcialmente os pedidos de indemnização devendo a Ré pagar às Autoras a quantia de HK$49.500,00 por mês de atraso na restituição do locado, quantia esta devida desde Julho de 2014 até efectiva entrega do locado, subtraindo das quantias depositadas pela Ré entre Julho e Dezembro de 2014 e Janeiro e Abril de 2015.”
Sucede que,
Ao contrário do que resulta da decisão recorrida, a Recorrente não se limitou a depositar a renda no Banco XX a favor da 4ª Autora até Abril de 2015.
Com efeito,
Em sede de audiência de julgamento, a Recorrente juntou aos autos, a fls. 408 a 424, os documentos comprovativos do depósito mensal das rendas, na quantia de HKD$24.750,00, desde Maio de 2015 a Setembro de 2016,
Documentos esses que foram admitidos pelo douto Tribunal a quo, tendo a sua junção ficado consignada em acta de audiência de julgamento de fls. 425v dos autos,
Pelo que deveriam os mesmos ser atendidos pelo douto tribunal a quo para efeitos de contabilização das quantias depositadas pela Ré a título de rendas.
Diqa-se, aliás, que a Recorrente continua a proceder ao depósito mensal da quantia de HKD$24.750,00 na conta do XX em nome da 4ª Ré conforme resulta dos documentos que se juntam ao abriqo do disposto no nº 1 do artiqo 616º do CPC.
Nesta conformidade,
A ser julgado improcedente o presente recurso, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, a Recorrente terá apenas de pagar às Recorridas a quantia de HKD$49,500.00 por cada mês de atraso na restituição do locado, quantia esta devida desde Julho de 2014 até efectiva restituição do locado, subtraída das quantias depositadas por aquela após Julho de 2014.
Ora,
Não tendo o locado sido ainda entregue pela Recorrente e não sendo ainda possível determinar o montante total depositado pela Ré - porque esse depósito continua a ser realizado - parece que o Tribunal a quo não poderia senão relegar a liquidação da indemnização para execução de sentença, pois só nessa altura se poderá apurar os respectivos montantes totais.
Com efeito,
Resulta do preceituado no nº 2 do artigo 564º do CPC que «se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantia, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja liquida.»
«O preceito em causa, como refere o Prof Alberto dos Reis, tem como destinatário o juiz, não as partes, tendo aquele de resolver este problema: há nos autos elementos suficientes para fixar o objecto ou a quantidade da condenação? Se há, profere condenação líquida; se não há, profere condenação ilíquida, sem cuidar de saber, no caso do pedido genérico, se o autor tinha ou não possibilidade de converter esse pedido em pedido líquido, aplicando-se a norma ao caso de ter sido formulado pedido genérico, como ao de ter sido formulado pedido específico mas não se ter conseguido fazer a prova da especificação.» (in Ac. TRE, de 21.04.2010 proferido no processo 77/1998.E2).
ln casu, não estava o Tribunal em condições de fixar o quantitativo da condenação tal como fez porquanto a Recorrente continua a proceder ao depósito das rendas.
O Tribunal a quo incorreu, assim, numa errónea apreciação da prova trazida aos presentes autos, mais concretamente em sede de audiência de julgamento e bem assim numa errada interpretação e aplicação do preceituado no artigo 564º nº 2 do CPC devendo ser substituída por outra que - sem prejuízo do que supra se deixou dito - condene a Ré a pagar às Autoras a quantia de HKD$49.500,00 por mês de atraso na restituição do locado, quantia esta devida desde Julho de 2014 até efectiva restituição do locado, subtraída das quantias depositas pela Ré na conta da 4ª Ré fazer-se em sede de execução da presente sentença» -sublinhado e destacado nossos
A final teceu a Requerente as seguintes CONCLUSÕES:
«XIX. Ao contrário do que resulta da decisão recorrida, a Recorrente não se limitou a depositar a renda no Banco XX a favor da 4ª Autora até Abril de 2015, tendo a Recorrente em sede de audiência de julgamento junto aos autos (fls. 408 a 424) os documentos comprovativos do depósito mensal das rendas, na quantia de HKD$24.750,00, desde Maio de 2015 a Setembro de 2016, os quais foram admitidos pelo douto Tribunal a quo (fls. 425v dos autos);
XX. Os comprovativos de pagamento de rendas juntos pela Recorrente deveriam ser atendidos pelo douto tribunal a quo para efeitos de contabilização das quantias depositadas pela Ré a título de rendas;
XXI. A Recorrente continua a proceder ao depósito mensal da quantia de HKD$24.750,00 na conta do BNU em nome da 4ª Ré conforme resulta dos documentos que se juntam ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 616º do CPC;
XXII. A Recorrente terá apenas de pagar às Recorridas a quantia de HKD$49,500.00 por cada mês de atraso na restituição do locado, quantia esta devida desde Julho de 2014 até efectiva restituição do locado, subtraída das quantias depositadas por aquela após Julho de 2014;
XXIII. Não tendo o locado sido ainda entregue pela Recorrente e não sendo ainda possível determinar o montante total depositado pela Ré - porque esse depósito continua a ser realizado - parece que o Tribunal a quo não poderia senão relegar a liquidação da indemnização para execução de sentença, pois só nessa altura se poderá apurar os respectivos montantes totais;
XXIV. O Tribunal a quo incorreu, assim, numa errónea apreciação da prova trazida aos presentes autos, mais concretamente em sede de audiência de julgamento e bem assim numa errada interpretação e aplicação do preceituado no artigo 564º nº 2 do CPC devendo ser substituída por outra que - sem prejuízo do que supra se deixou dito - condene a Ré a pagar às Autoras a quantia de HKD$49.500,00 por mês de atraso na restituição do locado, quantia esta devida desde Julho de 2014 até efectiva restituição do locado, subtraída das quantias depositas pela Ré na conta da 4ª Ré fazer-se em sede de execução da presente sentença;»
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Antes de irmos directamente ao fundo da questão, importa ver o que este TSI decidiu em sede de recurso. Ou seja, foi proferida a seguinte decisão:
“Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:
1) – Conceder provimento ao recurso interposto pelas Autoras, alterando a decisão da seguinte forma:
Condenar a Ré a pagar às Autoras a indemnização pelo prejuízo excedente no valor de HK$18,500.00 por cada mês, contado a partir de Julho de 2014 (pedido das Autoras, data em que recursou a devolução do locado, até hoje), resultante do cálculo: HK$68000.00 – HK$24750.00x2.
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1) – Negar provimento ao recurso interposto pela Ré.
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2) - Quanto ao demais, mantém-se o já decidido.
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Custas pela Recorrente (Ré).
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Registe e Notifique.
RAEM, 26 de Julho de 2018.”
O que a primeira instância decidiu foi o seguinte:
“Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e improcedente a reconvenção e, em consequência:
1. Declarar a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento existente entre as Autoras, A, B, C e D, e a Ré, E que tem por objecto a fracção autónoma “AR/C” do Rés-do-chão “A”, para comércio, com entrada pela Travessa XX, n.º XX, XX, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº XX;
2. Ordenar a Ré a restituir às Autoras o imóvel acima referido livre e desocupada de pessoas e bens;
3. Condenar a Ré, E, a pagar às Autoras, A, B, C e D, a quantia de HK$49.500,00 por mês de atraso na restituição do locado, quantia esta devida desde Julho de 2014 até efectiva restituição do locado, subtraída das quantias depositadas pela Ré entre Julho e Dezembro de 2014 e Janeiro a Abril de 2015;
4. Absolver a Ré dos restantes pedidos formulados pelas Autoras; e
5. Absolver as Autoras do pedido reconvencional formulado pela Ré.
Custas da acção pelas partes na proporção dos decaimentos e custas da reconvenção pela Ré.
Registe e Notifique.”
O que a reclamante veio a questionar é mais uma questão matemática do que uma questão jurídica, pois, a partir do momento em que este Tribunal ad quem fixou o critério de cálculo de rendas devidas e da respectiva indemnização, a questão suscitada pela reclamante (Recorrente, na altura) deixou de ter autonomia, porque o quantum total que a Ré (Recorrente/Recorrida) deve pagar só poderá ser sabido em sede da execução da sentença, nesta óptica, o que está em causa não tanto a questão de saber se uma determinada quantia depositada pela Ré é por conta de pagamento de rendas atrasadas ou por conta da respectiva indemnização, mas sim a do critério judicialmente decidido para calcular a quantia exacta e total (por cada mês) que mensalmente a Ré deve pagar, a título de mora no pagamento de rendas atrasadas e mora na devolução do locado e, ainda de pagamento de indemnização por dano excedente respectivo.
Mais, no acórdão por nós proferido fixa expressamente o seguinte:
Quanto ao demais, mantém-se o já decidido.
Nestes termos, e a fim de tornar mais claros os termos pelos quais a Ré está a ser condenada, à decisão final acrescentaremos o seguinte conteúdo, passando a consignar-se nos seguintes termos:
“Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em:
1) – Conceder provimento ao recurso interposto pelas Autoras, alterando a decisão da seguinte forma:
Condenar a Ré a pagar às Autoras a indemnização pelo prejuízo excedente no valor de HK$18,500.00 por cada mês, contado a partir de Julho de 2014 (pedido das Autoras, data em que recursou a devolução do locado, até hoje), resultante do cálculo: HK$68000.00 – HK$24750.00x2, sendo o valor liquidado em sede da execução do acórdão condenatório agora proferido, em conformidade com os critérios ora fixados, subtraindo-se as quantias depositadas pela Ré após Julho de 2014.”
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Vai assim atendida a reclamação da Ré (Recorrida/Recorrente).
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Por último, uma questão incidental que importa decidir ainda.
Por requerimento de fls. 766 a 768, datado de 18/10/2018, a Ré (Recorrente/Recorrida) veio a pedir a este Tribunal fixar um prazo razoável para entrega do locado livre e desocupado de pessoas e bens, que não deva ser inferior a 90 dias.
Notificados, os Autores (Recorrentes e Recorridos) vieram em 01/11/2018 mediante o requerimento de fls. 773 a 774 a opôr-se ao pedido em causa, no entanto, admitem a hipótese de que o Tribunal fixe um prazo, que, no entender dos Autores, não deve exceder 30 de Novembro de 2018 (só que já estamos em Dezembro).
Ponderando as vicissitudes do caso e as posições assumidas e declaradas pelas Partes, em bom rigor, trata-se de uma questão de execução da sentença, mas como as partes não se repugnam em aceitar que o Tribunal intervenha neste assunto, afigura-se-nos de que seja um prazo razoável 30 dias para devolver pela Ré aos Autores o locado livre e desocupado de pessoas e bens, salvo que as Partes já tenham dado cumprimento ao decidido ou acordado noutro prazo.
Pelo que, o Tribunal fixa um prazo de 30 dias para esta finalidade, contado a partir da notificação desta decisão.
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III – Decidindo
Face ao exposto, e decidindo, acordam em julgar procedente a aludida reclamação.
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Acordam igualmente em fixar em 30 dias, contados a partir da notificação desta decisão, para devolver pela Ré (Recorrente/Recorrida) aos Autores (Recorrentes/Recorridos) o locado livre e desocupado de pessoas e bens, salvo que as Partes já tenham dado cumprimento ao decidido ou acordado noutro prazo.
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Sem custas.
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Notifique.
T.S.I., 13 de Dezembro de 2018
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Fong Man Chong
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
2017-646-Reclamação-omissão 10