打印全文
Processo nº 1102/2017
Data do Acórdão: 10JAN2019


Assuntos:

Intervenção acessória provocada


SUMÁRIO

1. O incidente da intervenção acessória provocada visa, inter alia, à vinculação do terceiro chamado ao caso julgado da sentença a proferir no que diz respeito aos pressupostos de que dependerá a procedência da futura acção de regresso ou da indemnização que o chamante poderá instaurar contra o chamado – artº 272º/2 e artº 274º/4 do CPC.

2. Atendendo a esta função que o incidente tem em vista, independentemente da qualificação ou não pela lei como de regresso o direito que o chamante poderá invocar na futura acção de regresso ou de indemnização contra o terceiro chamado, é de deferir a intervenção acessória provocada deste terceiro se conseguir convencer o Tribunal da viabilidade abstracta da futura acção de regresso ou da indemnização contra o chamado e da existência da conexão entre a relação controvertida discutida na acção pendente e o objecto da futura acção de regresso ou da indemnização.

O relator



Lai Kin Hong


Processo nº 1102/2017


Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I

No âmbito dos autos de acção ordinária nº CV1-16-0061-CAO, instaurada por A contra a Sociedade de Importação e Exportação B Limitada, em sede de contestação, foram requeridas pela Ré B a suspensão da instância com fundamento na existência da causa prejudicial e a intervenção acessória provocada da RAEM.

Por decisões inseridas no saneador foram ambos os pedidos indeferidos.

Inconformada, veio a Ré B interpor recurso de ambas as decisões para este Tribunal de Segunda Instância.

Não houve contra-alegações.

Oportunamente, os recursos foram feitos subir a esta segunda instância, e no exame preliminar admitidos pelo despacho do Relator.

Foram colhidos os vistos.

Antes de entrarmos na apreciação dos recursos, é de notar que o recurso interposto da decisão que indeferiu a suspensão de instância já deixou de ter qualquer utilidade uma vez que, na pendência do recurso, já houve decisão final transitada em julgado do recurso contencioso de anulação, configurado como causa prejudicial e invocado pela Ré como fundamento da suspensão da instância.

Na verdade, por Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, datado de 23MAIO2018 e proferido no processo nº 7/2018, foi a final julgado improcedente o recurso jurisdicional do Acórdão do Tribunal de Segunda Instância que julgou improcedente o recurso contencioso de anulação registado sob o nº 179/2016.

Cessando com o trânsito em julgado da decisão final naquela alegada causa prejudicial o fundamento invocado no pedido da suspensão da instância, torna-se inútil a apreciação do recurso da decisão que indeferiu o pedido da suspensão da instância.

Portanto é de declarar extinto o recurso por inutilidade superveniente – artº 229º-e) do CPC.

Então passemos a debruçar-nos sobre o recurso da decisão que indeferiu o chamamento da RAEM.

As razões que levaram o Tribunal a quo a proferir a decisão recorrida são o seguinte:

Da Intervenção Provocada
  A Ré alega em suma que entre a Ré e a RAEM existe uma relação jurídica que advém do âmbito do contrato administrativo e na sua óptica por haver direito de regresso contra a RAEM requer a intervenção acessória desta nos termos do artigo 272.° do CPC.
  Cumpre decidir.
  Dispõe o artigo 272.º que “1. O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
  2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento."
  Por seu turno, dispõe o artigo 273.° que “1. O chamamento é deduzido pelo réu na contestação ou, não pretendendo contestar, no prazo em que esta deveria ser apresentada.
  2. O juiz, ouvida a parte contrária, defere o chamamento quando, face às razões alegadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal.”.
  Como se vê, o chamamento a título de intervenção acessória só é admitido se convencer o Tribunal da viabilidade da acção de regresso e da sua conexão com a causa principal.
  A Ré pretende chamar a RAEM com fundamento no direito de regresso sobre a RAEM, entendendo que em caso de procedência parcial ou total da presente acção, por a RAEM ter praticado um acto administrativo ilegal gerador do dever de reparação dos danos causados, quer por ter aprovado uma Lei de Terras que, supostamente com efeitos retroactivos, revogou a possibilidade legal de renovação de concessões provisórias.
  Salvo o devido respeito, o alegado pela Ré nunca pode configurar como direito de regresso. Efectivamente, segundo o alegado pela Ré, a RAEM não tem qualquer intervenção na relação material controvertida entre a Autora e a Ré, a qual consiste numa relação obrigacional que provém de um contrato promessa assinado pelas ambas as partes (Autora e a Ré).
  Ademais, o direito de regresso traduz-se num direito atribuído ao devedor solidário, que satisfez integralmente a prestação ao credor, de exigir, dos outros devedores, o reembolso das quotas que lhes competiam1.
  Como se vê, o direito de regresso tem por base a constituição de uma obrigação solidiária2.
  O direito de regresso alegado pela Ré que eventualmente terá sobre a RAEM provém de um contrato administrativo, enquanto o que pretende a Autora ser ressarcido através da presente lide consiste na falta de cumprimento do contrato promessa pela Ré. Tratam-se de duas relações jurídicas distintas e quer por lei quer por contrato, não se vislumbra a existência da solidariedade entre a Ré e a RAEM para com a Autora. Isto quer dizer que não existe elemento de conexão para que se possa concluir pela viabilidade da acção de regresso invocada com o fundamento alegado pela Ré.
  Nestes termos, se não verificado o pressuposto para ser admitido o chamamento requerido e não havendo outra razão justificável pará chamar a RAEM a intervir na presente lide, impõe-se indeferir o chamamento requerido.
  Como incidente, fixa-se em 2UCs a cargo da Ré.

Na petição de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

1ª - A intervenção acessória provocada é um mecanismo, previsto nos artigos 272.° e seguintes do CPC, que se destina a permitir a participação num processo de um terceiro que é responsável pelos danos produzidos ao réu demandado pela procedência da acção, isto é, de um terceiro perante o qual o réu possui, na hipótese de procedência da acção, um direito de regresso ou indemnização.
2ª - Neste quadro, o campo de aplicação da intervenção acessória provocada é delimitado através de um conjunto de requisitos positivos e negativos: ela pressupõe (i) a configuração de um direito de regresso do réu perante um terceiro, (ii) que emerja de uma relação conexa com a relação jurídica controvertida que é objecto da causa principal, e desde que (iii) não seja possível a intervenção desse terceiro como parte principal (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lisboa, 1997, p. 179).
3ª - Relativamente ao primeiro requisito, importa, contudo, notar que o conceito de acção de regresso, pressuposto do chamamento para este tipo de intervenção acessória provocada, é diverso do conceito de direito de regresso delineado artigos 490.°, n.º 2, 514.°, n.º e 517.° do Código civil de Macau, derivando o prejuízo do réu da sua condenação por virtude de pretensão formulada pelo autor.
4ª - Doutrina e jurisprudência são pacíficas no entendimento de que a acção de regresso a que se refere o artigo 272.º, n.º 1 do CPC envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra terceiro chamado a intervir pelo montante que venha a ser condenado na hipótese de procedência da acção principal.
5ª - Quanto ao segundo requisito, a exigida conexão estará assegurada “sempre que o objecto da acção pendente seja prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso” (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo civil cit., p. 178).
6ª - Por fim, a intervenção acessória provocada não é admissível quando o réu possa fazer intervir o terceiro como parte principal (cfr. artigo 272.º, n.º 1, in fine, do CPC).
7ª - Com efeito, se o réu tem a possibilidade de chamar o obrigado ao processo como parte principal, e, portanto, de constituir com ele um litisconsórcio sucessivo, deve escolher o mecanismo da intervenção principal provocada (cfr. artigo 267.°, n.º 1 do CPC).
8ª - Assim, “suponha-se, por exemplo, que existem vários devedores solidários e que só um deles é demandando, o que é admissível porque o litisconsórcio entre eles é voluntário; o devedor demandado pode provocar a intervenção principal dos outros devedores nos termos do artigo 325.º, n.º 1 do CPC [correspondente ao artigo 267.°, n.º1 do CPC de Macau] pelo que não pode chamá-los a intervir como partes acessórias” (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil cit., p. 179).
9a - o douto despacho recorrido, porém, indeferiu o incidente deduzido pela Recorrente por considerar que não existe qualquer factualidade ou norma que permita concluir pela existência de uma relação de condevedores, de solidariedade, entre a Ré e a RAEM.
10a - Deste modo, salvo o devido respeito, que é muito, pelo douto tribunal a quo, afigura-se, porém, que a fundamentação da douta decisão recorrida se adequa antes ao incidente de intervenção principal provocada previsto no artigo 267º do CPC e não ao incidente deduzido pela ora ora Recorrente, o qual tem por referência o artigo 272º e ss. do CPC, destinado aos casos de intervenção acessória provocada.
11a - No caso em apreço, estão preenchidos todos os pressupostos que permitem à Ré recorrer ao instituto da intervenção acessória provocada para solicitar a participação neste processo da RAEM.
12ª - Em primeiro lugar, a Ré poderá invocar um direito de indemnização perante esta entidade na hipótese de vir a ser condenada, no presente processo, a compensar o Autor pela impossibilidade de cumprimento do contrato-promessa.
13ª - À luz da posição jurídica configurada pela Ré na sua contestação - com base na qual o Tribunal dever apreciar se estão ou não verificados os pressupostos da intervenção de terceiro - existe um direito de indemnização perante a RAEM em caso de procedência da presente acção, que tem como fonte, no caso, a responsabilidade civil por facto ilícito que decorre, no entendimento da Ré, da emissão do Despacho do Chefe do Executivo de 26 de janeiro de 2016.
14ª - Em segundo lugar, é manifesto que este direito de indemnização invocado pela Ré emerge de uma relação que é conexa com a relação jurídica controvertida que é objeto desta causa principal.
15ª - Com efeito, a posição invocada pela Ré é a de que foi a RAEM, ao impedir o aproveitamento da concessão e declarar ilicitamente a cessação da sua vigência, que deu causa à situação de impossibilidade de incumprimento do contrato-promessa que é invocada pelo Autor como causa de pedir da presente acção, pelo que na hipótese, que aqui se admite por mera cautela da patrocínio, de esta ação proceder, a RAEM nunca poderá alegar ser totalmente alheia ao prejuízo que vier a ser assumido pela Ré_
16ª - A relação que se estabelece entre a RAEM e a Ré, no que respeita à execução do contrato de concessão por arrendamento do Lote "P", é inegavelmente uma relação jurídica conexa quanto à relação que se estabelece entre a Ré e o Autor, no que respeita à execução do contrato-promessa de compra e venda de uma fracção a construir, pela primeira, naquele Lote.
17ª - Por fim, verifica-se também o requisito negativo que delimita o campo de aplicação da intervenção acessória provocada: o terceiro cuja interposição é requerida não pode intervir come parte principal no processo (cfr. artigo 272.°, n.º 1, in fine, do CPC de Macau).
18ª - Com efeito, como bem o refere a douta decisão recorrida, a responsabilidade que, na posição invocada pelo Autor, impende sobre a Ré por incumprimento do contrato-promessa não é uma responsabilidade que se estenda, solidariamente, à RAEM, que não é parte nesse contrato nem assume, por força da lei, a responsabilidade pelo seu cumprimento.
19ª - A RAEM não é, pois, sujeita passiva da relação controvertida objecto da acção, mas sim sujeita passiva de uma relação conexa com ela, justificando-se, portanto, a sua intervenção como parte acessória.
20ª - Tem sido essa também a oreientação em vários casos pendentes no TJB, onde as causas de pedir e a Ré são idênticas em relação ao caso vertente, nomeadamente, nos procs. nºs CV3-16-0064-CAO, CV3-16-0054-CAO, CV3-16-0076-CAO, CV2-16-0060-CAO, CV2-0016-0061-CAO, CV2-16-0063-CAO e CV2-16-0076-CAO.
21ª - Mesmo que se, por remota hipótese, se entendesse que a Ré não detém, do ponto de vista técnico, um direito de regresso estrito ou típico sobre a RAEM, ainda assim, deveria a mesma ser chamada à presente acção.
22a - A situação em apreço é idêntica à situação que caracterizava a antiga figura da evicção, que não era um caso de direito de regresso típico, mas que justificava a intervenção acessória de terceiro no âmbito do antigo artigo 330° do CPC português, cuja redacção é equivalente ao artigo 272°/1 do CPC de Macau.
23a - A generalidade da doutrina (vg. Lebre de Freitas e Castro Mendes, por exemplo) assim o defende, tal como a prática forense de Portugal (vg. Ac. TRE, de 14/02/1995: BMJ, 444°-727, e Proc. n° 527/2002, 3° Juízo, Tribunal da Comarca de Felgueiras) .
24a - Efectivamente, a interpretação do artigo 272°/1 do CPC deve ser extensiva, tomando por base uma concepção lata da figura do direito de regresso (cfr. citado Ac. TRE, de 14/02/1995: BMJ, 444°-727).
25a - Em suma, ressalvada diversa opinião, estão verificados, no caso em apreço, todos os requisitos para que, nos termos do artigo 272.º, n.º 1 do CPC, se proceda ao chamamento da RAEM como interveniente acessório na presente lide.
26a - Finalmente, só a decisão do chamamento da RAEM à presente acção assegura a ratio legis e o escopo do artigo 272° do CPC, no sentido de possibilitar à R. provar que empregou todos os esforços para evitar a condenação.
   Disposição legal violada: Artigo 272°, n° 1 do CPC.
   Para os efeitos previstos no artigo 615°, n° 1 do CPC, requer sejam extraídas certidões da Petição inicial e da Contestação, sem prejuízo do disposto no n° 2 do mesmo normativo (certidão obrigatória da decisão recorrida) .
   Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente, sendo, em consequência, revogada a douta decisão recorrida e substituída por outra que julgue procedente o incidente deduzido, de intervenção acessória provocado, ordenando-se o chamamento da RAEM à presente acção nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 272º e seguintes do CPC, assim se fazendo, serenamente, Justiça.

Então apreciemos.

Na petição inicial, a Autora alegou, em síntese, o incumprimento definitivo e culposo por parte da Ré, e subsidiariamente a perda do interesse da Autora por mora culposa da Ré como fundamentos do pedido da resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ela e a Ré, e do pedido da condenação da Ré na restituição do sinal em dobro, assim como no pagamento do imposto de selo e das despesas realizadas para a celebração do contrato promessa, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos até ao integral pagamento.

Citada, a Ré formulou, em sede de contestação, o pedido do chamamento da RAEM para intervir, a título acessório, uma vez que, na óptica da Ré, à luz da posição jurídica configurada na contestação, ela, a Ré, tem, no caso de procedência da acção, direito de regresso contra a RAEM.

O incidente de intervenção acessória provocada encontra-se regulado nos artºs 272º e s.s. do CPC.

Reza o artº 272º que:

1. O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.

2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.

E o artº 274º/4 do CPC diz que “a sentença proferida constitui caso julgado em relação ao chamado, nos termos previstos no artigo 282º, quanto às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização”.

Por sua vez o artº 282º estabelece que:

A sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, excepto:
a) Se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final;
b) Se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova susceptíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave.

Ora, decorre da conjugação desses normativos que, não sendo titular de um interesse paralelo ao do réu da causa principal, o terceiro chamado tem o papel de mero auxiliar na defesa do réu e não pode ser condenado.

O que significa que na causa pendente, não se discute a responsabilidade do terceiro chamado e este nunca pode ser condenado.

Pois o incidente visa apenas produzir um efeito reflexo de caso julgado relativamente à verificação de certos pressupostos do eventual direito de regresso – o artº 274º/4 do CPC.

Ora, a propósito da função e finalidade do correspondente incidente da instância existente na lei portuguesa, foi doutamente consignado no Acórdão da Relação de Coimbra de 02FEV2010, tirado no processo nº 1269/06.2TBMGR.C1, aqui citado a título da doutrina no direito comparado, que:

“A finalidade/função do mencionado incidente é tornar indiscutíveis, no confronto do chamado, os pressupostos do direito à indemnização, a fazer valer em acção posterior, que respeitem à existência e ao conteúdo do direito do autor.

O âmbito objectivo do caso julgado da causa prejudicial (relativamente ao direito de regresso) constituída pelo primeiro processo encontra-se assim delimitado: para a acção de indemnização fica em aberto a discussão sobre todos os outros pontos de que dependa o direito de regresso; assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado, ficando o réu/chamante dispensado de (na acção de indemnização/regresso) fazer a prova de que (na demanda anterior) empregou todos os esforços para evitar a condenação. Se o chamamento for omitido, não bastará ao réu, na futura acção de indemnização, invocar a sentença que o condenou; terá também de provar que foi diligente e, portanto, usou adequadamente todos os meios processuais que, nos limites duma actuação processual de boa fé (art.º 456º), lhe era lícito usar para evitar a condenação.”.

Tendo em conta a finalidade e a função do incidente da intervenção acessória provocada, numa acção em que tiver sido deduzido o incidente, verificamos que o bem jurídico que visa tutelar o incidente pode encontrar em conflito com interesse do autor da causa principal.

Assim, a admissão do incidente tem de ser precedida da ponderação desses interesses em conflito.

Por um lado, temos os interesses do autor, que normalmente não terá qualquer vantagem em ver a linearidade e celeridade da acção que intentou perturbada com a dedução de um incidente que lhe não aproveita, já que o chamado não é devedor no seu confronto, nunca podendo ser condenado mesmo que a acção proceda – Lopes de Rego, in Comentário ao CPC, Vol. I, 2ª ed., pág. 315.

Por sua vez, o réu tem interesse em tornar, desde logo, indiscutíveis certos pressupostos de uma futura e eventual acção de regresso contra o terceiro, com vista a nele repercutir o prejuízo que lhe cause a perda da demanda – ibidem.

Ponderando estes interesses em conflito, parece que se justifica a intervenção acessória de um terceiro numa causa já intentada, não para o condenar mas sim para o vincular numa outra causa, apenas nos casos em que o réu puder vir a exercer o direito de regresso contra o chamado por via da acção de regresso e pelo menos uma parte das questões que se discutem na primeira causa puderem ter repercussão nessa posterior acção de regresso.

Importa agora averiguar se a Ré pode exercer o direito de regresso contra a RAEM, para ser indemnizada pelo prejuízo que lhe cause a perda da presente demanda.

Para o Tribunal a quo, o direito de regresso alegado pela Ré que eventualmente terá sobre a RAEM provém de um contrato administrativo, enquanto o que pretende a Autora ser ressarcido através da presente lide consiste na falta de cumprimento do contrato promessa pela Ré. Tratam-se de duas relações distintas e quer por lei quer por contrato, não se vislumbra a existência da solidariedade entre a Ré e a RAEM para com a Autora. Isto quer dizer que não existe elemento de conexão para que se possa concluir pela viabilidade da acção de regresso invocada com o fundamento alegado pela Ré.

Em síntese, o fundamento para o indeferimento do pedido do chamamento da RAEM reside na inviabilidade da acção de regresso por inexistência da solidariedade entre a Ré e a RAEM para com a Autora.

Ora, no caso sub judice, alegou a Ré chamante que foi por actos ilícitos da autoria da RAEM que ficou impedida de cumprir o contrato promessa celebrado entre ela e a Autora.

Portanto, na óptica da Ré chamante, na hipótese de vir a ser condenada a indemnizar a Autora pelo incumprimento do contrato promessa, ela poderá pedir em acção de regresso a indemnização contra a RAEM.

Para o Tribunal a quo, não há lugar ao direito de regresso, tão só inexiste entre a Ré e a RAEM a relação da solidariedade para com a Autora.

Urge saber se a expressão acção de regresso utilizada no artº 272º/1 do CPC se refere apenas a acções que têm por objecto um direito de regresso, expressamente previsto na lei ou resultante do contrato?

Ou se o incidente da intervenção acessória provocada, previsto nesse artigo, estende também aos casos em que o demandado tivesse o direito a ser indemnizado por terceiro pelos prejuízos que lhe causa pela perda da demanda, mesmo que esse direito não é qualificado pela lei como direito de regresso?

Cremos a resposta pode ser encontrada na função do incidente da intervenção acessória provocada.

Ora, tal como vimos supra, o incidente visa, inter alia, à vinculação do chamado ao caso julgado da sentença a proferir no que diz respeito aos pressupostos de que dependerá a procedência da futura acção de regresso ou da indemnização que o chamante poderá instaurar contra o chamado – artº 272º/2 e artº 274º/4 do CPC.

Atendendo a esta função que o incidente tem em vista, cremos que independentemente da qualificação ou não pela lei como de regresso o direito que o chamante poderá invocar na futura acção de regresso ou de indemnização contra o terceiro chamado, é de deferir a intervenção acessória provocada deste terceiro se conseguir convencer o Tribunal da viabilidade abstracta da futura acção de regresso ou da indemnização contra o chamado e da existência da conexão entre a relação controvertida discutida na acção pendente e o objecto da futura acção de regresso ou da indemnização.

In casu, alegou a Ré na contestação que foi por causa da declaração da caducidade da concessão do terreno pelo Senhor Chefe do Executivo que ela não poderia concluir o projecto da construção do complexo comercial e habitacional em que se encontra inserida a fracção autónoma, objecto do contrato promessa de compra e venda, cujo incumprimento lhe foi imputado pela Autora.

É manifesto que, ante o alegado pela Ré, está configurado o direito de indemnização, em abstracto viável, conexo com a relação controvertida na presente acção pendente.

O que justifica o chamamento da RAEM para intervir, a título acessório.

Pelo exposto e verificando-se assim o condicionalismo descrito no artº 272º do CPC, deve ser deferida a intervenção acessória provocada.

Em conclusão:

1. O incidente da intervenção acessória provocada visa, inter alia, à vinculação do terceiro chamado ao caso julgado da sentença a proferir no que diz respeito aos pressupostos de que dependerá a procedência da futura acção de regresso ou da indemnização que o chamante poderá instaurar contra o chamado – artº 272º/2 e artº 274º/4 do CPC.

2. Atendendo a esta função que o incidente tem em vista, independentemente da qualificação ou não pela lei como de regresso o direito que o chamante poderá invocar na futura acção de regresso ou de indemnização contra o terceiro chamado, é de deferir a intervenção acessória provocada deste terceiro se conseguir convencer o Tribunal da viabilidade abstracta da futura acção de regresso ou da indemnização contra o chamado e da existência da conexão entre a relação controvertida discutida na acção pendente e o objecto da futura acção de regresso ou da indemnização.


Resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em declarar extinto o recurso da decisão que indeferiu a suspensão da instância e julgar procedente o recurso interposto pela Ré, passando a deferir o chamamento da RAEM para intervir a título acessório nos termos do artº 272º e s.s. do CPC.

Sem custas.

Registe e notifique.

RAEM, 10JAN2019

Lai Kin Hong

Fong Man Chong

Ho Wai Neng
1 Cfr. ALMEIDA E COSTA, Direito das Obrigações, 4." edição, p. 449.
2 Cfr. também ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Vali, p. 789 e 55.
---------------

------------------------------------------------------------

---------------

------------------------------------------------------------

1102/2017-18