Processo nº 1032/2018 Data: 10.01.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “roubo (agravado)”.
Medida da pena.
Atenuação especial.
SUMÁRIO
1. A figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legalmente atendíveis.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1032/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A e B, (1° e 2°) arguidos com os restantes sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo a ser condenados como co-autores materiais da prática de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 2, al. b) e 198°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena individual de 7 anos e 6 meses de prisão, e no pagamento solidário da quantia de HKD$360.500,00 e juros à ofendida dos autos; (cfr., fls. 368 a 374 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, vieram os arguidos recorrer para dizer (apenas) que “excessiva” é a pena que lhes foi aplicada, alegando também o (1°) arguido A que o Acórdão recorrido padecia de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”; (cfr., fls. 383 a 385-v e 386 a 392).
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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 396 a 398-v).
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Nos recursos separadamente interpostos (cfr. fls.383 a 385 verso e 387 a 392 dos autos), ambos os recorrentes pediram a redução das penas aplicadas no Acórdão em escrutínio, de sete anos e seis meses de prisão, assacando-lhe o erro de direito contemplado no n.°1 do art.400° do CPP, por violação das disposições nos arts.40º e 65º do Código Penal de Macau, e (só o 1° arguido) o vício consagrado na alínea a) do n.°2 do art.400° supra.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (vide. fls.396 a 398 verso dos autos).
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Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.º12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.º9/2015)
Em esteira, colhemos sossegadamente que o aresto impugnado pelo recorrente não padece da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Pois bem, a matéria de facto provada assegura suficientemente a condenação do recorrente/1º arguido na prática, em co-autoria material e forma consumada, dum crime de roubo, não há lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada.
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No caso sub judice, não se descortinam quaisquer circunstâncias de atenuação especial, vale ter presente que os dois arguidos actuaram com premeditação, e o recorrente/1º arguido negou a prática do crime de roubo na P.J. e durante o interrogatório judicial (vide. fls.194 a 195 e 255 a 256 dos autos).
Sem prejuízo do elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, inclinamos a entender que a invocação pelo recorrente/1º arguido dos Processos n.º105/2016 e n.º261/2017 do Venerando TSI é inócua para efeitos de atenuação da pena aplicada.
Sabe-se que no ordenamento jurídico de Macau, é adquirida a douta jurisprudência que tem asseverando que nos arts.64° e 65° do CPM, o legislador acolhe a teoria da margem de liberdade (a título exemplificativo, vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º293/2004, n.º50/2005 e n.º51/2006). E entendemos ser prudente o veredicto que afirma: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial recorrida.” (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º817/2016)
Nestes termos, e à luz da moldura penal consagrada na alínea b) do n.°2 do art.204° do Código Penal, afigura-se-nos que a pena de sete anos e seis meses de prisão imposta aos dois arguidos pelo tribunal a quo não infringe o disposto nos arts.40º e 65º do mesmo Código, mostrando-se equilibrada, pelo que são infundados os pedidos de redução.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência dos recursos em apreço”; (cfr., fls. 409 a 410).
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 369 a 370, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem os (1° e 2°) arguidos A e B recorrer do Acórdão que os condenou como co-autores materiais da prática de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 2, al. b) e 198°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena individual de 7 anos e 6 meses de prisão.
Pedem, apenas, a redução da pena que lhes foi aplicada, considerando também o (1°) arguido A que o Acórdão recorrido enferma também do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
–– E quanto a este alegada “insuficiência”, desde logo se diz que nenhuma razão tem o arguido A, pois que nem o mesmo explicita o porque de tal maleita, verificando-se também que o Colectivo a quo investigou e emitiu (expressa) pronúncia em relação a toda a matéria objecto do processo, elencando a que do julgamento resultou provada e não provada, e justificando, adequadamente, esta sua decisão; (cfr., fls. 369 a 371).
–– Vejamos agora da alegada “severidade da pena”.
Pois bem, ao crime de “roubo” pelos arguidos cometido cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 204°, n.° 2 do C.P.M.).
Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.
Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018).
Por sua vez, nos termos do art. 66° do C.P.M.:
“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.
Como temos vindo a considerar “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 14.06.2018, Proc. n.° 397/2018).
Com efeito, tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da atenuação especial da pena surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.
No caso dos autos, não se olvida que do Acórdão recorrido consta que os arguidos são “primários” e “admitiram, parcialmente, os factos” em audiência de julgamento.
Todavia, ponderando na factualidade provada, e sem prejuízo do respeito por outro entendimento, (e tal como igualmente considerou o T.J.B.), não nos parece que possa haver lugar a uma “atenuação especial”, visto que não se vislumbra a “excepcionalidade” da situação.
Com efeito, atenta a dita factualidade dada como provada – um “roubo” planeado, com a simulação de um câmbio de moeda, cometido em comparticipação, com um dos co-arguidos escondido na casa de banho do quarto do hotel, em que após se certificaram que a ofendida tinha o dinheiro, de imediato a dominam e amarram, imobilizando-a, apoderando-se de todo o dinheiro da ofendida e abandonando-a naquela situação, causando-lhe um prejuízo de HKD$360.500,00 – e ponderando, assim, e em especial, na intensidade do dolo, (directo), e no grau da ilicitude, (elevado), constata-se que a “imagem global do facto” não se apresenta de forma (alguma) a “diminuir, de forma acentuada, a ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena”, não se vislumbrando – como se referiu – nenhum motivo para qualquer “atenuação especial”.
E que dizer da pretendida “redução da pena”.
Nota F. Dias, (in “Dto Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), que “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.
Como temos vindo a afirmar, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).
No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação de Évora considerando que:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).
E, como se tem igualmente decidido:
“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).
“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).
No caso dos autos, confirmando-se o que se deixou considerado, atento os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., ponderando-se que não obstante a violência exercida, os arguidos recorrentes não causaram na ofendida qualquer lesão física e tendo presente a moldura penal em questão, mais justa e adequada se nos apresenta a pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
Tudo visto, resta decidir como segue.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder parcial provimento aos recursos, ficando os arguidos condenados na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
Custas pelos arguidos em relação ao seu decaimento, com a taxa de justiça individual que se fixa em 3 UCs.
Honorários aos Exmos. Defensores dos (1° e 2°) arguidos no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 10 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1032/2018 Pág. 18
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