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Proc. nº 361/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 10 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Direito de indemnização
- Prescrição de curto prazo
- Prescrição ordinária
- Contagem do prazo
- Apensação de acções

SUMÁRIO:

I – Quando a RAEM instaura acção com a finalidade de se fazer pagar pelo valor das obras por si realizadas para evitar ruína de um prédio, não se pode dizer que a responsabilidade em causa é de natureza contratual, se a RAEM não é o dono da obra, se não invoca a violação do contrato por parte dos demandados, se não pretende a eliminação dos defeitos, a redução do preço ou a resolução do contrato ou indemnização de contrato de empreitada, e se ela demanda os RR apenas por causa dos prejuízos que sofreu com a sua actuação em concreto com vista à protecção e segurança públicas, de acordo com o interesse público subjacente.

II – Se a causa de pedir se basear na responsabilidade civil extracontratual, para efeito da prescrição de curto prazo (art. 491º, nº1, do CC) não bastará a prática do facto ilícito. Será necessário que esse facto se tenha tornado danoso, e isso só acontece quando se sabe que o facto provocou um dano, e que dele o interessado tenha tomado conhecimento.

III – Já para efeito da prescrição ordinária, não é necessário o conhecimento do dano. O prazo de prescrição ordinária corre desde o dia em que o facto se tenha tornado danoso, independentemente do conhecimento dele por parte do lesado.

IV – As acções “apensadas” conservam a sua autonomia, embora venham a ser decididas na mesma sentença. Autonomia que é substantiva (cada processo apenso terá a sua própria decisão sobre o “fundo” da causa), mas também, em parte, processual até onde for possível e aconselhável (pode haver produção de prova testemunhal própria, assim como a susceptibilidade de recurso jurisdicional depende apenas do valor desse processo).

V – Essa autonomia, em especial quando ela é processual, não pode ser um postulado, um dogma levado às últimas consequências e cegamente, não apenas porque essa plenitude de individualidade não decorre directamente da lei, mas também sempre que não o recomende o caso concreto.

VI – A aludida autonomia adjectiva pode ceder em certos casos, por exemplo, em certas situações de produção de prova. Por isso, em alguns processos, uma perícia realizada no processo principal pode servir e ter eficácia no âmbito de algum seu apenso.

Proc. nº 361/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
Recurso A
Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), representada oficiosamente pelo Ministério Público, instaurou no TJB (Proc. nº CV2-15-0085-CAO) processo comum ordinário contra:
- A, do sexo masculino, titular do B.I.R.M. n.º ..., construtor civil inscrito na Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes sob n.º ..., pessoa singular matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis de Macau sob n.º ..., com domicílio profissional em Macau, na …; na …; e, na …; (doravante designado simplesmente por “1º Réu”, vide Doc. 1)
- Companhia de Engenharia e Construção B, Limitada (B建築工程有限公司), matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis de Macau sob n.º ..., com sede em Macau, na …; (doravante designada simplesmente por “2ª Ré”, vide Doc. 2)
- C, do sexo masculino, titular do B.I.R.M. n.º ..., técnico inscrito na D.S.S.O.P.T. sob n.º ..., com domicílio em Macau, na …; e, na …; (doravante designado simplesmente por “3º Réu”), a título principal, e a título subsidiário contra:
- D – Sociedade de Investimento e Desenvolvimento, Lda. (D投資發展有限公司), matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis de Macau sob n.º ..., com sede em Macau, na … (doravante designada simplesmente por “4ª Ré”, vide Doc. 3);
- Companhia Construção e Engenharia E Lda. (E建築工程有限公司), matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis de Macau sob n.º ..., com sede em Macau, na … (doravante designada simplesmente por “5ª Ré”, vide Doc. 4);
- Companhia de Construção e Engenharia F (Macau), Limitada (F建築工程(澳門)有限公司), matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis de Macau sob n.º ..., com sede em Macau, na … (doravante designada simplesmente por “6ª Ré”, vide Doc. 5);
- G, do sexo masculino, titular do B.I.R.M. n.º ..., técnico inscrito na D.S.S.O.P.T. sob n.º ..., com domicílio profissional em Macau, na … (doravante designado simplesmente por “7º Réu”).
- H INSURANCE (MACAU) CO., LTD. (H保險(澳門)股份有限公司), chamada aos autos através de intervenção principal provocada, empresário comercial, pessoa colectiva n.º ..., com sede em Macau, RAE, na ….
- COMPANHIA DE SEGUROS I, S.A. (I保險股份有限公司), chamada aos autos através de intervenção principal provocada, empresário comercial, pessoa colectiva n.º ..., com sede em Macau, RAE, na ….
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Nesses autos (Proc. nº CV2-15-0085-CAO), em 9/12/2016, foi proferido despacho saneador (fls. 5894 e sgs.), em que, entre o mais, foram julgadas improcedentes as excepções deduzidas pelos 1º a 3º RR de caducidade e de prescrição.
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Inconformados, os 1º a 3º RR interpuseram recurso jurisdicional desse despacho, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“a) Tendo a Autora demandado os Recorridos com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, no estado de necessidade e no enriquecimento sem causa por estes, enquanto construtores e director de obra de um edifício, terem ilícita e culposamente utilizado na construção de um pilar estrutural betão com menor resistência do que a exigida pelo projecto de estrutura, o que originou a sua ruptura na parte central em 10 de Outubro de 2012 causando diversos danos estruturais no edifício, que o deixaram em perigo de ruir, e que não repararam tais danos apesar de estarem obrigados a fazê-lo, estes excepcionaram a caducidade do direito invocado alegando que construíram o edifício no âmbito de um contrato de empreitada, no qual não foi estipulado prazo de garantia mais longo do que o legal, e que entregaram a obra em 21 de Dezembro de 1994, pelo que qualquer sua eventual responsabilidade tem necessariamente natureza contratual, fundada no contrato de empreitada, a qual já caducou por estar sujeita ao prazo de caducidade de 5 anos a contar da entrega da obra, consagrado no art. 1225º/1 do CC de 1966.
b) Esta excepção foi apreciada no despacho saneador e ali julgada improcedente por não provada, mas nessa apreciação é afirmado que a Autora fundamenta de direito a sua pretensão na responsabilidade civil extracontratual, pelo que o Tribunal nem precisa de analisar se ocorreu o termo do prazo de caducidade do direito invocado nos termos dos arts. 1224 e 1225º do CC então vigente, mas apenas se o direito invocado já prescreveu nos termos do art. 491º do CC actual, e, em consonância com esta posição, o Meritíssimo Juiz não seleccionou, levando-a aos Factos Assentes ou à Base Instrutória, as questões de facto pertinentes à fundamentação da invocada responsabilidade contratual, desde logo a construção do prédio no âmbito de um contrato de empreitada, a não estipulação de um prazo de garantia superior ao legal e a entrega do prédio à dona da obra em 21 de Dezembro de 1994.
c) O conhecimento de uma excepção peremptória consubstancia um conhecimento de mérito da causa e este não pode ser feito de acordo com o estrito entendimento do Juiz da causa sobre a solução de direito que se lhe afigura correcta, ou mais correcta, para dirimir o pleito, mas sim, necessariamente, segundo o critério das várias soluções plausíveis da questão de direito consagrado no art. 430º/1 do CPC a propósito da selecção da matéria de facto relevante para a apreciação e decisão da causa.
(d) E assim tem de ser, quer porque os factos alegados pelo réu nos seus articulados também integram o objecto do litígio, uma vez que este é constituído pelo objecto do processo apresentado pelo autor e, havendo oposição, também pelas questões substantivas suscitadas pelos réus e a que o Tribunal tem de dar resposta, quer porque, em caso de recurso, o Tribunal ad quem tem de estar na posse de todos os factos susceptíveis de fundamentar solução jurídica diferente da adoptada na decisão recorrida.
e) No mesmo sentido depõe a regra, consagrada no art. 567º do CPC, de que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, pelo que o que releva para a decisão de mérito no saneador são os factos que as partes chamam ao processo, na acção e na defesa, e não a qualificação jurídica que deles fazem.
f) Atenta a sucessão de códigos civis, perante um contrato de empreitada que foi celebrado e integralmente executado, e portanto extinto, antes da entrada em vigor do novo CC de 1999, só à luz da lei antiga se pode interpretar o contrato, e determinar os seus efeitos e as consequências do seu eventual incumprimento, pelo que o regime que se aplica ao caso é o consagrado nos arts. 1225º/1 do CC de 1966, então vigente, por aplicação do art. 6º do DL 39/99/M, de 3.Ago, que aprovou o Código Civil, e do art. 11º do CC actual.
g) Os factos de os Recorrentes serem demandados na qualidade de construtores do prédio, de este ter sido construído no âmbito de um contrato de empreitada, de ser apontado um vício de construção como causa dos danos estruturais no edifício que o colocaram em risco de ruína e ainda de os danos alegados apenas se terem produzido no próprio edifício, apontam inevitável e directamente para o regime da responsabilidade dos empreiteiros por vício de construção, pois tal quadro fáctico preenche na totalidade todos os pressupostos da previsão da norma do art. 1225º/1 do CC de 1966, pelo que esta é, manifestamente, uma solução plausível da questão de direito, para não se dizer, mesmo, que é a mais plausível dessas soluções.
h) Esta afirmação firma-se ainda mais perante os sérios obstáculos que se podem colocar à aplicação ao caso do instituto da responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente, (i) se no caso se realizam os pressupostos da segunda modalidade de ilicitude prevista nos arts. 477º/1 do CC actual e 483º/1 do CC anterior, (ii) se as despesas realizadas pela Autora e reclamadas na acção são em si próprias consequência do facto ilícito imputado aos Recorrentes ou sua mera consequência reflexa não tutelada e (iii), como contra-face da anterior razão, se os Recorrentes não poderiam responder apenas perante terceiros a quem tivessem causado directa e necessariamente danos.
i) A responsabilidade do empreiteiro por defeitos de construção prevista no art. 1225º do CC de 1966 tem manifestamente natureza contratual, pois apenas existe perante o dono da obra e não também perante terceiros, esgotando-se no universo contratual, e chamado este regime a intervir tem sentido a excepção da caducidade arguida pelos Recorrentes, uma vez que o art. 1225º/1 do CC, conjugado com o disposto no art. 289º/2 do mesmo Código, estabelecia um prazo de caducidade dessa responsabilidade de 5 anos contados da entrega da obra, afastando por força da sua disciplina especial o regime geral de prescrição consagrado no art. 320º do Código Civil de Macau, tendo o termo de tal prazo ocorrido em 15 de Setembro de 1998.
j) As preocupações do preceito filiam-se na orientação de não sujeitar o empreiteiro a vinculações perpétuas ou demasiadamente prolongadas, pois de outro modo colocar-se-iam em risco valores fundamentais do ordenamento jurídico, tais como a liberdade negocial e mais amplamente a liberdade de iniciativa económica.
k) Posto isto, afigura-se evidente que ao conhecer da excepção da caducidade alegada pelos Recorrentes, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo devia ter considerado que entre as várias soluções plausíveis da questão de direito, ainda que dela discordando, se encontra a de a responsabilidade dos Recorrentes ter efectivamente natureza contratual, disciplinada pelas regras do contrato de empreitada, e, por isso, deveria ter seleccionado os factos relevantes para fundamentar esta solução, relegando para final o conhecimento da excepção, pelo que, decidindo como decidiu, violou o disposto no art. 1225º/1 do CC de 1966 e os arts. 430º/1 e 567º do CPC.
l) Face aos termos em que o despacho saneador stricto sensu está elaborado e uma vez que nele o Tribunal a quo não seleccionou a matéria de facto alegada na contestação relevante para o conhecimento de tal excepção - em particular se o edifício X Xfoi construído no âmbito de um contrato de empreitada, se nesse contrato não foi convencionada garantia por prazo superior ao legal e se o prédio foi entregue à dona da obra em 21 de Dezembro de 1994 -, o Tribunal ad quem não se pode substituir àquele no julgamento da procedência ou improcedência da excepção, pelo que deve o despacho saneador recorrido ser revogado neste segmento, por ser plausível a qualificação de eventual responsabilidade dos Recorrentes como contratual e, a essa luz, ter a excepção da caducidade sido conhecida de forma ilegal e extemporaneamente, em violação do disposto no art. 429º/l/b), dado haver necessidade de mais provas, e, em consequência, ser ordenado que a mesma seja conhecida apenas a final, depois de seleccionados os factos em que se sustenta a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos.
m) Tendo o recurso sido admitido com subida diferida, obtendo o mesmo provimento, devem ainda ser anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção da caducidade em apreço, nos termos aludidos.
n) A Recorrida chama em fundamento da sua pretensão os institutos da responsabilidade civil extracontratual e do estado de necessidade, previstos, respectivamente, nos arts. 477º/1 e 331º do CC, tendo os Recorrentes, embora questionando a aplicabilidade destes institutos ao caso, arguido (subsidiariamente à já analisada caducidade) a prescrição do direito invocado pela Autora por referência a tais institutos, alegando, em síntese, que tendo a betonagem alegadamente defeituosa do pilar estrutural 2P9 do edifício sido realizada em 15 de Setembro de 1993 e o acidente em causa ocorrido em 10 de Outubro de 2012, quando a acção foi instaurada em 6 de Outubro de 2015 já há muito havia decorrido o prazo de prescrição ordinária previsto na segunda parte do art. 498º/1 do CC de 1966 (assim como no art. 491º/1 do CC actual).
o) O despacho saneador apreciou em concreto esta excepção da prescrição, julgando-a improcedente, por não provada, tendo essa apreciação sido circunstanciada e fundamentada quanto aos institutos da responsabilidade civil extracontratual, mas afirmando, quanto ao estado de necessidade, que não decide da excepção da prescrição por referência a este instituto por entender que o mesmo não tem aplicação no caso.

p) Mas a final o despacho saneador julga improcedente a excepção da prescrição do direito invocado pela Autora e, se a decisão assim proferida transitar em julgado, formará caso julgado material quanto a todos os institutos susceptíveis de fundamentar de direito a acção, e assim o do estado de necessidade, pelo que tal questão não pode deixar de ser chamada também a objecto deste recurso.
q) Por conseguinte, quanto à prescrição do direito invocado pela Recorrida com fundamento no estado de necessidade, coloca-se a mesma situação analisada antes quanto à excepção da caducidade no que respeita à violação pelo despacho recorrido do disposto nos arts. 430º/1 e 567º do CPC, mas esta questão não traz nade de substancialmente novo ao recurso, porquanto a obrigação de indemnizar em resultado de uma actuação em estado de necessidade, prevista no art. 331º/2 do CC, tem natureza extracontratual, dado aquele instituto ser, dogmaticamente, uma causa de justificação da ilicitude própria ou típica desta modalidade de responsabilidade civil, pelo que a prescrição da obrigação de indemnização com tal fundamento está sujeita às mesmas regras jurídicas que a prescrição da obrigação de indemnizar por responsabilidade extracontratual e por isso apreciar da prescrição da responsabilidade civil extracontratual é já decidir da prescrição da obrigação de indemnização resultante de actuação em estado de necessidade.
r) No conhecimento da excepção da prescrição o despacho saneador aplicou o art. 491º/1 do CC vigente, no entanto, o art. 12º/1 do DL 39/99/M, que aprovou o actual CC, determina que os factos ocorridos antes da vigência do Código novo, como sucede neste caso, são regulados pelo regime anterior, mas sendo-lhes aplicáveis pontualmente as regras do regime novo que se mostrem mais favoráveis ao lesante, seja dizer, que desta disposição resulta que se aplicam as disposições da lei nova mais favoráveis ao responsável, permanecendo as disposições da lei anterior no caso contrário, pelo que ao caso é aplicável o art. 498º/1 do CC de 1966 excepto quanto à duração do prazo ordinário de prescrição, pois este era à data da betonagem de 20 anos, nos termos do art. 309º do CC então vigente, e passou a ser de 15 anos com o Código de 1999, nos termos do respectivo art. 302º, pelo que se trata de uma alteração em sentido mais favorável aos Recorrentes, alegados lesantes, e assim por força da citada norma de direito transitório do art. 12º/1 do DL 39/99/M o prazo de prescrição do direito invocado pela Autora é de 15 anos, contados da data da betonagem dos pilares, efectuada em 15 de Setembro de 1993.
s) Face ao teor do despacho saneador, a questão decisiva que neste âmbito se coloca nos autos é a de saber em que momento se começa a contar o prazo da prescrição ordinária estabelecido no art. 493º/1/2ª parte do CC de 1966, a saber, se da data do facto ilícito (a betonagem dos pilares realizada em 15 de” Setembro de 1993), como defendem os Recorrentes, se da data da ocorrência do dano (o incidente de 10 de Outubro de 2012), como julgou o despacho recorrido.
t) Os dois prazos previstos neste art. 498º/1 actuam em alternativa, contando-se o prazo de prescrição especial de 3 anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, e o prazo de prescrição ordinária de 15 anos desde a data da prática do facto ilícito danoso, ainda que os danos apenas se venham a produzir posteriormente, pelo que o direito indemnizatório prescreve logo que decorrido um destes dois prazos, ainda que um deles não se tenha esgotado ou não se tenha sequer iniciado, e, quanto ao prazo de 15 anos, ainda que no momento do seu termo não tenha ainda ocorrido o dano ou o lesado não tenha chegado a conhecer o direito que lhe compete.
u) Bem se compreende esta solução uma vez que a parte final do nº 1 do art. 498º menciona “a contar do facto danoso” e não “a contar da ocorrência do dano”, pelo que o vocábulo “danoso” obviamente qualifica o facto e por isso, a contar da data do “facto danoso” não pode deixar de significar a contar da data “do facto que veio a produzir os danos”, e não da data “em que o dano ocorreu”, sendo por isso irrelevante para efeito de verificação da prescrição ordinária de 15 anos que os danos não se tenham produzido antes do decurso desse prazo.
v) Esta interpretação tem completo amparo na letra e no espírito da lei, por três razões que se afiguram decisivas, (i) primeiro, porque não é plausível considerar que o legislador escreveu “facto danoso” quando tencionava escrever “dano” ou “produção do dano”, dado o disposto no art. 8º/3 do CC, pois se tivesse tencionado consagrar a posição propugnada no despacho saneador teria escrito “produção do dano” ao invés de “facto danoso”, e ninguém teria então dúvidas sobre a solução pretendida, enquanto a expressão “facto danoso” coloca indubitavelmente o acento tónico no segmento “facto”, (ii) segundo, porque dizer que o prazo curto de 3 anos se conta da data em que o lesado “teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete” significa que se conta desde que este teve conhecimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar, a saber do facto ilícito culposo, do dano (embora com desconhecimento da sua extensão integral) e do nexo de causalidade entre um e outro, e sendo assim, o prazo curto não começa a correr sem que ocorra a produção de danos e o lesado deles tenha conhecimento, pelo que contar o prazo longo de 20 anos também desde o dano seria utilizar o mesmo elemento de facto para iniciar a contagem de dois diferentes prazos de prescrição, o que, além de não ter igualmente qualquer sentido, inutilizaria a 2º parte do art. 498º/1 do CC de 1966 (como inutilizaria a 2ª parte do art. 491º/1 do CC actual), consubstanciando uma interpretação ab-rogante do preceito, ilegal por falta de contradição insanável entre preceitos que a possa justificar, e ademais porque tal interpretação daria ao preceito um conteúdo que foi proposto nos trabalhos preparatórios do CC de 1966 e clara e expressamente afastada na apresentação do seu articulado final, (iii) terceiro, porque o prazo curto de prescrição de 3 anos contados do conhecimento do direito visa aproximar o julgamento tanto possível da data dos factos, por nestes casos a prova ser sobretudo testemunhal, mas, obviamente, contando-se apenas depois de o lesado conhecer o seu direito, enquanto o prazo longo de prescrição de 15 anos prossegue razões de certeza, de segurança e de paz nas relações jurídicas, contando-se assim que decorrido um prazo considerado aceitável para esse efeito, fundando-se por isso o prazo curto em razões subjectivas e o segundo em razões objectivas, sendo que estas últimas seriam irremediavelmente comprometidas se não existisse um limite temporal máximo fixo para exercer judicialmente o direito de indemnização.
w) Pelo exposto, o prazo de prescrição de eventual responsabilidade civil extracontratual dos Recorrentes iniciou o seu decurso em 15 de Setembro de 1993, data em que foi efectuada a betonagem do pilar estrutural, pelo que estabelecendo o art. 309º do CC de 1966 um prazo de prescrição ordinária de 20 anos e o art. 302º do actual CC um prazo de 15 anos, e determinando o art. 12º do DL 39/99/M, que aprovou o novo CC, a aplicação retroactiva das disposições da lei nova mais favoráveis ao responsável, a responsabilidade extracontratual dos Recorrentes prescreveu em 15 de Setembro de 2008, mas a verdade é que mesmo fazendo-se aplicação do art. 290º/1 do actual CC, idêntico ao art. 297º/1 do anterior CC, e por isso tomando-se como aplicável ao caso o prazo ordinário de prescrição de 20 anos estabelecido no CC de 1966, a prescrição ocorreu o mais tardar em 15 de Setembro de 2013, portanto tem qualquer dos casos muito antes da data de instauração da presente acção, pelo que é indiscutível a prescrição do direito invocado pela Autora.
x) É indiscutível que a prescrição do direito à indemnização ocorre logo que decorrido um dos dois prazos estabelecido no art. 498º/1 do CC de 1966, pelo que tanto o prazo especial curto de 3 anos como o prazo ordinário longo de 15 anos apenas correm enquanto não for alcançado o termo do outro e assim a contagem do prazo curto de prescrição de 3 anos fica prejudicada a contar de 15 de Setembro de 2008, uma vez que nesta data já decorreu o prazo de prescrição ordinária.

y) Assim, o despacho saneador devia, por um lado, ter conhecido da prescrição do direito invocado pela Autora por referência ao instituto do estado de necessidade, como o fez por referência ao instituto da responsabilidade civil extracontratual, pelo que decidindo de forma diferente, violou o disposto nos arts. 430º/1 e 567º do CPC, e, por outro lado, devia ter julgado procedentes, por provadas, a arguida excepção peremptória da prescrição por referência a ambos os institutos da responsabilidade civil extracontratual e do estado de necessidade, pelo que decidindo de forma diferente violou o disposto nos arts. 8º/3, 498º/1, 297º/1 e 339º/2 do CC de 1966, ou nos arts. 491º/1, 290º/1 e 331º/2 do CC actual, e ainda o disposto no art. 12º do DL 39/99/M., de 3.Ago., pelo que deve tal despacho ser revogado e substituído por outro que julgue procedente, por provada, a arguida excepção peremptória da prescrição do direito alegado pela Autora com fundamento na responsabilidade civil extracontratual e no estado de necessidade, com a consequência da absolvição dos 1º a 3º Réus do pedido.
z) No despacho saneador não foi seleccionado o facto de a betonagem do pilar estrutural 2P9 ter sido efectuada em 15 de Setembro de 1993, o qual foi apenas ficcionado como verdadeiro para efeitos de conhecimento da excepção em apreço, mas constando da al. B) dos Factos Assentes que a licença de utilização do edifício foi emitida em 21 de Dezembro de 1994 e nessa data não já tinha obviamente sido feita a betonagem do pilar estrutural 2P9, mesmo contando-se desde então o prazo ordinário de prescrição, seja o de 15 seja de 20 anos, à data da instauração da acção, em 5 de Outubro de 2015, já ambos haviam decorrido há muito, afigura-se que este Venerando Tribunal de recurso, dando provimento ao recurso, pode revogar o despacho recorrido e substituí-lo por outro nos termos consignados acima, mas caso assim não seja entenda, o que se admite sem prescindir e por mera cautela, então também não poderá em sede deste recurso substituir-se ao Tribunal a quo no julgamento da procedência ou improcedência da excepção peremptória da prescrição em apreço, devendo nesse caso ser o despacho saneador recorrido revogado também neste segmento, por a excepção da prescrição ter sido conhecida de forma ilegal e extemporaneamente, em violação do disposto no art. 429º/l/b), por haver necessidade de mais provas, e, em consequência, ser ordenado que a mesma seja conhecida apenas a [mal, depois de seleccionados os factos em que se sustenta a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos, e também aqui, pelo mesmo motivo de o recurso sido admitido com subida diferida devem ainda ser anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos.
III) Pedido
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente,
a) Ser o despacho recorrido revogado no segmento em que julgou improcedente, por não provada, a excepção peremptória da caducidade do direito invocado pela Autora, e, em consequência, ser ordenado que o conhecimento da mesma seja relegado para final, depois de seleccionados os factos em que se sustenta 'a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos, e, dado o recurso subir diferido, que sejam anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos.
b) Ser tal despacho revogado no segmento em que julgou improcedente, por não provada, a excepção peremptória da prescrição, e substituído por outro que julgue procedente, por provada, a arguição de tal excepção com fundamento na responsabilidade civil extracontratual e no estado de necessidade, com a consequência da absolvição dos 1º, 2º e 3º Réus do pedido, ou, não se entendendo assim, o que se alega apor mera cautela, ser ordenado que o conhecimento da mesma seja relegado para final, depois de seleccionados os factos em que se sustenta a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos, e também aqui, pelo mesmo motivo de o recurso ter sido admitido com subida diferida, que sejam anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos, o que constitui uma decisão de JUSTIÇA”.
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A autora, RAEM, respondeu ao recurso através das seguintes conclusões alegatórias:
“A. Na relação jurídica controvertida invocada pela Recorrida (ora Autora) na petição inicial, os Recorrentes, como construtores e técnicos responsáveis pela direcção de obras do edifício “X XGarden”, durante o período de construção do referido edifício, usaram, culposamente, betões não aprovados e não obedeceram às regras de betonagem, causando danos à estrutura do edifício e ameaça à segurança pública na área circundante, a par disso, nunca adoptaram qualquer medida de recuperação que impedisse o agravamento dos danos no edifício, e, em consequência, a Recorrida teve de adoptar primeiro medida de recuperação provisória e adiantou as respectivas despesas, ou seja, devido ao prejuízo resultante das despesas feitas pela Recorrida, foi indevidamente reduzida a dívida que os Recorrentes deviam assumir, portanto, tornando-se enriquecidos os mesmos. Por conseguinte, a Recorrida reclamou aos Recorrentes a restituição do montante das despesas por enriquecimento sem causa.
B. Não existem nenhuma relação contratual entre os Recorrentes e a Recorrida, e também não foi por causa do contrato de empreitada que à Recorrida foi exigida a assunção da responsabilidade de remoção de defeitos, redução da retribuição, resolução do contrato ou indemnização por dano contratual. Daí se vislumbra manifestamente que o problema a ser resolvido nesta causa é saber: Se, na relação extracontratual, a Recorrida pode ou não exigir aos Recorrentes a restituição do montante das despesas feitas pela mesma.
C. Sem margem de dúvidas, é irrelevante para a decisão de mérito uma série de factos relativos à relação contratual existente entre os Recorrentes e o dono da obra que foram invocados pelos Recorrentes na contestação. Os Recorrentes só podem apresentar excepção de caducidade contra a acção de responsabilidade contratual eventualmente intentada pelo dono da obra, porém, assim não é a relação jurídica controvertida nesta causa. Por isso, o apuramento dos factos supra mencionados não ajuda a resolução do pedido formulado pela ora Autora.
D. Por outras palavras, o regime do contrato de empreitada invocada pelos Recorrentes não serve de solução plausível da questão de direito tratada no presente caso.
E. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 429º do Código de Processo Civil, o Tribunal a quo pode apreciar imediatamente o pedido formulado pela Autora ou a excepção peremptória deduzida pelos Réus, sempre que o processo permitir, sem necessidade de mais provas, o conhecimento directo do mérito da causa.
F. In casu, entende o Tribunal a quo que a Autora (ora Recorrida) não é o dono da obra do edifício e o pedido dela também não foi formulado com base na relação do contrato de empreitada, não sendo aplicável o regime do contrato de empreitada, mormente o art.º 1225 do Código Civil de 1966 que prevê o direito de acção. Por outras palavras, os factos invocados pelos Recorrentes, relativos à relação contratual, independentemente de serem dados como provados ou não, são irrelevantes para a resolução da questão de direito do presente caso. Daí se vislumbra manifestamente que a decisão recorrida não violou nenhuma regra sobre prova, ou seja, o Tribunal a quo não efectuou a apreciação da excepção de caducidade quando foram considerados como provados os factos a provar.
G. Nesta conformidade, a decisão recorrida não violou o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 429º do Código de Processo Civil.
H. No que concerne à prescrição, de antemão, vale aqui indicar que as causas invocadas pela Recorrida são factos pressupostos que constituem enriquecimento sem causa, nomeadamente o sucedido do caso, a causa de os Recorrentes terem de assumir responsabilidade, a causa de a Autora adiantar as despesas, o montante dos danos e os factos relativos ao enriquecimento dos Recorrentes. Dos quais, a causa de os Recorrentes terem de assumir responsabilidade, é justamente o facto de os mesmos usarem, culposamente, betões não aprovados e não obedecerem às regras de betonagem, durante o período de construção do referido edifício, causando danos à estrutura do edifício e ameaça à segurança pública na área circundante.
I. Ademais, a Recorrida não é proprietária ou titular do edifício “X XGarden”, pelo que não formulou pedido relativo aos danos patrimoniais do próprio edifício ou das fracções autónomas, mas sim um pedido de restituição do montante adiantado.
J. Portanto, a Recorrida formulou o seu pedido com base no regime de enriquecimento sem causa e não, meramente, no regime de responsabilidade civil extracontratual. Isto é, ao regime de prescrição do direito em apreço é aplicável o disposto no art.º 476º do Código Civil vigente: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o credor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”.
K. O rompimento do pilar estrutural de betão 2P9 do edifício “X XGarden” ocorreu em 10 de Outubro de 2012, e, o mais cedo, em Dezembro de 2012, a Recorrida começou a adiantar efectivamente e sustentar o adiantamento das despesas referidas nos artigos 97º, 98º e 100º da petição inicial, bem como tem continuado a adiantar parte das despesas (vide documentos 58 a 79 da petição inicial).
L. Por outro lado, só através do “Relatório de análise dos danos estruturais do edifício X XGarden em Macau” apresentado à Recorrida, em 28 de Janeiro de 2013, pela “Equipa de investigação da Universidade de Hong Kong”, é que a Recorrida teve ou deveria ter tido conhecimento de que os Recorrentes eram eventualmente pessoas do responsável, isto é, teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável em 28 de Janeiro de 2013, pois, o prazo de prescrição de 3 anos para o direito à restituição por enriquecimento sem causa termina em 28 de Janeiro de 2016.
M. A Recorrida intentou a presente acção em 5 de Outubro de 2015, bem como apresentou na petição inicial o requerimento previsto no n.º 2 do art.º 315º do Código Civil, por isso, a prescrição para o supracitado direito à restituição foi interrompida em 10 de Outubro de 2015.
N. Prevê o n.º 1 do art.º 491º do Código Civil vigente que, face à prescrição da responsabilidade extracontratual, o legislador dispõe duas espécies de prescrição: prescrição especial (parte inicial da norma), cujo prazo é contado a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável); e prescrição ordinária (parte final da norma), cujo prazo é contado a partir do facto danoso.
O. Sem margem de dúvidas, a lei expecta, legitimamente, que o titular exerça o direito que o mesmo tem condições de exercer, contudo, se o titular, por menosprezo ou negligência, não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, este não poderá, através do meio judicial, invocar o exercício do direito por estar prescrito; além disso, se o direito não for exercido por um longo período de tempo, ainda que isso não resulte do menosprezo ou negligência por parte do titular, devido à garantia da estabilidade e segurança da relação jurídica, o direito irá prescrever.
P. O prazo de prescrição especial da referida responsabilidade extracontratual é contado a partir da data em que o titular teve conhecimento do direito que lhe compete (ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável); enquanto o prazo de prescrição ordinária é contado a partir da existência objectiva e da possibilidade do exercício do direito, mesmo que o titular desconheça o direito. Daí se vislumbra que a primeira situação importa sancionar o titular que não exerça o seu direito por menosprezo, enquanto a segunda situação importa garantir a estabilidade e segurança da relação jurídica, fazendo com que o direito não possa ser invocado através do meio judicial, por estar prescrito.
Q. A parte inicial do n.º 1 do art.º 299º do Código Civil prevê: “1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; (…)”. Daí se vislumbra que, conforme a norma basilar, o prazo da prescrição só começa a correr, evidentemente, quando o direito puder ser exercido, caso contrário, se o direito ainda não estar formado, não produzir efeito ou não estar em condições para ser exercido, não se poderá imputar ao titular o menosprezo ou a vontade de não pretender exercer o direito, nem se poderá considerar que haja uma relação jurídica estável, pelo que é manifestamente injusto para o titular, se ainda se iniciar a contagem do prazo de prescrição na supracitada situação.
R. Deste modo, tanto para o prazo de prescrição especial de 3 anos como para o prazo de prescrição ordinária de 15 anos, os pressupostos necessários para o início da contagem do prazo prescricional consistem na existência do direito ou na possibilidade do exercício do mesmo, e, em segundo lugar, discute-se se o titular tem ou não conhecimento do direito, com vista a contar os diferentes prazos de prescrição.
S. O “facto danoso” mencionado na disposição anterior consiste em que se verifica, objectivamente, a produção de um dano ou a existência do facto de efeito lesivo, e não, meramente, num acto ilícito (acção/omissão) que, porém, não se verifica ainda a existência de facto de dano.
T. Como é sabido, consideram-se cinco requisitos constitutivos da responsabilidade por factos ilícitos previstos no n.º 1 do art.º 477º do Código Civil: acto (acção/omissão), ilicitude, culpa, dano e o nexo de causalidade entre o acto e o dano. Por outras palavras, o “facto danoso” previsto na disposição em apreço não é um mero acto/facto ilícito praticado pelo agente, tal como foi erradamente interpretado pelos Recorrentes, mas sim um facto que abrange o correspondente dano produzido.
U. Na ocorrência do facto ilícito, se, objectivamente, ainda não se produz efeito lesivo perante o lesado ou qualquer dano, não será formado o direito de indemnização do lesado, ou seja, o lesado não poderá invocar nenhum dano, sendo evidentemente indeferido o seu pedido de direito material por não se verificarem as condições consagradas no n.º1 do art.º 477º do Código Civil.
V. Portanto, será infringido o sentido fundamental da prescrição se a contagem do prazo de prescrição se iniciar, mera e imediatamente, a partir do momento da ocorrência do aludido facto ilícito.
W. Ademais, o n.º 3 do mesmo artigo prevê: “Se o facto ilícito constituir crime para cujo procedimento a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo (…)”, onde se menciona manifestamente o “facto ilícito” e não o “facto danoso”, tal como referido no n.º 1. Evidentemente, o legislador tem a intenção de, através do emprego rigoroso de termo, distinguir as duas expressões supracitadas: a primeira traduz-se num mero facto ilícito/acto ilícito que corresponde a um dos cinco requisitos constitutivos da responsabilidade por factos ilícitos acima exposto – “acto”, enquanto a segunda não só exige meramente a ocorrência do facto ilícito, mas também a produção de dano.
X. Embora o legislador dispunha a prescrição ordinária na parte final do n.º 1 do art.º 491º do Código Civil – “sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”, o prazo de prescrição é, evidentemente, contado a partir da existência ou da possibilidade do exercício do direito – ou seja, a partir da existência do facto ilícito danoso. O que se destina da parte inicial da mesma disposição: A parte inicial da disposição visa saber se, subjectivamente, o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento (como por exemplo, sem conhecimento por negligência) do direito. Se o lesado, sem culpa, não tiver conhecimento do direito, mas já tiver ocorrido, objectivamente, o facto danoso ou já existir o direito de indemnização, a contagem do prazo da prescrição ordinária iniciar-se-á a partir dos supracitados momentos. Porém, de qualquer modo, em duas ocasiões, é indispensável a presença do direito de indemnização existente/formado como pressupostos.
Y. In casu, o facto danoso de rompimento do pilar estrutural de betão 2P9 do edifício “X XGarden” ocorreu em 10 de Outubro de 2012, ou seja, o facto ilícito praticado pelos Recorrentes só se tornou facto danoso a partir da aludida data, suscitando o requisito “dano” da responsabilidade civil em apreço.
Z. Tal como acima indicado, a Recorrida só tomou conhecimento de que os Recorrentes faziam parte das eventuais pessoas do responsável, através do relatório de investigação apresentado, em 28 de Janeiro de 2013, pela “Equipa de investigação da Universidade de Hong Kong”.
AA. Nesta conformidade, se se entender que é aplicável o regime da prescrição da responsabilidade civil por factos ilícitos (embora manifestemos a nossa discordância com isso), à luz da prescrição especial prevista na parte inicial do n.º 1 do art.º 491º do Código Civil vigente, o prazo de prescrição de três anos começa a contar a partir de 28 de Janeiro de 2013 e termina em 27 de Janeiro de 2016; e, segundo a prescrição ordinária prevista na parte final do referido número, o prazo de prescrição é de quinze anos, a contar do facto danoso, ou seja, a partir de 10 de Outubro de 2012 e termina em 10 de Outubro de 2027.
BB. Obviamente, é improcedente a excepção peremptória da prescrição da responsabilidade extracontratual deduzida pelos Recorrentes.
CC. De qualquer modo, não vemos a violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 429º do Código de Processo Civil pela decisão recorrida.
Nestes termos, requeremos aos Venerandos Juízes do TSI que julguem improcedente o recurso interposto pelos Recorrentes, rejeitando-o e mantendo a decisão recorrida.”
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Recurso B
O Instituto de Acção Social, intentara acção (CV3-15-0111-CAO) contra os mesmos três primeiros RR indicados na acção CV2-15-0085-CAO acima aludida.
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Nestes autos viria ser proferido despacho saneador (fls. 4174-4187), datado de 16/01/2017, que julgou, entre o mais, improcedentes as excepções peremptórias de caducidade e prescrição invocadas pelos RR.
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Contra essa decisão, viriam os mesmos RR interpor recurso jurisdicional, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“a) O conhecimento de uma excepção peremptória consubstancia um conhecimento indirecto do mérito da causa, pelo que não pode ser feito considerando apenas os factos alegados pelo autor e a qualificação que este deles faz, ou apenas segundo o entendimento do juiz da causa sobre a solução de direito que se lhe afigura correcta, ou mais correcta, para dirimir o pleito, mas sim considerando os factos que todas as partes chamaram ao processo, na acção e na defesa, e que possam ser relevantes para a decisão da causa de acordo com o critério das várias soluções plausíveis da questão de direito, consagrado no art. 430º/1 do CPC.
b) E assim deve ser porque os factos alegados pelo réu nos seus articulados também integram o objecto do litígio, porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, como comanda o art. 567º do CPC, e porque em caso de recurso, o Tribunal ad quem deve estar na posse de todos os factos susceptíveis de fundamentar solução jurídica diferente da adoptada na decisão recorrida.
c) O contrato de empreitada em causa foi celebrado e executado, e por isso extinguiu-se, durante a vigência do CC de 1966, pelo que de acordo com o disposto no art. 6º/1 do DL 39/99/M, de 3.Ago, que aprovou o Código Civil, e no art. 11º do CC actual, a esse contrato é aplicável o regime consagrado no art. 1225º/1 do CC de 1966.
d) Os factos em causa, chamados em fundamentação da acção e da excepção, nomeadamente os de os Recorrentes serem demandados na qualidade de construtores do prédio, de essa construção ter sido feita no âmbito de um contrato de empreitada, de ser apontado um vício de construção que veio a causar os danos estruturais no edifício e o colocaram em risco de ruína, de os danos apenas se terem produzido no próprio edifício e ainda de os lesados por tal incidente terem sido apenas os proprietários e ocupantes do prédio, preenchem a totalidade da previsão do art. 1225º/1 do CC de 1966.
e) Por isso uma das soluções plausíveis da questão de direito do litígio é em concreto a qualificação da eventual responsabilidade dos Recorrentes como contratual, fundada no contrato de empreitada para construção do edifício “Sin Fong”, e a sua consequente sujeição à disciplina deste tipo contratual, nomeadamente ao regime da caducidade das obrigações que dela decorrem para o empreiteiro.
f) Esta é mesmo a mais plausível das soluções da questão de direito, dadas as patentes objecções que podem ser levantadas à aplicação ao caso das regras da responsabilidade civil extracontratual.
g) A responsabilidade do empreiteiro por defeitos de construção tem natureza contratual, uma vez que no art. 1225º/1 do CC de 1966 este não responde perante o empreiteiro mas apenas perante o dono da obra.
h) Aplicado este regime, tem sentido a excepção da caducidade arguida pelos Recorrentes, uma vez que, na falta de diferente estipulação, o art. 1225º/1 do CC estabelecia que a responsabilidade do empreiteiro prescrevia no prazo de 5 anos contados da entrega da obra e porque esta entrega foi feita em 21 de Dezembro de 1994 o seu termo ocorreu em 21 de Dezembro, muito antes das datas da apresentação em juízo da notificação judicial avulsa de 8 de Outubro de 2015 e da instauração da presente acção em 7 de Dezembro de 2015.
i) Assim, decidindo como o fez, o despacho recorrido violou o disposto no art. 1225º/1 do CC de 1966, os arts. 11º, 430º/1, 567º e 429º/1/b do CPC e ainda o art. 6º do DL 37/99/M, de 2.Ago
j) Uma vez que não foi ainda seleccionado o facto alegado pelos Recorrentes de que no contrato de empreitada não foi convencionada garantia por prazo superior ao legal, que consente a este Venerando Tribunal julgar indispensável a ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 629º/4 do CC, deve o despacho recorrido ser revogado neste segmento, por ter conhecido da excepção de forma ilegal e prematura, e, em consequência, ser ordenado que esta excepção seja conhecida apenas a final, depois de seleccionado aquele facto e feita prova sobre o mesmo.
l) Tendo o recurso sido admitido com subida diferida, obtendo o mesmo provimento, devem ainda ser anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos.
m) O Recorrido chama a fundamento da sua pretensão os institutos da responsabilidade civil extracontratual, da sub-rogação e do enriquecimento sem causa, previstos, respectivamente, nos arts. 477º/1, 583º e 467º/1 do CC, mas articulando-os de modo que a única fonte da obrigação que coloca a cargo dos Recorrentes tem origem na responsabilidade civil extracontratual, pois a sub-rogação não constitui fonte de novas obrigações mas apenas uma das modalidades da sua transmissão, e a fenomenologia na base do invocado enriquecimento sem causa apenas pode configurar um caso de cumprimento de obrigação alheia na convicção de que é própria, consagrada no art. 471º do CC, ou de cumprimento de obrigação alheia na convicção de estar obrigado para com o devedor a cumpri-lo, prevista no art. 472º do CC, e ambas pressupõem também uma prévia obrigação a cargo do enriquecido, com uma fonte diferente e autónoma relativamente ao enriquecimento sem causa.
n) Nos termos da norma de direito transitório do art. 12º/1 do DL 39/99/M, que aprovou o actual CC, a este caso é aplicável o art. 498º/1 do cc de 1966, mas o prazo ordinário de prescrição é o de 15 anos previsto no art. 302º do CC de 1999, por ser alteração em sentido mais favorável aos Recorrentes, alegados lesantes.
o) A notificação judicial avulsa apresentada em juízo em 8 de Outubro de 2015 é uma declaração recipienda ou receptícia, pelo que apenas se torna eficaz depois de os Recorrentes a receberem, salvo se, por causa não imputável ao requerente, a notificação não se fizer dentro de 5 dias após ser requerida, como dispõe o art. 315º/5 do CC, o que não foi nem alegado nem provado pelo Recorrido, como lhe competia de acordo com a norma do art. 335º/2 do CC, pelo que não produziu o efeito legal de impedir que se tivesse completado o prazo de prescrição do direito invocado.
p) A invocada obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extracontratual prescreveu pelo decurso do prazo curto de 3 anos previsto no art. 498º/1/1ª parte do CC de 1966, pois o seu decurso iniciou-se na data do incidente de 10 de Outubro de 2012, em que os lesados tiveram conhecimento do direito que lhes compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, e o seu termo ocorreu em 10 de Outubro de 2015, quer antes de os Recorridos terem sido notificados da notificação avulsa de 8 de Outubro de 2015, nos termos do art. 325º/5 do CC, quer antes da data da instauração da presente acção, em 7 de Dezembro de 2015.

q) Tal obrigação prescreveu também pelo decurso do prazo longo de 15 anos da prescrição ordinária previsto no art. 498º/1/2ª parte do CC de 1966, pois o seu decurso iniciou-se na data da betonagem alegadamente defeituosa do pilar estrutural 2P9 do edifício, realizada em 15 de Setembro de 1993, pelo que o seu termo ocorreu em 15 de Setembro de 2008, portanto quer antes de a notificação avulsa de 8 de Outubro de 2015 se ter tomado eficaz, nos termos do art. 325º/5 do CC, facto cujo ónus da prova competia ao Recorrido, nos termos do art. 335º/2 do CC, quer antes da data da instauração da presente acção em 7 de Dezembro de 2015.
r) Aliás, mesmo que o prazo de prescrição fosse de 20 anos o mesmo teria ocorrido em 15 de Setembro de 2013, portanto também muito antes de a notificação judicial avulsa de 8 de Outubro de 2015 se ter tomado eficaz ou de a presente acção ter sido instaurada em 7 de Dezembro de 2015.
s) De qualquer modo, os dois prazos previstos neste art. 498º/1 do CC de 1966 actuam em alternativa, pelo que o direito prescreve logo que decorrido um deles e ainda que o outro não se tenha esgotado ou não se tenha sequer iniciado, pelo que basta o decurso de um deles para operar o efeito prescricional. Ou seja, decorrido o prazo da prescrição ordinária de 15 anos fica prejudicado o prazo da prescrição especial de 3 anos.
t) O prazo da prescrição ordinária estabelecido no art. 498º/1/2ª parte do CC de 1966, tal como no art. 491º/1/2ª parte do CC actual, começa a contar da data do facto ilícito (a betonagem dos pilares realizada em 15 de Setembro de 1993), e não na data da ocorrência do dano (o incidente de 10 de Outubro de 2012), uma vez que a parte final do nº 1 do art. 498º menciona “a contar do facto danoso” e não “a contar da ocorrência do dano” e obviamente no preceito o vocábulo “danoso” qualifica o facto, pelo que a contar da data do “facto danoso” não pode deixar de significar a contar da data “do facto que veio a produzir os danos”.

u) E assim é também porque não é plausível considerar que o legislador escreveu “facto danoso” quando tencionava escrever “dano” ou “produção do dano”, face ao disposto no art. 8º/3 do CC, porque se prazo curto de 3 anos se conta da data em que o lesado “teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete” o mesmo já se conta apenas depois de o lesado ter tido conhecimento dos pressupostos da obrigação de indemnizar, entre os quais está o dano, e não faria sentido utilizar o mesmo pressuposto da responsabilidade civil para iniciar a contagem de dois diferentes prazos de prescrição, pois isso criaria uma contradição insanável entre as duas partes do preceito, e ainda porque o prazo especial curto de três anos penaliza a inércia do lesado e o prazo geral ou ordinário alargado de quinze anos acautela a certeza, a segurança e a paz jurídicas, seja dizer que o primeiro funda-se em razões subjectivas, e o segundo em razões objectivas, razões objectivas estas que seriam irremediavelmente comprometidas se não existisse um limite temporal máximo fixo para exercer judicialmente o direito de indemnização.
v) Embora no despacho saneador não tenha sido seleccionado o facto de a betonagem do pilar estrutural 2P9 ter sido efectuada em 15 de Setembro de 1993, foi já levado aos Factos Assentes que a obra de construção do “Sin Fong” foi concluída em 24 de Novembro de 1994, e mesmo contando-se desta data o prazo de prescrição ordinária, o mesmo concluiu-se em 24 de Novembro de 2009, considerando-se de 15 anos, ou em 24 de Novembro de 2014, considerando-se de 20 anos, logo também muito antes de a notificação avulsa de 8 de Outubro de 2015 se ter tomado eficaz ou de a presente acção ter sido instaurada em 07 de Dezembro de 2015.
x) Assim, o despacho saneador devia ter julgado procedente, por provada, a arguida excepção peremptória da prescrição por referência ao instituto da responsabilidade civil extracontratual, pelo que, decidindo de forma diferente violou o disposto nos arts. 8º/3, 498º/1 e 297º/1 do CC de 1966, nos arts. 491º/1, 302º, 335º/2, 315º/5 e 242º/2 do CC actual, no art. 12º/1 do DL 39/99/M., de 3.Ago. e nos arts. 407º/2/b, 412º/3 e 429º/1 do CPC.
z) Assim, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue procedente, por provada, a arguida excepção peremptória da prescrição do direito alegado pelo Autor com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, com a consequência da absolvição dos Réus do pedido, nos termos dos arts. 407º/2/b e 412º/3 do CPC.
y) Não se entendendo assim, deve então ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, ser ordenado que a excepção seja conhecida apenas a final, depois de seleccionados os factos em que se sustenta a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos e, neste caso, pelo mesmo motivo de o recurso ter sido admitido com subida diferida, devem ainda ser anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos.
IV) Pedido
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente,
a) Ser o despacho recorrido revogado no segmento em que julgou improcedente, por não provada, a excepção peremptória da caducidade do direito invocado pelo Autor, e, em consequência, ser ordenado que o conhecimento da mesma seja relegado para final, depois de seleccionados os factos em que se sustenta a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos, e, dado o recurso subir diferido, que sejam anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos.
b) Ser tal despacho revogado no segmento em que julgou improcedente, por não provada, a excepção peremptória da prescrição, e substituído por outro que julgue procedente, por provada, a arguição de tal excepção com fundamento na responsabilidade civil extracontratual e no estado de necessidade, com a consequência da absolvição dos Réus do pedido, ou, não se entendendo assim, o que se alega apor mera cautela, ser ordenado que o conhecimento da mesma seja relegado para final, depois de seleccionados os factos em que se sustenta a sua alegação pelos Recorrentes e feita prova sobre os mesmos, e também aqui, pelo mesmo motivo de o recurso ter sido admitido com subida diferida, que sejam anulados os actos processuais posteriores à prolação do despacho saneador que sejam incompatíveis com tal decisão e praticados aqueles que se mostrarem necessários ao conhecimento fundado da excepção em apreço, nos termos aludidos, o que constitui uma decisão de JUSTIÇA”
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O autor, IAS, não respondeu ao recurso.
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Recurso C
Esses autos (CV3-15-0111-CAO) viriam a ser apensados aos que ali corriam com o nº CV2-15-0085-CAO, em que era autora a RAEM e RR, principal e subsidiariamente, os mesmos aqui demandados.
*
Após apensação, passaram a ser tramitados com o nº CV2-15-0085-CAO-C (apenso C).
*
Anteriormente à apensação, tinha sido requerida uma perícia pelos 3 primeiros RR. E após a apensação, foi proferido o despacho de fls. 4735, de 7/09/2017, que determinou que a perícia:
a) Fosse efectuada no processo principal;
b) Limitada à matéria concernente a esse apenso, que não tivesse sido já incluída em outra diligência idêntica determinada no processo principal;
c) Que os peritos seriam os mesmos que já haviam sido nomeados para a do processo principal.
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É contra esse despacho que ora vem interposto recurso jurisdicional, em cujas alegações os três primeiros RR formularam as seguintes conclusões:
“a) A apensação de acções visa a economia da actividade judicial e, principalmente, a uniformidade de julgamento. O alcance destes desideratos implica que, ocorrida a apensação, as acções se unificam do ponto de vista processual, passando a haver uma tramitação comum a todas elas, isto é, uma instrução (sempre que possível), uma audiência de discussão e julgamento e uma só decisão.
b) Mas unificação do ponto de vista processual não significa que as acções se fundam, passando a haver uma só acção, ou sequer que cada uma das diversas acções perca a individualidade que tinha antes da apensação, mas apenas que as acções passam a ser tramitadas em conjunto.
c) Assim, nas acções apensadas as partes mantêm-se as mesmas em cada uma delas, não existe entre as várias acções comunicação das qualidades de partes, pelo que neste caso as partes na acção principal e neste apenso continuam a ser as mesmas que eram antes da apensação e sendo assim, também a actividade probatória em cada acção decorre com autonomia, podendo haver em cada uma delas a produção de iguais ou diferentes meios de prova.
d) A solução apontada corresponde à regra estabelecida no art. 63º do CPC, segundo a qual, nos casos de legitimidade plural, só no litisconsórcio necessário há uma única acção com pluralidade de sujeitos.
e) Se as acções apensadas não se fundem numa só, antes conservam a sua individualidade e independência quanto às questões adjectivas próprias, e se as partes em cada uma delas se mantêm as mesmas, então a actividade probatória em cada acção decorre com autonomia, podendo haver em cada uma delas a produção de iguais ou diferentes meios de prova, tendo cada uma das partes em qualquer das acções quanto a tal actividade os direitos que assistem a cada parte em qualquer acção, nomeadamente o direito de requerer uma perícia colectiva e indicar um perito para integrar o colégio de especialistas.
f) No caso não existem sequer razões de economia processual que justifiquem a pretendida unidade de instrução quanto à prova pericial, uma vez que no momento em que é apreciada a perícia legitimamente requerida pelos Recorrentes no processo apensado, já havia sido realizada e concluída a prova pericial requerida por antecipação na acção principal.
g) O Tribunal a quo não decide “uma só perícia”, mas determina a realização de uma nova perícia no presente apenso, nomeando o colégio de peritos que concluíra já a perícia na acção principal, sem qualquer fundamento legal e assim, salvo o devido respeito, violando, elementares princípios processuais e direitos dos Recorrentes.

h) No caso de apensação de acções, requerida em cada uma delas a realização de prova pericial, são realizadas tantas perícias quantas as acções em causa, pois a uniformidade de julgados prosseguida pela apensação não é alcançada pelos peritos em sede de actividade probatória por via da realização de uma só perícia, mas pelo juiz em sede de julgamento da matéria de facto, dando como provada uma versão coerente e harmoniosa dos factos relevantes alegados por todas as partes nas diferentes acções.
i) A realização da perícia na acção principal e sem um perito indicado pelos Réus consubstancia uma violação do direito de defesa dos Recorrentes (art. 1º do CPC), bem como dos princípios do contraditório (art. 3º/3 do CPC) e da igualdade das partes (art. 4º do CPC), e também a violação dos arts. 219º e 63º, 1º do CPC e ainda das regras sobre a realização de perícias, pois o pedido de realização de perícia formulado pelos Recorrentes nestes autos de apenso tem necessariamente de ser analisado e decidido no âmbito desta acção e à luz das regras processuais relativas a este meio probatório.
j) Tendo os Recorrentes indicado o seu perito e o objecto da perícia, nos termos dos arts. 490º/5 e 498º/1 do CPC, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo devia ter ordenado a notificação do Autor e ora Recorrido, nos termos e para os efeitos dos arts. 499º/1 e 490º/4 do CPC, pelo que decidindo como o fez violou também estes dois preceitos legais.
IV) Certidão
Os Recorrentes indicam, nos termos do art. 615º/1 do CPC, e sem prejuízo do disposto no nº 2 do preceito, que pretendem que o recurso seja instruído também com certidão das seguintes peças processuais:

-Requerimento de prova apresentado pelos Réus, ora Recorrentes, em 05.04.2017 no autos CV3-15-0111-CAO;
-Requerimento com pedido de aclaração de 27.09.2017;
-Despacho de indeferimento do requerimento anterior, a fls. 4817 a 4821.
V) Pedido
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser o despacho recorrido revogado e substituído por outro que, face ao requerimento de prova dos Recorrestes, ordene a notificação do Autor e ora Recorrido, Instituto de Acção Social, nos termos dos arts. 499º/1 e 490º/4 do CPC para, querendo, se pronunciar sobre o objecto da perícia e indicar um perito, seguindo-se os demais termos até final, o que constitui uma decisão de JUSTIÇA”.
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A RAEM (mas devia ser o IAS) respondeu ao recurso apresentando na sua alegação as seguintes conclusões:
“A. O Tribunal a quo incorporou a perícia invocada pelos Recorrentes (1º a 3º Réus do processo principal) no apenso à perícia efectuada no processo principal como um mesmo meio legal de prova, mas isso não revela a violação da autonomia da incorporação dos processos nem mostra a diminuição ou atenuação do direito processual do Recorrentes.
B. Por um lado, o Tribunal a quo não indeferiu o pedido de peritagem formulado pelos Recorrentes, mas sim procedeu à comparação entre os objectos das peritagens solicitadas respectivamente no processo principal e no apenso, de modo a efectuar a peritagem do novo objecto da perícia invocado pelos Recorrentes que não foi abrangido pela perícia realizada no processo principal, bem como eliminar as partes desse objecto cujo conteúdo é igual ou repetido ao do objecto da peritagem anterior. Isso não só assegurou o direito processual do pedido de peritagem formulado, por todas as partes, antes da apensação de acções, e o objecto da perícia em causa, excepto as partes inúteis, abrange os conteúdos impugnados pelas partes, mas também é compatível com a universalidade e a unidade da produção de prova realizada, com base no princípio da economia processual, após a apensação de acções.
C. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 219º do Código de Processo Civil, esta acção foi apensada por se verificar o pressuposto da coligação. Por outras palavras, se se tratar dum caso de coligação superveniente, após a apensação de acções, as partes, nomeadamente a R.A.E.M. e o Instituto de Acção Social, tornar-se-ão co-autores do processo, enquanto os Recorrentes e os 4º a 7º Réus do processo principal se tornarão co-réus, e a sentença adoptará, evidentemente, solução unânime para os méritos das duas acções, bem como, devido à universalidade e unidade da mesma, produzirá efeito de caso decidido substancial perante todas as partes.
D. Os Recorrentes não devem invocar a separação das partes das acções apensadas sob o vago pretexto de manutenção da “autonomia” das acções apensadas, uma vez que isso contraria a lógica do efeito de caso decidido da sentença única que vier a proferir após a apensação de acções.
E. Para efeito da sentença transitada em julgado, as mesmas partes/os mesmos sujeitos são, evidentemente, todas as partes após a apensação de acções.
F. A perícia solicitada pelos Recorrentes foi efectuada, meramente, contra as partes do apenso, ora Recorrentes e IASM, e se não se permitir o exercício do direito de designação de peritos e de pronúncia pelas demais partes (R.A.E.M., ora Autora, e 4º a 7º Réus do processo principal), então, como é que o Tribunal a quo consegue apreciar a aludida prova pericial e proferir, consequentemente, uma sentença que vincula todas as partes? E, como é que se pode atingir o objectivo da apensação de acções – proferir uma sentença de acordo unânime?!
G. Independentemente de como se entende sobre a manutenção da autonomia das acções apensadas face às questões processuais, o mais fundamental é a não violação do princípio do efeito de caso decidido.
H. Como, antes, no processo principal foi autorizada a realização da perícia e efectuada uma série de trabalhos preparatórios, nomeadamente a procura de peritos adequados, a elaboração da proposta de preço, a remessa do processo aos peritos para ser consultado e estudado, entre outros, portanto, na perícia solicitada pelos Recorrentes pode, obviamente, aproveitar-se os recursos existentes no processo principal, não sendo necessária a repetição de acto inútil.
I. Não obstante a conclusão da perícia realizada no processo principal, isso nunca prejudica o acto processual anteriormente praticado, mormente os peritos anteriormente designados. Por um lado, tal como a análise acima exposta, após a apensação de acções, as diligências de prova requeridas por qualquer uma das partes vinculam todas as partes existentes depois da apensação de acções. Isto é, por Recorrentes estarem na qualidade de co-réus juntamente com os 4º a 7º Réus do processo principal, à perícia requerida pelos mesmos é aplicável o disposto no n.º 6 do art.º 490º do Código de Processo Civil, podendo, portanto, designar os peritos.
J. Por outro lado, o objecto da perícia invocado pelos Recorrentes no apenso é apenas parcialmente distinto do objecto invocado pelos mesmos no processo principal, por isso, o aproveitamento dos peritos anteriormente designados na efectuação da peritagem parcial do novo objecto da perícia revela, justamente, a recolha comum de provas realizada na apensação de acções, caso contrário, as acções serão processadas separadamente, como se não fossem apensadas.
K. Na verdade, os Recorrentes indicaram claramente no requerimento de apensação de acções formulado no processo principal que a apensação de acções tem como objectivo realizar, comummente, uma perícia (vide fls. 4554, 4624 e 4626 do processo principal), porém, após a apensação da presente acção, os Recorrentes não cumpriram as suas palavras e invocaram que deveria efectuar-se, separadamente, uma outra perícia no apenso.
L. Os Recorrentes têm como objectivo atrasar os processos, ou tentar designar um perito confiante ou que lhes favorece para efectuar a perícia, já que, no processo principal, os Recorrentes não concordaram com a decisão tomada pelo Tribunal a quo, isto é, o Tribunal aplicou o disposto no n.º 6 do art.º 490º do Código de Processo Civil à perícia realizada no processo principal, nomeando como peritos da parte dos Réus os que foram designados por maioria dos Réus, a par disso, dessa decisão recorreram os Recorrentes, e o recurso em causa ainda se encontra pendente até à data da apresentação da presente resposta.
M. Pelo exposto, concluímos que não se verifica qualquer problema na decisão recorrida.
Nestes termos, requeremos aos Venerandos Juízes do TSI que julguem manifestamente improcedente o recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo a decisão recorrida.”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
Do Recurso A
No Processo principal foi proferido o seguinte despacho saneador:
  “O Tribunal é competente.
  O processo é o próprio e válido.
  As partes gozam de personalidade judiciária.
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- Excepção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pela 5.ª ré: (Fls. 4411 a 4422 dos autos)
A 5.ª ré entende que, como ela não é a proprietária do Edf. X XGarden, nem a condómina da fracção, nos termos dos artigos 485.º do Código Civil (CC) e 58.º do Código de Processo Civil, não se reveste da legitimidade passiva da presente acção, e solicitou assim ao Tribunal a absolvição da instância.
Salvo mais douto entendimento, não assiste evidentemente razão à 5.ª ré.
De acordo com a petição inicial (p.i.) da autora, no que diz respeito à 5.ª ré, consta nos factos da causa de pedir que esta ré é a responsável pela obra de demolição da antiga construção do terreno onde o “Edf. X Residence” se localiza, como também responsável pela obra de fundação inicial do “Edf. X Residence”.
Conforme os factos da causa de pedir alegados pela autora, conjugado com o artigo 485.º do CC, a 5.ª ré reveste-se evidentemente da qualidade de ré no processo em causa.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 490.º do CC, em termos de responsabilidade civil extracontratual, é solidária a responsabilidade de indemnização dos co-lesantes. Na p.i. a autora já tinha indicado o motivo pelo qual a 5.ª ré deve assumir a responsabilidade, pois, mesmo que a autora não tenha intentado simultaneamente a acção contra os outros sujeitos que a 5.ª ré entende que devem ser considerados como culpados, também não significa que a 5.ª ré não se reveste da legitimidade de ré no processo em causa, uma vez que a situação de responsável solidário conduz apenas ao litisconsórcio voluntário e não litisconsórcio necessário.
Pelo exposto, o Tribunal improcede a excepção dilatória da 5.ª ré.
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- Relativamente à questão da intervenção dos proprietários do Edf. X XGarden fazer parte ou não de litisconsórcio necessário: (Fls. 4746 a 4748 dos autos)
Segundo o entendimento da interveniente Companhia de Seguros da H (Macau), S.A., seja pelo ponto de vista do artigo 485.º do CC, seja pelo regime de estado de necessidade ou enriquecimento sem causa do n.º 2 do artigo 331.º do CC invocado pela autora, dado que os proprietários do Edf. X XGarden tiraram proveito do acto da autora, é necessário intervirem na presente acção para garantir que a decisão final produza o seu efeito útil normal, pois, em caso contrário, conduzirá à carência de litisconsórcio necessário (n.º 2 do artigo 61.º do CPC).
De acordo com a p.i. da autora, relativamente à questão de aplicação da lei, seja possível ou não aplicar em conjunto o regime de estado de necessidade e enriquecimento sem causa e o regime de responsabilidade civil extracontratual, uma coisa é certa: A razão principal do pedido da autora é o regime de responsabilidade civil extracontratual. Neste sentido, segundo o entendimento da autora, os réus 1.º a 3.º, ou os réus 4.ª a 7.º, os quais constituídos em forma complementar, conduziram culposamente à danificação do Edf. X XGarden, e, dado que os réus, que devem assumir pela sua culpa a responsabilidade do incidente, tinham omitido os seus deveres, tendo por base que alguns dos réus incorrem necessariamente na responsabilidade civil extracontratual, atendendo-se à questão dos interesses públicos, sobretudo a evitação de acidentes graves e a segurança pública, a autora foi obrigada a praticar o facto, pois, corresponde à situação de estado de necessidade, e, assim sendo, esta invocou a indemnização por partes dos réus em relação às despesas que ela despendeu, conforme o regime de enriquecimento sem causa.
A causa de pedir e o pedido da autora foram apresentados por virtude do regime de responsabilidade civil extracontratual, uma vez que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 490.º do CC, em termos de responsabilidade civil extracontratual, a responsabilidade de indemnização dos co-lesantes trata-se de uma responsabilidade solidária, pois a autora já tinha invocado na p.i. o motivo pelo qual os réus devem assumir a responsabilidade - os réus 1.º a 3.º, ou os réus 4.ª a 7.º, os quais constituídos em forma complementar, conduziram culposamente à danificação do Edf. X XGarden.
Supomos que, além dos réus 1.º a 7.º, existe ainda no processo outros responsáveis, tal como invocou a interveniente, é de afirmar que a responsabilidade de indemnização solidária não obriga que todos os co-lesantes tenham que intervir na mesma acção a título de réu, uma vez que trata-se apenas de um litisconsórcio voluntário.
A autora constituiu apenas os réus 1.º a 7.º como réus deste processo, pois, em caso de reconhecer a culpa de qualquer um deles, o Tribunal irá apreciar se o culpado deve ou não incorrer na respectiva indemnização alusiva às despesas da autora. Os pequenos condóminos do Edf. X XGarden intervir ou não no processo não impede a decisão do Tribunal de produzir o seu efeito útil normal. Caso condene qualquer um dos réus ao pagamento da indemnização, evidentemente que a decisão final irá produzir o seu efeito útil normal: O réu a quem foi condenado no pagamento da indemnização deve efectuar o pagamento relativo às despesas despendidas pela autora, sem prejuízo do seu exercício posterior do direito de regresso perante os outros devedores solidários.
Neste contexto, por virtude de não assistir evidentemente razão à interveniente, o Tribunal improcede a excepção dilatória deduzida pela mesma.
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- Excepção dilatória de ilegitimidade passiva deduzida pela 4.ª ré: (Fls. 2471 a 2476, 4749 a 4751 dos autos)
  Salvo mais douto entendimento, não assiste razão à 4.ª ré e interveniente Companhia de Seguros da H (Macau), S.A.. Na realidade, através da análise dos factos alegados pela autora na p.i., conforme o artigo 58.º do CPC, dado que a 4.ª ré consiste aparentemente num dos sujeitos da relação material controvertida, possui a legitimidade passiva do processo em causa.
  Relativamente à aplicação do direito objectivo, se a 4.ª ré deve ou não assumir qualquer responsabilidade alusiva aos factos em discussão do processo, como isto se trata da questão de mérito do processo em causa, não existe nenhuma relação com a legitimidade da aludida ré.
  Assim sendo, o Tribunal improcede a excepção da 4.ª ré.
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- Ilegitimidade parcial da interveniente Companhia de Seguros I S.A.: (Fls. 4708 a 4710 dos autos)
Segundo o entendimento da interveniente, dado que no contrato de seguro do processo em causa, a indemnização máxima fixada para cada acidente é de cinco milhões de patacas, o valor solicitado pela autora já excedeu o limite máximo e, assim sendo, mesmo que proceda os fundamentos da autora, ela também não possui a legitimidade passiva em relação à parte excessiva do seguro.
  Salvo mais douto entendimento, não assiste evidentemente razão à interveniente.
  A legitimidade consiste num pressuposto processual que incide na questão sobre o relacionamento entre a parte e a acção, como ainda o direito à palavra. Dado que a aludida interveniente não tinha negado de ser uma companhia seguradora, reveste-se portanto da legitimidade de intervir na presente acção. A questão que levantou sobre o limite da indemnização de seguro trata-se de uma questão de mérito e não uma questão de legitimidade.
  Neste sentido, o Tribunal improcede a aludida excepção dilatória.
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  Ambas as partes possuem legitimidade de intervir na presente acção.
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- Excepção peremptória deduzida pelos réus 1.º a 3.º dos autos: (Fls. 2557 a 2567 dos autos)
Durante a contestação, os réus 1.º a 3.º afirmaram que o acto ilícito e culposo que a autora os acusou trata-se apenas da utilização de betão, cuja resistência era inferior ao critério da obra de estruturação, no pilar n.º 2P9 do Edf. X XGarden, causando eventualmente o rebentamento do pilar no dia 10 de Outubro de 2012, conduzindo à danificação estrutural do edifício.
Os réus 1.º a 3.º afirmaram que, mesmo supondo que subsistisse efectivamente o direito invocado pela autora, conforme a responsabilidade contratual ou responsabilidade extracontratual, também já se tornou caducado ou extinto por efeito de prescrição perante os réus 1.º a 3.º, uma vez que o Edf. X XGarden foi entregue à dona da obra Associação de Beneficência Tong Sin Tong no dia 21 de Dezembro de 1994 (data de emissão da licença de utilização) (artigo 13.º da sua contestação).
Os réus 1.º a 3.º alegaram que a injecção do pilar n.º 2P9 do processo em causa foi efectuado no dia 15 de Setembro de 1993, enquanto o seu rebentamento aconteceu no dia 10 de Outubro de 2012. (Artigos 21.º e 32.º da sua contestação)
No entendimento deles, ao abrigo do artigo 309.º do antigo CC, a prescrição ordinária relativa ao direito invocado pela autora conforme a responsabilidade civil extracontratual já tinha sido completada antes de Setembro de 2013. Em caso de aplicar os artigos 302.º, 491.º do vigente CC, bem como 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/99/M, deve considerar que a prescrição ordinária completou no dia 16 de Setembro de 2008. Entretanto, mesmo que a prescrição ordinária de 15 anos fosse contada após a vigência do novo CC, também já foi completada no dia 1 de Novembro de 2014. (Artigos 22.º, 30.º e 37.º da sua contestação)
Seja qual for a situação, também já tinha sido completada a prescrição ordinária relativa ao direito invocado pela autora conforme a responsabilidade civil extracontratual, uma vez que os réus 1.º a 3.º só receberam a notificação avulsa no dia 31 de Julho de 2015, sendo o processo apresentado apenas em Outubro de 2015.
Atendendo-se aos factos alegados pela autora, como qualquer pretensão que esta apresentou contra os réus 1.º a 3.º também se fundamenta na responsabilidade civil extracontratual, é necessário então analisar, com base no respectivo regime jurídico, se o direito invocado pela autora já se tornou caducado ou extinto por efeito de prescrição.
Ex abundanti cautela, mesmo efectuando a análise conforme o estado de necessidade, o direito invocado pela autora encontra-se condicionado ao regime da prescrição, tendo também prescrito o seu prazo. (Artigos 40.º a 45.º da sua contestação)
Por fim, nos termos dos artigos 482.º do antigo CC e 476.º do vigente CC, terminou também a prescrição ordinária relativa ao direito invocado pela autora com base no regime de enriquecimento sem causa. (Artigo 49.º da sua contestação)
Neste contexto, a autora replicou o seguinte: 1) No que diz respeito à prescrição, o fundamento de direito sobre a causa de pedir e pedido invocado pela autora no processo em causa é o enriquecimento sem causa previsto no artigo 467.º do vigente CC, e não a responsabilidade civil extracontratual (prevista no artigo 483.º do CC de 1996 ou artigo 477.º do vigente CC), uma vez que o objectivo de citar o artigo 477.º do CC na p.i. é explicar a razão do enriquecimento sem causa dos réus 1.º a 3.º, ou seja, a razão por que os réus do processo devem incorrer na responsabilidade de pagamento/obrigação; 2) caso assim não entenda, não se procedem os fundamentos invocados pelos réus 1.º a 3.º sobre o termo da prescrição do pedido da autora, uma vez que, no processo em causa, embora os réus 1.º a 3.º tivessem declarado que a betonagem em desacordo com o critério estipulado do pilar estrutural de betão 2P9 do “Edf. X XGarden” foi efectuada no dia 15 de Setembro de 1993, dado que ainda não surgiu o dano quando praticou o facto ilícito, seja a autora, a então dona da obra “Associação de Beneficência Tong Sin Tong” ou os pequenos condóminos das fracções autónomas do “Edf. X XGarden”, também não possui o direito, pois, não subsiste também qualquer condição para o exercício do direito, não podendo assim começar a contagem da prescrição no momento em que praticou o facto ilícito.
Assim sendo, como os elementos existentes actualmente no processo em causa já são suficientes para apreciar a supramencionada questão, o Tribunal procede agora à apreciação do problema de prescrição levantado pelos réus 1.º a 3.º.
Em primeiro lugar, dado que a autora não é a dona da obra do Edf. X XGarden, assim como a indemnização invocada por ela não se fundamenta no regime de eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato ou indemnização de contrato de empreitada, não precisamos de analisar se o direito invocado pela autora já tinha sido prescrito nos termos dos artigos 1224.º, 1225.º, entre outros do antigo CC.
De facto, os réus 1.º a 3.º também concordam que o direito invocado pela autora fundamenta-se no regime de responsabilidade civil extracontratual. Assim sendo, o que é necessário analisar agora é a questão sobre o termo da prescrição do direito invocado pela autora nos termos do artigo 491.º do CC.
Quanto à afirmação prestada plea autora, isto é, que basta aplicar as disposições relativas ao regime de enriquecimento sem causa para o problema de prescrição do processo em causa, o Tribunal não concorda com este ponto de vista. Tal como acima referido, o pedido da autora fundamenta-se essencialmente no regime de responsabilidade civil extracontratual. Neste sentido, segundo o entendimento da autora, os réus 1.º a 3.º, ou os réus 4.ª a 7.º, os quais constituídos em forma complementar, conduziram culposamente à danificação do Edf. X XGarden, e, dado que os réus, que devem assumir pela sua culpa a responsabilidade do incidente, tinham omitido os seus deveres, tendo por base que alguns dos réus incorrem necessariamente na responsabilidade civil extracontratual, atendendo-se à questão dos interesses públicos, sobretudo a evitação de acidentes graves e a segurança pública, a autora foi obrigada a praticar o facto, pois, corresponde à situação de estado de necessidade, e, assim sendo, esta invocou a indemnização por partes dos réus em relação às despesas que ela despendeu, conforme o regime de enriquecimento sem causa.
Ainda assim, o Tribunal entende que, mesmo supondo que, no dia 21 de Dezembro de 1994, o Edf. X XGarden tivesse emitido efectivamente a licença de utilização e fosse entregue à dona da obra (vide artigo 13.º da contestação), ao abrigo do artigo 491.º do CC, ainda não tinha sido completada a prescrição do direito que a autora invocou no processo em causa.
Em conformidade com o n.º 1 do artigo 491.º do CC: “O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”
De acordo com o n.º 1 do artigo 299.º do CC: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”
Nos termos das alegações prestadas pelos réus 1.º a 3.º, não tinham colocado em dúvida o rebentamento do pilar n.º 2P9 no dia 10 de Outubro de 2012. (Vide artigos 105.º e 125.º da sua contestação; consta que 10 de Outubro de 2012 foi a data em que aconteceu o incidente)
Reparamos que o legislador estipulou dois prazos de prescrição no n.º 1 do artigo 491.º do CC: Em primeiro lugar, o prazo de prescrição relativamente curto, que prescreve no prazo de 3 anos “a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete” e “a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento da pessoa do responsável”, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos; em segundo lugar, o prazo de prescrição relativamente longo, que decorre pela prescrição ordinária “a contar do facto danoso”.
No processo em causa, o direito invocado pela autora fundamenta-se no seguinte: Por virtude de ter descoberto a danificação estrutural do Edf. X XGarden no dia 10 de Outubro de 2012, a autoridade teve que evacuar os moradores do edifício, e, dado que os réus 1.º a 7.º tinham omitido os seus deveres, a autora foi obrigada a efectuar o pagamento das depesas mencionadas anteriormente para garantir a segurança pública. Conforme a versão da autora, estas despesas surgiram depois do dia 10 de Outubro de 2012, significando que o direito invocado por ela foi depois de 10 de Outubro de 2012. Assim sendo, efectuando a devida presunção, como a autora intentou a presente acção em 5 de Outubro de 2015, de acordo com o n.º 2 do artigo 315.º do CC, por causa não imputável à autora, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias a contar da data em que intentou a acção.
Neste contexto, o direito que a autora invocou só pode ser suscitado a partir de 10 de Outubro de 2012 (a data em concreto corresponde à data em que a autora efectuou o pagamento das despesas, sendo este pagamento iniciado1 em Dezembro de 2012). No processo em causa, ainda não se completou o prazo de prescrição relativamente curto presvisto no n.º 1 do artigo 491.º do CC.
Quanto ao prazo de prescrição relativamente longo, salvo mais douto entendimento, o Tribunal entende também que ainda não tinha sido completado.
O prazo relativamente longo não começa a partir do momento em que o ofendido teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, pois, ao abrigo do n.º 1 do artigo 491.º do CC, exige apenas “a contar do facto danoso”.
É de afirmar que o termo “facto danoso” pode suscitar diferentes entendimentos em diferentes ocasiões ou regimes jurídicos, por exemplo, de acordo com o n.º 3 do artigo 5.º da Convenção relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial de Bruxelas (27 de Setembro de 1968) e Regulamento da União Europeia n.º 44/2001, o lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o “facto danoso” (“損害事實”發生之地) é considerado como fundamento da competência judiciária do Tribunal respeitante à violação do direito. Em conformidade com a jurisprudência, o aludido “facto danoso” pode ser considerado como “lugar onde ocorreu o facto ilícito gerador da responsabilidade civil extracontratual” (引致損害的不法事實的發生地), assim como “lugar onde se produziram os invocados danos” (損害產生之地方). 2Todavia, no entendimento do Tribunal, o “facto danoso” constante no artigo 491.º do CC refere-se à suscitação do dano (損害) e não ao acto/facto ilícito (comissão do acto) (不法行為) do lesante.
Tal como afirmou a autora, no n.º 3 do referido estipulado, o legislador utilizou “facto ilícito” (不法事實) e não “facto danoso” (損害事實) como no n.º 1. Assim sendo, segundo os princípios orientadores do n.º 3 do artigo 8.º do CC, entende-se que o legislador pretendia efectuar a distinção, de forma rigorosa e em “termos adequados”, do sentido entre estes dois conceitos: o primeiro trata-se de um mero facto/acto ilícito, isto é, um dos cinco requisitos constitutivos da responsabilidade civil suscitada pelo aludido facto ilícito - “acto”, enquanto o último não exige apenas que tenha de ocorrer facto ilícito, mas também de resultar dano.
Subsiste diversos requisitos para provocar a responsabilidade civil extracontratual, nomeadamente, facto ilícito, culpa, dano, como também nexo de causalidade adequada entre o acto e o dano. Em caso do lesante ter praticado apenas o acto ilícito, por exemplo, A tinha escondido uma bomba para matar B, contudo, felizmente, B não explodiu a bomba, no entanto, depois de passar dezasseis anos B ou algum terceiro, acidentemente, fez explodir a bomba, causando feridos e mortos, neste contexto, seja o prazo de prescrição relativamente curto ou longo também não se conta antes da explosão da bomba e do dano causado, uma vez que, dado que ainda não aconteceu o “facto danoso”, não pode exigir a B ou terceiro intentar, antes de acontecer o acidente, a acção respeitante ao “dano” que ainda não sofreu.
  Tal como a nota deixada pelos professores PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA sobre o artigo 498.º do Código Civil Português: “São dois os prazos de prescrição estabelecidos no n.º 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos”. 3(Sublinhado pelo Tribunal)
Caso consideremos o “facto danoso” do n.º 1 do artigo 491.º do CC como comissão do acto (行為) do agente, não é necessário o lesante (por exemplo, a parte A indicada anteriormente) responsabilizar-se pelo seu acto somente por ter decorrido o tempo, mesmo que o ofendido (a parte B ou terceiro indicado no supramencionado exemplo) tivesse sofrido, recentemente, o dano, sem qualquer culpa. Certeza que o acto de B e terceiro não se trata de um acidente natural, uma vez que, se A não tivesse praticado o acto ilícito e a culpa dezasseis anos antes, estes não iam sofrer o dano. Assim sendo, se o prazo de prescrição relativamente longo fosse contado a partir do momento em que A escondeu a bomba, reconhecendo que B e o terceiro não podiam efectuar a reclamação junto de A, significa que B e o terceiro, não havendo inércia da sua parte, deixaram de gozar do direito de reclamar a indemnização no momento em que ficaram feridos.
No ponto de vista do Tribunal, conforme o “facto danoso” previsto no n.º 1 do artigo 491.º do CC, como ainda não ocorreu o dano, B e o terceiro não possuem qualquer direito que possam exercer antes da explosão da bomba e do dano causado, uma vez que, de acordo com o n.º 1 do artigo 299.º do CC, o prazo de prescrição relativamente longo não se conta a partir do momento em que A escondeu a bomba.
No momento em que A escondeu a bomba, ainda não ocorreu o dano de B e terceiro. Naquele momento, o acto de A ainda não pode ser considerado como facto ilícito, pois a ilicitude é reflectida através da “violação do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, e quando A escondeu a bomba, ainda não causou prejuízo aos direitos subjectivos (direito à vida e direito à integridade física) de B e terceiro. Os direitos subjectivos de B e terceiro só sofreram realmente do dano dezasseis anos depois e só na altura é que pode concluir que foi ilícito o acto praticado anteriormente por A. Segundo o nosso entendimento, como a ilicitude/dano ainda não tinha surgido no momento em que A praticou o acto, o prazo de prescrição não pode ser contado naquele momento (princípios gerais do n.º 1 do artigo 299.º do CC), e, além do mais, não se deve apreciar o acto praticado por A dezasseis anos antes por ter surgido “dano” depois de decorrer esse tempo inteiro, como também não se deve reconhecer posteriormente, por retroacção, que foi ilícito o acto praticado por A e que a contagem do prazo de prescrição relativamente longo já tinha sido começado naquele momento.
Para efeitos de direito comparado, é de citar a seguinte análise do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal4 (apesar de serem diferentes as circunstâncias dos dois processos): “O disposto nos dois números do art.º 498.º, não é mais do que a aplicação da regra geral já antes estabelecida no art. 306.º, n.º 1 do mesmo Código, onde se determina que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
Não pode ser de outro modo. A regra é tão elementar que não se concebe que alguém venha defender que o prazo de prescrição de um direito possa começar a correr ainda antes de o direito se subjectivar, de o respectivo titular o poder exercer, inclusive com o perigo de o direito prescrever ainda antes de poder ser exercido.” (Sublinhado pelo Tribunal)
Pelo exposto, o Tribunal entende que o “facto danoso” previsto no n.º 1 do artigo 491.º do CC trata-se da ocorrência real do dano, mesmo que naquele momento o dano sofrido pelo ofendido ainda não tivesse ocorrido integralmente (esta situação não obsta o ofendido intentar de imediato a acção e apresentar o pedido genérico sobre o dano que ainda não tinha ocorrido integralmente). Em caso do ofendido ainda não ter sofrido qualquer dano, não será iniciada a contagem do prazo de prescrição relativamente longo, mesmo que o agente tivesse praticado acto ilícito.
Relativamente a esta questão, é de tomar como referência a análise do professor ADRIANO PAES DA SILVA VAZ SERRA: “Observa-se que, declarando o Código alemão que a pretensão de indemnização prescreve por 30 anos contados da 《comissão do acto》 (§852.º, alínea 1), resulta daí que tal se dá, 《contra a regra geral do §198.º, ainda que os danos e, portanto, também a pretensão de indemnização não tenham surgido senão posteriormente, por exemplo, quando algum tempo mais tarde a construção negligentemente feita lesa um homem》5. Mas há opiniões em contrário6.
Parece não haver motivo para que a prescrição comece a correr sempre da data do facto ilícito, mesmo que o dano só depois se produza. Enquanto se não reúnem os requisitos da responsabilidade e, entre eles, o dano, não se afigura dever correr a prescrição, pois o credor da indemnização não sabe ainda quanto há-de exigir nem o tribunal em quanto há-de fixar exactamente a indemnização. (…); se o dano só se verifica depois do facto ilícito, a prescrição começaria a correr na data em que ele se produz67” (sublinhado pelo tribunal)
Pelo fundamento exposto, era possível que a culpa e o acto ilícito supostos pelos 1.º a 3.º Réus já tivessem sido acabados em 1993, porém, nesse caso, o prejuízo pretendido pela Autora aconteceu inevitavelmente depois de 10 de Outubro de 2012, antes de acontecer realmente a ruptura do pilar 2P9, os condóminos do edifício e até a Autora não sofreram qualquer prejuízo, porque a maior prescrição calculada a partir da altura do acontecimento do facto danoso, até ao presente momento ainda não terminou.
Independentemente da questão da aplicação de lei em relação ao consentimento da responsabilidade civil extracontratual, do estado de necessidade e do enriquecimento sem causa, quanto aos três regimes são aplicáveis ou não, o Tribunal acreditou que, uma vez que o núcleo do pedido da Autora se baseou na responsabilidade civil extracontratual, o direito da prescrição pretendido pela Autora ainda não terminou. Ainda mais, de acordo com o disposto no art.º476.º do C. Civ., “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o credor teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável”, o pedido baseado no regime do enriquecimento sem causa da Autora, não excede à prescrição supramencionada no prazo de 3 anos.
Pelo motivo exposto, o Tribunal decide improcedente o fundamento da excepção peremptória dos 1.º a 3.º Réus que foi baseado na prescrição.
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- A participante Companhia de Seguros da H (Macau), S.A. deduz a seguinte excepção da prescrição: (fls.4745 a 4746)
A participante Companhia de Seguros da H (Macau), S.A. acha que, nos termos do disposto no art.º12.º da p.i. da Autora, os residentes do Edf. X XGarden em causa, pelo menos, desde 20 de Março de 2011, queixaram-se que tinha surgido fendilhação no edifício, porém, a 4.ª Ré e a 5.ª Ré apenas em 31 de Julho de 2015 só receberam a notificação avulsa da Autora. Sendo assim, a participante supracitada acha que no momento em que a 4.ª Ré e a 5.ª Ré foram citadas, o direito pretendido pela Autora prescreveu nos termos do art.º491.º do C.Civ..
Ao abrigo do disposto no art.º491.º, n.º1 do C.Civ., “O direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”
Além disso, ao abrigo do disposto no art.º299.º, n.º1 do C.Civ., “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.”
Segundo a estipulação supramencionada, o começo do cálculo da prescrição dependente em que “o ofendido teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete”, “o ofendido teve ou deveria ter tido conhecimento da pessoa do responsável” bem como começa a correr quando “o direito puder ser exercido”.
Analisando o articulado da participante, ela apenas alegou que os residentes do Edf. X XGarden, pelo menos, desde 20 de Março de 2011, tinham queixado o surgimento da fendilhação no edifício, porém não indicou na alegação em que tempo a Autora teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete, também não pretendeu em que altura a Autora teve ou deveria ter tido conhecimento da pessoa do responsável, por conseguinte, é julgada improcedente a excepção peremptória da participante.
Aliás, tal como se referiu anteriormente, a prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Nesse caso, conforme a versão pretendida pela Autora, a danificação estrutural do Edf. X XGarden em 10 de Outubro de 2012 foi verificada, causando que a autoridade competente obrigou a evacuar os residentes do edifício, para além disso, a Autora pediu aos 1.º a 7.º Réus para reembolsar as despesas que foram provenientes após a data acima referida. Por outras palavras, salvo a participante não executou os cargos do facto constituído pelas alegações em relação à excepção peremptória, mesmo conforme com a versão do facto da Autora, as despesas pretendidas pela Autora prevenientes despois de 10 de Outubro de 2012.
O direito da Autora é, naturalmente, produzido após ter realizado as despesas, e nos termos do disposto no art.º299.º, n.º1 do C.Civ., “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.” Por outras palavras, o direito pretendido pela Autora foi exercido, o mais cedo possível, em 10 de Outubro de 2012 (calculou-se desde a data certa em que a Autora realizasse as despesas. Nesse caso, as despesas pretendidas pela Autora foram provenientes, o mais cedo possível, em Dezembro de 2012). Nesse caso, a Autora intentou a presente acção em 5 de Outubro de 2015, de acordo com o disposto no art.º315.º, n.º2 do C.Civ., “Se a … causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias.”
Quanto à participante em si mesma, uma vez que a participante é uma companhia de seguro mas não é uma dos Réus que foram constituídos pelo regime da responsabilidade civil extracontratual na p.i. da Autora. Actualmente, a segurada invocou o contrato de seguro para uma intervenção provocada nestes autos, sendo assim, como a segurada citou a relação contratual entre as duas partes, se calhar, a prescrição das 4.ª e 5.ª Rés não terminou, a participante assumiu a responsabilidade pelo motivo contratual, a prescrição é uma prescrição ordinária na relação contratual.
Pelo exposto, salvo o facto indicado pela participante Companhia de Seguros da H (Macau), S.A. não podia suportar que a prescrição já tivesse terminado78, de acordo com a versão do facto indicado pela Autora, a Autora visou que ainda não terminou a prescrição pretendida pelas 4.ª e 5.ª Rés, pelo que seja julgada improcedente o fundamento da excepção peremptória da participante.
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Relativamente ao pedido apresentado pela Autora; quando a 5.ª Ré pediu ao tribunal para julgar que a parte dela tenha que assumir a responsabilidade, mas que seja fixada a parte da proporção inferior a 5% (vide os autos a fls.4433, art.º3.º); parte em que a 5.ª Ré pediu ao Tribunal para julgar que a Autora seja a responsável comum que provocou a indemnização (vide os autos, a fls.4433, art.º4.º); quanto à questão do limite máximo de seguro das duas participantes, uma vez que a respectiva questão depende do facto impugnado, fica para a última fase.”
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Do Recurso B
No Proc. nº CV3-15-0111-CAO (que depois da apensação passou a seguir com o nº CV2-15-0085-CAO-C), foi proferido o seguinte despacho saneador:
“Despacho Saneador
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  Da ilegitimidade activa do Autor
  Na contestação, os Réus invocam a ilegitimidade activa do Autor, para tanto alegam que os factos que o Autor imputa aos Réus poderiam consubstanciar quando muito uma situação de responsabilidade contratual, assim, o Autor não é titular da relação material controvertida em causa, uma vez que no entender dos Réus o único facto ilícito que o Autor imputa aos Réus é a betonagem defeituosa do pilar P9, que terá provocado a insegurança estrutural do edifício e a necessidade de realojamento dos seus proprietários ou ocupantes, mas tal facto, ou seja a betonagem mal feita, só poderia ser consequência da violação da relação contratual de empreitada em que o Autor nunca foi uma das partes por não ser o dono da obra, pelo que, invocam que o Autor não tem legitimidade activa para instaurar esta acção a fim de responsabilizar os Réus pelos danos emergentes do contrato de empreitada.
  Salvo o devido respeito, não assiste razão aos Réus. Isto porque após feita uma análise atenta da petição inicial do Autor, verifica-se que a pretensão do Autor radica na responsabilidade extracontratual e não na contratual, porquanto o Autor alega que este tem as atribuições legais no âmbito da acção social, ou seja, em participar no apoio e protecção as vítimas de sinistros e calamidade públicas nos termos do art.º 4º, n.º 1, al. h) do Decreto-Lei n.º 24/99/M, de 21 de Junho. O comportamento dos Réus i.e., a defeituosa betonagem tinha provocado a insegurança estrutural do edifício “X XGARDEN”, forçando os proprietários/ocupantes a saírem do prédio, em virtude disso, é necessária a intervenção do Autor, prestando assistência e auxílio aos ocupantes do prédio, tomando as providências adequadas, tal como tinha atribuído, por várias vezes, aos ocupantes do prédio afectados os subsídios urgentes, especiais e de alojamento por força das atribuições concedidas por lei no âmbito da acção social, o que foi despendido em virtude do acto ilícito dos Réus.
  Assim, conforme o que veio alegado pelo Autor, é fácil chegar à conclusão que a pretensão do Autor é fundada na responsabilidade extracontratual, entendendo que são os Réus responsáveis imediatos do incidente perante o Autor.
  Segundo o art.º 58º do CPC: “Na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor”.
  Ora, no caso vertente, independentemente de o Autor, no final, ter ou não razão sobre os pedidos formulados, não restam dúvidas que o Autor é o sujeito da relação material controvertida por ele configurada.
  Nestes termos, julga-se parte legítima o Autor.
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  Da excepção peremptória da caducidade
  Os Réus deduzem ainda a excepção da caducidade em relação a qualquer eventual responsabilidade dos Réus pelos danos fundados no contrato de empreitada que celebraram com o dono da obra.
  Tal como o que foi exposto acima, os pedidos do Autor não radicam na responsabilidade contratual fundada no contrato de empreitada, assim também é fácil concluir que a caducidade ora deduzida pelos Réus não constitui o motivo que possa impedir nem extinguir o efeito jurídico dos factos articulados pelo Autor, deste modo, julga-se improcedente a excepção ora invocada.
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  Da excepção peremptória da prescrição
Os Réus deduzem ainda a prescrição de qualquer direito do Autor fundado na responsabilidade civil extracontratual, para tanto, os Réus citou o art.º 491º, n.º 1 do Código Civil, que prevê “o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve ou deveria ter tido conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, embora com desconhecimento da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.” (sublinhado nosso)
Entendem os Réus no preceito acima citado, são estabelecidos dois prazos, um curto de 3 anos conte-se apenas a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, enquanto o outro ocorre assim que decorra o prazo ordinário de prescrição contado da data da prática do facto ilícito, ainda que o lesado não tivesse chegado a ter conhecimento do direito que lhe compete, e não da ocorrência do dano.
Dado que o facto ilícito que terá provocado os alegados danos se traduz na defeituosa betonagem do pilar P9 do edifício “X XGARDEN”, que se efectuou em 15 de Setembro de 1993, no entender dos Réus, o prazo ordinário de prescrição (era 20 anos à data) já terminou em 16 de Setembro de 2013.
Salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal não pode deixar de discordar do entendimento dos Réus. Com efeito, o termo “facto danoso” usado na última parte do n.º 1 do art.º 491º do CC só devia ser interpretado como o dano que se efectivamente verifica, e não o facto ilícito que condiciona o dano tal como a afirmação referida na jurisprudência citada na contestação dos Réus que “o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz”, nesse sentido, o Prof. Vaz Serra opina que “parece não haver motivo para que a prescrição comece a correr sempre da data do facto ilícito, mesmo que o dano só depois se produza. Enquanto se não reúnam os requisitos da responsabilidade e, entre eles, o dano, não se afigura dever correr a prescrição… Nestas condições…, se o dano só se verifica depois do facto ilícito, a prescrição começaria a correr na data em que ele produz (…)”9.
  A razão que leva a chegar à afirmação supra citada reside na regra geral sobre o início do curso da prescrição que o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido nos termos do disposto no art.º 299º, nº1 CC.
  Regressando aos autos, supondo que tivesse lugar a defeituosa betonagem dos pilares por parte dos Réus ao construir o edifício “X XGARDEN”, mas não tendo isso provocado rompimentos nem rupturas nos pilares estruturais do edifício que pudesse prejudicar a segurança estrutural do edifício, pergunta-se neste caso se o Autor pode responsabilizar os Réus? Claro que não, porque não se reúnam os requisitos da responsabilidade e, entre eles, o dano. Isto quer dizer que enquanto o dano (o rompimento dos pilares) não se torna efectivo, não cabe ao Autor nenhum direito à indemnização, fundada na responsabilidade extracontratual. Como o prazo da prescrição só começa a correr quando o direito puder ser exercido, podemos afirmar que, no caso vertente, o prazo ordinário da prescrição previsto na segunda parte do n.º 1 do art.º 491º apenas se inicia a partir da data da ocorrência do incidente e não da betonagem dos pilares, daí que ainda falta muito para o termo do respectivo prazo.
  Deste modo, julga-se improcedente a excepção da prescrição deduzida pelos Réus.”.
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Do Recurso C
No Proc. nº CV3-15-0111-CAO (que depois da apensação passou a seguir com o nº CV2-15-0085-CAO-C), foi proferido o seguinte despacho sobre a realização da perícia requerida pelos três RR:
   “- Da perícia; fls. 4691 e verso, 4698 a 4708, e 4734:
  No momento em que a apensação das acções CV2-15-0085-CAO e CV3-15-0111-CAO teve lugar, foi já realizada uma perícia nos autos CV2-15-0085-CAO.
Nesta circunstância, será, então, necessária realizar mais uma perícia (ou, pelo menos uma parte do objecto sugerido pelos réus nos presentes autos) em face do requerimento de prova formulado nos presentes autos?
Antes de mais, convém relembrar que consequência e finalidade é que se pretendem alcançar com a apensação. Fazendo cá nossas as doutas palavras do Ilustre Alberto dos Reis, “a apensação tem como consequência que as várias causas passam a ser instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente; daí a economia. Mas a vantagem mais apreciável é a garantia do julgamento uniforme. Ora esta vantagem pressupõe que há em todas elas questões idênticas a resolver, pretendendo-se evitar que sejam decididas de modo diverso e porventura contraditório. A identidade de questões a decidir implica a ideia de conexação.”10 (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3, fls. 203; Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, 3ª Edi., fls. 381)
Entendia o Dr. Alberto dos Réus que “A junção de causas conexas visa a obter os benefícios processuais que se obteriam se as acções, em vez de terem sido propostas separadamente, houvessem sido acumuladas logo no início; quere dizer, a junção há-de conduzir aos resultados a que conduziria a simples cumulação (art. 274º) ou a coligação (art. 29º e 30º); esses resultados são a unidade de instrução, discussão, e a unidade de decisão.” (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3, fls. 219)
Para equacionar a questão a resolver, é importante saber o que significa unidade de instrução, discussão e a unidade de decisão, e, com uma unidade de instrução, como é que se deve decidir sobre a perícia requerida nos presentes autos.
Tentamos responder a questão com um exemplo. Suponhamos que um produtor de medicina vendeu determinado produto a 5 clientes. Todos os clientes sofreram dano depois de tomar a mesma medicina, e pretenderam demandar o produtor.
Este em frente de nós uma situação de coligação. Imaginemos que todos os autores e também o produtor demandado pretendem fazer uma perícia para apurar se a medicina comporte determinada defeito.
Uma das hipóteses é que todos os 5 clientes, por forma de coligação, intentam uma só acção. Nesta hipótese, realiza-se apenas uma perícia na fase de instrução, sendo certo (caso a perícia seja colegial) que o perito dos Autores é escolhido pela maioria (art. 490º n.º 6º do CPC) e o perito da parte passiva é escolhido somente pelo produtor demandado.
Uma outra hipótese é que cada um dos clientes intenta separadamente a sua própria acção contra o produtor. Nesta hipótese, se todos os Autores requerem na própria acção a perícia (ou o produtor demandado é que requer separadamente em todas as acções a realização de perícia), e se – na suposição de que nenhum desses requerimentos ter sido apreciado – é ordenada apensação de todas as acções, pergunta-se: realiza-se uma perícia em que abrange todos os quesitos suscitados pelos Autores e réu em todos os apensos, ou, devem realizar-se tantas perícias quantos apensos?
Ora, como já vimos, com a apensação propicia-se o julgamento conjunto de acções com vista à economia processual, e essencialmente, em ordem a evitar contradições entre julgados, realiza-se uma unidade de instrução. Significa isto que, do ponto de vista meramente processual, só se realiza uma única perícia, em que deve abrange todos os quesitos suscitados pelos autores e réu em todos os apensos (e não tantas perícias quantos apensos), cabendo à maioria dos autores a escolha de um dos peritos nos termos do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC.
A entender-se o contrário, o que ocorreria é que se deveriam realizar, em total, 5 perícias, cada uma em cada apenso, o que contradiria a própria finalidade de apensação destinada a viabilizar unidade de instrução, julgamento e unidade de decisão.
  Esta interpretação (realização de 5 perícias) nunca, salvo melhor juízo, poderia merecer a nossa concordância, sobretudo quando se analisa com mais profundidade a questão pensando sob o ângulo da escolha de perito. Ora, a realizar-se 5 perícias, cada uma em cada apenso, então caberia a quem é que escolheria o(s) perito(s)? A nosso ver, a escolha dos peritos, em cada um dos apensos, não poderia deixar de caber concomitantemente à maioria de todos os autores. Isto porque? Como as acções apensadas são todas instruídas e julgadas conjuntas, as provas requeridas e produzidas em cada um dos apensos têm, como é óbvio, implicações nos outros apensos (para que os mesmos factos11 e as mesmas questões de direito sejam respondidos do modo uniforme)12. Por outro lado, tendo em conta o princípio da audiência contraditória consagrada no art. 438º do CPC13, e como as provas produzidas em cada acção apensada terão a sua força probatória em todas outras acções apensadas, todos os restantes autores dos restantes apensos devem ser notificados para se pronunciar sobre qualquer uma das perícias requeridas em quaisquer outros apensos, nomeadamente no que diz respeito ao objecto de perícia e sobre o(s) perito(s) sugerido(s). Devido à unidade de instrução, (mesmo que na hipótese de se dever realizar separadamente 5 perícias em cada apenso), os peritos em cada uma das acções apensadas seriam escolhidos pela maioria dos autores dos apensos. Assim, comparando as duas hipóteses: a realização de uma perícia, e a realização de 5 perícias em cada apenso, sendo todos os peritos nesta e naquela hipótese escolhido nos termos do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC, não se vê razão nenhuma porquê não se realiza apenas uma unidade de perícia (onde será abordada todos os quesitos levantados em todos os apensos).
  O exemplo traçado acima aparenta poder oferecer-nos duas conclusões.
  Primeira conclusão: caso a apensação do caso vertente ocorreu mais cedo, i.e., num momento em que nenhuma perícia tinha sido realizada nos autos CV2-15-0085-CAO, realizar-se-ia apenas uma perícia, em que abrangeria todos os quesitos formulados por todas as partes nos autos CV2-15-0085-CAO e nos autos CV3-15-0111-CAO. E a escolha dos peritos, salvo melhor juízo, seria também feita nos termos do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC14.
  Segunda conclusão: mesmo que se entenda dever realizar duas perícias (uma nos autos CV2-15-0085-CAO e outra nos autos CV3-15-0111-CAO), os peritos em cada um dos apensos são escolhidos conforme a regra prevista no art. 490º n.º 6º do CPC.
  A estas duas conclusões não obsta a autonomia e individualidade própria de cada uma das acções apensadas, já que cada uma das acções continua a manter a sua individualidade quanto à identidade de parte15, quanto ao valor de causa, forma processual, alçada e sucumbência (para efeito de recurso) de cada processo apensado16.
  Essas duas conclusões, salvo melhor opinião, aplicam se também ao nosso caso, visto que, pese embora já tenha nos autos CV2-15-0085-CAO a conclusão de perícia, é de fazer uma unidade de instrução. Não teria nenhuma razão a diferenciação, i.e., com a apensação das acções ocorrida após a conclusão da perícia nos autos CV2-15-0085-CAO, deve realizar-se duas perícia; e com a apensação das acções ocorridas antes, só se realiza uma perícia.
Quid juris, então?
Nos termos do disposto no art. 438º do CPC, cumpre dizer que a perícia realizada nos autos CV2-15-0085-CAO foi feita à revelia do IAS. Portanto, se o IAS assim insista, devemos realizar aqui mais uma vez a perícia. Contudo, notificado o IAS, veio dizer que concorda com o teor do despacho a fls. 4691 e verso e entende que deve ser indeferida a perícia por não haver necessidade além das razões de celeridade. Significa isto que a perícia já realizada não foi posta em causa pelo IAS e este aceita que a perícia seja valorada.
Já quanto aos Réus (equivalentes aos 1º a 3º Réus nos autos CV2-15-0085-CAO), estes não podem negar o efeito da perícia realizada, porque também participaram nos autos em que a perícia foi feita tendo até pedido a ampliação de objecto pericial. Ora, é verdade que os Réus têm liberdade da prova, podendo fazer as provas e contra-provas que entendem necessários em cada um dos apensos. Mas, o que não se pode aceitar é que mesmas diligências de prova sejam requeridas e feitas em todos os apensos, essencialmente quando os Réus têm desde início a sua participação em ambas as acções, tendo já a possibilidade de contraditório nos autos CV2-15-0085-CAO.
  Por outro lado, também não se entende que a não repetição de mais uma perícia é diminuição da liberdade da prova dos Réus, visto que, a mesma perícia (na parte com objecto igual) já foi feita nos autos CV2-15-0085-CAO.
  A escolha (nos presentes autos) dos peritos nos termos do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC, também não é diminuição da liberdade da prova dos Réus. Não se pode deixar de frisar que, caso se reconhecesse aos réus o monopólio de sugerir peritos nos presentes autos, sem necessidade de audição dos 4º a 7º Réus dos autos CV2-15-0085-CAO (com fundamento na chamada autonomia e individualidade dos apensos) com a não aplicação do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC, seria, neste caso, sim, diminuição da garantia dos 4º a 7º Réus, porque nesta circunstância, seria feito relatório pericial nos presentes autos, cuja força probatória se repercutirá também na apreciação da matéria de facto alegada nos autos CV2-15-0085-CAO, sem respeito, no entanto, do disposto no art. 438º do CPC nem consideração da vontade dos 4º a 7º Réus formada ao abrigo do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC.
Por tudo ficou expendido, não é necessária a realização de mais uma perícia, a não ser sobre as questões levantadas no presente apenso as quais nunca foram abordadas na anterior perícia realizada nos autos CV2-15-0085-CAO. Comparando o objecto admitido nos autos CV2-15-0085-CAO, e o agora sugerido pelos Réus, detectam-se efectivamente quesitos e diligências requeridos nos presentes autos os quais nunca foram debruçados na perícia realizada nos autos CV2-15-0085-CAO. Sobre estes novos quesitos, devem os mesmos ser abordados.
Independentemente de se encarar a examinação desses novos quesitos como uma nova perícia, ou a considerar como objecto ampliado da perícia já realizada nos autos principais, por razões de unidade de instrução, ditada pela apensação, bem como por força do princípio da audiência contraditória ao abrigo do disposto no art. 438º n.º 1º e 2º do CPC, os peritos são sempre escolhidos com base na maioria formada nos termos do disposto no art. 490º n.º 6º do CPC.
Nestes termos, como as partes nos autos CV2-15-0085-CAO já tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre a nomeação dos peritos, não tendo o aqui Autor IAS posto em causa a perícia já realizada, decide-se nomear os mesmos peritos X, X e X, já nomeados para responder aos novos quesitos sugeridos nos presentes autos pelos Réus os quais não foram tratados naqueles autos.
Nos termos do disposto no art. 499º n.º 1º do CPC, notifique o Autor e os 4º a 7º Réus dos autos CV2-15-0085-CAO, bem como o aqui Autor IAS para se pronunciar sobre o objecto proposto (fls. 4387 a 4389) pelos aqui Réus e sobre o requerimento a fls. 4701 a 4707 dos presentes autos (Da necessidade de realização dos testes ao betão).
Prazo: 10 dias.
  Fixar-se-ão oportunamente a matéria e diligências que os peritos devem responder e fazer.”
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III – O Direito
Recurso A
1 – Está neste recurso em causa a bondade jurídica do despacho saneador proferido nos autos principais (CV2-15-0085-CAO), em 9/12/2016, na parte em que julgou improcedente as excepções de caducidade e prescrição suscitadas pelos 1º a 3º RR, ora recorrentes:
- A caducidade, por entenderem que a responsabilidade que lhes era imputada nos autos era de natureza contratual (arts. 1224º e 1225º, do CC anterior e 1151º do CC actualmente vigente).
- A prescrição, subsidiariamente, no caso de se considerar que a responsabilidade em causa era de natureza extracontratual, caso em que o o prazo de 3 anos (art. 498º, nº1, do CC) já expirou há muito, tendo em atenção que a betonagem do pilar 2P9 ocorreu em 15/09/1993. E isto, acrescentam, para além mesmo de se considerar o prazo de prescrição ordinária (de 20 anos ou 15 consoante se aplique o anterior ou o novo Código Civil), face às regras dos arts. 309º do Código pretérito ou 302º do diploma actual.
Assim não o entendeu o despacho em crise, nem quanto à caducidade, nem quanto à prescrição, razão pela qual julgou improcedentes as excepções.
No presente recurso, os mesmos RR insistem na tese anteriormente defendida.
Vejamos.
Começam os RR por advogar que o conhecimento desta matéria exceptiva, sendo peremptória, equivale a conhecimento de mérito. E, por assim ser, não deveria o juiz fazer no saneador uma apreciação sobre o mérito da causa segundo a sua pessoal visão jurídica do caso, mas antes deveria ter em atenção todos os factos conjugados da A e dos RR, de forma a, num quadro das várias soluções plausíveis de direito (art. 430º, nº1, do CPC), levar os autos a julgamento de acordo com essa diversa factualidade e as possíveis soluções.
É inteiramente correcta a afirmação de princípio trazida pelos recorrentes. Nem precisamos aplaudir expressamente a doutrina e a jurisprudência que sobre o assunto tomaram posição, parte da qual referida pelos recorrentes. Só que essa não é questão que aqui esteja em causa. Por duas razões:
Antes de mais, porque saber se o tribunal deveria levar à Base Instrutória outros factos é questão que não está a ser objecto do presente recurso. Pelos vistos, esse é um tema que pode vir a ter um desenvolvimento processual noutra sede, já que, de acordo com o art. 3º da alegação, houve reclamação sobre a “especificação” e “questionário” (permita-se-nos a utilização destes termos, por comodidade de expressão).
Em segundo lugar, porque para o apuramento do tipo de responsabilidade em causa e da eventual consequência ao nível das excepções invocadas não carece o tribunal, segundo nos parece, de mais factos do que aqueles de que o juiz já dispõe no processo. Na verdade, à luz da petição inicial e segundo a causa de pedir invocada, parece ser facilmente perceptível se o caso é de responsabilidade contratual ou extracontratual ou, então, se o fundamento da acção radica num enriquecimento sem causa. Ou seja, para tomar posição sobre cada um destes institutos não é preciso levar o processo até ao seu termo, para só então se apreciar se ocorre a caducidade ou a prescrição invocadas. Portanto, se o tribunal estava em condições de conhecer das excepções no despacho saneador, deixar essa matéria pendente até à sentença final seria manter inutilmente uma dúvida ou deixar viva uma vexata quaestio que já não tinha razão de ser. Nós próprios, TSI, estamos em condição de afirmar neste momento se aquelas excepções existem, como veremos já de seguida.
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2 – Como é fácil de entender, o caso nunca poderia ser de responsabilidade civil contratual, visto que a RAEM não age nos autos como dono da obra, que nunca foi. Dono da obra era a Associação de Beneficência Tong Sin Tong. De resto, em lado nenhum se invoca a violação do contrato e a responsabilidade pelos danos dela decorrentes.
Daí que, conforme é dito no despacho saneador em apreciação, não estando em causa a “eliminação dos defeitos, a redução do preço, a resolução do contrato ou indemnização de contrato de empreitada, não precisamos de analisar se o direito invocado pela autora já tinha sido prescrito nos termos dos artigos 1224º, 1225º, entre outros, do antigo CC”. Ora, descontando o lapso na alusão ao instituto (diz-se prescrição, mas queria o autor do despacho dizer caducidade, pois essa é a epígrafe do primeiro dos preceitos), o juiz acabou por explicar que nunca a situação poderia ser resolvida à luz da caducidade. E tem razão, indiscutivelmente.
A autora não está a reclamar indemnização pela violação do contrato do qual adveio a construção da obra do edifício X X Garden. Nem a RAEM teria, tanto quanto nos parece, legitimidade para o fazer, porque nunca interveio nesse contrato como parte.
E não vale a pena esgrimir no recurso a ideia de que este TSI não é chamado a dizer se o caso é de responsabilidade civil contratual, mas sim, como querem os recorrentes, a dizer se essa é uma possibilidade ou se é uma das soluções plausíveis de direito. Estão errados, se assim pensam. Essa não é uma solução plausível de direito, em nossa opinião; é, antes, uma questão com uma única decisão possível.
O TSI conclui, como o concluiu o tribunal “a quo”, que não está em causa a responsabilidade civil contratual. E concluindo dessa maneira, não vale a pena pedir-se ao tribunal que faça de conta que a vexata quaestio persiste, de forma a deixá-la para a sentença final, quando a clareza da situação - no respeito pelo princípio da economia processual, mas sem quebra do respeito por opinião contrária, incluindo dos pareceres juntos - nos permite dizer que tudo pode ser resolvido desde já.
Não é, pois, pelo facto de o edifício “X X Garden” ter sido “mal construído”, em particular num determinado pilar estrutural de betão (e os RR são demandados com fundamento remoto nessa circunstância), que a RAEM actua nos autos. A sua actuação não entra na génese e cumprimento do contrato, ao qual é totalmente alheia. Portanto, quanto a nós, não é para aqui chamada, nem a natureza do contrato (se é de empreitada, etc.), nem se a obra foi executada dentro do prazo, ou sequer se havia prazo de garantia. A intervenção da RAEM na qualidade de demandante deriva do facto de, devido à má construção, a obra ter cedido, pondo em perigo pessoas e bens. Foi isso o que a obrigou a intervir em defesa do bem e interesse públicos. Tê-lo-á imposto a emergência do caso, no que fez despesas avultadas que deveriam ser suportadas pelos “causadores” do dano, sob pena de um alegado enriquecimento sem causa (saber se, efectivamente, isso representa enriquecimento injustificado é questão que só poderá ser tratada na sentença final).
Por conseguinte, não está traçado, como causa de pedir, o incumprimento do contrato e do qual tenha advindo a produção do facto danoso. Podia até o contrato, em todas as suas cláusulas, ter sido totalmente cumprido ou escrupulosamente respeitado, que nem por isso o dever de indemnização estaria, a se, afastado. Bastaria que mesmo nessa execução escrupulosa se tivesse detectado alguma falta ou omissão nos deveres técnicos de construção.
Diferente é a previsão do art. 1225º do CC anterior ou 1151º do Código actual. Esse, sim, é um caso de responsabilidade contratual, que permite, porém, ao dono da obra exigir a eliminação dos defeitos (art. 1147º), a resolução do contrato ou a redução do preço (art. 1148º) ou indemnização pelos prejuízos nos termos gerais (art. 1149º). Nada disso, porém, está em cima da mesa na acção instaurada pela RAEM, motivada, seguramente, pela protecção e segurança públicas. Motivação que, de igual modo a levaria a agir, porque lho imporia o interesse público relevante, se o prédio viesse a apresentar danos, com risco de segurança para pessoas e bens, fundados, por exemplo, por má ou indevida manutenção por parte do dono.
Para rematar este tema, é preciso não esquecer os fundamentos da acção, tal como a controvérsia é desenhada. Bem ou mal construída, o que importa é olhar para a causa de pedir. E esta é uma questão processual crucial, que pode ter, ou não, o seu efeito reflexo no êxito final da demanda. Efectivamente, não se pode olhar para uma causa de pedir sem reparar no traço de arquitectura com que a apresentou o autor, e em vez disso, transformá-la num modelo pretensivo que dê jeito ao réu, que se afeiçoe à estratégia de defesa do demandado. A causa de pedir é do autor, só ele a escolhe, e é objectiva e factual, como se sabe; e perene, já agora, salvo os casos excepcionais previstos na lei de processo (cfr. art. 217º, nº1 e 421º, nº1, do CPC). E olhando para esta em concreto, por muito que os recorrentes se esforcem por defender o contrário, não vemos nela nenhuma responsabilidade civil contratual.
A ser assim, andou bem o tribunal “a quo” ao considerar, ainda que por outras e curtas palavras, que a situação não se enquadrava na caducidade invocada. Motivo por que o recurso nesta parte improcede.
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3 – A seguir, os RR, invocam que não está prevista, em lado algum, a sua responsabilidade civil, nomeadamente no DL nº 79/85/M (Regulamento Geral da Construção Urbana).
É quase verdade esta afirmação, não fosse o disposto no art. 58º, nº2 daquele diploma proclamar que “A aplicação das penalidades mencionadas no número anterior não isenta o agente de responsabilidade civil ou criminal em que eventualmente tenha incorrido” (destaque nosso).
Portanto, a responsabilidade civil não está de todo afastada. Ponto é saber como accioná-la. Contudo, essa não é questão que deva ser equacionada, uma vez que não faz parte do objecto do recurso, que se encontra circunscrito à matéria da caducidade e da prescrição tratada no despacho impugnado. Saber se o caso é de responsabilidade civil é matéria que será, certamente, tratado na sentença final, quando o tribunal do julgamento entrar na substância do litígio.
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Depois, e citando jurisprudência (Ac. da RC, de 3/10/2006, Proc. nº 54/06 ou Ac. da RL, de 23/02/2012, Proc. nº 5337/07) e doutrina (Calvão da Silva: parecer junto), parece os RR estarem a suscitar uma ilegitimidade activa, quando afirmam que, mesmo sendo o caso de responsabilidade civil, o pedido indemnizatório jamais poderia ser apresentado pela RAEM, por não ser o lesado, por não ser terceiro sofredor dos danos.
De novo estamos perante alguma confusão ou, então, um desvio de atenção sobre o objecto que centraliza o presente recurso, que é delimitado à caducidade e prescrição.
Pretenderão os recorrentes dizer que o caso não pode ser tomado como sendo de prescrição do pedido indemnizatório encarado na perspectiva da responsabilidade civil extracontratual, por, em seu entender, o ambiente da acção ser o de responsabilidade contratual, para a qual não teria a RAEM legitimidade activa?
Talvez. Mas, se for essa a intenção, sobre o assunto já nos pronunciámos. O que agora importa saber é se, inexistindo caducidade, porventura nos depararemos perante a excepção de prescrição (de prazo curto, pois quanto à prescrição ordinária as regras serão outras, contando-se aí o prazo desde a prática do facto ilícito) que os próprios recorrentes, subsidiariamente, também suscitaram e continuam a invocar no presente recurso.
Para os recorrentes, tendo a betonagem do pilar 2P9 do edifício sido realizada em 15/09/1993 e o acidente em causa ocorrido em 10/10/2012, já os prazos de prescrição ordinária tinham ocorrido quando a acção foi instaurada em 6/10/2015, tanto face à 2ª parte do art. 498º, nº1, do CC de 1966, como do art. 491º, nº1, do Código de 1999.
Ora bem. Em nossa opinião, à solução é indiferente se ao caso se aplica o regime do de prescrição do Código Civil de 1966 ou do Código actual.
Dizemo-lo, sem receio, uma vez que o que interessa é saber o dies a quo da contagem do respectivo prazo.
Assim, independentemente do prazo de 20 ou de 15 anos da prescrição ordinária, consoante se aplique o Código anterior ou o vigente, somos a dizer que o dies a quo na contagem não é aquele para o qual os recorrentes apelam.
Se for certo que a betonagem do pilar ocorreu em 15/09/1993 (não queremos tomar posição definitiva sobre este ponto), não é a partir dele que o prazo para acção se conta.
Se tivermos como certo que a responsabilidade invocada é a civil extracontratual, então, quer o art. 498º pretérito, quer o actual 491º estabelecem que o prazo de 3 anos se conta a partir da data em que o lesado teve, ou deveria ter tido, conhecimento do direito que lhe compete.
Sobre o assunto diremos o seguinte.
Como se sabe, há factos que são imediatamente danosos (o resultado danoso é imediato), como sucede num acidente de viação; outros, apenas são potencialmente danosos (o facto tem potencialidade para vir a ser danos, mas pode nunca vir a gerar um dano efectivo); outros, ainda, só são danosos perante a ocorrência de certas circunstâncias futuras. Se o facto não vier a gerar nunca uma lesão, parece evidente que o direito de indemnização jamais nascerá. Só o evento nocivo e efectivo tornará “danoso” o facto. Isto é assim, nem pode deixar de ser, como nos parece óbvio. Só a partir do dano (e o dano é um dos cinco elementos da responsabilidade, como se sabe) é que, juntamente com os restantes, se pode dizer estarem reunidos todos os factos constitutivos do direito, i.é., dos elementos da responsabilidade para que esta possa ser accionada. Aliás, é com o dano real e efectivo, não presumido, que o lesado sabe que tem direito a ser indemnizado. Por isso se diz que só então o interessado “sabe que está lesado” (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 7ª ed, pág. 407).
Duas, apenas, são as circunstâncias em que o exercício do direito de indemnização pode iniciar-se sem o conhecimento respectivo por parte do lesado: uma é a extensão integral dos danos (o autor pode instaurar a acção, mesmo que desconheça o valor integral dos danos); outra é o conhecimento da pessoa do responsável (v.g, se forem vários os causadores do dano, e o lesado não os conhecer todos, deverá instaurar a dentro do prazo contra o responsável conhecido).
Sobre o assunto, ver Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 8ª ed., pág. 637-640.
Ora, neste caso, não bastaria o facto isoladamente considerado do enchimento do pilar com betão. Esse facto por si só não é danoso, apenas é potencialmente danoso. Poderia nunca vir a ocorrer o dano, não obstante uma deficiente execução ou apesar de eventual atropelo às regras de ordem técnicas exigíveis. E sem dano não há responsabilidade, “por grosseiramente contrária à ordem jurídica que seja a conduta do agente” Rui Alarcão, Direito das Obrigações, 1983, pág. 228).
Com efeito, só a partir desse momento o lesado sabe que está deparado com um dano e que tem conhecimento do direito que lhe compete. Dizem-no ilustres autores, como é o caso de Vaz Serra, in Comentário ao Ac. do STJ, de 12/02/1970, in RLJ, nº 105, pág. 46-47: também em anotação ao Ac. do STJ, de 27/11/1973, in RLJ ano 107, nº 3532, pág. 298-299.
Diz o autor: “Se a prescrição se contasse do facto danoso, poderia acontecer que ela se consumasse antes de o lesado poder exercer o seu direito, por ignorar este direito ou a pessoa do responsável, ainda que sem culpa alguma sua” (Vaz Serra, Anteprojecto do Articulado Geral sobre Direito das Obrigações, in BMJ nº 101, pág. 143; tb. Prescrição do Direito de Indemnização, BMJ nº 87, pág. 45).
Neste sentido, ainda, o Ac. do TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 395/2012 e, em sede de direito comparado, os Acs. da RP, 22/10/2001, Proc. nº 0151062; do STA, de 4/12/2002, Proc. nº 1203/02 ou de 7/04/2005, Proc. nº 01111/04, entre outros.
O mesmo autor acrescenta: “Desde que o lesado tem conhecimento do dano e da pessoa do responsável, deve exercer o seu direito dentro de curto prazo, pois, tendo então os elementos de que carece para o exercer, se evita, assim, uma discussão a longa distância. Só então, visto possuir o lesado aqueles elementos, parece razoável a prescrição de curto prazo. Fora daí, a prescrição seria a ordinária, contada da data do facto danoso.” (BMJ nº 87, pág. 39).
Jacinto Rodrigues Bastos, afinando pelo mesmo diapasão, afirma que o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele (Notas ao Código Civil, II, 1988, pág. 298).
No mesmo sentido, ver, ao nível da jurisprudência em direito comparado, v.g., o Ac. do STJ, de 7/02/2009, Proc. nº 387/08, quando assinala que “Ora, o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz. Donde decorre que, em relação aos danos não verificados à data em que ocorreu o facto ilícito (designadamente se este é, como na situação em apreço, um facto continuado) o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos.”.
E no mesmo sentido da primeira afirmação, de que o facto se torna danoso quando o dano efectivamente se produz, ver os Acs. do STJ, de 3/12/1998, Proc. nº 854/98, in BMJ nº 482, pág. 211 e de 18/04/2002, Proc. nº 02B950. Tab da RL, de 16/04/2009, Proc. nº 5908/08 ou do TCA/Sul, de 22/06/2017, Proc. nº 08572/12).
Tudo isto significa que o prazo de 3 anos sobre a data de 19/10/2012 não estava transcorrido quando a acção deu entrada no tribunal em 6/10/2015, o que, face ao disposto no art. 315º, nº2, do Código Civil fez interromper a prescrição ao fim de 5 dias.
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4 – Quanto ao prazo de prescrição ordinária, diremos o seguinte:
Como é sabido, pode suceder que o prazo de prescrição de curto prazo não esteja ainda transcorrido, o que nem por isso impede a prescrição ordinária se o respectivo prazo tiver já esgotado. É neste sentido que se tem que interpretar o art. 491º, nº1, parte final do Código Civil. Isto quer dizer que a prescrição de curto prazo pode não ter-se ainda por verificada, mas a prescrição ordinária já estar consumada, desde que entretanto tenha decorrido o prazo contável do facto danoso.
Percebe-se esta dicotomia de soluções prescricionais. É que o facto danoso (interpretado como sendo o facto de que já adveio um dano efectivo) desencadeia por si só o início da contagem do prazo de prescrição ordinária (art. 491º, nº1, “in fine”: vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., pág. 503, nota 1), mas, por outro lado, só abre o início da contagem do prazo para a prescrição de curto prazo do direito à indemnização desde que dele (facto danoso) tenha conhecimento o lesado (art. 498º, nº1, 1ª parte).
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5 – Ora, perante o que acaba de dizer-se, concluiremos o seguinte:
Independentemente da aplicação do prazo de 20 anos da prescrição ordinária (segundo a lei anterior) ou de 15 anos (segundo a lei nova) à luz do art. 290º, sempre chegaríamos à conclusão de que no momento em que a acção foi instaurada ainda o prazo de prescrição ordinária se não tinha esgotado.
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6 – Quer tudo isto dizer que, na óptica de uma indemnização fundada na responsabilidade civil extracontratual, não se verifica a prescrição.
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7 – Esta solução quanto à matéria da prescrição tendo por base o accionamento da responsabilidade civil extracontratual, será a mesma se tivermos por fundamento o estado de necessidade?
De um certo ponto de vista, esta questão está mal colocada e nem sequer mereceria discussão a este nível de prescrição, salvo melhor opinião, já que o art. 331º, nº2, do Código Civil apenas prevê o direito de indemnização pelo lesado contra o autor que pratica o acto lícito em estado de necessidade quando dele advenham danos. Ora, quem aqui move a acção é o próprio autor da intervenção em alegado estado de necessidade e urgência em defesa do interesse público contra quem agiu provocando danos. Ou seja, ninguém acciona a responsabilidade contra o acto lícito praticado pela RAEM, mas é antes esta que acciona os RR pelos danos causados pela sua conduta ilícita e danosa.
Não parece, pois, que este fundamento eventual da causa, tenha diferente remédio em matéria prescricional. Aliás, o tribunal “a quo” desconsiderou expressamente esta questão, dando para tal a justificação de que a autora baseou o núcleo fundamentante do seu pedido na responsabilidade civil extracontratual.
Mas, ainda que se admita que haja um prazo para a instauração da acção com fundamento em estado de necessidade justificativo da intervenção da RAEM para tentar obter a condenação dos RR no pagamento das despesas que suportou no âmbito da sua intervenção em estado de necessidade pública, então sempre ele nunca seria senão um prazo de prescrição de um direito assente, não num contrato, mas numa actuação extracontratual e ilícita dos RR. E assim sendo, não cabe dizer aqui mais nada, para além do que sobre o assunto já exprimimos anteriormente nos pontos 1a 6 supra.
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8 – Na sua alegação de recurso, os recorrentes dizem expressamente estarem conformados com a decisão recorrida no que respeita à prescrição tendo em conta o eventual fundamento da acção com raiz no enriquecimento sem causa (cfr. art. 15º da alegação).
Sendo assim, desta questão não se conhecerá.
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9 – Tudo serve para concluir que, qualquer que seja o prisma, fundamento e causa de pedir pelos quais a acção tenha sido instaurada, não se verifica, nem a caducidade, nem a prescrição.
Significa que o recurso não procede e que se confirma e mantém o despacho saneador.
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Recurso B
Neste recurso, interposto pelos mesmos três réus (inicialmente na acção intentada pelo Instituto de Acção Social, no Processo nº CV3-15-0111-CAO, mas que após a apensação corre sobre o nº CV2-15-0085-C) é posto em causa o despacho saneador que julgou improcedentes as excepções de caducidade e de prescrição por si invocada.
Ora, as questões e fundamentos invocados neste recurso correspondem exactamente aos que foram suscitados no recurso jurisdicional a que já demos solução.
Consequentemente, julgamos improcedente este recurso, com os fundamentos vertidos na apreciação ao Recurso A e para os quais remetemos, com o devido respeito.
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Recurso C
1 – Este recurso decorre do inconformismo dos mesmos três RR relativamente ao despacho proferido no citado apenso C relativamente a uma perícia por eles requerida (ainda antes da apensação dos autos em causa nº CV3-15-0111-CAO ao Processo nº CV2-15-0085-CAO) e cujo despacho recaído sobre tal pretensão foi o de mandar realizar essa perícia no processo principal, limitada à matéria concernente a esse apenso, que não tivesse sido já incluída em outra diligência idêntica determinada no processo principal, e pelos mesmos peritos que já haviam sido nomeados para uma outra perícia realizada no processo principal.
É contra esta decisão que os RR reagem.
Vejamos, então.
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2 – A 1ª questão é: Tinha a perícia que ser realizada no próprio apenso, ou podia ser efectuada no processo principal?
O despacho em crise determinou que fosse efectuada no âmbito do processo principal. E deu as razões para tal entendimento: unidade de instrução, finalidade da apensação, escolha dos peritos. Juridicamente, baseou-se no art. 490º, nº6, do CPC.
Os recorrentes discordam. Fazem-no, é justo dizê-lo – tal como, de resto, o fizeram nos outros dois recursos acabados de conhecer – com um labor que muito se aprecia, com uma investigação e fundamentação deveras apreciável, com um discurso técnico-jurídico escorreito, perfeito e muito ajustado às questões abordadas. Dizer isto, porém, não significa que comunguemos absolutamente dos seus pontos de vista.
Claro que a apensação de acções carece do pressuposto básico de que, estando elas a correr separadamente, podiam ter corrido num único processo tendo em conta a verificação em cada caso dos requisitos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, oposição ou reconvenção (art. 219º). E quanto à verificação desse pressuposto básico, ninguém a discute nos autos.
Ultrapassada esta barreira normativa, o trabalho vai todo para a doutrina e jurisprudência, seja para justificar as razões de cada apensação, seja para lhe descobrir as virtudes e os seus efeitos processuais.
É nesse campo que se costuma argumentar com razões de economia processual, com a garantia de julgamento uniforme e de evicção de contradições, partindo da unidade de instrução, discussão e decisão (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, III, págs. 203 e 220).
Isso, bem entendido, sem esquecer que as acções “apensadas” conservam a sua autonomia, embora venham a ser decididas na mesma sentença (dissemo-lo, por exemplo, no Ac. do TSI, de 15/06/2017, Proc. nº 689/2016; no mesmo sentido, Cândida Pires e Viriato Lima, Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, II, 2008, pág. 67). Autonomia que é substantiva (cada processo apenso terá a sua própria decisão sobre o “fundo” da causa), mas também, em parte, processual até onde for possível e aconselhável (pode haver produção de prova testemunhal própria, assim como a susceptibilidade de recurso jurisdicional depende apenas do valor desse processo).
Não podemos deixar de ponderar, no entanto, que essa autonomia, em especial quando ela é processual, não pode ser um postulado, um dogma levado às últimas consequências e cegamente, não apenas porque essa plenitude de individualidade não decorre directamente da lei, mas também sempre que não o recomende o caso concreto.
Referimo-nos, aqui, à actividade probatória. A perícia, por exemplo, por que motivo há-de ser realizada à parte, se a matéria é essencialmente a mesma? Onde parará a eficiência processual, a economia, a razoabilidade de duas diligências separadas tendentes ao mesmo fim e com vista ao apuramento da mesma ou equivalente situação de facto?
No entanto, a sensatez e a razoabilidade só não justifica que a perícia seja realizada no processo principal e com resultados prestáveis para os dois processos por uma razão simples: É que a perícia no processo principal já foi realizada! Sendo assim, nada aconselha que a nova perícia para valer neste processo apensado seja realizada no processo dominante.
E há mais uma razão para que tal se não faça. É que, apesar de haver matéria essencialmente comum, outra existe que é diferente, tal como o M.mo juiz acaba por reconhecer. Sendo assim, pode o juiz ordenar a perícia a estes aspectos que sejam diferentes, sem prejuízo de determinar a transposição para este apenso da parte da perícia já realizada quanto aos aspectos que sejam comuns. E isto, sim, é recomendável que se faça em obediência ao princípio da economia e como forma de evitar contradições.
*
3 – A outra questão é: Terão que ser os mesmos peritos ou poderão ser diferentes?
Ora, aqui é que já não acompanhamos os recorrentes. E não se venha dizer, como eles, que uma perícia com os mesmos peritos equivale a dizer que é uma diligência sem indicação do seu perito. São várias as razões para discordarmos dos recorrentes:
Em primeiro lugar, se forem os mesmos peritos, haverá maior propensão para a uniformidade de critérios na avaliação do seu objecto, já que tudo gira à volta das mesmas questões substantivas, o que significa que o laudo, provindo dos mesmos autores, oferecerá maiores garantias de coerência e de sintonia de pontos de vista. Então, a probabilidade de um maior acerto está mais à vista.
Em segundo lugar, a primeira vistoria foi realizada no processo principal após os aqui recorrentes se terem insurgido contra a nomeação de um dos peritos feita pelos 4º a 7º RR. Ou seja, esta questão dos peritos foi já tratada por um despacho que foi sujeito a escrutínio judicial, que culminou num acórdão neste mesmo TSI, em 1/02/2017 (Proc. nº 397/2017) onde tudo ficou resolvido definitivamente acerca da composição do colégio pericial. Nomear outra equipa de peritos, além dos riscos próprios da diferença eventual do sentido dos laudos, poderia abrir nova “guerra” judicial a propósito da sua composição. E isso, até os RR perceberão, não é bom para a economia e celeridade, nem para a justa composição do litígio que se pretende obter no âmbito desta disputa.
Assim sendo, estamos em crer que nada desaconselha que a perícia seja realizada pela mesma equipa de peritos.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Negar provimento aos recursos jurisdicionais referidos em A e B.
2 – Conceder provimento parcial ao recurso jurisdicional referido em C), em consequência do que, revogando nessa parte o despacho impugnado:
- Se determina que a perícia requerida no apenso C seja realizada no próprio apenso, e não no âmbito do processo principal, nos termos acima aludidos;
- Mantendo-se o mais decidido na 1ª instância.
Custas pelos recorrentes, totais em relação aos recursos A e B, e reduzida a metade quanto ao imposto de justiça, no que respeita ao recurso C.
T.S.I., 10 de Janeiro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

1 Nota do tradutor: Consta originalmente na versão chinesa a expressão “最高” (o máximo/o mais alto), algo que não faz sentido no contexto apresentado, e, assim sendo, o tradutor presume que era a palavra “iniciado” que pretendia utilizar, por virtude de corresponder aos elementos referidos anteriormente.
2 Vide por exemplo ACÓRDÃO RL, proc. n.º 3398/11.1TVLSB.L1-7, 2013/06/18; ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 30.11.1976 - PROCESSO 21/76.
3 Para suportar este ponto de vista, a autora citou na sua réplica as seguintes duas obras: ANA PRATA, NOTAS SOBRE A RESPONSABILIDADE PRÉ CONTRATUAL, 1991, Lisboa, fls. 197, bem como, ADRIANO VAZ SERRA, comentário ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 12 de Fevereiro de 1970, constante na REVISTA DE LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA, n.º 105, fls. 46 e 47.
4 ACÓRDÃO STJ, de 2000.04.13, proc. 00B200.
5 Enneccerus-Lehmann, Der. de oblig. cit., § cit., 2. Referem, no mesmo sentido, os Motivos, 2, pág. 780 《e agora também o Kom. von Reicbsgericbtsräten zum B.G.B., § 852º, 5, contra a sua opinião anterior》. No direito suíço, nota Von Tuhr (47, III) que começa o prazo de 10 anos a contar-se do momento do acto danoso, mesmo que o dano se dê mais tarde, 《donde poder acontecer, como no Código civil alemão, § 852.º, que a acção de indemnização prescreva antes de nascer》.
6 Beck, § 147º, 5, refere que a opinião dominante é a que se referiu: a prescrição de 30 anos começa com o facto (causa) danoso; e que, segundo outra opinião (Planck e outros), se inicia essa prescrição com a produção do resultado danoso. Acrescenta: 《Um empresário de construções B coloca culposamente, numa construção de uma casa, um fundamento vicioso. Só 35 anos depois da construção se produz, em consequência deste vício, um desabamento que produz danos. Pode B alegar prescrição (opinião dominante) ou só agora começa a prescrição a correr (segunda opinião)? A meu ver, é de aceitar a opinião dominante, porque, a não ser assim, a responsabilidade seria temporalmente de todo ilimitada, o que não corresponde ao nosso sistema jurídico. Há, pois, uma excepção ao § 198.º».
6 É o exemplo da construção feita negligentemente e que só tempo depois lesa uma pessoa: ver Enneccerus-Lehmann, § cita., nota 7, que dão este exemplo para mostrar que, em tal caso, a prescrição começa, não obstante, na data do facto (§ 852.º, alínea 1), contra a regra do §198.º.
7 O devedor que pretendeu a expiração da prescrição mais curta, tem que pretender e provar que o devedor em que dia tomou conhecimento do prejuízo e da pessoa do responsável. Vide Adriana Pães da Silva Vaz Serra, “Prescrição do Direito de Indemnização” – BMJ – 87.º -44, P.39.
9 Cfr. Vaz Serra in RLJ 105 pag. 46 em anotação ao Acórdão deste Supremo de 12.02.1970.
10 Conforme Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol II., 3ª Edi, 2000, em anotação ao art. 275º do CPC, a finalidade da medida de apensação é indubitavelmente ditada em razão da economia processual que resultará de uma instrução e apreciação conjuntas.
11 Manifestamente, a apensação visa, como o que se afirma no Ac. RL, de 21 de Janeiro de 2014, proc. n.º 5512/05.7TBAM.L1-7, “alem do mais a coerência e uniformidade do julgamento, nomeadamente em sede da decisão de facto, pelo que o julgamento conjunto de acções apensadas nunca poderá levar a que os mesmos factos [no nosso caso sob escrutínio, a causa que despoleta a situação actual do Sin Fong] possam ter tidos como provados no âmbito de uma dessas acções e não provados noutra…”
“… Porém, da prova produzida, no julgamento conjunto em virtude da apensação, não poderá resultar múltiplas versões do acontecido, consoante cada acção apensada, mas apenas uma só versão…”
12 Para além de “unidade de instrução”, também não se pode esquecer que, nos termos do disposto no art. 436º do CPC, “o tribunal deve tomar em consideração todas as provas realizadas no processo, mesmo que não tenham sido apresentadas, requeridas ou produzidas pela parte onerada com a prova…”.
13 Cujo n.º 2º prevê que “quanto às provas constituendas, a parte é notificada, quando não seja revel, para todos os actos de preparação e produção da prova, e é admitida a intervir nesses actos nos termos da lei; relativamente às provas pré-constituídas, deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respectiva admissão como da sua força probatória.”
14 Quanto à aplicação desta norma nos presentes autos, salvo o devido respeito pela opinião exposta pelos réus nos autos CV2-15-0085-CAO (questão também em recurso), e tal como já tínhamos destacado, esta norma apresenta-se como opção do legislador com vista a resolver os casos de pluralidade activa ou passiva, não se pretendendo, com a aplicação desta norma, criar desigualdade ou descriminação a qualquer das partes do caso vertente.
Por outro lado, tal como já se frisou nos autos CV2-15-0085-CAO, não se afigura que a preocupação dos aí 1º a 3º Réus (no sentido de que um perito seja escolha pela maioria formada pelos aí 4º a 7º réus prejudica a sua defesa) tenha razão, visto que há sempre um perito escolhido pelo Tribunal, que assegura a existência de um juízo imparcial, sendo certo que, a ser o Tribunal a nomear dois peritos sem dar possibilidade aos aí 4º a 7º a sugerir perito, representa uma privação dos direitos dos 4º a 7º Réus, em violação do art. 490º n.º 6º do CPC . Aliás, parece que os relatórios periciais apresentados já nos autos CV2-15-0085-CAO comportam também duas versões diferentes sobre a causa da situação actual de Sin Fong, o que parece afastar a ideia de (possível) imparcialidade* de peritos (nomeadamente o nomeado pelo tribunal). * Cota : em 11/10/2017, procedi a rectificação conforme ordenado no despacho de fls. 4817.
15 Questão discutida no aresto citado pelos réus a fls. 4699 (Ac. RC, de 31 de Março de 2011, proc. n.º 582/09.1TTVIS-A.C1), em que se discutiu a possibilidade de apensação das acções laborais intentadas separadamente pelos empregados demitidos.
Apesar de existir posições quanto à questão de saber se, uma vez apensadas as acções, podem ou não os autores depor como testemunhas relativamente à causa de outros autores, afigura-se que, com a manutenção da autonomia das acções, no aresto citado não se sugeriu a ideia que as acções apensadas não sejam instruídas em conjunto.
16 Ver por exemplo, Ac. RC, de 27 de Fevereiro de 2007, proc. n.º 819/05.6TBOHP.C1; Ac. STJ, de 09 de Março de 2010, proc. n.º 94/2001.P1.S1.
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361/2018 58