打印全文
Processo nº 951/2018 Data: 10.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “usura para jogo”.
Crime de “sequestro (agravado)”.
Contradição insanável da fundamentação.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.



SUMÁRIO

1. O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

2. Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.

3. Provado estando que o ofendido ficou privado da sua liberdade “por mais de 2 dias”, em causa está o crime de “sequestro (agravado)” do art. 152°, n.° 2, al. a) do C.P.M..

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 951/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A e B, (1° e 2°) arguidos com os restantes sinais dos autos, responderam no T.J.B., vindo a ser condenados como co-autores materiais da prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13° da Lei n.° 8/96/M, na pena (individual) de 7 meses de prisão, e 1 outro de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena (individual) de 3 anos e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única (individual) de 3 anos e 9 meses de prisão, e na pena acessória (individual) de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos; (cfr., fls. 427 a 438-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformados, os arguidos recorreram.

O (1°) arguido A, considerando que excessiva é a pena aplicada para o crime de “sequestro”; (cfr., fls. 450 a 454).

O (2°) arguido B, afirmando que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável da fundamentação”, alegando também que a sua conduta apenas preenche os elementos típicos do art. 152°, n.° 1 do C.P.M. – e não, do n.° 2, al. a) – pedindo, igualmente, a “redução da pena”; (cfr., fls. 458 a 474).

*

Respondendo, pugna o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 480 a 482 e 483 a 488-v).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Recorrem A e B do acórdão exarado a fls. 427 e seguintes dos autos, que condenou cada um deles na pena conjunta de 3 anos e de 9 meses anos de prisão, em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares de 3 anos e 6 meses e de 7 meses, aplicadas respectivamente pelos crimes de sequestro e de usura para jogo, a que acresceu a condenação na pena acessória de interdição de entrada em salas de jogos por dois anos.
O primeiro recorrente entende que a pena relativa ao crime de sequestro padece de severidade excessiva, o que diz suceder porque, na sua determinação, não terão sido ponderadas todas as circunstâncias que o favoreciam, em violação dos artigos 40.° e 65.° do Código Penal, acabando por impetrar uma pena mais baixa.
O segundo recorrente imputa ao acórdão os vícios de erro notória na apreciação da prova e de contradição insanável na fundamentação, também ele invocando, por último, a excessividade, quer das penas parcelares, quer da pena conjunta, alvitrando que esta nunca deverá exceder os 3 anos.
Nas suas minutas de resposta, o Ministério Público na primeira instância pronuncia-se pela improcedência dos recursos, rebatendo inteiramente os argumentos recursivos dos recorrentes, muito mais não havendo a acrescentar a quanto disse.
Vejamos, começando pelo recurso de A.
Em defesa do abaixamento da pena parcelar relativa ao crime de sequestro, este recorrente argumenta que o acórdão não valorou todas as circunstâncias que lhe eram favoráveis. Mas da sua alegação não resulta claro quais essas circunstâncias que deviam ter sido atendidas e não foram.
Não há dúvida que foi considerada a ausência de antecedentes criminais e foram valoradas, como gerais, as condições pessoais e económicas do recorrente, aquelas que ele referenciou ao tribunal e transmitiu para o relatório social, como se vê do acórdão. Se outras porventura existentes não foram tidas em conta é porque não foram levadas ao conhecimento do tribunal.
Posto isto, resta dizer que a pena questionada se situa no patamar inferior da respectiva moldura abstracta, estando aliás muito próxima, até, do limite mínimo. Ora, sabido que o crime de sequestro em causa, praticado por não residentes, contende com o círculo de valores ligado à principal actividade económica de Macau, em que são prementes as exigências de prevenção geral positiva, não pode considerar-se exagerada a pena.
Improcede o fundamento deste recurso.
Passando ao recurso de B, começa este por sustentar que o acórdão padece de erro notório na apreciação da prova relativa à duração do crime de sequestro, sugerindo que uma correcta apreciação da prova conduziria nomeadamente a dúvidas, nessa sede, e faria funcionar o princípio in dubio pro reo.
O argumento fundamental do recorrente vai dirigido contra a importância conferida pelo tribunal às declarações do ofendido, que deveriam ter sido postas em xeque, pois ele não é uma testemunha honesta e confiável, já que as suas declarações no Ministério Público e para memória futura não são inteiramente coincidentes e, além disso, o próprio tribunal detectou imprecisões ou incongruências nas declarações que ele prestou a propósito do desapossamento de um colar e da retenção do documento de identidade de cidadão da RPC.
Este argumento não tem que ver com o vício de erro notório, traduzindo antes uma certa maneira de apreciar a prova, diversa da do tribunal, que não integra o erro notório que para aqui interessa. O erro notório na apreciação da prova pressupõe que a partir de um facto se extraia uma conclusão inaceitável, que sejam preteridas regras sobre o valor da prova vinculada ou tarifada, ou que se violem as regras da experiência ou as leges artis na apreciação da prova – acórdão do Tribunal de Última Instância, de 4 de Março de 2015, exarado no Processo n.° 9/2015. Ora, nada disto está em causa.
Por outro lado, importa ter presente que o acórdão, para dar como provado que o sequestro perdurou por mais de dois dias teve igualmente em conta os testemunhos dos investigadores da Polícia Judiciária e o conteúdo das gravações de vídeo.
Ademais, haverá que considerar que a circunstância de o ofendido ter admitido o uso de telemóvel em determinado momento do período de detenção em nada abala o juízo adoptado quanto ao período de cativeiro e ao preenchimento da circunstância qualificativa do n.° 2, alínea a), do artigo 152.° do Código Penal. O bem jurídico protegido pelo artigo 152.° é a liberdade de locomoção, como liberdade de deslocação ou de mudança de local. Se a pessoa vítima é constrangida a permanecer entre quatro paredes por mais de dois dias, sem poder daí sair e exercitar livremente o seu direito de deslocação, como ficou demonstrado, não há dúvidas sobre o preenchimento da referida qualificativa, ainda que, por tolerância ou conveniência dos próprios arguidos, possa a vítima ser autorizada a usar telemóvel.
Improcede, pois, este fundamento do recurso.
No que toca a contradição insanável da fundamentação, o recorrente vai buscá-la ao facto de o tribunal haver aceitado acriticamente as declarações do ofendido para concluir que o sequestro perdurou por mais de dois dias e já não haver acolhido as suas declarações para concluir que houve retenção de documento de identificação e apossamento de um colar.
Não divisamos qualquer contradição.
A contradição implica que se afirme e negue uma coisa ao mesmo tempo ou no mesmo contexto, que se afirme certa coisa e o seu contrário, enfim, que se diga e desdiga, ou, como se usa em linguagem popular, que se dê o dito por não dito.
Nada disto sucede no acórdão. Em primeiro lugar, a diferente valoração das declarações do ofendido ocorre relativamente a factos diversos, o que desde logo arreda a pretensa contradição. O tribunal pode acreditar na versão dada quanto a uma parte dos factos e não conferir idêntico crédito à versão apresentada quanto a outra parte dos factos, o que é normal e constitui uma decorrência do princípio da livre apreciação da prova. Para além disso, o acórdão explica claramente as razões de não acolher, em parte, a versão do ofendido, invocando incoerência ou desconformidade e falta de concretização clara da imputação dos factos. Tal como explica as razões de, noutro passo, acolher a versão do ofendido, pois se coaduna com os demais dados probatórios, nomeadamente os que resultam do testemunho dos investigadores da Polícia Judiciária e dos elementos oferecidos pelas gravações vídeo, tudo apreciado à luz das regras da experiência.
Não há, em suma, qualquer contradição, pelo que igualmente soçobra este fundamento do recurso.
Finalmente, o recorrente invoca o excesso das penas parcelares e global. Argumenta que a pena aplicada não é favorável à sua reintegração na sociedade e não há proporcionalidade entre ela e os factos, a ilicitude e as consequências.
Bom, o tribunal lidou com os factos e circunstâncias trazidos ao processo, não se divisando que, na determinação das penas e no cúmulo jurídico a que procedeu haja cometido erro ou se tenha desviado em demasia das bitolas usuais adoptadas nos tribunais da Região Administrativa Especial de Macau.
Posto isto, resta dizer que as penas parcelares se situam no patamar inferior das respectivas molduras abstractas, encontrando-se aliás a do sequestro muito próxima do limite mínimo. E também o cúmulo jurídico se situa dentro dos limites previstos no artigo 71.°, n.° 2, do Código Penal. Ora, sabido que os crimes foram praticados por não residentes, a coberto da sua condição de turistas, e que atingem o círculo de valores ligado à principal actividade económica de Macau, onde são prementes as exigências de prevenção geral positiva, não podem considerar-se excessivas, quer as penas parcelares, quer a pena conjunta.
Improcede também este fundamento.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento aos recursos”; (cfr., fls. 630 a 632-v).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 430 a 432-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem os (1° e 2°) arguidos A e B recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos.

Entende o (1°) arguido A que excessiva é a pena aplicada para o crime de “sequestro”.

O (2°) arguido B, é de opinião que a decisão recorrida padece do vício de “erro notório na apreciação da prova” e “contradição insanável da fundamentação”, considerando também que a sua conduta apenas preenche os elementos típicos do art. 152°, n.° 1 do C.P.M. – e não, do n.° 2, al. a) – pedindo ainda a “redução da pena”.

Ora, em nossa opinião os recursos não merecem provimento, não padecendo o Acórdão recorrido de nenhum dos vícios pelos recorrentes imputados.

Aliás, basta uma leitura ao aresto recorrido para se constatar que o Colectivo a quo emitiu uma decisão – de facto e de direito – justa e equilibrada, bastando também atentar-se no consignando no douto Parecer do Ministério Público para se ver que nenhuma razão tem os ora recorrentes.

–– Vejamos, começando-se pelos assacados vícios da matéria de facto.

O vício de “contradição insanável da fundamentação” tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 127/2018, de 19.04.2018, Proc. n.° 66/2018 e de 28.06.2018, Proc. n.° 459/2018).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

Por sua vez, e no que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018, de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 772/2018).

Aqui chegados, evidente se apresenta que de nenhuma “contradição” e/ou “erro” padece a decisão recorrida.

Com efeito, (e face ao sentido e alcance dos assacados “vícios”), mal se compreende a pretensão do (2°) arguido B.

Como dizer que se incorre em “contradição insanável da fundamentação” por Colectivo a quo não ter acolhido, na íntegra, a versão apresentada pelo ofendido, se o Tribunal não está vinculado a valorar em determinado sentido as declarações pelo mesmo – ou qualquer outro declarante – prestadas, não estando obrigado a dar como provado, (ou não provado), qualquer dos factos pelo mesmo declarados, devendo antes proceder à sua apreciação e decisão de acordo com princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do C.P.P.M., que foi o que sucedeu, certo sendo que o Acórdão recorrido se apresenta claro, sem nenhuma obscuridade ou incompatibilidade?

Por sua vez, como dar-se por verificado qualquer “erro”, (ainda por cima, notório), se o Tribunal não violou nenhuma norma sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, (que nem o recorrente identifica)?

Ora, como se apresenta evidente, com o seu recurso limita-se o 2° arguido ora recorrente a querer inverter, (ou controverter), a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, insistindo na negação dos factos que lhe eram imputados, mais não fazendo assim do que afrontar o princípio da livre apreciação da prova, o que, como é óbvio, não colhe, mais não se mostrando de dizer sobre os imputados vícios da matéria de facto.

–– Em relação à qualificação da conduta do arguido nos termos do art. 152°, n.° 2, al. a), vejamos.

Nos termos do art. 152° do C.P.M.:

“1. Quem detiver, prender, mantiver detida ou presa outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.
2. O agente é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos se a privação da liberdade:
a) Durar por mais de 2 dias;
b) For precedida ou acompanhada de ofensa grave à integridade física, tortura ou outro tratamento cruel, degradante ou desumano;
c) For praticada com o falso pretexto de que a vítima sofria de anomalia psíquica;
d) For praticada simulando o agente a qualidade de autoridade pública ou com abuso grosseiro dos poderes inerentes às suas funções públicas; ou
e) Tiver como resultado suicídio ou ofensa grave à integridade física da vítima.
3. Se da privação da liberdade resultar a morte da vítima, o agente é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
4. Se a pessoa sequestrada for uma das referidas na alínea h) do n.º 2 do artigo 129.º e o tiver sido no exercício das suas funções ou por causa delas, as penas referidas nos números anteriores são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.

Como já tivemos oportunidade de considerar, o bem jurídico protegido com o crime de “sequestro” é a liberdade de deslocação actual ou potencial e de hétero-locomoção, consistindo o tipo objectivo na privação absoluta da liberdade de movimentação de outrem e o subjectivo no dolo em qualquer das suas modalidades.

Importa também ter presente que o direito à liberdade de movimentos abrange o direito a não ser por qualquer forma confinado a um determinado espaço, não exigindo uma forma especial para o conseguir, nem dependendo do lapso de tempo em que durou a privação daquela liberdade; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 21.11.2016, Proc. n.° 964/12, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Ac. do ora relator de 13.12.2016, Proc. n.° 329/2016).

No caso dos autos, e tal como da matéria de facto dada como provada consta, ficou a ofendida (continuamente) privada da sua liberdade desde as 04:55 horas (da madrugada) do dia 26.11.2017 até às 12:50 horas do dia 28.11.2017, (mais de “2 dias”), não nos parecendo que os períodos de tempo para troca de um quarto ou hotel para outro possa ser considerado como período de tempo em que não esteve privada da sua liberdade, até porque a referida “troca” não foi opção ou decisão sua, certo sendo que se manteve privada da sua liberdade, coagida, sob vigia e guarda dos seus sequestradores, que agiram em “conjunção de esforços”, sendo, por isso, co-autores do crime em questão, tal como condenados foram.

Assim, evidente é que preenchido está o prescrito no art. 152°, n.° 2, al. a) do C.P.M., nenhuma censura merecendo o Tribunal a quo na “qualificação jurídico-penal” efectuada, o mesmo sucedendo com a pena aplicada que até se mostra benevolente, (pouco se mostrando de dizer para o demonstrar).

Vejamos.

Ao crime de “sequestro” pelos arguidos cometido cabe a pena de 3 a 12 anos de prisão; (cfr., art. 152°, n.° 2, al. a) do C.P.M.).

E, nesta conformidade, atento os critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., fortes sendo as necessidades de prevenção criminal e evidente sendo que nenhuma razão para qualquer atenuação especial existe por inverificação dos pressupostos do art. 66° do C.P.M., como dizer-se que excessiva é a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, (tão só a 6 meses do seu mínimo e a 8 anos e 6 meses do seu máximo legal)?

Ora, o mesmo sucedendo com a “pena única” resultante do cúmulo jurídico efectuado, em total respeito aos critérios do art. 71° do C.P.M., visto está que se terá de negar provimento aos recursos.

Decisão

4. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.

Pagará o (1°) arguido A a taxa de justiça de 4 UCs, e o (2°) arguido B, a taxa de justiça de 6 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor do (1°) arguido A no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 951/2018 Pág. 26

Proc. 951/2018 Pág. 25