打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).----------
--- Data: 28/01/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 64/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “extorsão”, na forma tentada, p. e p. pelos art°s 215°, n.° 2, al. a), 198°, n.° 2, al. a), 196°, al. b), 21°, 22°, n.° 2 e 67°, n.° 1, al. a) e b), todos do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no âmbito dos Procs. n°s CR5-17-0251-PCC, (CR2-17-0316-PCC), e CR1-17-0102-PCC, foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 275 a 283 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “errada qualificação jurídica”, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147° do C.P.M., pedindo também a redução da pena; (cfr., fls. 301 a 306).

*

Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 322 a 324).

*

Admitindo o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I., onde, em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.301 a 306 dos autos, o recorrente solicitou ser condenado em praticar um crime de ameaça p.p. pelo disposto no n.º1 do art.147.º do Código Penal e a consequente redução da pena, assacando o erro de subsunção (qualificação jurídica) ao Acórdão em questão (cfr. fls.275 a 283 dos autos), que o condenou na prática, em autoria material e forma de tentativa, um crime de extorsão p.p. pela alínea a) do n.º2 do art.215º ex vi as alíneas a) do n.º2 do art.198º e b) do art.196º do mesmo Código.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre colega na Resposta (cfr. fls.322 a 324 dos autos).
*
Analisando comparativamente as disposições respectivamente nos art.147º e 215º do Cód. Penal, podemos extrair que a diferenciação mais essencial se traduz em o crime de extorsão exigir intrinsecamente que o agente tenha a intenção de conseguir enriquecimento ilegítimo para si ou para terceiro e cuja conduta seja abstractamente capaz de causar prejuízo patrimonial para o ofendido ou outrem. Com efeito, a intenção de conseguir enriquecimento ilegítimo é um dos vários elementos típicos do crime de extorsão (vide. Acórdãos do TSI nos Processos n.º143/2002, n.º18/2003 e n.º39/2006).
A propósito de apoiar a arguição do erro na subsunção da sua conduta, o recorrente argumentou que ele não havia tido o animus de obter o enriquecimento ilegítimo e, de outro lado, a quantia de RMB¥54,000 exigida por si a título de honorário de advogado constituía dívida assumida pelo próprio ofendido, por isso não podia ser enquadrada no conceito de enriquecimento ilegítimo explicitamente prescrito no n.º1 do art.215º do Código Penal como elemento constitutivo do crime de extorsão.
Em esteira da brilhante jurisprudência supra aludida, e sem prejuízo do elevado respeito pela opinião diferente, não podemos acompanhar o entendimento do recorrente, afigurando-se-nos que os dois armentos dele são distorcidos e, em bom rigor, intrinsecamente contraditórios.
Bem, mesmo seja verdade que o recorrente já sabia ou previa que foi provavelmente falsa e não séria a promessa (do ofendido) de pagar-lhe a RMB¥54,000, isto não determina que ele não tivesse animus (intenção) de conseguir esta quantia. De acordo com a regra de experiência, parece-nos ser manifestamente sofisticada a sua versão de que as mensagens por si enviadas ao ofendido são mero desabafo de descontentamento.
Em homenagem da sensata doutrina atinente ao art.248º do Código Civil de Macau (João Gil de Oliveira, José Cândido de Pinho: Código Civil de Macau Anotado e Comentado, Vol. III, Centro de Formação Jurídica e Judiciária 2018, pp.681 a 691), colhemos que a conduta descrita no 8º facto provado constituem, sem dúvida, coacção moral, portanto, sufragamos a perspicaz observação da ilustre colega que apontou “本案中,被害人在庭上表示當初承諾支付人民幣54,000元的費用,是因為害怕上訴人對其不利而逼不得已答應的。根據案中的資料,我們亦得悉上訴人曾對被害人施以暴力,有關臨床法醫學意見書載於卷宗第101頁。被害人稱,其後上訴人又向被害人表示另一名中間人要求人民幣20萬元以協助上訴人的女朋友出獄,但無論是人民幣54,000元或20萬元,由始至終被害人都是不願意支付有關費用的。”
Por outra banda, os factos provados 5º e 7º patenteiam, de maneira inequívoca e convincente, que o propósito arrogado pelo recorrente para exigir as duas verbas é vingativo, ilícito e ilegítimo, na medida em que a sua exigência constitui uma chantagem notoriamente contrária à lei. Daí decorre que é incuravelmente desprovida de qualquer razão a 6 conclusão da Motivação (上訴人認為其向被害人索取者為欠款,不構成不當得利).
Tudo isto leva-nos a concluir tranquilamente que a subsunção (qualificação jurídica) operada pelo Tribunal a quo no Acórdão em escrutínio é sã e inatacável, pelo que não há margem para dúvida de não se verificar in casu o assacado erro de direito, e em consequência disso, o pedido da redução da pena é irremediavelmente inconsistente.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 336 a 337).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 276-v a 278, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor da prática de 1 crime de “extorsão”, na forma tentada, p. e p. pelos art°s 215°, n.° 2, al. a), 198°, n.° 2, al. a), 196°, al. b), 21°, 22°, n.° 2 e 67°, n.° 1, al. a) e b), todos do C.P.M., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico com as penas aplicadas no âmbito dos Procs. n°s CR5-17-0251-PCC, (CR2-17-0316-PCC), e CR1-17-0102-PCC, na pena única de 6 anos de prisão.

Considera que o mesmo padece de “errada qualificação jurídica”, pugnando pela sua condenação como autor de 1 crime de “ameaça”, p. e p. pelo art. 147° do C.P.M., pedindo também a redução da pena.

Apresenta-se evidente que nenhuma razão lhe assiste.

Vejamos.

–– Nos termos do art. 215° do C.P.M.:

“1. Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo, é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2. Se se verificarem os requisitos referidos:
a) Nas alíneas a), f) ou g) do n.º 2 do artigo 198.º, ou na alínea a) do n.º 2 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos;
b) No n.º 3 do artigo 204.º, o agente é punido com pena de prisão de 10 a 20 anos”.

E, perante o assim estatuído, temos vindo a entender que são elementos do crime de “extorsão”:

“- o emprego de violência ou ameaças, ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir;
- constrangimento, dai resultante, a uma disposição patrimonial que acarrete prejuízo para a vítima ou para terceiro;
- intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 27.06.2002, Proc. n.° 67/2002 e de 09.03.2006, Proc. n.° 39/2006).

No caso dos presentes autos, provado está que o ora arguido, com “agressões” e “ameaças” de novas agressões e de morte, exigiu que o ofendido lhe entregasse a quantia de RMB¥54.000,00, o que levou o ofendido, receoso, a denunciar a situação, acabando a Polícia Judiciária por identificar e deter o arguido ora recorrente.

Diz o arguido que o ofendido lhe “devia” tal dinheiro.

Porém, nem tal resulta da factualidade dada como provada, e, independente do demais, importa ter em conta que como se tem igualmente entendido “O prejuízo patrimonial, elemento essencial do crime de extorsão, pode consistir na circunstância de o ofendido ter pago o que devia com o emprego dos meios violentos usados pelos arguidos, já que nada permite que alguém se pague por suas mãos e empregando violências”; (cfr., v.g., Ac. do S.T.J. de 17.05.1995, C.J.S.T.J., tomo III, pág. 206).

Dest’arte, e verificados estando todos os elementos típicos do crime de “extorsão” pelo qual foi condenado, sendo o mesmo “tentado”, dado que não chegou a haver a transferência da dita quantia do ofendido para o arguido, (cfr., v.g., Ac. do T.S.J.M. de 20.10.1999, Jurisprudência 1999, tomo II, pág. 668 e do T.S.I. de 16.02.2001, Proc. n.° 206/2000), nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte em questão.

–– Continuemos, passando agora para a “pena”.

Pois bem, ao crime de “extorsão” pelo arguido cometido, porque na “forma tentada”, cabe a pena de 7 meses de 6 dias a 10 anos de prisão; (cfr., art. 215, n.° 2, al. a) e 67° do C.P.M.).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018).

E, perante a referida moldura penal, o dolo directo e intenso do arguido, e as evidentes e fortes necessidades de prevenção criminal, no caso, nomeadamente especial, (atento, o C.R.C. do arguido, com várias condenações; cfr., fls. 195 a 208), manifesto é que nenhuma censura merece a pena de 1 ano e 6 meses de prisão decretada.

Em relação ao cúmulo jurídico, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.01.2018, Proc. n.° 1133/2017, de 08.03.2018, Proc. n.° 61/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 716/2018).

Atento o exposto, tendo-se presente a matéria de facto dada como provada, e ponderando-se na moldura legal ao caso aplicável, entende-se que inflaccionada não se apresenta a pena única de 6 anos de prisão.

Com efeito, e como é sabido, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Aqui chegados, face ao que se deixou relatado, e considerando que nenhum motivo apresenta o ora recorrente para a pretendida redução da pena, pedido que apenas apresenta “em consequência” da alteração da qualificação jurídico-penal da sua conduta, visto está que se impõe decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo


Proc. 64/2019 Pág. 18

Proc. 64/2019 Pág. 1