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Processo nº 812/2018 Data: 17.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “difamação (agravada)”.
Facebook.
Vícios da decisão da matéria de facto.
Elementos típicos.
Indemnização.
Publicação da sentença condenatória.



SUMÁRIO

1. Com o tipo de crime de “difamação” não se visa proteger a mera “susceptibilidade pessoal”, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas, assentes na sua dimensão normativo-pessoal, em que a “honra” é vista como bem jurídico complexo que inclui, quer o “valor pessoal” ou “interior” de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua própria “reputação ou consideração exterior”.

No crime de “difamação” não é exigível um qualquer dolo específico ou elemento peculiar do tipo subjectivo que se traduza no especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração, (o designado animus injuriandi), admitindo o tipo legal qualquer das formas de dolo, incluindo o dolo eventual, sendo assim suficiente que o agente admita o teor ofensivo da imputação ou juízo formulados e actue conformando-se com ele, preenchendo-se o elemento subjectivo do tipo com a vontade de praticar o acto com a consciência de com ele se atribuir um facto ou se formular um juízo com significado ofensivo do bom nome ou consideração alheias.

2. Nos termos do art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M., não cabe recurso do segmento decisório que condenou o arguido a pagar ao ofendido uma indemnização no montante de MOP$10.000,00.

3. Se a “publicidade da sentença” foi tempestiva e legitimamente requerida, (cfr., art. 183° do C.P.M.), nenhuma censura merece a decisão do Tribunal que ordena a publicidade do “dispositivo” num diário local.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 812/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), (2ª) arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada pela prática como autora material e na forma continuada de 1 crime de “difamação”, p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 2 do C.P.M., em conjugação com o art. 12°, n.° 2 da Lei n.° 11/2009, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa global de MOP$18.000,00 ou 120 dias de prisão subsidiária, e no pagamento de uma indemnização de MOP$10.000,00 à assistente B (B); (cfr., fls. 470 a 488 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, a arguida recorreu.

Na sua motivação e conclusões de recurso, imputa à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e “erro na aplicação do directo”; (cfr., fls. 502 a 519).

*

Sem resposta, admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetida a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, foi a ora recorrente A condenada, pela prática de um crime continuado de difamação, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de MOP $100.00, perfazendo o montante global de MOP $18.000.00, com a alternativa de 120 dias de prisão, e ainda em indemnização civil, por danos não patrimoniais, no quantitativo de MOP $10.000.00, bem como condenada solidariamente a custear a publicação da parte dispositiva do acórdão num dos jornais de língua chinesa mais lidos em Macau.
Inconformada, vem interpor recurso do acórdão condenatório, imputando-lhe erros de direito atinentes ao carácter ofensivo do conteúdo dos comentários, à publicitação do acórdão e ao montante indemnizatório, bem como os vícios de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova.
Vejamos.
A recorrente começa por intentar convencer do carácter não ofensivo das expressões alinhadas sob os números 1, 2, 3, 4, 6, 7, 10 e 11 do ponto 9 dos factos provados. No fundo, diz que se trata de palavras e texto que transmitem as impressões e as experiências da própria arguida e que não têm como alvo uma determinada pessoa, nomeadamente a assistente, além de que são inócuas e não ofensivas.
É a opinião da recorrente, com a qual não podemos estar de acordo. Como o acórdão explicou, baseado na matéria de facto provada, trata-se de expressões e imputações alusivas à assistente e ofensivas da honra e consideração que lhe são devidas. E não obstante as tergiversações de que a recorrente lança mão, não é difícil chegar a uma tal conclusão, pois os textos em que se exprimiram as imputações e juízos não são apenas ofensivos numa perspectiva puramente normativa da honra, mas são-no também de um ponto de vista sociológico ou comunitário e personalista. No seu sentido comum e vulgar, que no caso é coincidente com o seu significado jurídico, a linguagem usada fere, rebaixa e achincalha a honra da pessoa a quem vai dirigida, tendo ficado fundadamente assente que ia dirigida à assistente.
Improcede este fundamento do recurso.
A recorrente também verbera o acórdão por este ter dado guarida à pretensão da assistente em ver publicada a decisão condenatória. Em abono da sua tese, chama a terreiro o princípio da proporcionalidade, na mira de convencer que não deve proceder-se à ordenada publicação.
A publicação da decisão tem lugar nos termos do artigo 183.° do Código Penal. E, de acordo com este inciso, verificadas as circunstâncias do artigo 177.°, o tribunal ordena a publicação desde que isso seja requerido, até ao encerramento da audiência em primeira instância, pelo titular do direito de queixa ou de acusação particular, fazendo-o de forma a proporcionar o conhecimento público adequado da sentença a expensas do agente. Pois bem, constata-se que, no caso, ocorrem as circunstâncias do artigo 177.°, a publicação foi requerida tempestivamente pela assistente, titular do direito de queixa e de acusação particular, e o tribunal ordenou a publicação, custeada solidariamente pelos agentes do crime, entre os quais se conta a recorrente, num dos jornais mais lidos de Macau, ou seja, abrangendo a área onde a difamação se propagou.
Afiguram-se reunidos todos os requisitos exigidos pela norma que cauciona a publicação, não se antevendo como sai beliscado o princípio da proporcionalidade e em que medida é que o aventado excesso interfere com direitos ou interesses legítimos da própria recorrente. Se a publicação tiver porventura o efeito de tornar conhecida a existência dos actos difamantes por um universo de pessoas maior do que aquele que se inteirou da difamação pelos meios usados pelo próprio agente, isso é um risco que a própria lei aceitou, ao prever esta forma pública de reparação, e que a própria assistente não terá deixado de ponderar, quando requereu essa publicitação. De resto, a sugestão de que seja usado o mesmo meio utilizado na difusão dos excertos e textos difamatórios não colhe o apoio da lei.
Improcede também este fundamento do recurso.
Seguidamente, sob a capa de uma alegada não proporcionalidade da indemnização arbitrada: a recorrente pugna pela absolvição do pedido de indemnização civil, porquanto a honra da assistente não teria saído afectada. A afirmação de que a honra da assistente não saiu afectada é meramente gratuita, pois a decisão recorrida e os factos em que se louvou respaldam uma conclusão de sentido oposto. Ora, sem prejuízo de o juízo decisório vir a ser posto em causa por outros fundamentos ou vícios, é óbvio que não basta, para abalar a conclusão de que a honra da assistente foi atingida, afirmar que o não foi.
Improcede igualmente este fundamento do recurso.
Depois, a recorrente alega que a matéria de facto é insuficiente para a decisão.
Esta convicção radica na circunstância de entender que o tribunal não deu por assente que a assistente B e a usuária do Facebook denominada C são uma mesma e única pessoa.
Creio que a recorrente está equivocada. A leitura dos dois primeiros factos provados destrói a sua convicção. No primeiro, tem-se por provado que a assistente, B criou uma conta pessoal, na rede social Facebook, a que deu o nome de “C”. E no segundo considera-se provado que a assistente, ou seja B, criou no Facebook, através dessa sua conta, uma página intitulada “X de Cozinhar”, para comprar e vender comidas caseiras e ajudar os clientes a comprar comidas.
Não há dúvida de que o acórdão teve por assente que B e “C” são a mesma e única pessoa, juízo que cauciona inteiramente o julgado condenatório, tanto mais que as arguidas, incluindo a ora recorrente, conheciam e tinham visto a assistente e bem sabiam que aquelas conta e página do Facebook eram da assistente, como se vê do facto 14.° da matéria provada.
Soçobra a alegada insuficiência da matéria de facto.
Em seguida, vem invocada contradição insanável na fundamentação.
Argumenta-se, por um lado, que, na fundamentação, o acórdão entendeu que muitas das pessoas que acederam à página electrónica e que viram e participaram em comentários desabonatórios para a honra e consideração da assistente não conheciam esta, pelo que não podia o acórdão dar como provado, sob pena de incongruência, que a consideração devida à assistente saiu afectada. Por outro lado, diz-se que há contradição entre os factos 9 e 12 dados como provados.
Não cremos que se verifiquem as apontadas contradições.
A circunstância de algumas das pessoas que acederam à página electrónica e aos comentários desabonatórios aí tecidos contra a assistente não conhecerem esta não retira aos comentários o carácter ofensivo da honra e consideração devidos à vítima. Esses comentários foram feitos pelas arguidas, contra a assistente e em desabono da honra e consideração que a esta são devidas, e foram lançados na terrível máquina de divulgação que é uma rede social. E foram vistos, acedidos e comentados por um grande número de pessoas. Não se percebe muito bem como é que a recorrente pretende que a consideração devida à assistente não deveria ter sido considerada ofendida, só porque a maioria das pessoas que acederam aos comentários não conheciam a assistente. Nenhuma contradição se detecta.
Também não vislumbramos qualquer incompatibilidade ou contradição entre os factos do artigo 9.° e os factos do artigo 12.° da matéria provada. O artigo 9.° enumera várias expressões ou comentários postados na conta “X” pertencente à recorrente. O artigo 12.° imputa esses comentários à recorrente e afirma que as palavras “ela” e “Abadessa” aí usadas se reportam à assistente.
Diz a recorrente que nem todos os comentários utilizam as palavras “ela” e “Abadessa”. É verdade. E daí? Em que é que isso implica contradição? Em nada!
Acrescenta a recorrente que o comentário 11 do artigo 9.° dos factos provados alude a “ela” e a “Abadessa” num contexto que permite concluir que “ela” e “Abadessa” são pessoas distintas, o que implicaria contradição com o facto 12. Sem prejuízo de outra conclusão se poder extrair a partir da leitura do acórdão na sua língua original, não divisamos minimamente que o comentário 11 aludido contemple pessoas diversas quando se refere a “ela” e a “Abadessa”. Aquela Abadessa sacana é a mesma pessoa com a qual (ela) o patrão já recusou fazer negócios... Não se detecta qualquer contradição.
Soçobra também este fundamento do recurso.
Finalmente, a recorrente atribui ao acórdão erro notório na apreciação da prova.
Em essência, advoga que não foi produzida prova de que as palavras “ela” e “Abadessa” utilizadas nos comentários se reportam à assistente, bem como não foi feita prova de que C e a assistente sejam uma mesma pessoa, sendo logicamente inaceitável a conclusão contrária a que chegou o tribunal.
Não creio que, também nesta parte, lhe assista razão. A assistente prestou declarações de forma consistente, segura, verosímil, onde, além do mais, identificou a conta de “Facebook” da recorrente na qual foram postados os comentários aludidos no ponto 9 da matéria de facto provada; explicou o conhecimento e relacionamento que tinha com a recorrente; esclareceu que começou a ser tratada por “Abadessa” após ter criado a sua conta no “Facebook” e que era essa a alcunha que os utilizadores usavam para a criticar… Por sua vez, a recorrente, embora tenha prestado declarações em audiência, começou por evidenciar uma postura manifestamente defensiva, negando os factos, mas passou a admiti-los implicitamente ao refugiar-se no esquecimento e nos seus problemas pessoais, e, por fim, acabou a pedir desculpas à assistente…
Estão clara e inequivocamente identificadas as contas da recorrente e da outra arguida; estão cabalmente identificados e reproduzidos os comentários aí efectuados, tendo a recorrente acabado por admitir que postou os que lhe vinham imputados; está esclarecido o relacionamento e conhecimento que havia entre a assistente e as arguidas; está demonstrado que “Abadessa” era a alcunha a que passaram a recorrer os internautas, após a criação da conta da assistente, para criticarem esta; está demonstrado que a assistente criou também uma página alusiva a cozinha e venda de comidas; está, enfim, esclarecido que os comentários postados pela recorrente também incluem críticas no âmbito da venda de comida pela tal “Abadessa”.
Não se detecta, pois, qualquer erro, muito menos o notório, na apreciação da prova.
De resto, e como já anteriormente deixámos expresso, sem prejuízo de outra conclusão se poder extrair a partir da leitura do acórdão na sua língua original, não divisamos minimamente que o comentário 11 do ponto 9 dos factos provados contemple pessoas diversas quando se refere a “ela” e a “Abadessa”. Aquela Abadessa sacana é a mesma pessoa (ela) com a qual o patrão já recusou fazer negócios…
Também daqui não se pode concluir pela existência de erro na apreciação da prova.
Ante o exposto, e na improcedência de todos os fundamentos do recurso, vai o nosso parecer no sentido de lhe ser negado provimento”; (cfr., fls. 641 a 644-v).

*

Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 474-v a 478-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer do Acórdão que a condenou pela prática como autora material e na forma continuada de 1 crime de “difamação”, p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 2 do C.P.M., em conjugação com o art. 12°, n.° 2 da Lei n.° 11/2009, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa global de MOP$18.000,00 ou 120 dias de prisão subsidiária, e no pagamento de uma indemnização de MOP$10.000,00 à assistente dos autos.

É de opinião que a decisão recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “contradição insanável da fundamentação”, “erro notório na apreciação da prova” e “erro na aplicação do directo”.

E, como cremos que – bem – demonstrado está no douto Parecer do Ministério Público, nenhuma razão tem a arguida ora recorrente.

Aliás, o dito Parecer dá clara e cabal resposta a todas as questões pela recorrente suscitadas, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, considera-se de consignar – realçar – o que segue.

–– Comecemos, como se apresenta lógico, pelas questões relacionadas com a “decisão da matéria de facto”.

Pois bem, repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018 e de 06.09.2018, Proc. n.° 677/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

No caso, de uma mera leitura ao Acórdão recorrido se constata que o Tribunal a quo, não deixou de investigar e emitir (expressa) pronúncia sobre “toda a matéria objecto do processo”, identificando e elencando os factos “provados” e “não provados”, (cfr., fls. 474-v a 478-v), claro sendo que não padece o mesmo de qualquer insuficiência, ociosas sendo mais alongadas considerações sobre esta questão.

Quanto ao vício de “contradição insanável da fundamentação”, o mesmo tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 127/2018, de 19.04.2018, Proc. n.° 66/2018 e de 28.06.2018, Proc. n.° 459/2018).

Em síntese, quando analisada a decisão recorrida através de um raciocínio lógico se verifique que a mesma contém posições antagónicas ou inconciliáveis, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.

Ora, atento o ínsito na decisão agora recorrida, também não se vislumbra nenhuma “contradição”, (muito menos, insanável), já que o Acórdão recorrido se nos apresenta claro, lógico e em conformidade com a normalidade das coisas, limitando-se a recorrente a tentar controverter o que na decisão recorrida vem exposto sem qualquer obscuridade, evidente sendo também a improcedência do recurso na parte em questão.

Avancemos, agora, para o assacado “erro notório”.

No que toca ao “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).

E, dito isto, que se tem como bom e de manter, manifesto é também que inexiste qualquer “erro”.

Com efeito, não se divisa “onde”, “como”, ou “em que termos” possa ter o Colectivo a quo violado qualquer regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência, ou legis artis, bastando, aliás, ler-se a fundamentação exposta no Acórdão recorrido, (cfr., fls. 478-v a 480-v), para se concluir que a recorrente, tão só pretende impor a sua versão e opinião quanto àquilo que, em seu entender, devia o Tribunal decidir, afrontando o “princípio da livre apreciação da prova”, o que, como é óbvio, não colhe.

–– Resolvidas que assim ficam as questões colocadas em relação à “decisão da matéria de facto”, passemos, agora, para os assacados “erro de direito”.

Diz a recorrente que as “afirmações efectuadas não tem caracter ofensivo”, não podendo assim integrar o crime de “difamação”.

Outra é, porém, a nossa opinião.

Tratando de idêntica questão, recentemente teve este Tribunal oportunidade de consignar que através da incriminação em causa, não se visa proteger a mera “susceptibilidade pessoal”, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas, assentes na sua dimensão normativo-pessoal, em que a “honra” é vista como bem jurídico complexo que inclui, quer o “valor pessoal” ou “interior” de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua própria “reputação ou consideração exterior”, e que no crime de “difamação” (e injúria) não é exigível um qualquer dolo específico ou elemento peculiar do tipo subjectivo que se traduza no especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração, o designado animus injuriandi, admitindo os respectivos tipos legais qualquer das formas de dolo, incluindo o dolo eventual, sendo assim suficiente que o agente admita o teor ofensivo da imputação ou juízo formulados e actue conformando-se com ele, preenchendo-se o elemento subjectivo do tipo com a vontade de praticar o acto com a consciência de com ele se atribuir um facto ou se formular um juízo com significado ofensivo do bom nome ou consideração alheias; (cfr., v.g., os Acs. de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018, de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018 e, mais recentemente de 10.01.2019, Proc. n.° 859/2018, podendo-se, em sentido idêntico, ver ainda o Ac. da Rel. de Guimarães de 05.03.2018, Proc. n.° 566/16, onde se considerou que “Com este tipo legal de crime protege-se a honra, encarada numa perspectiva dual, em que se combina uma concepção fáctica, subjectiva e objectiva, com uma concepção normativa, pessoal e social.
A honra é, assim, vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.
A nível do elemento objectivo, o crime de difamação exige a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, perante uma terceira pessoa, que sejam desonrosos, desonestos ou vergonhosos do visado, ou ainda a reprodução de tal imputação ou juízo.
A difamação consiste, assim, na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social, por serem ofensivos da honra e consideração do ofendido, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento dessa dignidade por parte dos outros, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.
Por “facto” deve entender-se «aquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência», tratando-se de «um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência». Por seu turno, o conceito de “juízo” «deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor» (…), «deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido».
Por seu turno, o tipo subjectivo do ilícito exige o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, não se exigindo o propósito de ofender a honra ou consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir essa ofensa”).

E, como bem se explicita no douto Parecer do Ministério Público, atento o que provado ficou, dúvidas não há que na sua conta de Facebook, fez a ora recorrente “afirmações” e “juízos de valor” que atingem a honra e consideração da assistente, e provado estando que agiu livre, com consciência da ilicitude da sua conduta, e sabendo que era a mesma proibida e punida, verificados estão todos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime pelo qual foi condenada.

No que toca à “indemnização”, considera a recorrente que a mesma não se justifica.

Porém, só por (manifesto) equívoco se terá assumido este entendimento.

Com efeito, (e independentemente do demais), atento o montante em questão, cabe dizer que o segmento decisório em questão não é susceptível de recurso; (cfr., art. 390°, n.° 2, do C.P.P.M.).

Por fim, quanto ao segmento decisório que ordenou a “publicidade do Acórdão” agora recorrido.

Cabe dizer que, também aqui, não tem a recorrente razão.

Com efeito, nos termos do art. 183° do C.P.M.:

“1. Se a condenação ocorrer, ainda que com dispensa de pena, nas circunstâncias previstas no artigo 177.º, o tribunal ordena, a expensas do agente, o conhecimento público adequado da sentença, desde que tal seja requerido, até ao encerramento da audiência em 1.ª instância, pelo titular do direito de queixa ou de acusação particular.
2. O tribunal fixa os termos concretos em que o conhecimento público da sentença deve ter lugar”.

Certo sendo que a publicidade em questão foi legítima e tempestivamente requerida, nenhuma censura merece o segmento decisório em questão, notando-se que o Tribunal a quo até se limitou a ordenar a publicação (tão só) do dispositivo do Acórdão proferido, de forma alguma se podendo assim considerar o decidido excessivo ou inadequado.

Tudo visto, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça de 8 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 17 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 812/2018 Pág. 26

Proc. 812/2018 Pág. 25