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Processo nº 1082/2018 Data: 24.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Pena.
Transcrição da sentença no C.R.C..
Questão nova.



SUMÁRIO

1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.

2. “Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

3. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.
Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.

4. Não tendo o arguido deduzido pedido ao T.J.B. para a “não transcrição da sentença condenatória no seu C.R.C.”, e tão só apresentando tal pretensão no seu recurso, da mesma não cabe conhecer por se tratar de “questão nova”.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 1082/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), arguida com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada como autora da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$120,00, perfazendo a multa de MOP$18.000,00 ou 100 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses, assim como no pagamento de MOP$12.120,00 de indemnização à ofendida dos autos; (cfr., fls. 121 a 127-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a arguida recorreu.

Em síntese, imputa à decisão recorrida o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”, pedindo também a não transcrição da condenação no seu registo criminal; (cfr., fls. 139 a 150-v).

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Respondendo, considera o Ministério Público que o recurso é de rejeitar; (cfr., fls. 153 a 156).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.138 a 150v dos autos, a recorrente solicitou a absolvição da Acusação e, subsidiariamente, a redução da pena bem como a não transcrição da condenação no registo criminal, assacando à douta sentença em escrutínio a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada prevista na alínea a) do n.º2 do art.400º do CPP, a excessiva severidade das penas da multa e da inibição da condução.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.153 a 156 dos autos), no sentido do não provimento do presente recurso.
*
A recorrente invocou a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, argumentando que os factos dados como provados pelo MMº Juiz a quo não mostram seguramente o preenchimento cumulativo dos elementos constitutivos prescritos nos arts.30º da Lei n.º3/2007 e 14º do Cód. Penal, sobretudo os “espaço visível”, “previsível” e “provável”.
Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.º12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.º9/2015)
Em esteira, colhemos sossegadamente que o aresto impugnado pela recorrente não padece da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Pois bem, não se descortina mínima lacuna de investigação, e os factos provados são suficientes para apoiar a qualificação jurídica.
Minuciosamente ponderados, os argumentos deduzidos nas conclusões 4 e 6 a 8 da referida Motivação consistem, no fundo, em impugnar a convicção do MMº Juiz a quo atinente à força probatória das provas constantes dos autos, portanto são vedados pelo disposto no art.114º do CPP.
*
Na sentença questionada, o MMº Juiz a quo condenou a recorrente na pena principal de multa de 150 dias, à taxa diária de 120 patacas, e a pena acessória de inibição de condução por período de 9 meses, referindo propositadamente às circunstâncias de serem normais a consequência do crime e a ilicitude, bastante intensiva a negligência, a recorrente não ter antecedente criminal e não confessar os factos descridos na Acusação.
A recorrente requereu a redução dessas duas penas, alegando que é primária e doméstica, e estão ao seu cargo a sua filha, a sua mãe e os seus sogros, e que a inibição da condução por período de nove meses causará séria inconveniência à sua família, na medida em que ela frequentemente precisa de conduzir os familiares à consulta médica.
Ora bem, não se divisa in casu circunstância de atenuação especial em favor da recorrente, e ela não apresenta prova convincente que possa demonstrar os seus cargos familiares, nem explica porquê o seu cônjuge não possa conduzir os familiares à consulta médica.
Sendo assim, e atendendo a que as penas aplicadas a si pelo MMº Juiz a quo sejam próximas dos correspondentes limites mínimos (art.45º n.º1 do Código Penal em conjugação com art.93º, n.º1, da Lei n.º3/2007, e art.94º desta Lei), inclinamos a entender que estas duas penas se mostram equitativas e proporcionais, não enfermam da assacada excessiva severidade.
Ressalvado elevado respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que são manifestamente inconsistentes tanto a invocação do impedimento justo consagrado no art.97º do CPC, como a arguição de que a sentença infringe o preceito na alínea e) do art.21º do D.L. n.º27/96/M, bastando apontar que a recorrente foi efectivamente condenada na pena acessória de inibição da condução por período de nove meses.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 164 a 165-v).

*

Nada obstando, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 122 a 123, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de MOP$120,00, perfazendo a multa de MOP$18.000,00 ou 100 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 9 meses, assim como no pagamento de MOP$12.120,00 de indemnização à ofendida dos autos.

É de opinião que a decisão recorrida padece dos vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”, pedindo também a não transcrição da condenação no seu registo criminal.

Vejamos se tem razão.

–– Comecemos, pelo alegado vício de “insuficiência”.

Como repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018 e de 06.09.2018, Proc. n.° 677/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).

Como decidiu o T.R. de Coimbra:

“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).

E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:

“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).

“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).

“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).

Aliás, como no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.09.2018, Proc. n.° 28/16, se decidiu, inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão “quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento”, sendo, como se verá, este o caso dos autos.

No caso dos autos, de uma mera leitura se conclui que o Tribunal a quo investigou e emitiu (expressa) pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, elencando a que do julgamento resultou “provada” e “não provada”, adequado não sendo de se considerar que padece a decisão recorrida do assacado vício de “insuficiência”, mais não se mostrando de dizer.

–– Quanto ao assacado “erro notório”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018, de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 772/2018).

Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).

E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.

Constatando-se que o Tribunal a quo assentou a sua convicção em elementos de prova sujeitos à sua livre apreciação, e não se vislumbrando “onde”, “como” ou “em que termos” terá violado qualquer regra de experiência, da normalidade das coisas ou legis artis, evidente se apresenta que se terá que julgar também improcedente o recurso na parte em questão.

Aliás, as fotografias extraídas da gravação obtida de uma câmara instalada no local do acidente dos autos são explícitas em relação à conduta da arguida que, conduzindo o seu veículo ligeiro, invade a faixa de rodagem da ofendida que conduzia um motociclo, vindo a embater nesta, derrubando-a para o chão; (cfr., fls. 47 a 51).

–– No que toca à “pena principal”.

Vejamos.

Como temos vindo a entender:

“Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018).

Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais legalmente atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Aliás, como nota F. Dias, (in “Dto Penal, Parte Geral”, Tomo 1, pág. 84), “em síntese, pode dizer-se que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”.

Nesta conformidade, e ponderando na factualidade dada como provada, tendo o Tribunal optado por uma pena de multa, de 150 dias, à taxa de MOP$120,00 por dia, e tendo presente a conduta da arguida e as suas consequências, nomeadamente, as lesões da ofendida, que demandaram 31 dias para se recuperar, cremos que nenhuma censura merece a decisão recorrida agora em questão, que ponderou os comandos legais dos art°s 64°, 40° e 45° do C.P.M., não sendo de se considerar excessiva.

Há que ter em conta que com a sua conduta cometeu a arguida 1 crime de “ofensa à integridade física”, com o qual causou danos pessoais e patrimoniais à ofendida dos autos, e que a “sinistralidade rodoviária”, (ainda que por negligência), constitui, hoje, um dos maiores flagelos sociais, sendo mesmo pela Organização Mundial de Saúde considerada um “questão de saúde pública”.

–– No que toca à “pena acessória”, vejamos.

À situação dos autos cabe a pena acessória de inibição de condução por um período de 2 meses a 3 anos, (cfr., art. 94° da Lei n.° 3/2007), de forma alguma se podendo considerar excessiva a pena de 9 meses decretada, a 7 meses do mínimo, e a de 2 anos e 3 meses do máximo.

–– Da “não transcrição da decisão no C.R.C.”.

Verificando-se que o ora recorrente não suscitou tal questão junto do Tribunal recorrido, a mesma constitui assim uma “questão nova” em relação à qual não cabe emitir pronúncia; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 12.09.2013, Proc. n.° 319/2013).

Tudo visto, cumpre decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça de 6 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 24 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1082/2018 Pág. 26

Proc. 1082/2018 Pág. 27