Processo nº 24/2019 Data: 24.01.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “violação”.
Tentativa.
Prisão preventiva.
SUMÁRIO
1. As “medidas de coacção e de garantia patrimonial” são meios processuais que tem como finalidade acautelar a eficácia do processo quer quanto ao seu normal prosseguimento quer quanto às decisões que nele vierem a ser proferidas, sendo pressupostos da prisão preventiva do arguido, a existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, (art. 186°, n.° 1 al. a) do C.P.P.M.), a verificação dos requisitos ou condições de carácter geral das als. a) a c) do art. 188° do C.P.P.M., os pressupostos de carácter específico da inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coacção referidas nos art°s 182° e seguintes do mesmo Código, e ainda a proporcionalidade e a adequação da medida, consubstanciadas na justeza da prisão preventiva relativamente à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao caso.
Os requisitos do art. 188° do C.P.P.M. não são de verificação “cumulativa”.
2. A expressão “fortes indícios” significa que a prova recolhida tem de deixar uma clara e nítida impressão de responsabilidade do arguido, em termos de ser muito provável a sua condenação, equiparando-se a tais indícios os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer que há crime e é arguido o responsável por ele.
3. No momento da aplicação de uma medida de coacção (ou de garantia patrimonial) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime.
4. O princípio da adequação exige que qualquer medida de coacção a aplicar ao arguido seja idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso e, por isso, há-de ser escolhida em função da cautela, da finalidade a que se destina.
5. O princípio da proporcionalidade impõe que a medida deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime ou crimes indiciados no processo.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 24/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, vem recorrer da decisão proferida pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:
“A. Vem o presente recurso interposto do despacho do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal que, aplicou ao arguido, ora recorrente, A, a medida de coacção de prisão preventiva;
B. A prisão preventiva é uma medida de coacção cuja aplicação depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos de adequação, proporcionalidade e fortes indícios da prática de um crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos;
C. “O princípio da adequação exige que qualquer medida de coacção a aplicar ao arguido, em caso concreto, seja idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso e, por isso, há-de ser escolhida em função da cautela, da finalidade a que se destina” e, por sua vez, “O princípio da proporcionalidade impõe que a medida deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime ou crime indiciados no processo” (cfr. v.g., o Acórdão do T.S.I. de 15 de Março de 2001, proferido no âmbito do Processo nº 39/2001).
D. Não só, não há qualquer facto nos autos, nem consta nenhum no despacho sob censura, que possa preencher o Art. 157.º do CP., como há vários factos que indiciam, exactamente o contrário;
E. Como também não se encontram preenchidos os pressupostos do Art 188.º do C.P.P.;
F. O Meritíssimo Juiz a quo não explica o tratamento diferenciado a dois arguidos não residentes.
G. Não há quaisquer indícios no caso que demonstrem que o arguido A tinha constrangido a ofendida pelo meio de violência e ameaça grave para praticar consigo actos sexuais, mas porque a ofendida fugiu e portanto o arguido falhou.
H. O Meritíssimo Juiz a quo não explica, nem indica os factos que lhe permitiram retirar conclusão contrária.
I. A decisão recorrida violou, assim, aqueles referidos princípios da adequação e da proporcionalidade e, bem assim, o princípio da subsidiariedade da prisão preventiva estabelecido no Art. 186.º do CP.P.;
J. De facto, a prisão preventiva só pode ser aplicada quando as restantes medidas de coacção se revelarem insuficientes e inadequadas ao caso concreto.
K. O despacho recorrido não refere os motivos de facto que sustentam tal alegação, pelo que, por falta de fundamentação, além de nulo (Art. 360.º, alínea a), 355.º n.º 2 e 87.° n.° 4 do C.P.P.), impede o recorrente de exercer o contraditório, princípio basilar do processo penal
L. O Tribunal a quo violou, assim, os Arts. 49.º n.° 2, 87.º n.º 4, 178.º, 186.º n.º 1 al. a), 188.º, 355.º n.° 2 e 360.º alínea a), todos do CP.P.”; (cfr., fls. 2 a 12 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, considera o Exmo. Magistrado do Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 231 a 233).
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Admitido o recurso, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.2 a 12 dos autos, o recorrente solicitou a revogação do despacho em questão e a substituição do mesmo por outro que o sujeitará a medida de coacção mais favorável, assacando a violação dos princípios de adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, bem como a falta de fundamentação e a consequente nulidade.
Antes de mais, sufragamos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre colega na Resposta (cfr. fls.231 a 233 dos autos), na qual se encontra a minuciosa e cabal impugnação dos argumentos do recorrente.
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Para os devidos efeitos, acolhemos a brilhante jurisprudência que inculca reiteradamente: «A expressão fortes indícios significa que a prova recolhida tem de deixar uma clara e nítida impressão de responsabilidade do arguido, em termos de ser muito provável a sua condenação, equiparando-se a tais indícios os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer que há crime e é arguido o responsável por ele.» (a título meramente exemplificativo, cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º763/2010)
Em esteira e analisando ponderadamente os meios de prova constantes dos autos, entendemos tranquilamente que são fortes os indícios no sentido de que com conduta ocorrida em 03/12/2018 o arguido/recorrente praticou, na autoria material e forma tentada, um crime de violação p.p. pelo preceito no n.º1 do art.157º do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º8/2017 que entrou em vigor 60 dias após o dia de 26/06/2017 data da sua publicação.
Nesta linha de perspectiva, entendemos que se verificam, no caso sub judice, os pressupostos consignados nas alíneas a) do n.º1 de art.186º e a) do art.188º do CPP, e é cauteloso e prudente o juízo do MMª Juiz a quo que apontou “考慮到有關犯罪性質及嚴重性,嫌犯之作案方式、動機及參與程度、行為的不法性、故意的嚴重程度、嫌犯的人格以及該犯罪行為對澳門之公共秩序及社會影響,本法庭認為非剝奪自由的强制措施對嫌犯的作用不大。” Pois é razoável prever o perigo de fuga e o de perturbação da ordem pública.
Nestes termos, e ao abrigo das disposições nos arts.176º a 178º bem como 188º e 193º/1 do CPP, não podemos deixar de concluir que o despacho em escrutínio não enferma da violação dos princípios de adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, sendo assim inatacável.
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O próprio despacho recorrido demonstra, com toda a clareza e de maneira inequívoco, que o MMª Juiz a quo indicou os meios de prova por si adoptados, esclareceu a razão conducente à não aceitação da versão do ilustre defensor do arguido/recorrente, bem como os fundamentos de facto e de direito determinantes da aplicação da prisão preventiva.
Com efeito, temos por irrefutável que o despacho impugnado pelo arguido/recorrente contém em si uma fundamentação clara, congruente e suficiente, por isso, tem de ser incuravelmente descabida a arguição da falta de fundamentação, não havendo a arrogada nulidade.
Importa aclarar-lhe que concordar é uma coisa, e compreender é outra, a discordância duma posição não se equivale à incompreensão ou à incompreensibilidade desta; por outra banda, a falta da fundamentação se distingue da falta ou inexistência do fundamento, germinando aquela a nulidade da sentença (arts.360º, n.º1, alínea a) ex vi 355º, n.º2, do CPP), e sendo a falta do fundamento o berço do erro de julgamento.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 240 a 241).
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Nada obstando, urge decidir.
Fundamentação
2. Vem o arguido A recorrer da decisão proferida pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal que, dando como fortemente indiciada a sua prática de 1 crime de “violação (na forma tentada)”, p. e p. pelo art. 157°, n.° 1 do C.P.M., e considerando que inadequada seria uma outra medida de coacção (não detentiva), aplicou-lhe a de prisão preventiva.
Entende, (em síntese), que a medida imposta não está fundamentada e que o decidido “colide com o estatuído nos art°s 186° e 188° do C.P.P.M.”, violando também os “princípios da adequação e proporcionalidade”.
Vejamos.
Como sabido é, e já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar, as “medidas de coacção e de garantia patrimonial” são meios processuais que tem como finalidade acautelar a eficácia do processo quer quanto ao seu normal prosseguimento quer quanto às decisões que nele vierem a ser proferidas, sendo pressupostos da prisão preventiva do arguido, a existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, (art. 186°, n.° 1 al. a) do C.P.P.M.), a verificação dos requisitos ou condições de carácter geral das als. a) a c) do art. 188° do C.P.P.M., os pressupostos de carácter específico da inadequação ou insuficiência das restantes medidas de coacção referidas nos art°s 182° e seguintes do mesmo Código, e ainda a proporcionalidade e a adequação da medida, consubstanciadas na justeza da prisão preventiva relativamente à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao caso, (ibidem, art. 178°, n.° 1); (cfr., v.g. os Acs. deste T.S.I. de 12.03.2015, Proc. n.° 140/2015, de 29.06.2017, Proc. n.° 499/2017 e de 13.02.2018, Proc. n.° 100/2018).
Por sua vez, e como também temos vindo a decidir, a expressão “fortes indícios” significa que a prova recolhida tem de deixar uma clara e nítida impressão de responsabilidade do arguido, em termos de ser muito provável a sua condenação, equiparando-se a tais indícios os vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer que há crime e é arguido o responsável por ele.
De facto, no momento da aplicação de uma medida de coacção (ou de garantia patrimonial) não pode exigir-se uma comprovação categórica da existência dos referidos pressupostos, mas tão-só, face ao estado dos autos, a convicção objectivável com os elementos recolhidos nos autos de que o arguido virá a ser condenado pela prática de determinado crime; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 30.06.2016, Proc. n.° 457/2016, de 13.02.2018, Proc. n.° 100/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 541/2018).
Igualmente tem este T.S.I. entendido que:
“O princípio da adequação exige que qualquer medida de coacção a aplicar ao arguido seja idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso e, por isso, há-de ser escolhida em função da cautela, da finalidade a que se destina”; e que,
“O princípio da proporcionalidade impõe que a medida deve ser proporcionada à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime ou crimes indiciados no processo”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 29.06.2017, Proc. n.° 499/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 375/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 729/2018).
Motivos não havendo para alterar o assim entendido, continuemos.
Na decisão ora recorrida, considerou-se que existiam nos autos fortes indícios da prática pelo ora recorrente de 1 crime de “violação, na forma tentada”.
Nos termos do art. 157° do C.P.M., (com a redacção introduzida pela Lei n.° 8/2017, aqui aplicável atenta a data dos factos e ao preceituado no seu art. 4°):
“1. Quem, por meio de violência, ameaça grave ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer ou a praticar, consigo ou com terceiro, cópula, coito anal ou coito oral, é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos.
2. Com a mesma pena é punido quem, nos termos previstos no número anterior, constranger outra pessoa a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos”.
E, não se olvidando que pelo recorrente vem assacado o vício de “falta de fundamentação”, apresenta-se-nos de consignar desde já que não lhe assiste razão.
Com efeito, não corresponde à verdade que no despacho recorrido não estejam explicitadas as razões do decidido.
Pelo contrário, no mesmo, são expressamente referidos os elementos probatórios, que levaram o Tribunal a decidir como decidiu, nomeadamente, as declarações da ofendida e outros elementos pela Polícia Judiciária carreados para os autos, e que, lógica e globalmente apreciados e ponderados, concorrem, atentas as regras da experiência e normalidade das coisas, para se dar a versão da ofendida por fortemente indiciada.
Pode-se não concordar com a “fundamentação” apresentada, porém, adequado não é dizer-se que ela não existe.
Por sua vez, não se pode olvidar que a um indivíduo sobre quem recai uma queixa da prática de um crime como o dos autos, não basta “negar”, ou fazer uso do seu “direito ao silêncio” para que “resolvida fique a situação”…
Obviamente, assistem-lhe – totalmente – tais “direitos”, e se não deve ser prejudicado por assumir tal postura, o certo é que (também) não faz “desaparecer” o que dos autos consta e que o incrimina.
E, assim sendo, mostrando-se-nos de concluir também que, a “sequência” dos factos e a sua “lógica” (intrínseca) – atente-se, em especial, no pormenor das declarações da ofendida e na “mensagem” que o arguido enviou pelo seu telemóvel pouco antes de “atacar” a ofendida – indiciam, por ora, fortemente, a prática do crime denunciado e imputado ao ora recorrente, pouco mais se afigurando de dizer para se demonstrar que censura não merece a decisão recorrida, que se encontra (suficientemente) fundamentada de facto e de direito, nela se tendo exposto, adequadamente, as razões (de facto e de direito) da medida que ao ora recorrente foi imposta.
Com efeito, verificados estão os pressupostos do art. 186°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M., ou seja, a existência de fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de limite máximo superior a 3 anos, importando também atentar que, (como também já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar), os requisitos do art. 188° do C.P.P.M. não são de verificação “cumulativa”, bastando pois a verificação de um deles; (neste sentido, cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 21.01.2016, Proc. n.° 1088/2015, de 30.06.2016, Proc. n.° 457/2016 e de 12.07.2018, Proc. n.° 541/2018).
E, no caso dos presentes autos, tendo presente o tipo de crime aqui em questão, o “impacto” que não deixa de causar a nível social, a moldura penal que lhe é aplicável, e não sendo o arguido residente em Macau, encontrando-se aqui como (mero) turista, adequado e razoável se nos apresenta de considerar que existe (efectivo) “perigo da sua fuga”, (cfr., al. a) do art. 188° do C.P.P.M.), demonstrada ficando, assim, a solução que se deve adoptar em relação ao presente recurso, havendo pois que se decidir pela sua improcedência.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 6 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 24 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 24/2019 Pág. 14
Proc. 24/2019 Pág. 13