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Processo nº 996/2018 Data: 10.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Inibição de condução.
Inobservância das condições de suspensão da sua execução.
Crime de “desobediência”.

SUMÁRIO

  Importa distinguir a – pena (acessória) de – “inibição da condução”, cujo incumprimento (pode) origina(r) o crime de “desobediência”, (cfr., art. 92° da Lei n.° 3/2007 e art. 312° do C.P.M.), e a não observância de obrigações ou deveres impostos como condição para a suspensão da execução da própria inibição da condução, e que deve tão só ter ou produzir efeitos no que toca à própria (decisão da dita) suspensão da execução.
O relator,

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Processo nº 996/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. O Exmo. Magistrado do Ministério Público vem recorrer da sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. que absolveu o arguido A da imputada prática de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M..

No seu recurso, e em sede de conclusões que a final da motivação apresentada produz, considera – em síntese – que a decisão recorrida padece do vício de “errada aplicação de direito”, pugnando pela condenação do arguido como autor do crime pelo qual tinha sido acusado; (cfr., fls. 74 a 76-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Respondendo, considera o arguido que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 78 a 81).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“O Ministério Público interpôs recurso da sentença absolutória exarada no âmbito do processo CR3-18-0212-PCS, em que o arguido ia acusado da prática de um crime de desobediência qualificada previsto e punível pelas disposições dos artigos 92.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, e 312.°, n.° 2 do Código Penal.
Entende que estavam reunidos todos os elementos constitutivos do crime, pelo que nenhuma razão havia para tal absolvição.
O arguido respondeu, contra argumentando que não estava verificada a necessária situação de inibição efectiva de condução, imprescindível para o preenchimento do crime por que ia acusado, pelo que a decisão recorrida não enferma de qualquer vício e deve ser mantida.
Vejamos.
Está em causa o seguinte:
No âmbito do processo CR2-16-0919-PCT, o ora arguido foi condenado, mediante sentença transitada em julgado em 14 de Março de 2017, na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de três meses, cuja execução foi suspensa por um ano, mediante a condição, entre outras, de, nesse prazo de um ano, apenas conduzir o veículo ligeiro de matrícula MS-XX-X9 e somente entre as 10:00 e as 19:30 horas.
Em 21 de Outubro de 2017, o arguido foi surpreendido, pelas 11:00 horas, a tripular a viatura de matrícula MO-XX-X9, assumindo o controlo dos respectivos órgãos de comando e direcção.
Perante esta circunstância, e imputando-lhe os demais elementos do tipo, o Ministério Público acusou-o da prática de um crime de desobediência qualificada previsto e punível pelas disposições dos artigos 92.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, e 312.°, n.° 2 do Código Penal.
Veio o arguido a ser absolvido, em essência, porque não resultou provado que estivesse a conduzir durante o período de inibição efectiva de condução.
Então, quid juris?
É verdade que o arguido foi condenado em pena de inibição de conduzir pelo período de três meses. Todavia, esta pena foi substituída por suspensão da respectiva execução pelo período de um ano, subordinada a certas condições, uma das quais consistia em não conduzir outros veículos que não o de matrícula MS-XX-X9. E é exacto que, no dia 21 de Outubro de 2017, o arguido foi surpreendido a tripular a viatura de matrícula MO-XX-X9.
A primeira questão que logo se evidencia é a de saber se estava a decorrer o período de inibição efectiva de condução, que constitui um elemento fundamental do tipo pelo qual o arguido estava acusado.
O tribunal entendeu que não, e cremos que bem.
Afigura-se, com efeito, que a questão deve encontrar solução na natureza das condições impostas aos arguidos no âmbito do instituto da suspensão da execução da pena. Estas condições são naturalmente comandos ou exortações dirigidos ao arguido, não como forma de evitar a violação de interdições ou proibições que, apesar de impostas por sentença, não possuam qualquer outro meio de assegurar a sua eficácia – essa finalidade estaria presente, sim, se estivesse em causa o efectivo cumprimento da pena de inibição por 3 meses – mas como meio de reparar o mal do crime ou facilitar a reintegração social – cf. artigos 49.° e 50.° do Código Penal.
Então, e como refere a sentença recorrida, citando Leal-Henriques e Simas Santos, a punição pela violação de obrigações não pode incluir a que incidir sobre deveres estabelecidos em situação de suspensão da execução da pena, pois tais deveres têm uma origem própria e a sua violação deve ser sancionada adentro do respectivo regime. Em sentido idêntico, cf. Cristina Líbano Monteiro em anotação ao artigo 353.° do Código Penal português – Comentário Conimbricense do Código Penal – onde, a pgs. 401, refere que Também não estarão contempladas… penas acessórias não violáveis e penas… cujo regime preveja as consequências jurídico-penais do seu incumprimento. Assim, a suspensão da execução… não se encontra abrangida por este artigo: a violação de proibições ou de interdições impostas leva consigo, em última análise, a revogação da suspensão…
Assim, a obrigação de o arguido não conduzir, durante o ano da suspensão, todos os veículos automóveis com excepção do veículo de matrícula MS-XX-X9, não é uma efectiva interdição de condução. Se o fosse, esta interdição por um ano até se revelaria mais gravosa que a interdição objecto de suspensão, e, por isso, brigaria mesmo com essa interdição, confinada, como se viu, a três meses. É uma proibição erigida em condição da suspensão. Se for cumprida, acarreta a extinção da pena – artigo 55.° do Código Penal. Se não for cumprida, haverá que desencadear os mecanismos de reacção próprios da suspensão da execução, o mais gravoso dos quais será a revogação da suspensão e o inerente cumprimento da pena acessória de inibição de condução, que, como referido, ascende a três meses.
Neste entendimento, e sem embargo da valia do raciocínio em contrário, propendemos para a improcedência do recurso”; (cfr., fls. 123 a 124-v).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 66-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer da sentença que absolveu o arguido da imputada prática de 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 92°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007 e art. 312°, n.° 2 do C.P.M.; (cfr., fls. 66 a 68).

Entende – como se deixou relatado – que a mesma está inquinada com o vício de “errada aplicação de direito”, pedindo a condenação do arguido nos termos pelos quais estava acusado.

Apresenta-se-nos, porém, que acertada é a decisão recorrida, aliás, como – bem – se nota no douto Parecer que se deixou transcrito e que dá cabal resposta ao recurso interposto, e que aqui se dá como reproduzido para efeitos da solução que se deixou adiantada, (cabendo notar que neste exacto sentido decidiu recentemente esta Instância no Ac. de 01.11.2018, Proc. n.° 348/2018, motivos não se vislumbrando para não se manter o decidido).

Com efeito, importa pois distinguir a – pena (acessória) de – “inibição da condução”, cujo incumprimento (pode) origina(r) o crime de “desobediência” em questão, (cfr., art. 92° da Lei n.° 3/2007 e art. 312° do C.P.M.), e a (mera) não observância de obrigações ou deveres impostos como condição para a suspensão da execução da própria inibição da condução, (sendo, em nossa opinião, o que sucedeu na situação sub judice), e que deve tão só ter ou produzir efeitos no que toca à própria (decisão da dita) suspensão da execução.

Necessário é ter presente que no momento da prática dos factos pelos quais estava o arguido, ora recorrido, acusado, a (pena acessória de) inibição de condução que lhe tinha sido decretada não se encontrava “em execução”, (encontrando-se suspensa na sua execução), e o que efectivamente sucedeu foi ter o mesmo incumprido as condições que lhe foram fixadas na decisão que lhe suspendeu a execução da aludida inibição, não nos parecendo assim de se acolher o entendimento do Exmo. Recorrente no sentido de verificados estarem os elementos típicos do crime de “desobediência”.

Admite-se, obviamente, outro entendimento, (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 11.01.2018, Proc. n.° 511/2016), porém, e ressalvado o muito respeito, afigura-se-nos que a solução que se deixou exposta se nos apresenta como a mais razoável e adequada, visto até que o período de inibição de condução era (tão só) de 3 meses, e a conduta do arguido, não obstante ter ocorrido no decurso do período da decretada suspensão da sua execução, (por 1 ano), teve lugar após o referido período de 3 meses.

Clara nos parecendo assim a solução a que se impõe chegar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Sem tributação, (dada a isenção do Exmo. Recorrente).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 10 de Janeiro de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
(Com nota de que concordo com a solução dos presentes autos dado que a situação referida nos autos de processo nº 511/2016 era pouco diferente da situação do presente recurso.)
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