Processo nº 986/2018 Data: 17.01.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “usura para jogo”.
Crime de “sequestro”.
Leitura de declarações do arguido; (art. 338° do C.P.P.M.).
Recurso interlocutório.
Efeito da sua procedência.
SUMÁRIO
1. Para que em audiência de julgamento se possa proceder à leitura das declarações pelo arguido antes prestadas – em sede de Inquérito – importa atentar nos pressupostos (alternativos) do art. 338° do C.P.P.M..
2. Se perante o requerimento do Ministério Público, nenhuma oposição é apresentada, (em especial pelo Defensor do arguido cujas declarações se pretende que sejam lidas), motivos não há para se indeferir o peticionado, pois que verificada está a situação da al. a), do n.° 1 do dito art. 338°.
3. Por sua vez, se em declarações em sede de Inquérito prestadas perante o Ministério Público o arguido fez expressa referência a declarações antes prestadas na Polícia Judiciária, negando-as e, posteriormente, confirmando-as, há que se considerar que deu aquelas como “reproduzidas” para os efeitos da al. b) do n.° 1 do mesmo art. 338°.
4. Com a procedência de um “recurso interlocutório” que implica a prática de um acto omitido em audiência de julgamento, (com a repetição desta para o efeito), prejudicado fica o conhecimento dos recursos interpostos do Acórdão.
O relator,
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Processo nº 986/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 06.09.2018 decidiu-se:
- absolver o (1°) arguido, A, com os sinais dos autos, da imputada prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelos art°s 13° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., e de 1 outro crime de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 e 2, al. a) do C.P.M., condenando-se, porém, o mesmo arguido, como autor da prática 1 crime de “desobediência”, p. e p. pelo art. 312°, n.° 1, al. b) do C.P.M., na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano; decidindo-se também,
- absolver o (2°) arguido, B, com os sinais dos autos, da imputada prática de 1 crime de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M.; (cfr., fls. 213 a 219-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, recorreu o Ministério Público e o (1°) arguido A, com estes recursos subindo um “recurso interlocutório” antes pelo Ministério Público interposto; (cfr., fls. 207 a 210 e 230 a 245).
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Apresentando-se-nos merecer este recurso interlocutório provimento, o que implicará a anulação de todo o posteriormente processado, e com isso prejudicados ficando assim o conhecimento dos recursos interpostos do Acórdão do T.J.B., sem mais demoras se passa a decidir.
Fundamentação
2. O presente “recurso interlocutório” tem como objecto a decisão do T.J.B. proferida em audiência de julgamento e que indeferiu a leitura das declarações pelo (2°) arguido B prestadas na Polícia Judiciária.
Considerou o Tribunal a quo que tais declarações não foram dadas como reproduzidas em posteriores declarações que o mesmo arguido prestou no Ministério Público e que o pedido de leitura não tinha sido apresentado pelo (próprio) arguido em questão; (cfr., fls. 203-v a 204).
E, como – bem – se explicita no douto Parecer do Ministério Público, (cujo teor aqui se dá reproduzido; cfr., fls. 333 a 335-v), cremos que a decisão recorrida não se pode manter, muito não se afigurando de acrescentar ou consignar.
Mostra-se, porém, de realçar o que segue.
Sob a epígrafe “leitura permitida de declarações do arguido” prescreve o art. 338° do C.P.P.M. que:
“1. A leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido só é permitida:
a) A sua própria solicitação e, neste caso, seja qual for a entidade perante a qual tiverem sido prestadas; ou
b) Quando, tendo sido feitas perante o juiz ou o Ministério Público, houver contradições ou discrepâncias entre elas e as feitas em audiência.
2. É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 7 e 8 do artigo anterior”.
E, perante o assim estatuído, (em especial, na al. a) do n.° 1), afigura-se de notar desde já que, in casu, perante o requerido pelo Ministério Público, os Defensores de ambos os arguidos submetidos a julgamento nos presentes autos declararam “nada ter a opor” à referida leitura; (cfr., fls. 203-v).
E, se assim é, (e se nenhum interveniente processual se opôs à referida leitura, em especial, o Defensor do autor das declarações em causa), motivos não vislumbramos para a decisão de indeferimento agora recorrida, pois que, perante tal “concordância”, verificado se mostra estar o pressuposto do art. 338°, n.° 1, al. a) do C.P.P.M.; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 26.05.2011, Proc. n.° 268/2011).
Com efeito, importa ter em conta que o que no fundo, se pretende é que a leitura de tais declarações não seja feita “contra a vontade do arguido”; (neste sentido, cfr., também, v.g., o Ac. do S.T.J. de 12.03.1992, in B.M.J. n.° 415, página 464, onde, perante idêntica disposição legal e em sede do sumário se consignou expressamente que: “a expressão «a solicitação do arguido» consignada na alínea a) do n.° 1 do artigo 357° do Código de Processo Penal, significa, fundamentalmente, que a leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido não pode realizar-se contra a sua vontade”, e que, “perguntado pelo juiz ao arguido se autorizava a leitura das suas anteriores declarações e respondendo este afirmativamente, mostra-se respeitado o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 357° do Código de Processo Penal”).
Por sua vez, importa ter em conta que nas aludidas declarações que o (2°) arguido B prestou no Ministério Público, (e que foram lidas em audiência), o mesmo começou por não confirmar as anteriores declarações prestadas na Polícia Judiciária, vindo, posteriormente, a se retractar, acabando por declarar que o seu teor correspondia à verdade; (cfr., fls. 49 a 50).
E, desta forma, se nas declarações no Ministério Público prestadas, acabou o arguido por confirmar as declarações antes prestadas na Polícia Judiciária, há que se considerar que se está como que a fazer não só uma mera e simples referência ao “acto” praticado, mas ao seu “conteúdo”, havendo que se ter tal “referência” como uma declaração no sentido de se “dar aquelas (declarações prestadas na Polícia Judiciária) como reproduzidas” para os efeitos da al. b), n.° 1 do art. 338°.
Nesta conformidade, e sem necessidade demais alongadas considerações, verificados estando os condicionalismos do art. 338° do C.P.P.M., impõe-se decidir pela procedência do presente recurso interlocutório, devendo os autos voltar ao T.J.B. para se proceder à omitida leitura das declarações pelo aludido arguido prestadas na Polícia Judiciária, proferindo-se, seguidamente, nova decisão.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso interlocutório pelo Ministério Público interposto, prejudicados ficando o conhecimento dos recursos do Acórdão final.
Sem tributação dado que os arguidos são alheios à decisão recorrida e não responderam ao recurso.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 17 de Janeiro de 2019
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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