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Proc. nº 313/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Causa prejudicial
- Suspensão da instância

SUMÁRIO:

I - Se está em curso uma acção tendente à demonstração da aquisição originária da propriedade de uma fracção imobiliária pela via da usucapião, faz todo o sentido a suspensão da instância de outra acção em que alguém, alegadamente comproprietário dela, vem requerer a divisão de coisa comum, já que aquela em relação a esta se apresenta como causa prejudicial.

II - Não se justifica pôr termo à suspensão da acção de divisão apenas porque na causa prejudicial foram juntos documentos cuja força probatória apenas neles pode ser considerada e tida como relevante para a prova, ou não, da aquisição originária.


Proc. nº 313/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo feminino, viúva, de nacionalidade chinesa, titular do BIRPM n.º XXXXX39(3), com endereço de contacto em Macau, na Rua da XX, n.º XX, Edifício XX, XXº andar XX,
Instaurou no TJB (Proc. nº CV2-15-0020-CPE), acção de divisão de coisa comum em processo especial ontra:
1) B, do sexo feminino, de nacionalidade chinesa, residente em Macau na Rua da XX, n.º XX, Edifício XX, XXº andar XX, adiante designada por “1ª Ré”, e
2) C, do sexo feminino, de nacionalidade chinesa, residente em Macau na Estrada XX nº XX, edif. “XX” bloco(s)/fracção(s) XX XXº andar XX, adiante designada por “2ª Ré”.
Para o efeito alegou ser comproprietária com as duas rés de uma fracção imobiliária devidamente identificada nos autos.
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Tendo sido referido pela 2ª ré contestante ter instaurado uma acção tendente à aquisição da propriedade da fracção pelo instituto da usucapião (CV2-15-0095-CAO), foi requerida a suspensão da instância até decisão final dessa acção.
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Proferido despacho a determinar a suspensão, dele foi interposto recurso jurisdicional pela autora, que viria, no entanto, a ser julgado não provido pelo Ac. do TSI, de 16/02/2017, no Proc. nº 736/2016.
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Entretanto, a autora veio aos autos novamente requerer o prosseguimento destes com fundamento na circunstância de ter obtido elementos relevantes no processo da acção ordinária referida (causa prejudicial) que alegadamente levarão à improcedência dela.
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O Juiz titular do processo, no entanto, indeferiu o pedido (despacho de fls. 230).
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Contra esse despacho, vem interposto um novo recurso pela autora, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

“1º - O recorrente intentou acção de divisão de coisa comum ao TJB contra o réu em 28 de Maio de 2015.
2º- Em seguida, o recorrido invocou ao TJB contra o recorrente que tinha adquirido o direito de propriedade da coisa comum por prescrição (vide fls. 64 a 71 dos autos, adiante designada por “acção prejudicial”).
3º - O recorrido pediu ao MM.º Juiz do TJB que suspenda a presenta acção de divisão de coisa comum com base na acção prejudicial.
4º - O MM.º Juiz do TJB, após a apreciação de documentos, tomou a decisão de manutenção da suspensão da presente acção de divisão de coisa comum (cfr. fls. 230 a 231 dos autos).
5º - Aliás, o recorrente obteve um documento na acção prejudicial em 28 de Janeiro de 2017 (cfr. fls. 214 a 221 dos autos) que prova suficientemente que a acção prejudicial visa suspender a presente acção de divisão de coisa comum.
6º - O recorrido alegou na acção prejudicial que dado que ele pagou, por si próprio, todo o empréstimo da fracção devido ao Banco XX (cfr. os pontos 33, 34 e 51, a fls. 64 a 71 dos autos) (cfr. o ponto 32 constante de fls. 67 dos autos: o número de conta de empréstimo 10021-201798-6), designadamente, no ponto 33 ele alegou que tinha reembolsado integralmente por uma vez o empréstimo ao Banco em 8 de Junho de 1993, no montante de HKD$93.000,00 (cfr. fls. 67 dos autos), pelo que está convencido de que ele já adquiriu a quota da fracção do recorrente e da sua cônjuge até toda a fracção, o recorrente acredita psicologicamente que ele exercia os direitos reais correspondentes ao domínio de facto como titular (cfr. pontos 51 a 53, a fls. 69V dos autos).
7º - Aliás, de acordo.com os elementos obtidos pelo recorrente na acção prejudicial em 28 de Janeiro de 2017 (cfr. fls. 214 a 221 dos autos), foi verificado que em 8 de Junho de 1993, o empréstimo devido ao Banco, no montante de HKD$93.000,00, foi pago pelo dinheiro depositado na conta da D possuída conjuntamente pelo recorrente A e pela sua cônjuge no Banco da XX n.º 01-1XX-XXXXX9-4 (cfr. fls. 217 e 219 dos autos) para a conta do Banco XX n.º XXXX1-XXXX98-6 (cfr. fls. 220 dos autos), pagamento esse foi feito através de cheque do Banco da China emitida pela conta supracitada e assinada pelo recorrente (cfr. Anexo 3), e não foi feito apenas pelo próprio recorrido como ele disse (cfr. pontos 33, 34 e 51, a fls. 64 a 71 dos autos).
8º - Por isso, o facto constitutivo do animus da posse do recorrido (isto é, alegou que era ele quem pagou todo o empréstimo da fracção devido ao Banco Internacional) foi completamente fabricado.
9º - Face ao exposto, o facto que fundamento o animus da posse na acção prejudicial intentada pelo recorrido é manifestamente falso, cuja finalidade é suspender a presente acção de divisão de coisa comum.
Portanto, solicita-se ao TSI que julgue procedente o presente recurso e anule a decisão da suspensão proferida pelo TJB, bem como tome decisão de não ordenar a suspensão da acção de divisão de coisa comum por força do art.º 223.º n.º 2 do Código de Processo Civil. Solicita-se decisão justa!”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
1. Os factos processuais descritos no Relatório supra.
2. O despacho impugnado apresenta o seguinte teor:
“Fls. 211 a 213:
Foi suspensa a instância de divisão de coisa comum “à espera” que fosse decidida outra acção onde a aqui requerida pretende ser reconhecida proprietária exclusiva da coisa que aqui se pretende dividir.
A referida acção ainda não se mostra decidida.
Também nestes autos a requerida, na contestação que apresentou, excepcionou a sua propriedade exclusiva.
Como já se disse, não pode proceder-se à divisão sem previamente se apreciar a questão da compropriedade ou propriedade exclusiva, seja ela colocada a título de excepção, de reconvenção ou a título principal e de forma autónoma. Tal questão pode ser apreciada nos presentes autos ou naqueles outros que correm autónomos.
A aqui requerente veio dizer que naqueles outros autos já foi junta prova documental que prova que a aqui requerida não é proprietária exclusiva. Pretende, pois, a aqui requerente que cesse a suspensão da instância nestes autos e que os mesmos prossigam para se proceder à divisão.
Não tem razão a requerente. A questão prejudicial da propriedade exclusiva ou comum tem de ser decidida e ainda não foi. Não é por já ter sida junta prova que se dispensa a decisão. E continua a ser conveniente que a referida questão seja decidida naqueles outros autos, devendo os presentes continuar suspensos. De facto, para aqui se decidir a referida questão prejudicial haveria que se proceder nos termos do processo ordinário (art. 948º, nº 2 do CPC) e praticar todos os actos que já naquela outra acção foram praticados, o que contende com a economia processual.
Pelo exposto, decide-se manter suspensa a instância nos termos antes decididos.
Custas do incidente pela requerente.
Notifique.”
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III – O Direito
O despacho do Ex.mo Juiz acima transcrito disse tudo, e bem, o que havia de ser dito. Razão pela qual o fazemos nosso nos termos e para os efeitos do disposto no art. 631º, nº5, do CPC.
Efectivamente, se está em curso uma acção tendente à demonstração da aquisição originária da propriedade de uma fracção imobiliária pela via da usucapião, faz todo o sentido a suspensão da instância de outra acção em que alguém, alegadamente comproprietário dela, vem requerer a divisão de coisa comum, já que aquela em relação a esta se apresenta como causa prejudicial.
Por outro lado, os documentos juntos aos autos CV1-15-0095-CAO, se alguma virtude probatória tiverem, apenas neles poderão ser apreciados com essa finalidade. Jamais o juiz do presente processo poderá atribuir ou retirar qualquer eficácia probatória de documentos que somente serão relevantes no âmbito daqueles outros autos acerca da demonstração dos requisitos da aquisição originária da propriedade da fracção pela via da usucapião.
Dito de outro modo, não se justifica pôr termo à suspensão da acção de divisão apenas porque na causa prejudicial foram juntos documentos cuja força probatória apenas neles pode ser considerada e tida como relevante para a prova, ou não, da aquisição originária.
Em suma, nos presentes autos não é possível antecipar qualquer juízo sobre o desfecho daqueles CV1-15-0095-CAO, os quais, não esqueçamos, se apresentam como causa prejudicial em relação à acção de divisão de coisa comum, tal como já foi afirmado no Ac. do TSI de 16/02/2017, Proc. nº 736/2016 e aqui se reitera.
Por assim ser, continua a ser necessário que o litígio seja resolvido naqueles autos e só depois os presentes poderão, ou não, prosseguir. Para já, é de manter a suspensão da instância, tal como foi decidido no despacho em crise.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
T.S.I., 24 de Janeiro de 2019
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong




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