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Processo n.º 935/2018
(Recurso em matéria cível)
Data: 31 de Janeiro de 2019

ASSUNTOS:

- Fundo de A
- Declaração de falência da entidade patronal/sociedade pelo referido Fundo

SUMÁRIO:

I – Quando o Fundo de A, perante o pedido formulado pelo trabalhador e a prova de que o seu crédito laboral não foi possível ser satisfeito por via judicial junto da ex-entidade patronal que tinha sido condenada nestes termos, decidiu e efectuou o pagamento desse mesmo crédito ao trabalhador nos termos do artigo 38º do DL nº 58/93/M, de 18 de Outubro, fica sub-rogado no direito do beneficiário/trabalhador nos termos do artigo 39º do citado diploma legal.
II – Feito isto, o Fundo veio a propor um acção de declaração de falência da entidade patronal, O Tribunal a quo, sem que qualquer das partes tivesse questionado a legalidade da decisão jurídico-administrativa de pagar o crédito laboral em causa, conheceu desta questão e chegou à conclusão de que não estavam preenchidos os requisitos de sub-rogação e consequentemente o Fundo não podia ser credor e como tal carecia da legitimidade para requerer a falência, esta decisão do Tribunal a quo padece de vício de nulidade nesta parte por violar o artigo 571º/1-d) do CPC, tendo conhecido de uma questão não suscitada.
III – No caso sub judice, não existe uma verdadeira questão prejudicial tal como configura o artigo 27º do CPC, porque não é falta de uma decisão jurídico-administrativa, que seja prejudicial em relação ao objecto do processo da declaração da falência, pelo contrário, tal decisão (administrativa) foi tomada e ninguém veio a pô-la em causa. Pelo que, não se deve lançar do mecanismo do artigo 27º do CPC.
IV – Perante os factos assentes - a Requerida/Recorrida não tem liquidez suficiente para pagar o crédito; a mesma deixa de ser contactável. O mais grave é que o homem de segurança do local declarou que nunca ouviu falar do nome da Requerida no local indicado pela mesma; a mesma mentem 2 contas bancárias com depósitos em valor insignificativo; já passaram vários anos e até hoje a Requerida ainda não cumpriu a sua obrigação: foi condenada em 2014, desde 2016 incontactável, agora, em 2019, a situação mantém-se até hoje – tudo isto é bastante para formar a convicção de que a Requerida, para além de não ter a vontade de cumprir as obrigações que sobre ela recaem, nem tem património suficiente para cumprir a obrigação, estando verificados os pressupostos da declaração da falência, enunciados no artigo 1082º/2-a) e c) do CPC, é de decretar a falência da Requerida, concedendo-se assim provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando procedente o pedido do Autor.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 935/2018
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 31 de Janeiro de 2019

Recorrente : Fundo de A(A基金)

Recorrida : B Limitada(B有限公司)

*
   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

Nota preliminar:
Foi apresentado pelo Exmo. Juíz Relator o projecto do acórdão deste processo com o seguinte teor:
I

No âmbito dos autos do processo de insolvência nº CV2-18-0001-CFI, de que é requerente Fundo de A, e requerida B Limitada, ambos devidamente identificados nos autos, foi afinal proferida a sentença julgando improcedente o pedido de declaração de Falência:


I – Relatório:
  O Fundo de A, também, designado abreviadamente por B, entidade com autonomia administrativa e financeira, com sede na XXXXXXX, Macau;
  veio intentar a presente
  Acção de Declaração de Falência
  contra
  B Limitada (B有限公司), em inglês B, Ltd., sociedade comercial de responsabilidade limitada, com sede em Macau XXXXXXXX, registada na Conservatória dos Registos Comercia e de Bens Móveis sob o n.º XXXXX(SO);
  com os fundamentos apresentados constantes do requerimento inicial de fls. 58 a 65,
  concluiu pedindo que fosse declarada a falência da Requerida.
*
  Citada pessoalmente a Requerida, esta não veio contestar.
*
  Este Tribunal é o competente em razão da matéria e da hierarquia.
  As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e de legitimidade "ad causam".
  O processo é o próprio.
*
  Procedeu-se a julgamento com observância do devido formalismo.
***
II – Factos:
  Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
  REQUERIMENTO INICIAL:
* O Requerente é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.
* A Requerida é uma sociedade comercial com sede em Macau em XXXXXXXX, encontrando-se matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXXX(SO).
* Por sentença proferida em 11 de Março de 2014, no âmbito autos de contravenção n.º LB1-13-0092-LCT e transitada em julgado em 21 de Março de 2014, a Requerida, na qualidade de empregadora, foi condenada a pagar ao trabalhador C, beneficiário do Fundo de Segurança Social, o montante de MOP$103.000,00, correspondente ao montante de salários vencidos e não pagos, acrescido de juros à data legal até integral pagamento.
* Isto porque o trabalhador C, auferia um salário mensal de MOP$20.000,00 mas apenas recebeu da Requerida a quantia de MOP$17.000,00 a título de salários pelo período compreendido entre os meses de Agosto de 2012 e Janeiro de 2013, ao invés do total de devido de MOP$120.000,00.
* Como o trabalhador C não recebeu da Requerida o crédito de salários vencidos e não pagos no referido montante total de MOP$103.000,00, o Fundo de Segurança Social, a pedido do trabalhador C, procedeu ao pagamento deste montante a este.
* No dia 28 de Julho de 2015, o Fundo de Segurança Social instaurou uma acção de execução para pagamento de quantia certa sob forma sumária, reclamando o pagamento daquele montante de MOP$103.000,00, cujos termos correram no Juízo Laboral a coberto do processo com o n.º LB1-13-0092-LCT-A.
* Na referida acção de execução não foi possível notificar a Requerida uma vez que o funcionário judicial que se deslocou à anterior sede da Requerida para o feito, no dia 26 de Julho de 2016, tomou conhecimento de que aí se encontrava instalada um outra empresa não tendo o segurança do edifício ouvido falar da Requerida.
* Conforme informação obtida na referida acção de execução, junto da Conservatória do Registo Predial, da Conservatória dos Registo Comercial e dos Bens Móveis e das instituições bancárias de Macau, a Requerida é apenas de duas contas bancárias: uma conta poupança em dólares de Hong Kong aberta junto do Banco XXX, S.A., com o n.º XXXXXXXXX, com um saldo de HK$50,00 e uma outra contra poupança em patacas aberta no mesmo banco, com o n.º XXXXXXXXX, com um saldo de MOP$51,75.
***
III – Fundamentos:
  Com fundamento no facto de se ser titular de um crédito de que a Requerida é devedora e no facto de esta não ter capacidade de pagar a dívida respectiva e de ter abandonado a sua sede, o Requerente veio pedir que aquela seja declarada falida.
  Nos termos do artigo 1084º, nº 1, a), do CPC, “O tribunal pode declarar a falência a requerimento de qualquer credor, ainda que preferente, e seja qual for a natureza do crédito.”
  Assim, só demonstrada a qualidade de credor é que o Requerente dota de legitimidade para pedir a declaração de falência.
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  Para o efeito, alega que a Requerida foi condenada a pagar a um seu trabalhador a quantia de MOP$103.000,00 acrescido de juros porque deixara de pagar integralmente o salário que devia a este trabalhador e, por este trabalhador não ter conseguido receber da Requerida esta quantia mesmo depois da condenação, o Fundo de Segurança Social assegurou o pagamento deste valor ao abrigo da legislação que o tornara garante de certas dívidas derivadas de relações de natureza laboral, mais especificamente, o Decreto-Lei nº 58/93/M, de 18 de Outubro, tendo, por isso, ficado sub-rogado no crédito do trabalhador.
  Feito o julgamento da matéria de facto, está provado que a Requerida foi efectivamente condenada nos termos invocados pelo Requerente e que, não tendo o trabalhador em questão obtido pagamento junto da Requerida, o Fundo de Segurança Social, a pedido do trabalhador, procedeu ao seu pagamento.
  Desses factos se vê que a Requerida tinha, de facto, uma dívida emergente da relação de trabalho que estabelecera com um seu trabalhador, mais especificamente, em virtude do não pagamento integral do salário a este, tendo o Fundo de Segurança Social desembolsado a quantia MOP$103.000,00 para pagar a este mesmo trabalhador.
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  Porém, por o pagamento ter sido feito por uma entidade distinta do Requerente, ou seja, não ter sido paga pela Requerente, urge aquilatar se esta, por alguma forma, adquiriu a posição de credor.
  Para o efeito, sustenta o Requerente que o foi por força do disposto no artigo 15º da Lei nº 10/2015.
  Segundo essa norma “Os créditos em que o FSS tenha ficado sub-rogado por força do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 58/93/M, de 18 de Outubro, ou do n.º 2 do artigo 65.º da Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho) transmitem-se para o B na data da entrada em vigor do regulamento administrativo previsto no n.º 3 do artigo 3.º”
  Assim, se, por força do pagamento feito ao trabalhador, o Fundo de Segurança Social tiver ficado sub-rogado no crédito discutido nos autos, a Requerente é actualmente a titular do crédito.
  Urge, pois, aquilatar se o Fundo de Segurança Social adquiriu o crédito discutido nos autos por via da sub-rogação como alega a Requerente.
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  Do documento junto a fls 16 verifica-se que o Fundo de Segurança Social procedeu ao pagamento sub judice, no dia 27 de Outubro de 2014, por meio de cheque.
  Nessa data estava em vigor o Decreto-Lei nº 58/93/M de 18 de Outubro, cujo artigo 39º dispõe que “O Fundo de Segurança Social fica sub-rogado nos direitos dos beneficiários relativos às prestações que por conta de outrem haja satisfeito, devendo ser oficiosamente chamado aos processos, declarativos ou executivos, em que se discutam os direitos que por qualquer meio se saiba terem tido por objecto aquelas prestações.”
  Por sua vez, o artigo 5º, nº 2, do mesmo diploma estipula que “O regime da segurança social compreende ainda a garantia dos créditos emergentes da relação de trabalho, nos termos previstos neste diploma, quando não seja possível ao trabalhador obter a respectiva cobrança.” (sublinhado nosso)
  A isso acresce o seu artigo 38º que tem a seguinte redacção:
  “1. O fundo de Segurança Social assegura aos beneficiários o pagamento dos créditos emergentes das relações de trabalho que estes não consigam receber das respectivas entidades empregadoras, por motivo de insuficiência económica ou financeira destas.
  2. Os créditos referidos no número anterior compreendem:
  a) … ;
  b) Os salários vencidos e não pagos;
  c) … .
  3. O pagamento depende de requerimento do beneficiário e da prova, por ele apresentada, de não ter sido possível obter a cobrança, total ou parcial, das quantias em dívida por via judicial.
  4. … .
  5. … .
  6. … .” (sublinhado nosso)
  Portanto, o Fundo de Segurança Social só estava obrigado a pagar ao trabalhador em questão se estivesse demonstrado que a Requerida não tinha meios económicos e financeiros para pagar ao trabalhador sendo esta a razão do não recebimento do salário em falta por parte do trabalhador. E apenas depois de demonstrado esse cenário é que o mesmo ficaria sub-rogado no crédito que assistia ao trabalhador.
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  Nada dos factos provados indicam os motivos por que o trabalhador não foi pago pela Requerida depois da condenação. Assim, nada se pode concluir acerca do requisito de insuficiência económica e financeira e do motivo da impossibilidade de recebimento do crédito em questão por parte do trabalhador.
  Não estando demonstrado os citados requisitos, não se pode afirmar que o Fundo de Segurança Social ficou sub-rogado no crédito do trabalhador e, como tal, passou a ser credor da Requerida.
  Consequentemente, também não pode considerar o Requerente credor da Requerida por força da transmissão dos créditos prevista no artigo 15º da Lei nº 10/2015.
  Nessa base, por a Requerente não dotar de legitimidade substantiva para formular o pedido de falência nos termos previstos no artigo 1084º, nº 1, a), do CPC acima transcrito, a Requerida deve ser absolvida do pedido.
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  Nem se diga que a Lei nº 10/2015 veio dispensar os requisitos acima elencados porque o seu artigo 2º, nº 1, 1), estipula que “É garantido aos trabalhadores, após a cessação da relação de trabalho, o pagamento dos seguintes créditos: A remuneração de base do trabalhador prevista na Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho), quando corresponda a créditos constituídos nos seis meses anteriores à cessação da relação de trabalho.” (sublinhado nosso)
  É que, em primeiro lugar, o artigo 17º dessa Lei dispõe que “1. A presente lei aplica-se aos créditos previstos no artigo 2.º constituídos após a sua entrada em vigor; 2. Os artigos 38.º e 39.º do Decreto-Lei n.º 58/93/M, de 18 de Outubro, continuam a aplicar-se aos créditos neles previstos constituídos antes da entrada em vigor da presente lei, passando a competência atribuída ao FSS a caber ao B, a partir da data da entrada em vigor do regulamento administrativo previsto no n.º 3 do artigo 3.º”
  Portanto, o regime previsto nessa Lei não é aplicável ao presente caso.
  Em segundo lugar, mesmo que essa Lei se aplique, a matéria provada nem sequer indica se a relação existente entre o trabalhador sub judice e a Requerida se encontrava extinta e o crédito em questão correspondia ao período imediatamente anterior à data da cessação da relação de trabalho.
  Nestas condições, nunca pode haver lugar a sub-rogação do crédito como pretende o Requerente não podendo esta ser qualificado como credor da Requerida para formular o presente pedido de falência.
  Mantém-se, pois, a decisão de absolvição do pedido.
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  Mesmo que assim não se entenda, defendendo que o Fundo de Segurança Social pode sempre exigir o reembolso da quantia despendida com base no instituto de enriquecimento sem causa e o Requerente pode exigir o reembolso da quantia tendo em conta que este passou a ter as funções que o Fundo de Segurança Social anteriormente tinha, os demais factos dados como provados não são suficientes para demonstrar que a Requerida se encontra em estado de falência.
  Senão, vejamos.
  Dispõem o artigo 1082º, a) e c), do CPC que “A declaração da falência, quando não resulte do que especialmente fica disposto na secção anterior, tem lugar desde que se prove algum dos seguintes factos: a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontre impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações. e c) Abandono da administração principal ou, caso o empresário comercial seja pessoa colectiva, da respectiva sede ou da administração principal. ”
  São precisamente esses os fundamentos invocados pela Requerente para que seja decretada a falência como foi já dado conta.
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  No que ao abandono da sede ou da administração principal, a Requerente não logrou demonstrar que a Requerida abandonou a sua sede como alegara.
  Nenhum outro facto demonstra que a Requerida deixou de funcionar no local da sua administração principal.
  Apesar de consta dos presentes autos a fls 44 que se frustrou a citação da Requerida não na sua sede registada, nem por isso se diz que a ausência da Requerida corresponde à previsão desta norma do artigo 1082º, c), do CPC.
  É que, o abandono aí referido pressupõe uma presença anterior da Requerida nessa sede. Ora, da certidão junto a fls 44, constata-se que esse local tem sido exclusivamente ocupado por uma outra empresa desde cerca de Fevereiro de 2015, ou seja, data anterior ao do registo dessa sede da Requerida em 23 de Junho de 2015. Isso indicia que a Requerida nunca esteve sediada na sua última sede registada afastando a possibilidade de abandono.
  Assim, é manifesto que o pedido não pode proceder com base neste fundamento.
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  Quanto à incapacidade de cumprimento das suas obrigações, resulta das averiguações feitas junto da Conservatória do Registo Predial, da Conservatória dos Registo Comercial e dos Bens Móveis e das instituições bancárias de Macau, a Requerida é apenas de duas contas bancárias com HK$50,00 e MOP$51,75, respectivamente.
  É manifesto que essas quantias são insuficientes para saldar dívidas no valor de MOP$103.000,00.
  Porém, há que ter em conta que esta incapacidade se afere não apenas a partir da comparação do activo da Requerida com o seu passivo, que aqui se dá como sendo no valor de MOP$103.000,00.
  Conforme o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Março de 1954, citado por João de Deus Pinheiro Farinha, Títulos de Crédito - Falência - Legislação Anotada, Livraria Morais Editora, Lisboa, 1963, pg 125 “A falta de pagamento de uma ou mais dívidas só por si, quando não revele a impossibilidade de o devedor solver os seus compromissos, não determina a declaração da falência. (Acórdão da relação de Lisboa, de 10 de Março de 1954, in Dr. Albano Cunha, Acórdãos, II, 257).”
  Por sua vez, defende António Mota Salgado, Falência e Insolvência, Guia Prático, 2ª edição actualizada, Editorial Notícias, pg 12 “A impossibilidade de solver compromissos e obrigações manifesta-se por factos externos que demonstram que o devedor não está em condições de satisfazer com regularidade os seus compromissos.”
  Por sua vez, conforme o Acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Novembro de 1981, CJ, 1981, 5º, 124, citado por Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 7ª edição, revista e actualizada, 1986, pg 878, “A falta de pontualidade do comerciante em cumprir as suas obrigações não faz desencadear necessariamente a declaração da falência. Exige-se que ela resulte de falta de crédito ou de meios de liquidez.”
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  Ora, não consta dos factos assentes nenhum outro dado que permita concluir que a Requerida, apesar de ter muito pouco numerário disponível, se encontra incapaz de pagar a dívida que tinha perante o citado trabalhador. É que, não se sabe o motivo por que a Requerida deixou de proceder ao pagamento, especialmente depois da condenação. Assim, não se pode daí afirmar que era porque não tinha meios para o fazer, designadamente porque não conseguia obter qualquer financiamento ou porque não desenvolvia alguma actividade capaz de gerar rendimento.
  Nesta base, é evidente que não se pode dizer que a Requerida se encontra em estado de falência nos termos previstos no artigo 1082º, a), do CPC.
  Nessa base, deve-se também julgar improcedente o pedido.
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IV – Decisão:
  Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente o pedido de declaração de falência formulado pelo Requerente, Fundo de A, e absolve a Requerida, B Limitada (B有限公司), do pedido.
  Sem custas por o Requerente estar isento.
  Registe e notifique.

Notificado, e não se conformando com a sentença veio o requerente recorrer da mesma concluindo e pedindo:
1) Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 80 a 86 dos autos, que não decretou a falência requerida pelo ora Recorrente.
2) Desde logo, o Tribunal recorrido incorreu em erro de direito ao considerar que o Requerente, ora Recorrente, não tem legitimidade substantiva dado que o próprio FSS não ficou sub-rogado no crédito do trabalhador-credor, uma vez que não resulta dos factos provados os motivos por que o trabalhador não foi pago pela Requerida depois da condenação.
3) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu num claro erro de direito, parecendo até confundir matéria de facto com matéria de direito, ao reapreciar a bondade do acto administrativo praticado pelo Fundo de Segurança Social, fora do âmbito de uma impugnação contenciosa;
4) É que sob a capa de uma apreciação de matéria de facto, o Tribunal efectua um reexame do acto administrativo praticado pelo Fundo de Segurança Social, colocando em causa a sua validade pela suposta não verificação dos requisitos para a prática do mesmo, afectando assim a respectiva sub-rogação por efeito da lei! ;
5) Nesta sede, para apreciar a legitimidade substantiva da ora Recorrente, o único facto que releva é o Fundo de Segurança Social ter deferido o pedido de pagamento de um crédito emergente de uma relação de trabalho e ter efectuado esse pagamento, facto esse que foi dado como provado pelo Mm.º Tribunal recorrido;
6) A sub-rogação do Fundo de Segurança Social na posição do trabalhador-credor já é um efeito legal do acto administrativo praticado, conforme se retira do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 58/93/M, o mesmo sucedendo com a transmissão desses créditos do Fundo de Segurança Social para o B, ora Recorrente, apreciada ao abrigo da Lei n.º 10/2015;
7) O Tribunal não pode, nesta sede, colocar em causa o acto administrativo praticado pelo FSS (e que é um caso decidido), para indagar das razões que levaram à prática desse acto e sustentar que não há factos que permitam a verificação da sub-rogação legal, obviando que a sub-rogação legal resulta, naturalmente, da prática desse acto administrativo através do qual o crédito laboral do trabalhador foi assegurado pelo FSS;
8) Caso contrário, veja-se bem a posição em que se colocaria a Administração Pública, que examinava o preenchimentos dos requisitos legais para pagar a um trabalhador os créditos emergentes da sua relação laboral para, posteriormente, esse acto administrativo ainda ser sujeito a uma nova apreciação (fora de uma impugnação contenciosa) por parte do Tribunal para decidir se a Administração Pública ficou ou não sub-rogada naquele crédito;
9) Por outro lado, o Tribunal recorrido também lavrou em erro de direito ao não dar por verificado o abandono da sede da sociedade Requerida, por considerar que a mesma nunca ocupou a sede declarada, pelo que não se poderia falar em "abandono" da mesma para efeitos do artigo 1082.º, alínea c), do CPC;
10) Salvo o devido respeito que opinião contrária merece, a lei ao referir-se ao "abandono" da sede refere-se ao facto do empresário comercial não ser ali encontrado, estando ausente da mesma sem qualquer justificação, não sendo possível aos credores encontrar a sociedade devedora no local que era suposto encontrá-la;
11) Não se compreenderia que uma sociedade pudesse declarar falsamente uma sede, que nunca ocupou, valendo-se disso para não ser encontrada pelos seus credores e, ainda assim, tal não corresponder a um motivo de falência ou a uma presunção de falência;
12) Por outro lado, e ao contrário do que foi defendido pelo Mm.º Tribunal a quo, verifica-se também o motivo de declaração de falência previsto na alínea a) do artigo 1082.° do CPC;
13) Importa recordar que a Requerida não pagou ao seu trabalhador, o que levou o MP a notificar esse trabalhador para obter o pagamento junto do FSS (cfr. fls. 116 do processo que correu termos sob o n.º LBl-13-0092-LCT, constante do Doc. n.º 2 junto pelo Requerente) e que, na sequência desse pagamento e correspondente sub-rogação legal, o FSS intentou uma acção executiva para cobrança coerciva desse crédito de MOP$103,000.00 (cento e três mil patacas).
14) Nessa acção executiva foi possível apurar que a Requerida apenas tem duas contas bancárias com, respectivamente, HKD$50.00 (cinquenta dólares de Hong Kong) e MOP$51.75 (cinquenta e uma patacas e setenta e cinco avos), valores insuficientes para pagamento daquela dívida;
15) Note-se bem que não foi possível cobrar a dívida com recurso à via coerciva por manifesta insuficiência de meios da Requerida, o que é bem diferente da mera falta de pagamento pontual de uma obrigação!;
16) Assim sendo, dúvidas não há de que a sociedade Requerida se encontra numa clara situação de impossibilidade de cumprir com as suas obrigações, não tendo bens ou valores que permitam o pagamento do crédito do B.
Nestes termos, e no mais de Direito, deverá o presente recurso ser considerado inteiramente procedente, pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que decrete a falência da Requerida.

II

Admitido no Tribunal a quo, o recurso foi feito subir a este Tribunal de recurso.

Liminarmente admitido o recurso e colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Inexistindo questão de conhecimento oficioso e tendo em conta que o desfecho da acção na primeira instância é a absolvição da requerida do pedido com fundamento na ilegitimidade substantiva do requerente, devemos começar por este fundamento ora questionado pelo recorrente.

O artº 38º/1 e 2 do Decreto-Lei nº 58/93/M, aplicável in casu, dispõe que o Fundo de Segurança Social assegura aos beneficiários o pagamento dos créditos emergentes das relações de trabalho que estes não consigam receber das respectivas entidades empregadoras, por motivo de insuficiência económica ou financeira destas e que o pagamento depende de requerimento do beneficiário e da prova, por ele apresentada, de não ter sido possível obter a cobrança, total ou parcial, das quantias em dívidas por via judicial.

E o artº 39º do mesmo decreto diz que o Fundo de Segurança Social fica sub-rogado nos direitos dos beneficiários relativos às prestações que por conta de outrem haja satisfeito……

Na invocada qualidade de credor da requerida, por efeito de sub-rogação ope legis do pagamento efectuado em lugar da requerida a favor do trabalhador identificado nos autos, o requerente instaurou junto do TJB contra a requerida acção de declaração de falência.

O Tribunal a quo entendeu que o requerente não logrou demonstrar a verificação de todos os pressupostos legais condicionantes ao pagamento a favor do trabalhador, nomeadamente a insuficiência económica ou financeira da entidade patronal devedora e a impossibilidade de obter a cobrança, total ou parcial, das quantias em dívida por via judicial.

Portanto não pode ficar sub-rogado na titularidade do direito que tinha o trabalhador contra a devedora, ora requerida.

Ou seja, na óptica do Tribunal a quo, o requerente não pagou bem, porque só demonstrou o pagamento por ele efectuado a favor do trabalhador e não também a verificação dos pressupostos legais de que a lei faz depender o pagamento e que o obrigam a proceder ao pagamento.

O tal pagamento, porque mal feito, não tem a virtualidade de fazer sub-rogar o requerente na titularidade do crédito que o trabalhador tinha para com a sua ex-entidade patronal, e não confere ao requerente a legitimidade substantiva na questão de mérito suscitada na acção de declaração de falência que instaurou contra a mesma ex-entidade patronal do trabalhador que pagou.

Inconformado com essa tese em que se apoiou decisão recorrida da absolvição do pedido da requerida, vem o requerente agora em sede de recurso dizer, em síntese, que o Tribunal a quo não tem a competência para averiguar a verificação ou não dos pressupostos de facto e apreciar a validade do acto administrativo praticado pelo Fundo de Segurança Social, predecessor do requerente, uma vez que este acto administrativo já se tornou um caso decidido, por não ter sido contenciosamente impugnado e mesmo que houvesse vício de erro nos pressupostos de facto, o mesmo já teria sido sanado, e que o tribunal a quo agora não pode senão tomar como verificado o pagamento validamente efectuado.

Então apreciemos.

In casu, não questionando o juízo formulado pelo Tribunal a quo de que o acto de pagamento praticado pelo Fundo de Segurança Social é intrinsecamente inválido por erro nos pressupostos de facto, o recorrente limita-se a dizer que o Tribunal não tem competência para reapreciar a validade do acto de pagamento que se tornou já consolidado.

Será assim?

A resposta deve ser negativa.

Como se sabe, tirando as situações extremas da nulidade, os actos administrativos inválidos por padecerem de vícios geradores da anulabilidade podem consolidar-se na ordem jurídica se não tiverem sido contenciosamente impugnados.

A sanação de vícios de anulabilidade pelo simples decurso de tempo sem que tenha impugnação contenciosa justifica-se pelas razões de ordem de certeza e segurança jurídica nas relações entre a Administração e o particular interessado.

Todavia, a sanação não quer dizer que a ilegalidade desaparece.

O que só acontece através da ratificação, de reforma ou conversão do acto, nos termos do disposto no artº 126º do CPA.

Assim, a consolidação de um acto administrativo, anulável e portanto intrinsecamente inválido, pelo simples decurso do prazo para a sua impugnação contenciosa sem que esta tenha sido desencadeada, significa apenas que o acto já não pode ser contenciosamente impugnado e anulado perante os tribunais administrativos.

O que não quer dizer que o juízo quanto à verificação dos pressupostos de facto formulado pela Administração no procedimento administrativo que culminou com a prática do acto administrativo tem a autoridade equiparada à de um caso julgado material com força obrigatória, dentro do processo e fora dele, vinculando todos os tribunais e impedindo que estes possam conhecer incidentalmente, a título de questão prejudicial, a legalidade daquele acto administrativo no que respeita aos pressupostos de facto.

Não obstante a possibilidade do seu conhecimento incidental pelo tribunal civil, a decisão quanto à questão prejudicial da natureza administrativa em nada afecta a consolidação do acto administrativo nas relações entre a Administração e o particular beneficiário, uma vez que face ao disposto no artº 27º/2, in fine, do CPC, aquela decisão incidental só sustenta a decisão da questão principal do processo civil em que for proferida e não produz efeitos fora dele.

Voltemos então ao caso em apreço.

Na esteira daquilo que defendemos supra, é de entender que o Tribunal a quo pode apreciar, como apreciou, a título de questão prejudicial da cuja decisão depende a aferição da legitimidade substantiva do requerente, os pressupostos de facto do acto administrativo de pagamento efectuado a favor do trabalhador.

Como o recorrente se limitou a questionar a competência do Tribunal a quo para examinar os pressupostos de facto do pagamento, e não também o mérito da decisão incidental, que por isso permanece intocada, no sentido de que o pagamento não fez o requerente, ora recorrente, sub-rogado na titularidade do crédito do trabalhador que pagou, não iremos averiguar a bondade do juízo formulado pelo Tribunal a quo quanto à invalidade intrínseca do acto administrativo de pagamento.

Chegamos aqui, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas na relação da dependência da legitimidade substantiva do requerente e portanto já estamos em condições para decidir no sentido de improcedência do recurso.

Em conclusão:

1. A ilegalidade do acto administrativo anulável, mesmo consolidado por não ter sido impugnado contenciosamente, pode ser conhecida incidentalmente, a título de questão prejudicial, por um tribunal civil.

2. A decisão incidental quanto à questão prejudicial só produz efeitos para a decisão da questão principal no processo civil em que for proferida.

Resta decidir.
III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pelo recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 24JAN2019
* * *
Submetido à discussão e votação, tal projecto não obteve vencimento da maioria do Colectivo, passa o primeiro-adjunto a ser relator deste processo, ao abrigo do disposto no artigo 631º/3 do CPC.
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I - RELATÓRIO
    Fundo de A(A基金), Recorrente (doravante designado simplesmente por Fundo), devidamente identificado nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 24/05/2018, dela veio, em 23/07/2018, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 96 a 112, tendo formulado as seguintes conclusões :
1) Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 80 a 86 dos autos, que não decretou a falência requerida pelo ora Recorrente.
2) Desde logo, o Tribunal recorrido incorreu em erro de direito ao considerar que o Requerente, ora Recorrente, não tem legitimidade substantiva dado que o próprio FSS não ficou sub-rogado no crédito do trabalhador-credor, uma vez que não resulta dos factos provados os motivos por que o trabalhador não foi pago pela Requerida depois da condenação.
3) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu num claro erro de direito, parecendo até confundir matéria de facto com matéria de direito, ao reapreciar a bondade do acto administrativo praticado pelo Fundo de Segurança Social, fora do âmbito de uma impugnação contenciosa;
4) É que sob a capa de uma apreciação de matéria de facto, o Tribunal efectua um reexame do acto administrativo praticado pelo Fundo de Segurança Social, colocando em causa a sua validade pela suposta não verificação dos requisitos para a prática do mesmo, afectando assim a respectiva sub-rogação por efeito da lei! ;
5) Nesta sede, para apreciar a legitimidade substantiva da ora Recorrente, o único facto que releva é o Fundo de Segurança Social ter deferido o pedido de pagamento de um crédito emergente de uma relação de trabalho e ter efectuado esse pagamento, facto esse que foi dado como provado pelo Mm.º Tribunal recorrido;
6) A sub-rogação do Fundo de Segurança Social na posição do trabalhador-credor já é um efeito legal do acto administrativo praticado, conforme se retira do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 58/93/M, o mesmo sucedendo com a transmissão desses créditos do Fundo de Segurança Social para o B, ora Recorrente, apreciada ao abrigo da Lei n.º 10/2015;
7) O Tribunal não pode, nesta sede, colocar em causa o acto administrativo praticado pelo FSS (e que é um caso decidido), para indagar das razões que levaram à prática desse acto e sustentar que não há factos que permitam a verificação da sub-rogação legal, obviando que a sub-rogação legal resulta, naturalmente, da prática desse acto administrativo através do qual o crédito laboral do trabalhador foi assegurado pelo FSS;
8) Caso contrário, veja-se bem a posição em que se colocaria a Administração Pública, que examinava o preenchimentos dos requisitos legais para pagar a um trabalhador os créditos emergentes da sua relação laboral para, posteriormente, esse acto administrativo ainda ser sujeito a uma nova apreciação (fora de uma impugnação contenciosa) por parte do Tribunal para decidir se a Administração Pública ficou ou não sub-rogada naquele crédito;
9) Por outro lado, o Tribunal recorrido também lavrou em erro de direito ao não dar por verificado o abandono da sede da sociedade Requerida, por considerar que a mesma nunca ocupou a sede declarada, pelo que não se poderia falar em "abandono" da mesma para efeitos do artigo 1082.º, alínea c), do CPC;
10) Salvo o devido respeito que opinião contrária merece, a lei ao referir-se ao "abandono" da sede refere-se ao facto do empresário comercial não ser ali encontrado, estando ausente da mesma sem qualquer justificação, não sendo possível aos credores encontrar a sociedade devedora no local que era suposto encontrá-la;
11) Não se compreenderia que uma sociedade pudesse declarar falsamente uma sede, que nunca ocupou, valendo-se disso para não ser encontrada pelos seus credores e, ainda assim, tal não corresponder a um motivo de falência ou a uma presunção de falência;
12) Por outro lado, e ao contrário do que foi defendido pelo Mm.º Tribunal a quo, verifica-se também o motivo de declaração de falência previsto na alínea a) do artigo 1082.° do CPC;
13) Importa recordar que a Requerida não pagou ao seu trabalhador, o que levou o MP a notificar esse trabalhador para obter o pagamento junto do FSS (cfr. fls. 116 do processo que correu termos sob o n.º LBl-13-0092-LCT, constante do Doc. n.º 2 junto pelo Requerente) e que, na sequência desse pagamento e correspondente sub-rogação legal, o FSS intentou uma acção executiva para cobrança coerciva desse crédito de MOP$103,000.00 (cento e três mil patacas).
14) Nessa acção executiva foi possível apurar que a Requerida apenas tem duas contas bancárias com, respectivamente, HKD$50.00 (cinquenta dólares de Hong Kong) e MOP$51.75 (cinquenta e uma patacas e setenta e cinco avos), valores insuficientes para pagamento daquela dívida;
15) Note-se bem que não foi possível cobrar a dívida com recurso à via coerciva por manifesta insuficiência de meios da Requerida, o que é bem diferente da mera falta de pagamento pontual de uma obrigação!;
16) Assim sendo, dúvidas não há de que a sociedade Requerida se encontra numa clara situação de impossibilidade de cumprir com as suas obrigações, não tendo bens ou valores que permitam o pagamento do crédito do B.
    Nestes termos, e no mais de Direito, deverá o presente recurso ser considerado inteiramente procedente, pelo que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que decrete a falência da Requerida.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
    São os já constantes do projecto do acórdão acima transcrito.
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     IV – FUNDAMENTAÇÃO

    Começando pela questão levantada pelo Recorrente:
O Tribunal não tem competência para reapreciar a validade do acto (administrativo) de pagamento que se tornou já consolidado!
    Neste aspecto, importa ver qual o regime vigente relativamente às questões prejudiciais que deve cumprir o Tribunal que vai decidir o processo principal.
    O artigo 27º (Questões prejudiciais) do CPC dispõe:

1. Se o conhecimento do objecto da acção depender da decisão de uma questão administrativa ou penal que seja da competência de outro tribunal de Macau, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
2. A suspensão cessa se a acção administrativa ou penal não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo; neste caso, o juiz da acção decide a questão prejudicial, mas a sua decisão não produz efeitos fora do processo em que for proferida.
    Ora, no caso em apreciação, salvo o melhor respeito, entendemos que não estamos perante uma verdadeira questão prejudicial tal como se configura nos termos do artigo 27º acima citado, já que não é falta da decisão em matéria jurídico-administrativa, mas sim, a decisão já está tomada, que é o pagamento feito pelo Fundo a favor do trabalhador! Agora o pagamento foi bem pago ou mal pago será uma outra questão, que nenhuma das partes suscitou!
    Situação diferente será naquela em que está correr um processo administrativo em que se discute se tal pagamento foi feito nos termos legalmente fixados ou não e está a aguardar tal decisão, nestas circunstâncias sim, poderá colocar-se uma questão prévia que o Tribunal cível deve ponderar se justifica ou não accionar o mecanismo do artigo 27º do CPC. Mas não é o caso dos autos, tal como explicamos antes, a decisão já está tomada e ninguém veio a questionar tal questão.
    Situação também será diferente quando se trata de um acto administrativo nulo, o Tribunal cível pode conhecer dele a título incidental, independentemente de tal questão ter sido levantada ou não pelas partes, pois o Tribunal conhece-o ex officio, mas neste caso, não é por causa do artigo 27º do CPC, mas sim por força do disposto no artigo 123º do CPA. Porém, não é o caso dos autos.
    Pelo que, neste aspecto, tem razão o Recorrente/Fundo quando afirmou que o Tribunal a quo não devia tomar conhecimento de tal questão (decisão administrativa), sob pena de violar o artigo 571º/1-d) do CPC. É o que o Tribunal fez e como tal é nula a sentença nesta parte.
Pelo que, é de julgar procedente o recurso interposto pelo Recorrente nesta parte.
*
  
    Prosseguindo, passemos a conhecer do mérito da acção. Ou seja, importa saber se estão reunidos ou não os pressupostos exigidos pela declaração da falência da Recorrida.

O Tribunal a quo afirmou na sua douta decisão o seguinte:

  “Feito o julgamento da matéria de facto, está provado que a Requerida foi efectivamente condenada nos termos invocados pelo Requerente e que, não tendo o trabalhador em questão obtido pagamento junto da Requerida, o Fundo de Segurança Social, a pedido do trabalhador, procedeu ao seu pagamento.
  Desses factos se vê que a Requerida tinha, de facto, uma dívida emergente da relação de trabalho que estabelecera com um seu trabalhador, mais especificamente, em virtude do não pagamento integral do salário a este, tendo o Fundo de Segurança Social desembolsado a quantia MOP$103.000,00 para pagar a este mesmo trabalhador.
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  Porém, por o pagamento ter sido feito por uma entidade distinta do Requerente, ou seja, não ter sido paga pela Requerente, urge aquilatar se esta, por alguma forma, adquiriu a posição de credor.
  Para o efeito, sustenta o Requerente que o foi por força do disposto no artigo 15º da Lei nº 10/2015.
  Segundo essa norma “Os créditos em que o FSS tenha ficado sub-rogado por força do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 58/93/M, de 18 de Outubro, ou do n.º 2 do artigo 65.º da Lei n.º 7/2008 (Lei das relações de trabalho) transmitem-se para o B na data da entrada em vigor do regulamento administrativo previsto no n.º 3 do artigo 3.º”
  Assim, se, por força do pagamento feito ao trabalhador, o Fundo de Segurança Social tiver ficado sub-rogado no crédito discutido nos autos, a Requerente é actualmente a titular do crédito.
  Urge, pois, aquilatar se o Fundo de Segurança Social adquiriu o crédito discutido nos autos por via da sub-rogação como alega a Requerente.
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  Do documento junto a fls 16 verifica-se que o Fundo de Segurança Social procedeu ao pagamento sub judice, no dia 27 de Outubro de 2014, por meio de cheque.
  Nessa data estava em vigor o Decreto-Lei nº 58/93/M de 18 de Outubro, cujo artigo 39º dispõe que “O Fundo de Segurança Social fica sub-rogado nos direitos dos beneficiários relativos às prestações que por conta de outrem haja satisfeito, devendo ser oficiosamente chamado aos processos, declarativos ou executivos, em que se discutam os direitos que por qualquer meio se saiba terem tido por objecto aquelas prestações.”
  Por sua vez, o artigo 5º, nº 2, do mesmo diploma estipula que “O regime da segurança social compreende ainda a garantia dos créditos emergentes da relação de trabalho, nos termos previstos neste diploma, quando não seja possível ao trabalhador obter a respectiva cobrança.” (sublinhado nosso)
  A isso acresce o seu artigo 38º que tem a seguinte redacção:
  “1. O fundo de Segurança Social assegura aos beneficiários o pagamento dos créditos emergentes das relações de trabalho que estes não consigam receber das respectivas entidades empregadoras, por motivo de insuficiência económica ou financeira destas.
  2. Os créditos referidos no número anterior compreendem:
  a) … ;
  b) Os salários vencidos e não pagos;
  c) … .
  3. O pagamento depende de requerimento do beneficiário e da prova, por ele apresentada, de não ter sido possível obter a cobrança, total ou parcial, das quantias em dívida por via judicial.
  4. … .
  5. … .
  6. … .” (sublinhado nosso)
  Portanto, o Fundo de Segurança Social só estava obrigado a pagar ao trabalhador em questão se estivesse demonstrado que a Requerida não tinha meios económicos e financeiros para pagar ao trabalhador sendo esta a razão do não recebimento do salário em falta por parte do trabalhador. E apenas depois de demonstrado esse cenário é que o mesmo ficaria sub-rogado no crédito que assistia ao trabalhador.
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  Nada dos factos provados indicam os motivos por que o trabalhador não foi pago pela Requerida depois da condenação. Assim, nada se pode concluir acerca do requisito de insuficiência económica e financeira e do motivo da impossibilidade de recebimento do crédito em questão por parte do trabalhador.
  Não estando demonstrado os citados requisitos, não se pode afirmar que o Fundo de Segurança Social ficou sub-rogado no crédito do trabalhador e, como tal, passou a ser credor da Requerida.
  Consequentemente, também não pode considerar o Requerente credor da Requerida por força da transmissão dos créditos prevista no artigo 15º da Lei nº 10/2015.
  Nessa base, por a Requerente não dotar de legitimidade substantiva para formular o pedido de falência nos termos previstos no artigo 1084º, nº 1, a), do CPC acima transcrito, a Requerida deve ser absolvida do pedido.

    Quid Juris?
    Importa tecer algumas considerações em torno da argumentação do Tribunal a quo neste aspecto:
1) – A questão fulcral reside em saber se a Requerida tem ou não capacidade económica ou financeira para pagar o crédito do Fundo.
2) – O artigo 38º acima citado fala de insuficiência económica e financeira, mas trata-se de uma insuficiência de carácter permanente ou temporário? A lei não o diz expressamente.
3) – Para concretização do seu crédito, o beneficiário/trabalhador tem de formular o pedido e apresentar prova de que não foi possível obter o pagamento por via judicial. No caso, conforme o teor de fls.23, o MP não instaura execução contra a Requerida, justamente porque entende que não existem bens suficientes para cumprir a obrigação!
4) – Está provado que o Fundo já pagou ao trabalhador. Neste aspecto, resta saber se houve ou não sub-rogação do crédito.
5) – Entendemos que sim, pois a noção de sub-rogação consta do artigo 584º (Sub-rogação pelo devedor) do CC (cfr. 590º do CC de 1966), que prescreve:

1. O terceiro que cumpre a obrigação pode ser igualmente sub-rogado pelo devedor nos direitos do credor até ao momento do cumprimento, sem necessidade do consentimento deste.
2. A vontade de sub-rogar deve ser expressamente manifestada.
É de ver que a sub-rogação nem sequer exigir o consentimento do credor!
6) – Conforme os elementos que resultam dos autos, o Fundo fica sub-rogado nos direitos do trabalhador depois de feito o pagamento. Fica assim rematada a questão da legitimidade de pedir declaração da falência pelo Fundo.
7) – Assim, importa saber, agora, se estão reunidos ou não os demais requisitos exigidos pela declaração de falência requerida.
*
Em matéria da falência, o artigo 1082º (Motivos de declaração da falência) do CPC dispõe:
A declaração da falência, quando não resulte do que especialmente fica disposto na secção anterior, tem lugar desde que se prove algum dos seguintes factos:
a) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações;
b) Fuga do empresário comercial ou, caso este seja pessoa colectiva, dos titulares do seu órgão de administração, relacionada com a falta de liquidez do devedor e sem designação de substituto idóneo;
c) Abandono da administração principal ou, caso o empresário comercial seja pessoa colectiva, da respectiva sede ou da administração principal;
d) Dissipação ou extravio de bens, constituição fictícia de créditos ou qualquer outro procedimento abusivo que revele o propósito de o devedor se colocar em situação que o impossibilite de cumprir pontualmente as suas obrigações.

Nos autos ficaram provados os seguintes factos:
Na referida acção de execução não foi possível notificar a Requerida uma vez que o funcionário judicial que se deslocou à anterior sede da Requerida para o feito, no dia 26 de Julho de 2016, tomou conhecimento de que aí se encontrava instalada um outra empresa não tendo o segurança do edifício ouvido falar da Requerida.
Conforme informação obtida na referida acção de execução, junto da Conservatória do Registo Predial, da Conservatória dos Registo Comercial e dos Bens Móveis e das instituições bancárias de Macau, a Requerida é apenas de duas contas bancárias: uma conta poupança em dólares de Hong Kong aberta junto do Banco XXX, S.A., com o n.º XXXXXXXXX, com um saldo de HK$50,00 e uma outra contra poupança em patacas aberta no mesmo banco, com o n.º XXXXXXXXX, com um saldo de MOP$51,75.

Ora, os factos transcritos permitam-nos chegar à seguinte conclusão:
1) – A Requerida/Recorrida não tem liquidez suficiente para pagar o crédito;
2) – A mesma deixa de ser contactável. O mais grave é que o homem de segurança do local declarou que nunca ouviu falar do nome da Requerida no local indicado pela mesma;
3) – A Requerida mantem somente duas contas bancárias com depósitos em valor insignificativo;
4) – Já passaram vários anos e até hoje a Requerida ainda não cumpriu a sua obrigação: foi condenada em 2014, desde 2016 incontactável, agora, em 2019, a situação mantém-se;
5) – O dito é suficiente para concluir que a Requerida, para além de não ter vontade de cumprir as obrigações que sobre ela recaem, nem tem património suficiente para cumprir a obrigação.
6) – Pelo exposto, entendemos que estão verificados os pressupostos da declaração da falência, por força do disposto no artigo 1082º/2-a) e c) do CPC.
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    Síntese conclusiva:
    I – Quando o Fundo de A, perante o pedido formulado pelo trabalhador e a prova de que o seu crédito laboral não foi possível ser satisfeito por via judicial junto da ex-entidade patronal que tinha sido condenada nestes termos, decidiu e efectuou o pagamento desse mesmo crédito ao trabalhador nos termos do artigo 38º do DL nº 58/93/M, de 18 de Outubro, fica sub-rogado no direito do beneficiário/trabalhador nos termos do artigo 39º do citado diploma legal.
    II – Feito isto, o Fundo veio a propor um acção de declaração de falência da entidade patronal, O Tribunal a quo, sem que qualquer das partes tivesse questionado a legalidade da decisão jurídico-administrativa de pagar o crédito laboral em causa, conheceu desta questão e chegou à conclusão de que não estavam preenchidos os requisitos de sub-rogação e consequentemente o Fundo não podia ser credor e como tal carecia da legitimidade para requerer a falência, esta decisão do Tribunal a quo padece de vício de nulidade nesta parte por violar o artigo 571º/1-d) do CPC, tendo conhecido de uma questão não suscitada.
    III –No caso sub judice, não existe uma verdadeira questão prejudicial tal como configura o artigo 27º do CPC, porque não é falta de uma decisão jurídico-administrativa, que seja prejudicial em relação ao objecto do processo da declaração da falência, pelo contrário, tal decisão (administrativa) foi tomada e ninguém veio a pô-la em causa. Pelo que, não se deve lançar do mecanismo do artigo 27º do CPC
    IV – Perante os factos assentes - a Requerida/Recorrida não tem liquidez suficiente para pagar o crédito; a mesma deixa de ser contactável. O mais grave é que o homem de segurança do local declarou que nunca ouviu falar do nome da Requerida no local indicado pela mesma; mantem somente 2 contas bancárias com depósitos em valor insignificativo; já passaram vários anos e até hoje a Requerida ainda não cumpriu a sua obrigação: foi condenada em 2014, desde 2016 incontactável, agora, em 2019, a situação mantém-se até hoje – tudo isto é bastante para formar a convicção de que a Requerida, para além de não ter a vontade de cumprir as obrigações que sobre ela recaem, nem tem património suficiente para cumprir a obrigação, estando verificados os pressupostos da declaração da falência, enunciados no artigo 1082º/2-a) e c) do CPC, é de decretar a falência da Requerida, concedendo-se assim provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e julgando procedente o pedido do Autor formulado na PI.

* * *
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em conceder provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, declarando em estado da falência a Requerida B Limitada (B有限公司) (em inglês: B, Ltd., sociedade comercial de responsabilidade limitada), julgando procedente o pedido do Recorrente/Autor formulado na PI.
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    1) - Nomear o Dr. XXXX como administrador deste processo.
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    2) - Fixar em 60 dias para a reclamação de créditos.
* * *
3) - Cumpra imediatamente os termos fixados no artigo 1089º/2 do CPCM.
* * *
    4) - Remetam-se OPORTUNAMENTE os autos para o TJB para cumprir o ordenado.
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    Custas em ambas instâncias a cargo da Recorrida/Ré.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 31 de Janeiro de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
Lai Kin Hong
(Vencido nos termos do projecto do Acórdão que submeti à conferência)


2018-935-prejudicial-falência 28