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Proc. nº 772/2017
(Recurso Contencioso)
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 31 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Procedimento disciplinar
- Ónus de prova
- Non bis in idem

SUMÁRIO:

I - A realização de prova testemunhal no processo de recurso contencioso deriva da necessidade de se apurar da veracidade dos factos invocados no acto quando tenha sido invocado, precisamente, o erro nos pressupostos de facto.

II - Em princípio, se os factos estão na base de um acto administrativo ablativo ou sancionatório, é sobre a entidade administrativa que recai ónus probatório.

III - Não há violação do princípio do non bis in idem por o interessado ter sido punido criminalmente e por essa condenação vir a ser um pressuposto de interdição de indeferimento de permanência, actuando tais efeitos da condenação a níveis diferentes. Diferente seria se o acto punitivo que, embora sob diferente qualificação, punisse o arguido pelos mesmos factos por que ele já fora perseguido e sancionado noutro processo disciplinar.

IV - A alínea c) do nº2, do art. 315º, do ETAPM impõe que o ilícito seja praticado “no exercício das funções”, o que não sucede se alguém, elemento de um corpo policial, mas fora das respectivas funções, se serve do lugar que nele ocupa para obter alguma vantagem.

V - A al. n), do nº2, do art. 315º citado, implica que o funcionário ou agente não promova atempadamente os procedimentos adequados ou lese, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar.

VI - A matéria da al. b) do nº1, do art. 283º do ETAPM, para ser tomada como agravante, exige a produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço ou ao interesse geral, o que implica a respectiva a prova, salvo nos casos de facto notório.

VII - O conluio a que se refere a al. d) do nº1, do art. 283º do ETAPM não implica que, além do funcionário, esteja envolvida mais do que uma pessoa.

Proc. nº 772/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
A, de sexo masculino, investigador principal do quadro da Polícia Judiciária, residente em Macau, …, melhor identificado nos autos referidos em epígrafe, ----
Recorre contenciosamente do despacho do ----
Secretário para a Segurança, proferido em 2017.7.6, pelo qual, no termo do respectivo processo disciplinar, lhe aplicou a pena de demissão.
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Na petição inicial formulou as seguintes conclusões:
“1. O acto administrativo recorrido é o despacho do Secretário para a Segurança n.º 062/SS/2017 proferido em 2017.7.6.
2. No presente recurso contencioso já se preenche os pressupostos processuais, incluindo a competência, a legitimidade passiva, a recorribilidade, a interposição oportuna, a legitimidade activa, o interesse, bem como a não existência de contra-interessado.

3. O presente recurso contencioso é interposto com base nos seguintes vícios do acto administrativo recorrido: falta de fundamentação, violação do princípio da dupla responsabilidade, erro na apreciação dos factos, erro na aplicação da lei e a desrrazoabilidade no exercício de poder discricionário (violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
4. Em termos da falta de fundamentação, os fundamentos não são suficientes para a entidade recorrida aplicar ao recorrente a pena de demissão nos termos do art.º 315.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) e d) do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M.
5. O acto administrativo recorrido, despacho do Secretário para a Segurança n.º 062/SS/2017, não explica os fundamentos nas quais se baseia. O mais importante é, de todos os dados nos presentes autos resulta que a decisão da pena não só falta de fundamentação e interpretação de acordo com o parecer, relatório ou proposta, como também faz uma decisão de pena diferente do entendimento do instrutor e do Director da PJ, sem explicar os fundamentos em causa. (vide fls. 172 a 174 do processo disciplinar)
6. Por isso, o acto administrativo recorrido viola a primeira parte do art.º 338.º, n.º 3 do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, os art.º 114.º, n.º 1, al. a) e art.º 115.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo.
7. Ademais, no presente caso, a acusação foi elaborada em 2016.2.22 (fls. 109 a 123 dos autos). De acordo com o despacho do Secretário para a Segurança n.º 18/SS/2016, a entidade recorrida entendia que não havia prova suficiente a verificar que o recorrente sabia a ilegalidade do acto praticado pela cidadã B e ordenou a PJ aplicar medidas de investigação suficientes por causa da necessidade de verificar se o recorrente tinha cometido a infracção disciplinar e, por isso, não fez qualquer decisão final nessa altura.
8. São independentes o procedimento disciplinar e o criminal. Mas a entidade recorrida, nesta situação, praticou o acto recorrida de aplicar a pena de demissão ao recorrente, com base na acusação no procedimento penal independente, o qual violou o art.º 287.º, n.º 1 do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, devendo ser anulado pela violação do princípio da dupla responsabilidade, nos termos do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.
9. Aqui não analisamos se é ilícito o acto praticado pela B. O recorrente começou a coabitação com a namorada B depois de Agosto de 2015, a qual foi acusada pelo crime em Dezembro de 2015. Na condição de não intervir na vida privada da outra parte, era normal o recorrente não saber o acto praticado pela B, não havendo qualquer inadequação.

10. Além disso, o recorrente tem um salário fixo e alto. Na situação normal, no ano 2018 vai reunir 36 anos o período de serviço contado para efeitos de aposentação. O recorrente não necessita de tomar o risco de cooperar com outros, participar ou envolver-se nos actos ilícitos ou nas actividades incompatíveis.
11. Não era facto que o recorrente não aumentou a vigilância, o qual já tinha lembrado a namorada então B, dizendo a esta a agir com atenção, para evitar de ser enganada, o que conformava com a consciência e atitude básica duma pessoa que se tivesse dedicado na investigação criminal. O recorrente não aproveitou a qualidade de polícia judiciária para agir, nem mostrou às pessoas em causa o documento de agente de polícia ou a pistola.
12. O recorrente praticou ocasionalmente por duas vezes o acto de receber pela ou com a namorada os objectos embrulhados. Não se pode verificar extensivamente que o recorrente, bem sabendo, conspirou, acompanhou ou ajudou a B a pratica a actividade ilícita de tratar títulos por outros, ou praticou actividades incompatíveis.
13. Nos autos falta qualquer prova a verificar que o recorrente sabia a ilegalidade do acto eventual da B ou qualquer intenção criminal dela, nem que o recorrente acreditava a B com base nos exemplos em que esta tinha ajudado com êxito várias pessoas a arranjar emprego.
14. Pode-se ver que o recorrente não sabia a ilegalidade do acto da B, nem conspirou com esta. Por isso, não se pode exigir o recorrente a denunciar ou parar a relação com a B. Por isso, o despacho recorrido padece de erro na apreciação dos factos acima referidos. Para este efeito, o acto acusado ao recorrente não violou o moral e a deontologia ou prejudica o prestígio e a imagem da polícia. Os dados nos autos também não conseguem provar que o recorrente violou o dever. Por isso, não se preenche qualquer um dos ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, Decreto-Lei n.º 27/98/M ou Lei n.º 5/2006. O recorrente não deve assumir responsabilidade disciplinar.
15. Em termos do erro na aplicação da lei, a entidade recorrida aplicou erradamente os art.º 315.º, n.º 2, al. c) e n) do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, e art.º 5l.º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 27/98/M como fundamentos da pena de demissão ao recorrente.
16. Ademais, o despacho recorrido alega a existência das circunstâncias agravantes no procedimento disciplinar, a qual é uma interpretação errada do art.º 283.º, n.º 1, al. b) e d) do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M.
17. Em fim, caso não entender que o acto recorrido incorre nos vícios acima referidos, à cautela de patrocínio, são alegados os fundamentos seguintes: desrazoabilidade no exercício de poder discricionário (violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação).
18. O despacho recorrido limita-se a indicar geralmente disposições legais, sem indicar a razão de escolher a pena de demissão em vez daquela de aposentação compulsiva, nem considerar as circunstâncias aplicáveis ao recorrente, designadamente as atenuantes. Já excedeu 33 anos em 2015 o período de serviço contado para efeitos de aposentação. O recorrente adquiriu 13 louvores colectivos, num dos quais foi atribuído medalha. Nos cincos anos foi classificado como “muito satisfeito”. O recorrente não tinha dolo nem negligência em todo o acto. Deve favorecer-se das circunstâncias atenuantes previstas no art.º 282.º do ETAPM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M.
19. A entidade aplicou a pena de demissão sem ponderar geralmente a natureza e a gravidade do acto, a categoria ou o cargo do recorrente, o grau de culpa, a personalidade, o período de serviço, o nível de habilitação e qualquer circunstância favorável ou não favorável, aparecendo erro notório e desrazoabilidade total no exercício do poder discricionário atribuído pela lei.
20. Pelo exposto, o acto administrativo recorrido incorre simultânea ou alternativamente os vícios de falta de fundamentação, de violação do princípio de dupla responsabilidade, de erro na apreciação dos factos, de erro na aplicação da lei e de desrazoabilidade no exercício de poder discricionário (violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação). Deve, nos termos dos art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo e art.º 21.º, n.º 1, al. c) e d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, ser julgado procedente o presente contencioso e anulado o acto administrativo recorrido.”
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A entidade recorrida apresentou contestação, pugnando pela improcedência do recurso, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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O relator do processo, por entender que a apreciação do objecto do recurso não carecia de prova testemunhal, determinou que as partes fossem notificadas para alegações facultativas.
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Contra esse despacho apresentou o recorrente reclamação, considerando ter o despacho violado os princípios do contraditório e do inquisitório, bem como o art. 65º, nº3, do CPAC.
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A entidade recorrida não respondeu à reclamação.
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As partes não apresentaram alegações facultativas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“I. Quanto à reclamação:
O recorrente A reclama para a conferência do despacho do relator, a fls. 53 dos autos, que não admitiu a produção de prova por inquirição de testemunhas.
Não se crê que lhe assista razão.
Em recurso contencioso de anulação, a produção de prova deve ser limitada aos factos relevantes para a decisão da causa - artigo 65.º, n.º 3, do Código de Processo Administrativo Contencioso. Por isso, ao requerimento de produção de prova testemunhal não se segue automaticamente a pretendida inquirição. Ela só terá lugar se visar factos que o relator tenha por relevantes para a decisão da causa.
Pois bem, o recorrente requereu a produção de prova, o Ministério Público levantou dúvidas sobre a sua relevância e o relator decidiu que a prova oferecida não apresentava relevância para a decisão da causa, tendo indeferido a pretendida produção de prova.
Não foi aqui introduzida, salvo melhor opinião, qualquer questão nova sobre a qual o recorrente devesse ser ouvido previamente. Como se disse, a indicação de prova testemunhal e o requerimento para ser produzida não constituem passaporte automático para que a inquirição tenha lugar. Por isso, o indeferimento, sendo uma das hipóteses legalmente possíveis de decisão, não pode ser encarado como uma questão nova ou uma decisão surpresa, como pretende o recorrente.
Ainda que tal indeferimento tenha sido adoptado na esteira de opinião idêntica do Ministério Público. Sendo certo que a remessa de cópia do parecer do Ministério Público, efectuada juntamente com a notificação do despacho do relator, visa tão só transmitir as razões ou fundamentos da decisão, na medida em que esta remete para o parecer do Ministério Público.
Por outro lado, e quanto à questão de fundo, continuamos a entender que a inquirição, nesta fase contenciosa, se apresenta inútil para os fins do recurso. Como oportunamente foi salientado, o recorrente não indicou prova testemunhal no âmbito do processo disciplinar. Ora, aí é que teria interesse produzir a prova que tivesse por pertinente, para poder ser tomada em conta na decisão administrativa. A sua eventual produção, no âmbito do recurso contencioso, em nada iria alterar a decisão administrativa, pois, como se sabe, o recurso é de mera legalidade, não podendo o tribunal substituir-se à Administração.
Diferentemente se passariam as coisas se, por exemplo, a Administração tivesse recusado a inquirição, no processo disciplinar, de testemunhas oferecidas pelo arguido. Nesse caso, a inquirição contenciosa revelar-se-ia pertinente, não para alterar a decisão administrativa, que o não pode fazer o tribunal, mas para sindicar a legalidade do acto, cujos pressupostos podiam sair abalados por insuficiência ou défice de instrução.
Improcede, pois, a reclamação.

II. Quanto ao recurso contencioso:
A recorre contenciosamente do acto de 6 de Julho de 2017, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão, ao qual imputa os vícios de falta de fundamentação, violação do princípio da dupla responsabilização, erro na apreciação dos factos, erro na aplicação da lei e desrazoabilidade no exercício de poder discricionário.
A entidade recorrida pronuncia-se pela inverificação dos aventados vícios, sustentando a legalidade do acto.
Vejamos a questão da falta de fundamentação.
O recorrente alicerça este vício de forma essencialmente na falta de explicitação das razões da inviabilização da manutenção da relação jurídico-funcional e dos motivos que levaram a aplicar uma pena diferente da proposta pelo instrutor e pelo Director da Polícia Judiciária.
Nos termos do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, equivalendo à sua falta a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

A partir deste inciso legal, a doutrina e a jurisprudência vêm apontando a relatividade do conceito e vincando que o que importa é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra.
No caso vertente, afigura-se que o dever de fundamentação se mostra suficientemente cumprido, quer no plano factual, quer na vertente do direito. Com efeito, para além de remeter para a descrição factual constante da acusação no processo disciplinar, que dá por reproduzida e integrada, o acto efectua uma resenha factual da actividade disciplinarmente relevante imputada ao recorrente, enuncia os deveres infringidos, explicita sucintamente os motivos que tomam insustentável a manutenção do vínculo funcional e as razões determinantes da aplicação da pena de demissão, tudo referenciado aos dispositivos legais tidos por pertinentes...
É o bastante em matéria de fundamentação, tanto mais que, contrariamente ao que o recorrente afirma, o instrutor não propôs a aplicação da pena de aposentação compulsiva, mas sim a de demissão, conforme se apura do relatório por si elaborado em 17 de Março de 2016.
O recorrente parece advogar uma fundamentação exaustiva, e, mais do que isso, uma fundamentação substancialmente meritória, mas não é isso o que o Código do Procedimento Administrativo exige, bastando-se este, em matéria de fundamentação de forma, com uma exposição sucinta dos fundamentos, que, no caso, temos por preenchida.
Improcede este vício.
Também vem imputado ao acto o vício de violação da dupla responsabilização.
Ao falar de violação da dupla responsabilização, o recorrente pretende censurar o facto de, em certo passo do procedimento disciplinar, haver sido colhida informação sobre o andamento do procedimento criminal relativo aos mesmos factos objecto do processo disciplinar, tendo-se então sabido que havia sido deduzida acusação pelo Ministério Público, com base no mesmo quadro factual apurado no processo disciplinar. A seu ver, teria sido violada a disposição do artigo 287.º, n.º 1, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Crê-se que não é correcta a leitura que o recorrente faz da supra citada norma. A independência do procedimento disciplinar relativamente ao procedimento criminal significa que os factos disciplinarmente relevantes deverão desencadear o respectivo processo disciplinar, que seguirá os seus trâmites sem ser prejudicado ou ter que aguardar pelo desenvolvimento e resultado do processo criminal. Não significa que não possa haver comunicação entre os dois procedimentos, em vista da recolha de elementos instrutórios. Aliás, essa hipótese de interacção entre procedimentos está bem patente nos artigos 287.º, n.ºs 2 e 3, e 288.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Não houve, pois, qualquer violação do princípio da dupla responsabilização, pelo que improcede igualmente este vício.
Seguidamente, sustenta-se que o acto padece de erro na apreciação dos factos.
Nesta sede, o recorrente refuta que a prova recolhida dê corpo à resenha factual que o acto teve por adquirida, e que aparece extractada no artigo 33.0 da petição de recurso, a saber: ...num período que se situa na segunda metade do ano de 2015, o arguido, com inteiro conhecimento da actividade da sua namorada, colaborou com ela, fazendo crer a um elevado número de ofendidos que tinham conhecimentos e exerciam influências facilitadoras do agenciamento de empregos para o Hotel X, nos empreendimentos do COTAI, do que davam garantias plenas, contra o pagamento de cerca de 5.000 (cinco mil) renminbis. Nesse sentido, o arguido colaborou na recolha e guarda de documentos e de quantias previamente acordadas com os ofendidos, não se abstendo de o fazer, antes corroborando as promessas da namorada, quando os ofendidos começaram a questionar as demoras no respectivo cumprimento, dando sinais de impaciência, desilusão e desconfiança.
Esta alegação do recorrente levanta a questão da discricionariedade imprópria, na modalidade de liberdade probatória. Como é sabido, esta figura confere à Administração a liberdade de apurar os factos que vão servir de base à decisão e de interpretar e avaliar as provas coligidas de acordo com a sua própria convicção. Não se trata, em rigor, de discricionariedade, não havendo, por isso, a hipótese de escolha entre várias soluções possíveis, mas há uma margem de livre apreciação das provas no apuramento da solução correcta. Apesar de não se tratar de discricionariedade, a sindicância judicial desta modalidade de discricionariedade imprópria segue o mesmo regime, ou seja, a liberdade probatória só é sindicável em caso de erro manifesto ou ostensivo. Pois bem, compulsadas as provas que serviram de base à fixação dos factos relevantes para a decisão, não se vislumbra a existência de erro manifesto, que caucione a interferência do tribunal nesta matéria. O juízo formulado quanto à comparticipação do recorrente na actividade levada a cabo pela namorada encontra suficiente eco nas provas recolhidas, havendo até a coincidência de, no processo criminal, lhe haver sido imputada a mesma factualidade. Está excluída a hipótese de erro ostensivo, pelo que o apuramento da matéria de facto pertinente para a decisão não se mostra sindicável contenciosamente.
Improcede, por isso, o alegado erro.
Depois, vem imputado ao acto erro na aplicação da lei. A entidade recorrida justificou, de direito, a aplicação da pena de demissão com as normas dos artigos 315.º, n.º 2, alíneas c) e n), do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, e 51.º, n.º 1, alínea c), do DL n.º 27/98/M, e o recorrente entende que as hipóteses normativas aí previstas não se mostram preenchidas, em face da materialidade apurada. Para além disso, acha o recorrente que o acto errou ao valorar, como agravantes, as circunstâncias das alíneas b) - prejuízo efectivo para o interesse geral - e d) do artigo 283.º, n.º 1 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Quanto à primeira daquelas normas, o recorrente refuta o seu preenchimento aduzindo que, mesmo que se tenham por verificados os factos que lhe foram imputados no processo disciplinar, não se mostra haver ofensa a qualquer instituição ou princípio constitucional, não tendo, de resto, o acto identificado a instituição ou princípio constitucional que saíram afrontados.
Afigura-se que não tem razão.
Tendo o recorrente invocado ou dado a conhecer, perante ofendidos e intermediários de ofendidos, a sua condição de elemento da Polícia Judiciária, parece-nos lógica a conclusão de que a sua comparticipação num esquema de angariação ilegal de empregos, causadora de prejuízos aos ofendidos contra o correspectivo enriquecimento do património da sua namorada, cuja acção ele avalizou, resulta deveras ofensiva para a instituição Polícia Judiciária, em que ele se insere, abalando o seu prestígio e lançando dúvidas sobre a idoneidade dos seus elementos e dos fins que prossegue.
Improcede esta vertente do suscitado erro.
Entende também o recorrente que, contrariamente ao que foi considerado no acto punitivo, não está preenchida a hipótese da alínea n) do artigo 315.º, n.º 2, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Afigura-se que aqui a razão está do seu lado.

Para além do elemento específico (intenção de benefício ilícito - no caso, para terceiro), que temos por preenchido, a norma exige a verificação de uma falta aos deveres do cargo, mas ocorrida no círculo restrito de interesses que menciona, quais sejam, o do andamento atempado dos procedimentos - não promovendo atempadamente os procedimentos adequados - e a boa administração, fiscalização, defesa ou realização dos interesses patrimoniais de que o funcionário esteja incumbido - lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar. Pois bem, salvo melhor juízo, a materialidade apurada e imputada ao arguido no processo disciplinar, não permite a conclusão de que houve atraso ou retardamento de qualquer procedimento ou que ocorreu lesão de interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, o recorrente estava incumbido de administrar, fiscalizar, realizar ou defender. Logo, não resulta preenchida a hipótese da norma.
Procede esta vertente do invocado erro.
Ainda dentro desta temática do erro na aplicação da lei, o recorrente insurge-se contra a integração da sua conduta na infracção prevista na alínea c) do artigo 51.º do DL 27/98/M (omissão de auxílio nas circunstâncias em que seja devido).
Crê-se que, também aqui, lhe assiste razão.
Na verdade, estando imputada ao arguido, no processo disciplinar, a comparticipação num determinado ilícito criminal, mediante comissão por acção, em resultado do qual são ludibriados diversos ofendidos, não é possível imputar-lhe, relativamente a essa mesma actuação, uma omissão de auxílio aos ofendidos, no intuito de obviar a que fossem ludibriados, sob pena de dupla e incongruente valoração da conduta - como acção e como omissão -, o que naturalmente está vedado por via do direito penal, aplicável supletivamente por força do artigo 277.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
Procede igualmente esta vertente do assacado erro na aplicação da lei.
Finalmente, e também nesta matéria do erro na aplicação da lei, o recorrente verbera a inclusão, na decisão punitiva, das agravantes previstas nas alíneas b) - interesse geral - e na alínea d) do n.º 1 do artigo 283.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau. Entende que essas agravantes não se verificam.
Cremos que, também aqui, tem razão.
A agravante da alínea b) foi considerada e ponderada na vertente da produção efectiva de resultados prejudiciais ao interesse geral. Ora bem, esta agravante não pode visar o interesse geral abstracto no bom funcionamento dos serviços, que sempre sairá afectado pela prática de infracções disciplinares. Então, a sua ocorrência há-de pressupor a identificação concreta do prejuízo causado ao interesse geral. Ora esse prejuízo ao interesse geral não se encontra identificado, não valendo evidentemente como tal a identificação de um conjunto de particulares concretamente lesados pela actuação do recorrente e da sua namorada.
Foi igualmente tida por verificada a agravante da alínea d), que prevê o conluio com outros indivíduos para a prática da infracção. Só que o conluio ou comparticipação não abrangeu outros indivíduos, mas apenas um outro indivíduo, ou seja, a namorada. Ora, a letra da lei parece não englobar na agravação a comparticipação que se reduza a dois indivíduos. Se o pretendesse fazer, bastaria prever, como circunstância agravante, o conluio ou a comparticipação, não havendo, nesse caso, necessidade de referência expressa a conluio com outros indivíduos.
Também nesta parte das agravantes se mostra procedente o invocado erro de direito.
Por fim, vem invocada a desrazoabilidade no exercício do poder discricionário.
A este propósito, cabe lembrar que a pena de demissão foi aplicada com base em determinados pressupostos de direito, alguns dos quais, a nosso ver, não ocorrem, como supra notámos. Daí que tenhamos considerado haver erro, o que, a ser confirmado pelo tribunal, irá implicar a anulação do acto.
Nesta perspectiva, fica prejudicada a apreciação da desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários. Com efeito, não vale a pena, por inútil, estar a discorrer sobre a existência de erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários relativamente a uma pena que foi fixada com base em erro nos pressupostos de carácter vinculado.
Nestes termos, temos por prejudicado o conhecimento deste último vício.
Ante quanto se deixa dito, procede o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, pelo que o nosso parecer no sentido do anulação do acto, nessa medida se devendo dar provimento ao recurso.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
1 – O recorrente A, titular do BIRM nº ..., é investigador criminal principal do quadro da Polícia Judiciária.
2 – Contra si foi instaurado um procedimento disciplinar, no qual viria a ser formulada a seguinte acusação:
Acusação
----Por despacho de 17 de Dezembro de 2015, do Sr. Director Substituto da Polícia Judiciária, foi instaurado o presente processo disciplinar, sob nº P.D. 04/2015, contra o arguido A, investigador criminal principal. O signatário X, chefe da Divisão de Investigação Especial, foi nomeado como instrutor deste processo e, a seguir, foi nomeado X, investigador criminal principal, como secretário.
----Nos termos do artigo 332.º, n.º 2 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau em vigor (doravante designada simplesmente por “ETAPM”), após o início das diligências apontadas pelo artigo 329º do ETAPM e a ponderação das provas nos autos, deduz a seguinte acusação contra o arguido A, investigador criminal principal:
Artigo 1º
----O Arguido, A, do sexo masculino, nascido em Macau no dia 18 de Abril de 1967, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º ..., investigador criminal principal de 4º escalão, em regime de nomeação definitiva, do grupo pessoal de investigação criminal do quadro da Polícia Judiciária.
Artigo 2º
----Há cerca de 15 anos, em dia não apurado, o arguido A conheceu a B(com alcunha de “X” ou “X”), as partes mantiveram-se sempre a relação de amizade, até ao dia 24 de Novembro de 2010, as partes começaram o namoro.
Artigo 3º
----A partir de Junho de 2015, o arguido A, através da apresentação da namorada B, foi à loja de cabeleireiro X (fracção A do rés-do-chão do Edifício ...) para cortar cabelo, e gradualmente se começou a afeiçoar a relação com os funcionários X, X, X da loja, na conversa, o arguido A revelou aos funcionários que ele exerceu funções de investigador criminal de nível intermédio na Polícia Judiciária, nesta situação, os funcionários da loja chamaram o arguido A“X Sir”.
Artigo 4º
----Em dia não apurado do mês de Julho de 2015, B disse ao X que ela podia ajudar outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador, para que essas pessoas pudessem vir a trabalhar no Hotel X de Macau, sem necessidade de serem entrevistadas, como o Hotel X de Macau seria realizar o início de actividade em meados de Dezembro de 2015, nesta situação, após o tratamento das formalidades, no início de Novembro, as pessoas podiam vir a Macau para participar na formação e trabalhar em Macau, com a condição de pagar a quantia de RMB5.000,00 como despesa de tratamento, bem como a entrega do Registo de Residência, do Bilhete de Identidade de Residente da China, do Salvo-conduto da RPC e das 6 fotos, de tipo passe de 1 ½ polegadas, coloridas de fundo branco. Depois de saber disso, X solicitou imediatamente a ajuda da B no tratamento de documentos para o seu amigo, B aceitou imediatamente.
Artigo 5º
----Alguns dias depois (em dia não apurado do mês de Julho de 2015), quando B foi à loja de cabeleireiro X para cortar cabelo, X entregou à B os Registos de Residência, os Bilhetes de Identidade de Residente da China, os documentos de Salvo-conduto da RPC e as 6 fotos, de tipo passe de 1 ½ polegadas, coloridas de fundo branco dos 3 amigos X, X e X dele, bem como a despesa de tratamento no valor total de RMB15.000,00 (ou seja, para cada pessoa, de RMB5.000,00).
Artigo 6º
----Desde o fim de Julho ao início de Agosto de 2015, em dia não apurado, por via do X, X conheceu que B podia ajudar outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador para que essas pessoas pudessem via a trabalhar no Hotel X de Macau, sem necessidade de serem entrevistadas, depois de saber da condição acima referida, X solicitou imediatamente a ajuda da B no tratamento de documentos, B aceitou imediatamente.
Artigo 7º
----Alguns dias depois (algum dia durante o fim de Julho ao início de Agosto de 2015), na loja de cabeleireiro X, X entregou à Bo Registo de Residência, o Bilhete de Identidade de Residente da China, o Salvo-conduto da RPC e as 6 fotos, de tipo passe de 1 ½ polegadas, coloridas de fundo branco do marido 岳峰 Yue Feng dela, bem como a despesa de tratamento no valor de RMB5.000,00.
Artigo 8º
----No início de Julho de 2015, por via do X, X conheceu que B podia ajudar outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador para que essas pessoas pudessem vir a trabalhar no Hotel X de Macau, sem necessidade de serem entrevistadas, depois de saber da condição acima referida, X solicitou imediatamente a ajuda da B no tratamento de documentos, Baceitou imediatamente.
Artigo 9º
----Em meados de Julho de 2015, em dia não apurado, X entregou ao X os Registos de Residência, os Bilhetes de Identidade de Residente da China, os documentos de Salvo-conduto da RPC e as 6 fotos, de tipo passe de 1 ½ polegadas, coloridas de fundo branco dos 4 amigos dele, X, X, X e X, bem como a despesa de tratamento no valor total de RMB20.000,00 (ou seja, para cada pessoa, de RMB5.000,00), e depois, foi X que entregou-os à B.
Artigo 10º
----Nos finais de Julho de 2015, em dia não apurado, à noite, com a intenção de agradecer à ajuda prestada pela B, X, propôs um jantar com X, X, B e o arguido A no restaurante “X” em Fái Chi Kei, foi X que pagou a conta. Na conversa, as pessoas conversaram e discutiram sobre o assunto de ajudar outros no tratamento de título de identificação de trabalhador e o assunto de vir a trabalhar em Macau, X, X e X exprimiram os seus agradecimentos à B e ao arguido A, o arguido A respondeu que “Não se preocupem, não há problema! Eles trabalharão em Macau, de forma pontual!” “De nada!” “Não se preocupem, não há problema!”.
Artigo 11º
----Em Agosto de 2015, B mudou-se para a fracção do arguido A, ou seja, a fracção 20P do Edifício…, coabitou com o arguido A e a filha do arguido, antes disso, o arguido A viveu na fracção 16O do Edifício … com a filha dele, devido ao aumento da renda, o arguido A e a filha mudaram-se para a morada supracitada em Julho de 2015, B viveu na fracção 19AN do Edifício… com os pais dela.
Artigo 12º
----Em dia não apurado de Agosto de 2015 (decorreram entre os dois jantares um período de 10 dias a um mês), com a intenção de agradecer à ajuda prestada pela B, X, propôs um jantar com X, X, B e o arguido A no restaurante “X” em Fái Chi Kei, foi X que pagou a conta.
Artigo 13º
----Naquela noite (em dia não apurado de Agosto de 2015), após o jantar, como X tinha que entregar os documentos e as despesas destinadas ao tratamento do título de identificação de trabalhador à B, por isso, após o jantar, depois de as pessoas saíram do local, sob a instrução da B, X foi à porta dum Edifício perto de “McDonald's” em Fái Chi Kei (foi o local no rés-do-chão do edifício dito pela B, devia ser a porta do Edifício …, entregou os documentos e as despesas destinadas ao tratamento do título de identificação de trabalhador ao arguido A, na entrega, X agradeceu ao arguido A, o arguido A respondeu que “Sim, ganhe mais…ganhe mais…ganhamos juntamente o dinheiro!”.
Artigo 14º
----Em dia não apurado de Agosto de 2015 (entre os dois jantares), X entregou ao X os Registos de Residência, os Bilhetes de Identidade de Residente da China, os documentos de Salvo-conduto da RPC e as 6 fotos, de tipo passe de 1 ½ polegadas, coloridas de fundo branco dos 7 amigos dele, X, X, X, X, X, X e X, bem como a despesa de tratamento no valor total de RMB35.000,00 (ou seja, para cada pessoa, de RMB5.000,00), e depois, foi X que entregou-os à B.
Artigo 15º
----Em dia não apurado de Agosto de 2015, como X tinha que entregar os documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador à B, por isso, sob a instrução da B, entregou os documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador ao arguido A, naquela altura, o arguido A estava na loja de cabeleireiro X, para cortar cabelo dele, naquele momento, X entregou pelo menos 6 documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador ao arguido A, durante este período, X disse ao arguido A que “X Sir, os documentos e as despesas destinam-se ao tratamento de título de identificação de trabalhador!”, naquele momento, o arguido A respondeu que “Sim, eu sei!”, mas o arguido A referiu que os documentos foram embalados na bolsa de documento, com base nisso, através do tacto, após ter confirmado a existência de documentos na bolsa de documento, recebeu o arguido A os artigos.
Artigo 16º
----Em dia não apurado de Setembro de 2015, como X tinha que entregar os documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador à B, por isso, sob a instrução da B, X entregou pelo menos 8 documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador à B, fora da porta da loja de cabeleireiro X, naquele momento, B sentava-se no assento de passageiro num autocarro, de cor branca, conduzido pelo arguido A, na conversa, X disse à B e ao arguido A que “X Sir, os documentos e as despesas destinam-se ao tratamento de título de identificação de trabalhador!”.
Artigo 17º
----Ao mesmo tempo, naquele momento, X estava a fumar fora da porta da loja de cabeleireiro X, por isso, X testemunhou o decurso da entrega, mas devido à luz e à distância, X não testemunhou a aparência da pessoa no autocarro, também não se ouvindo o diálogo entre as partes, das palavras ditas pelo X, X conheceu que X entregou os documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador à B e ao arguido A A.
Artigo 18º
----Durante o período de Agosto a Outubro de 2015, X tinha entregue, cerca de mais de dez vezes, os documentos e as despesas destinados ao tratamento de título de identificação de trabalhador à B, ou seja, no total de 83 documentos destinados ao tratamento de título de identificação de trabalhador que pertenceram aos residentes da China, bem como as despesas para o mesmo fim no valor total de RMB415.000,00.
Artigo 19º
----No fim de Outubro de 2015, através dum amigo que conheceu bem as formalidades para o tratamento de título de identificação de trabalhador, após ter o conhecimento das formalidades gerais para o tratamento, X encontrou que existiram a discrepância entre o facto e as palavras ditas pela B, nesta situação, duvidou da capacidade e veridicidade da B no tratamento de título de identificação de trabalhador, no entanto, como o arguido A já tinha exercido funções de nível intermédio na Polícia Judiciária há vários anos, por isso, X continuou a acreditar em que B e o arguido A tinham capacidade de tratar o documento do título de identificação de trabalhador.
Artigo 20º
----No fim de Outubro de 2015, X começou a duvidar que B não conseguisse tratar o título de identificação de trabalhador, mas, com base na profunda confiança em que “O arguido A é polícia judiciária, não violará conscientemente a lei”, nesta situação, continuou a acreditar em que B poderia conseguir o tratamento de título de identificação de trabalhador.
Artigo 21º
----No fim de Outubro de 2015, através dum amigo que conheceu bem as formalidades para o tratamento de título de identificação de trabalhador, após ter o conhecimento das formalidades gerais para o tratamento, X encontrou as problemas existentes nas formalidade ditas pela B, nesta situação, duvidou que B não tinha capacidade de tratar o título de identificação de trabalhador, no entanto, como a mulher do X conheceu a B há mais de 10 anos, ao mesmo tempo, X acreditou profundamente em que o arguido A era Polícia Judiciária e não iria enganar os cidadãos, por isso, X continuou a acreditar em que B tinha capacidade no tratamento de título de identificação de trabalhador.
Artigo 22º
----Durante o período de Outubro a Dezembro de 2015, X,X e X sempre insistiram em perguntar à B, por várias vezes, sobre o progresso do tratamento, além disso, X, X e X solicitaram a devolução de documentos e despesas destinadas ao tratamento, mas não receberam nenhuma resposta positiva da B, ainda mais, B evitou manter os contactos com X, X e X, desde então, nem tinham visto a B na loja de cabeleireiro X.
Artigo 23º
----No dia 15 de Dezembro de 2015, X, X e X vieram à secção criminal da Polícia Judiciária para realizar a denúncia contra a B, X, X e X duvidaram que B praticou os actos de burla em nome de tratar os documentos de título de identificação de trabalhador. A Polícia Judiciária autuou de forma imediata o inquérito n.º 5131/2015 para o prosseguimento.
Artigo 24º
----No dia 16 de Dezembro de 2015, após a averiguação feita pela Divisão de Investigação de Crimes Económicos da Polícia Judiciária, resultam fortes índices de que por estar suspeitos de ter praticado as actividades criminosas, B e pelo arguido Acometeram o crime de “burla” previsto pelo artigo 211º, n.º 4, alínea a) do Código Penal, as partes podem ser punidos com pena de 2 a 10 anos de prisão, foram detidos pela Polícia Judiciária fora de flagrante delito e transferidos ao Ministério Público para a investigação.
Artigo 25º
----Segundo a investigação da Divisão de Investigação de Crimes Económicos da Polícia Judiciária, na fracção 20P do Edifício…, encontraram 1 mala no quarto da B e do arguido A, encontrou na qual a guarda de 320 documentos de Salvo-Conduto da PRC que pertenceram aos residentes da China, os quais foram apreendidos e remetidos ao Ministério Público.
Artigo 26º
----O participante, X, chefe da Divisão de Investigação de Crimes Económicos desta Polícia, referiu que, o arguido A negou os factos, só admitiu que tinha ajudado a B no recebimento dos documentos para o tratamento, mas negando o recebimento das despesas, além disso, o arguido A conheceu que B tinha ajudado outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador, mas não teve conhecimento nenhum sobre o evento concreto. Porém, após ter cotejado os depoimentos das testemunhas do processo, encontraram uma discrepância aparente – tendo conhecimento do facto, o arguido A ainda ajudou a B no recebimento dos documentos e as despesas para o tratamento entregues pelos ofendidos, além disso, assistiu no jantar convocado pelos ofendidos destinado ao agradecimento da ajuda prestada por ele, no jantar, quanto ao tratamento de documentos, o arguido A deu as garantias orais aos ofendidos, por várias vezes. Considerando que o arguido A é um investigador criminal principal activo que tem longa experiência no seu ramo de inquérito criminal, há mais de 10 anos, é impossível que o arguido A não tenha constatado os actos criminosos que já perduram desde há vários meses praticados pela namorada dele, com que vive maritalmente, B, nesta situação, acredita em que o depoimento do arguido A de “não teve conhecimento nenhum” é meramente para dissimular a participação dele nos actos criminosos.
Artigo 27º
----Conforme as informações sobre o processo de inquérito do Ministério Público n.º 14070/2015, demonstra que durante o período de Maio a Outubro de 2015, em termos idênticos, B disse a outrem que ela podia ajudar outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador, para que essas pessoas pudessem vir a trabalhar no Hotel X recém-inaugurado em Macau, com base nisso, B tinha cobrado as despesas pagas por outrem, mas não conseguiu realizar o tratamento, além disso, B não esclareceu claramente o concreto resultado do tratamento, nem podendo mostrar quaisquer documentos, as despesas envolvidas em causa pagas pelos 134 residentes da China destinadas ao tratamento de documentos são no valor total de RMB1.072.000,00. Ao mesmo tempo, B admitiu que não teve capacidade de ajudar outras pessoas a tratar dos documentos para que essas pessoas viessem a trabalhar em Macau, o tratamento de documentos só dependeu da organizadora do continente, desconhecida e sem contacto, “石小姐Sr.ª Seak”, B tinha recebido a parte das despesas destinadas ao tratamento de documentos como remuneração, tinha obtido o benefício no valor total de RMB300.000,00, os actos praticados pela B violaram o artigo 211º, n.º 4, alínea a) do Código Penal, ou seja, B cometeu o crime de burla, além disso, o Ministério Público já apensou o processo de inquérito n.º 5090/2015 desta Polícia e o processo de inquérito n.º 5131/2015 desta Polícia.
Artigo 28º
---X, o Director do Departamento de Recrutamento de Talentos, que é responsável pelo recrutamento do Hotel X, referiu que, a sociedade em que se encontra a exercer funções é responsável pelo recrutamento do Hotel X Macau e do Hotel X, por via do Website estabelecido pela sede (X e “X”), a sociedade toma X e X como plataforma para realizar o recrutamento voluntário, em caso do encontro dos candidatos adequados, a sociedade organizará a entrevista, após a aprovação da entrevista e a examinação do curriculum vitae, os candidatos chegam a ser oficialmente assalariados, e depois, a sociedade contactará directamente com as 19 agências de emprego legais autorizadas pelo governo da RAEM, para que as agências apoiem o tratamento do título de identificação de trabalhador, a seguir, notificará os candidatos a contactar com a agência de emprego nomeada, para que entreguem os documentos e as despesas necessárias (o Bilhete de Identidade de Residente da China, o Salvo-conduto da RPC, as fotos, a despesa de serviço no valor anual de RMB3.000,00, a despesa de tratamento no valor de MOP$800,00, bem como a despesa de exame físico no valor desconhecido), explicará o lugar assalariado e deixará o meio de contacto. Além disso, a sociedade não realizará o recrutamento por via de outra entidade de intermediação (incluindo as agências de emprego), ainda mais, não realizará o recrutamento por via privada, também não tem conhecimento do arguido A, B, “X Sir”, “X” ou “X”, nem constituirá direitos às pessoas acima referidas ou por via destas para realizar quaisquer formas de recrutamento.
Artigo 29º
----X, responsável da Secção de Investigação de Crimes Contra a Propriedade desta Polícia, referiu que ele foi o imediato superior hierárquico do arguido A, o arguido A tinha exercido funções do chefe de uma equipa de investigação, é responsável pelo apoio e pela direcção dos subordinados no trabalho de investigação e no tratamento de seguimento dos casos, o desempenho do arguido é normal, o arguido pode cumprir o trabalho de investigação dos casos gerais, no aspecto de operação, o arguido é activo, no aspecto de tratamento dos documentos, o desempenho do arguido desta área é um pouco inferior. Além disso, o arguido A não tinha declarado o assunto de ajudar outras pessoas, os familiares, os amigos ou a namorada, para o fim de ajudar outras pessoas no tratamento de documentos, por forma a que essas pessoas possam vir a trabalhar em Macau.
Artigo 30º
----B referiu que, após ter concluído o ensino secundário complementar em 1999, tinha exercido funções de oficial nas várias instituições privadas, durante o período do ano de 2007 ao ano de 2008, trabalhou como “Croupier” por meio ano no Casino X, e depois, ficou desempregada, em Junho e em Julho de 2014, efectuou a adesão de quota na loja X SUSHI explorada pelo amigo “ANA” (não soube o nome completo, não tem o meio de contacto do amigo) com capital no valor de MOP$40.000,00, normalmente, B foi à loja para trabalhar como empregada de mesa, no entanto, devido ao mau negócio e à pouca posse de quotas, B ganhou apenas um salário no valor mensal de MOP$10.000,00, até Março de 2015, B efectuou oficialmente a cedência de quotas.
Artigo 31º
----B referiu que, desde o início do ano de 2014, por via dum homem “霍Fok”, tinha ajudado outras pessoas a tratar o documento de título de identificação de trabalhador, para que essas pessoas pudessem vir a trabalhar em Macau, com condição de - cada requerente precisou de pagar a despesa de serviços no valor de RMB3.000,00, as 6 fotos, de tipo passe de 1½ polegadas, coloridas de fundo branco, o Registo de Residência, o Bilhete de Identidade de Residente da China e o Salvo-conduto da RPC, por isso, B iria cobrar a despesa de serviços no valor de RMB4.000,00 ou no valor de RMB5.000,00 aos requerentes, com a intenção de ganhar a diferença, no fim do ano de 2014, tinha ajudado bem sucedido as 20 a 30 pessoas no tratamento de documentos, com base nisso, B tinha obtido o interesse no valor total de RMB20.000,00 a RMB30.000,00, mas não conheceu o concreto local de trabalho das pessoas, só conheceu que as pessoas trabalharam como empregadas nas pequenas sociedades. Ao mesmo tempo, durante o período de Novembro a Dezembro de 2014, na cidade de Zhu Hai, sob a solicitação do homem “霍Fok”, B tinha que ajudar a procura dos residentes da China, para que esses residentes da China pudessem vir a trabalhar no Hotel X, The X Macau, nesta situação, B começou a procura dos requerentes. Por cada vez, quando B procurou os requerentes, depois de obter os documentos e as despesas necessárias ao tratamento, sob a instrução do homem “霍Fok”, B entregaria os documentos e as despesas à mulher desconhecida “石小姐Sr. Seak” no local perto do Posto Fronteiriço da cidade de Zhu Hai ou no local perto das Portas do Cerco. Além disso, B declarou que os documentos encontrados pela polícia foram devolvidos pelo homem “霍Fok”, pelo que não conseguiram o tratamento do documento de título de identificação de trabalhador, no entanto, como o homem “霍Fok” não devolveu as despesas para o tratamento, por outro lado, X, X e X insistiram na devolução cumulativa dos documentos e das despesas, nesta situação, B assim depositou-os na casa.
Artigo 32º
----B referiu que, o arguido A não teve conhecimento sobre as circunstâncias e os detalhes do tratamento de documentos (ou seja, o trabalho de intermediação dela), mas o arguido A disse à B que tinha de ter muito cuidado no tratamento, pelo que ele tinha receio de que B ter sido enganada por alguém, até fazendo que os requerentes consideraram que foram enganados pela B, a B até tinha que assumir as responsabilidades criminais. Ao mesmo tempo, B confirmou que durante o período de Agosto a Setembro de 2015, tendo o conhecimento do facto, o arguido A ajudou B no recebimento dos documentos e das despesas entregues pelo X, que se destinaram ao tratamento de título de identificação de trabalhador.
Artigo 33º
----O arguido A referiu que, ele nunca tenha ingerido na vida privada da B, por isso, ele não conheceu o assunto da B nem conheceu o trabalho dela, no fim do ano de 2013 (3 anos após ter iniciado o namoro), conheceu que B associou-se a um amigo para explorar a loja X SUSHI em Fái Chi Kei, mesmo que B ocupasse pouca quota, ainda podia ganhar o valor de MOP$20.000,00 a MOP$25.000,00 por mês, além disso, B não tinha que trabalhar na loja, quando o sócio da B estava nos descansos, B assim foi à loja para dar ajuda ao trabalho de tesouraria.
Artigo 34º
----O arguido A referiu que, em dia não apurado do ano de 2014, das palavras ditas pela B, conheceu que ela tinha ajudado bem sucedido as 20 a 30 pessoas no tratamento de documentos, para que essas pessoas pudessem vir a trabalhar em Macau, B tinha obtido o interesse de vários milhares de dólar (não conheceu o concreto valor ou o valor de moeda), por via de cada requerente, mas não conheceu bem os detalhes, só conheceu que essas pessoas trabalharam nas lojas de Macau.
Artigo 35º
----O arguido A repete-se que é inocente, teve pouco conhecimento do assunto (ajudar outras pessoas a tratar os documentos) da B. O arguido A referiu que ele não teve conhecimento nenhum sobre por a qual via ou a qual agência de emprego, que a namorada, com que vive maritalmente, B ajudou outras pessoas no tratamento do documento de título de identificação de trabalhador. O arguido A salientou que ele nunca tinha participado nos assuntos de ajudar outras pessoas a tratar dos documentos. O arguido A confirmou que ajudou B, de uma só vez, na circunstância do conhecimento do facto, para receber os documentos, e por outra vez, conduziu o autocarro, carregando B, também para o fim de receber os documentos. O arguido A salientou que ele nunca tenha ingerido na vida privada da B, por isso, ele não soube o destino das finanças da B.
Artigo 36º
----O arguido A confirmou que tinha jantado pelas 2 vezes com B, X, X e X no restaurante “X” em Fái Chi Kei, mas não teve conhecimento de “Quem era responsável pela conta”, no jantar, as partes jantaram, beberam as bebidas alcoólicas e jogaram os “dados”. Durante este período, não se encontraram a conversa ou a discussão sobre o tratamento de título de identificação de trabalhador.
Artigo 38º
----Face ao expendido, o arguido A, como investigador criminal principal, na circunstância de bem sabia a situação, por via de recebeu pessoalmente os documentos e as despesas destinadas ao tratamento de título de identificação de trabalhador, conduziu o autocarro, carregando B para receber os documentos e as despesas para o mesmo fim, assistiu e aceitou o jantar destinado ao agradecimento, deu garantias orais quanto à ajuda no tratamento de documentos (na circunstância de que a parte conheceu o estado do investigador criminal principal do arguido A), participou, de forma directa, nos actos de burla praticados pela B em nome de ajudar outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador para que essas pessoas venham a trabalhar em Macau, causando os grandes prejuízos pecuniários a outros, prejudicando a imagem e a reputação da Polícia Judiciária, além disso, quanto ao encontro ou conhecimento dos actos suspeitos de infracção criminal existentes, o arguido A não efectuou a denúncia nem reportou ao seu superior, ainda continuou namorar com B suspeita de infracção criminal, quanto às actividades de acumulação de funções (ajudar outras pessoas a tratar do título de identificação de trabalhador para que essas pessoas venham a trabalhar em Macau), o arguido A também não reportou ao seu superior, nesta situação, os actos praticados pelo arguido violaram os seguintes deveres:
1. Os deveres gerais previstos pelo artigo 279º, n.º 1 do ETAPM, “Os funcionários e agentes, no exercício da função pública, estão exclusivamente ao serviço do interesse público, devendo exercer a sua actividade sob forma digna, contribuindo assim para o prestígio da Administração Pública.”
2. O dever de isenção previsto pelo artigo 279º, n.º 2, alínea a) e n.º 3 do ETAPM;
3. O dever de zelo previsto pelo artigo 279º, n.º 2, alínea b) e n.º 4 do ETAPM;
4. Os deveres especiais previstos pelo artigo 14º, n.º 2 da Lei n.º 5/2006, Polícia Judiciária, “O pessoal referido no n.º 1, no âmbito das acções de prevenção e investigação criminal e de coadjuvação das autoridades judiciárias, deverá informar superiormente sobre quaisquer factos que possam conduzir ao seu impedimento funcional”;
5. Os deveres especiais previstos pelo artigo 14º, n.º 3, alínea 3) da mesma lei, “Relacionar-se correctamente com o público, manifestando-se permanentemente disponível para auxiliar e proteger os residentes sempre que as circunstâncias o aconselhem ou para tal seja solicitado”;
6. Os deveres especiais previstos pelo artigo 14º, n.º 3, alínea 4) da mesma lei, “Intervir prontamente e com determinação, esteja ou não em serviço, em defesa da lei e da segurança dos residentes”;
7. Os deveres especiais previstos pelo artigo 14º, n.º 3, alínea 9) da mesma lei, “Não se relacionar com quaisquer suspeitos da prática de crimes”; ------------------------
8. Por não cumprimento de “denúncia obrigatória” previsto pelo artigo 225º, n.º 1 do Código de Processo Penal, em vigor, republicado integralmente por Despacho do Chefe do Executivo n.º 354/2013, por violação da norma do artigo 14º do Regulamento Interno da Polícia Judiciária registado na Instrução Interna n.º 23-B, em 26 de Março de 2010, até violando o dever de obediência previsto pelo artigo 279º, n.º 2, alínea c) e n.º 5 do ETAPM;
9. Por violação da norma do artigo 31º do mesmo regulamento, até violando o dever de obediência previsto pelo artigo 279º, n.º 2, alínea c) e n.º 5 do ETAPM; e
10. Violou o dever de não exercer actividades incompatíveis previsto pelo artigo 279º, n.º 2, alínea i) e n.º 11 do ETAPM;
----Além disso, pertence à situação que inviabilize a manutenção da situação jurídico-funcional, constituindo a infracção disciplinar apontada pelo artigo 281º do ETAPM, segundo a parte final do artigo 304º, do artigo 305º, do artigo 315º, n.º 1 e n.º 2, alínea c), alínea i), alínea n) e alínea o) do ETAPM, conjugados com o artigo 22º, n.º 2 da Lei n.º 5/2006, Polícia Judiciária e o artigo 51º, n.º 1, alínea c) e alínea d) do Decreto-Lei n.º 27/98/M, pode ser punidos com as penas de aposentação compulsiva ou de demissão pelo Ex.mo Senhor Secretário para a Segurança, nos termos do artigo 322º do ETAPM, conjugados com o artigo 4º do Regulamento Administrativo n.º 6/1999 e da Ordem Executiva n.º 111/2014.
Artigo 39º
----Segundo os dados de carácter pessoal e o registo disciplinar do arguido A, investigador criminal principal, foi concedido um louvor colectivo e uma medalha, bem como 12 louvores colectivos, são aplicáveis às circunstâncias atenuantes do artigo 282º, n.º 1, alínea c) do ETAPM;
Artigo 40º
----Segundo os dados de carácter pessoal e o registo disciplinar do arguido A, investigador criminal principal, foi condenado uma multa de 5 dias no ano de 1992, são aplicáveis às circunstâncias agravantes do artigo 283º, n.º 1, alínea g) e n.º 4 do ETAPM;
Artigo 41º
----O arguido A, investigador criminal principal, e a B, como tinham praticado os actos fraudulentos suspeitos de burla, causando os grandes prejuízos pecuniários a outros, prejudicando a imagem e a reputação da Polícia Judiciária, são aplicáveis às circunstâncias agravantes do artigo 283º, n.º 1, alínea b) do ETAPM;
Artigo 42º
----O arguido A, investigador criminal principal, e a B, como tinham praticado os actos fraudulentos suspeitos de burla, por longo tempo, são aplicáveis às circunstâncias agravantes do artigo 283º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do ETAPM;
Artigo 43º
----O arguido A, investigador criminal principal, e a B, como tinham praticado juntamente os actos fraudulentos suspeitos de burla, são aplicáveis às circunstâncias agravantes do artigo 283º, n.º 1, alínea d) do ETAPM;
Artigo 44º
----O arguido A, investigador criminal principal, e a B, como tinham praticado, por várias vezes, os actos fraudulentos suspeitos de burla, são aplicáveis às circunstâncias agravantes do artigo 283º, n.º 1, alínea h) e n.º 5 do ETAPM;
Artigo 45º
----O arguido A, investigador criminal principal, paralelamente, é um funcionário público veterano, enquanto dotado de autoridade pública e de órgão de polícia criminal, tenha exercido funções de chefe de uma equipa, possui como habilitações literárias o ensino secundário completo, tenha recebido a formação técnico-profissional de inquérito criminal, de lei criminal e de lei de processo penal, são aplicáveis às circunstâncias agravantes do artigo 283º, n.º 1, alínea j) do ETAPM;
-----Nos termos do artigo 333º, n.º 1 e do artigo 334º, n.º 1 e n.º 2 do ETAPM, da acusação extrair-se-á cópia que será entregue ao arguido A, investigador criminal principal, mediante a sua notificação pessoal no prazo de 48 horas, notifica o arguido A, investigador criminal principal, que após a recepção da cópia da acusação, podem o arguido A, investigador criminal principal, e o advogado constituído examinar o processo a qualquer hora de expediente, para que conteste antes do dia 8 de Março de 2016, na defesa escrita deve o arguido expor os factos e as razões da sua defesa, bem como juntar documentos, indicar o rol de testemunhas e requerer as diligências de prova. ---
----Nos termos do artigo 334º, n.º 4 e n.º 5 do ETAPM, a falta de resposta, dentro do prazo marcado, vale como efectiva audiência do arguido A, investigador criminal principal, para todos os efeitos legais, a resposta que for apresentada depois de decorrido o prazo marcado para a defesa não é aceite.
----Encontrando-se o depósito do processo na Divisão de Investigação Especial do Departamento de Informações e Apoio da PJ no COTAI, ficando na posse do instrutor X, Chefe Substituto.
Instrutor
Assinatura
X
RAEM, aos 22 de Fevereiro de 2016
3 – No final do procedimento, foi elaborado o seguinte relatório:
RELATÓRIO
Exmo. Sr. Director
Por despacho de 17 de Dezembro de 2015 do Secretário para a Segurança, foi instaurado o presente processo disciplinar, sob nº P.D. 04/2015, contra o arguido A, investigador criminal principal. O signatário X, chefe da Divisão de Investigação Especial, foi nomeado como instrutor deste processo e, a seguir, foi nomeada X, investigadora criminal principal, como secretária.
***
O arguido A, do sexo masculino, nascido em Macau no dia 18 de Abril de 1967, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau nº ..., investigador criminal principal de 4º escalão, em regime de nomeação definitiva, do grupo pessoal de investigação criminal do quadro da Polícia Judiciária
***
  Iniciou-se a instrução no dia 28 de Dezembro de 2015, tendo-se efectuado nos termos da lei a notificação e procedido à investigação. A instrução terminou no dia 11 de Fevereiro de 2016, sendo concluído no prazo legal (fls. 13 a 108 do processo).
***
  No dia 22 de Fevereiro de 2016, foi deduzida a acusação nos termos da lei e foi o arguido A, investigador criminal principal, notificado da acusação no dia 23 de Fevereiro do mesmo ano (fls. 109 a 121 do processo).
***
  O prazo de contestação terminou no dia 8 de Março de 2016, não tendo o arguido apresentado contestação (fls. 122 a 123 do processo).
***
  No dia 17 de Março, foi elaborado relatório nos termos da lei, no qual foi proposta a aplicação de pena de demissão. O processo foi submetido no mesmo dia (fls. 124 a 137 do processo).
***
  No dia 18 de Março de 2016, o Sr. Director da P.J. proferiu despacho nos termos da lei, propondo a aplicação de pena de aposentação compulsiva. Este foi submetido à apreciação e decisão do Secretário para a Segurança no dia 21 de Março do mesmo ano (fls. 138 a 142 do processo).
***
  No dia 13 de Abril de 2016, o Sr. Secretário para a Segurança proferiu despacho nos termos da lei, ordenando a P.J. efectuar diligência complementar para recolher mais provas, a fim de responsabilizar disciplinarmente o arguido (fls. 143 do processo).
***
  Para tais efeitos, foi ouvido, de novo, o arguido A e foi pedido ao Ministério Público o fornecimento de mais dados. Em virtude de não se ter encontrado novos factos, o processo ficou pendente (fls. 152 a 154 do processo)
***
  O relatório nº 34-JLO/2017 do Gabinete do Secretário para a Segurança apontou que o presente processo ficou pendente e ordenou a P.J. para considerar resolver, nos termos da lei, a pendência do processo através de prolongar adequadamente o prazo ou suspender o procedimento (fls. 159 a 170 do processo).
***
  Posteriormente, a P.J., com base no magistrado encarregado do Ministério Público (sic), notificou nos termos da lei que foi deduzida acusação penal contra o arguido neste processo, A, investigador criminal principal. Foi fornecida a cópia da acusação (sic) que foi juntada ao processo pelo signatário no dia 26 de Maio de 2017 (fls. 161 a 168 do processo).
***
  Face ao exposto, de acordo com os novos dados, nomeadamente a acusação penal deduzida pelo Ministério Público contra o arguido neste processo, é reconhecido que o arguido A, investigador criminal principal, praticou, em co-autoria material e na forma consumada, um “crime de burla”, p.p. pelo artº 211º, nº 1 do CP, e um “crime de burla”, p.p. pelo mesmo artº 211º, nº 1, conjugado com o nº 4, al. a) e o artº 196º, al. b) do mesmo Código.
***
Efectuada a análise profunda da acusação penal, esta demonstra que o teor e factos na acusação correspondem basicamente à factualidade obtida neste processo disciplinar. Não se encontrou mais novos factos, mantendo-se inalterada a matéria de facto.
Além disso, mesmo que não se tenha proferido decisão final e tendo em conta a eventual desconformidade entre os factos provados na audiência de julgamento, no entanto, com base nos princípios da independência e da dupla responsabilidade do processo disciplinar e responsabilidade disciplinar, os factos neste presente processo, que foram provados, com observância dos termos legais, nas fases irreversíveis tais como instrução, acusação, contestação e diligência complementar, provam suficientemente a culpa do arguido, também provando suficientemente as infracções disciplinares dele, os quais são suficientes para sustentar a punição do arguido pelas infracções disciplinares.
Importa referir que os novos dados neste processo disciplinar – a acusação penal, na qual não foi produzido ou surgiu qualquer facto novo, pelo que não altera a matéria de facto no processo disciplinar, nem afecta os efeitos produzidos nas fases que foram procedidas nos termos legais, sendo apenas uma informação suplementar sobre a culpa subjectiva do arguido nas infracções disciplinares praticadas. Portanto, deve observar-se a instrução dada no relatório nº 34-JLO-2017 do Gabinete do Secretário para a Segurança – resolver, o mais breve possível, a pendência do processo.
Pelo exposto, proponho ao Sr. Director que considere tomar decisão final sobre as infracções disciplinares neste processo. No caso de se manter a punição indicada em fl. 139 do processo – aposentação compulsiva, solicito ao Sr. Director que apresente o processo, no prazo de dois dias, ao Exmo. Sr. Secretário para a Segurança para a prolação de decisão, nos termos do artº 337º, nº 3 do ETAPM, pois, de acordo com o artº 322º do ETAPM, conjugado com o artº 4º do Reg. Adm. nº 6/1999 e o Ordem Executiva nº 111/2014, a aplicação da pena de aposentação compulsiva é da competência do Secretário para a Segurança.
À considera de V.Ex.ª.
O Instrutor
(Ass. e carimbo – vd. original)
X
RAEM, 26 de Junho de 2017
4 – Em 6/07/2017 o Secretário para a Segurança proferiu o seguinte:
DESPACHO N.º 062/SS/2017
Processo disciplinar n.º 04/2015 - Policia Judiciária
Arguido: Investigador Criminal Principal, A
Nos presentes autos de processo disciplinar vem suficientemente provada a matéria da acusação neles deduzida contra o arguido, Investigador Criminal Principal, A, titular do BIRM n.º ..., a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida e integrada, quanto à descrição dos factos que a sustentam.
Em breve síntese, provou-se que num período que se situa na segunda metade do ano de 2015, o arguido, com inteiro conhecimento da actividade da sua namorada, colaborou com ela, fazendo crer a um elevado número de ofendidos que tinham conhecimentos e exerciam influências facilitadoras do agenciamento de empregos para o Hotel X, nos empreendimentos do COTAI, do que davam garantias plenas, contra o pagamento de cerca de 5.000 (cinco mil) renminbis.
Nesse sentido, o arguido colaborou na recolha e guarda de documentos e de quantias previamente acordadas com os ofendidos, não se abstendo de o fazer, antes corroborando as promessas da namorada, quando os ofendidos começaram a questionar as demoras no respectivo cumprimento, dando sinais de impaciência, desilusão e desconfiança.
Pela sua experiência pessoal e vida profissional, o arguido não só tinha o dever de suspeitar do caminho que os procedimentos estavam a tomar, sinalizando-os às autoridades policiais (artigo 225.º do Código de Processo Penal), como o de tudo fazer para os suster, abstendo-se de qualquer colaboração.
Não o fazendo, o arguido, para além de exercer uma actividade incompatível com as suas funções, sem que para tal tivesse solicitado autorização, infringiu o dever geral de contribuir para o prestígio da administração pública, a que se refere o n.º 1 do artigo 279.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública (ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, bem como os deveres de isenção e de zelo, respectivamente previstos nas alíneas a) e b) do n.º2 do mesmo normativo citado e, ainda, infringindo a proibição de exercício de actividades incompatíveis a que se refere a sua alíneas i). O arguido, constituiu-se, ainda, em infracção aos deveres especiais constantes do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 5/2006 (Lei da Polícia Judiciária) e, bem assim, aos constantes das suas alíneas 3) - dever de permanente protecção dos cidadãos - e 4) – defesa do cumprimento da Lei.

Favorecendo o arguido a atenuante da alínea c) do n.º 1 do artigo 282.º do ETAPM, a verdade é que a conduta resulta agravada pela presença do circunstancialismo previsto nas alíneas b) - prejuízo para o interesse geral d) - conluio com outrem para a prática da infracção; h) - acumulação de infracções e j) - responsabilidade inerente ao cargo exercido, do n.º 1 do artigo 283.º, daquele estatuto.
Ora, esta conduta infractora, sobre a qual recai um juízo de elevada censura ético-jurídica, afecta seriamente a imagem da Polícia Judiciária a que o arguido pertence, atento o facto de contrariar afrontosamente aquelas que são as suas atribuições públicas de prevenção e de combate ao crime, violando, ainda, um dever especial de não exercer actividades incompatíveis com essa missão, compromete em definitivo a manutenção da sua situação jurídico-funcional, sendo punível com uma pena de natureza expulsiva.
Com efeito, o Investigador Criminal Principal, A, praticou infracções disciplinares subsumíveis ao disposto nas alíneas c) e n) do n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM e c) do n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho, revelando não possuir idoneidade moral para exercer funções policiais, pelo que o puno com a pena disciplinar de DEMISSÃO, o que faço no uso das competências executivas que me advêm do disposto no n.º 1 da Ordem Executiva N.º. 111/2014.
Notifique o arguido do presente despacho e de que do mesmo cabe recurso contencioso no prazo de 30 dias contado a partir da notificação.
Aos 6 de Julho de 2017
O Secretário para a Segurança
Wong Sio Chak
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IV – O Direito
A - Da Reclamação
Veio o recorrente apresentar reclamação contra o despacho de fls. 53 do relator do processo, no qual foi entendido não haver necessidade de proceder à inquirição das testemunhas arroladas na petição inicial.
Apreciando.
Como se sabe, a realização de prova testemunhal no processo de recurso contencioso deriva da necessidade de se apurar da veracidade dos factos invocados no acto quando tenha sido invocado, precisamente, o erro nos pressupostos de facto. E neste caso, foi.
Acontece, porém, que se os factos estão na base de um acto administrativo ablativo ou sancionatório, é sobre a entidade administrativa que recai o respectivo ónus probatório. Isto significa que, bastará ao recorrente impugnar a respectiva fundamentação de facto do acto para que o tribunal deva apreciar a matéria através da análise do processo administrativo apensado aos autos. É ali que a prova está, ou deve estar, recolhida ou efectuada. Se concluir que a Administração fez a avaliação correcta dos factos, não anulará o acto com fundamento no vício do erro nos pressupostos de facto. Se, diferentemente, concluir que essa avaliação é incorrecta, anulará o acto pela procedência daquele vício.
Mas, em caso nenhum se fará prova testemunhal no processo judicial? Depende.
A prova pode revelar-se útil e necessária perante qualquer facto ou elemento novo e superveniente que, por tal motivo, não tenha podido ser considerado no âmbito do procedimento. Útil e necessária também no caso de ter sido impedida ao interessado/administrado a produção de prova testemunhal no procedimento. Nesses casos justificar-se-á que essa prova deva ser feita no âmbito do processo judicial.
Ora, no caso presente, além de estarmos perante um procedimento sancionatório em que a prova dos factos incumbe à Administração no processo administrativo, não se vê, por outro lado, que a prova que o recorrente quisesse fazer tivesse sido impedida naquele processo1.
Quer isto, em suma, dizer que não se justificava a produção de prova testemunhal, sendo bastante a reunida no processo administrativo apensado aos autos.
Improcede, pois, a reclamação.
**
B - Do Recurso Contencioso
1. Dos Vícios
Foram vários os vícios invocados na petição inicial, por esta ordem:
a) Vício de forma por falta de fundamentação;
b) Violação do princípio da dupla responsabilidade
c) Erro nos pressupostos de facto;
d) Violação de lei;
e) Desrazoabilidade do exercício do poder discricionário.
*
2. Do vício de forma por falta/insuficiência de fundamentação
Considera o recorrente que os fundamentos utilizados no acto não são suficientes para a aplicação da medida de demissão. E isto, tendo por base o que dispõem os arts. 315º, nºs 1 e 2, al. c) e n), 338º, nº3, do ETAPM (DL nº 87/78/M), 51º, al. c), do DL nº 27/98/M.
São dispositivos legais que se prendem com os pressupostos para a aplicação da medida de aposentação compulsiva ou de demissão.
Ora, saber se os factos invocados são suficientes para preencherem a previsão legal não é tarefa que se resolva pelo vício de forma, mas sim pela análise substantiva dos respectivos pressupostos, caso em que se concluirá pela procedência do vício a esse propósito suscitado autonomamente, ou pela procedência do vício de violação de lei.
O que se não pode dizer é que o recorrente não tenha entendido a razão para a aplicação desta sanção disciplinar de demissão no quadro da inviabilidade da manutenção da relação funcional estabelecida no corpo do art. 315º citado. Com efeito, o acto refere expressamente que “… esta conduta infractora, sobre a qual recai um juízo de elevada censura ético-jurídica, afecta seriamente a imagem da Polícia Judiciária a que o arguido pertence, atento o facto de contrariar afrontosamente aquelas que são as suas atribuições públicas de prevenção e de combate ao crime, violando, ainda, um dever especial de não exercer actividades incompatíveis com essa missão, compromete em definitivo a manutenção da sua situação jurídico-funcional (destaque nosso), sendo punível com uma pena de natureza expulsiva.
Com efeito, o Investigador Criminal Principal, A, praticou infracções disciplinares subsumíveis ao disposto nas alíneas c) e n) do n.º 2 do artigo 315.º do ETAPM e c) do n.º 1 do artigo 51.º da Lei n.º 27/98/M de 29 de Junho, revelando não possuir idoneidade moral para exercer funções policiais, pelo que o puno com a pena disciplinar de DEMISSÃO.”.
E os parágrafos transcritos decorrem dos seus precedentes, onde são referidas todas as circunstâncias dos factos, alegadamente violadores dos deveres funcionais do recorrente.
Não encontramos, pois, falta, nem deficiência, de fundamentação (art. 115º do CPA).
Razão pela qual improcede o vício.
*
3. Violação do princípio da dupla responsabilidade
Crê o recorrente que se violou o princípio epigrafado, constante do art. 287º, nº1, do ETAPM. Para si, a autonomia e a independência dos processos penal e administrativos deveriam levar à não punição disciplinar, a não ser por factos próprios apurados no procedimento em apreço. E como não existe facto novo e diferente para além dos que constam da acusação no processo penal, não poderia ser disciplinarmente punido.
Esta argumentação anda próxima da invocação do princípio ne bis in idem. Só que “Não há violação do princípio do ne bis in idem por o interessado ter sido punido criminalmente e por essa condenação vir a ser um pressuposto de interdição de indeferimento de permanência, actuando tais efeitos da condenação a níveis diferentes” (Ac. do TSI, de 3/07/2014, Proc. nº 539/2013).
Diferente seria se o acto punitivo, embora sob diferente qualificação, punisse o arguido pelos mesmos factos pelos quais ele já fosse perseguido e sancionado noutro processo disciplinar2.
Ora, nada impede que a pena de demissão possa ser aplicada pela Administração em processo disciplinar posteriormente à condenação penal que a não decretou, sem ofensa do princípio “ne bis in idem”3. Aliás, “A pendência de processo crime pelo mesmo facto ou factos em apreço em processo disciplinar, face à autonomia pacificamente reconhecida, doutrinal e jurisprudencialmente, entre ambos os processos, não paralisa a Acção e Punição Disciplinares. Assim, a pena de Demissão aplicada a arguido em processo disciplinar, pela Autoridade competente, tão só com base em factualidade apurada em tal processo e com referência exclusiva aos competentes preceitos legais do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Dec-Lei n. 24/84, de 16 de Janeiro, em nada colide com o príncipio "non bis in idem", dada a autonomia do processo disciplinar em relação ao processo criminal.”4.
Quer dizer, a circunstância de uma mesma pessoa estar incursa na prática de algum crime, pelo qual possa vir a ser condenada, não impede a Administração, que se rege por princípios orientadores peculiares e autónomos, de a sancionar disciplinarmente se ela for um seu funcionário ou servidor (Ac. do TUI, de 15/12/2010, Proc. nº 28/2010). É, aliás, precisamente a autonomia sancionatória entre essas ordens punitivas que afasta o princípio ne bis in idem ou, se se quiser, o princípio a que o recorrente chamou de “dupla responsabilidade”.
Improcede, pois, o vício.
*
4. Do erro nos pressupostos de facto
De acordo com a prova constante do procedimento administrativo, entende o recorrente que os factos apurados não são de molde a preencher nenhum ilícito, em especial pelo facto de não saber que a sua companheira estava a proceder a angariação ilícita de trabalhadores não residentes.
Como já este TSI observou “Se a decisão administrativa não é propulsionada pelo particular e, pelo contrário, é tomada por iniciativa pública, seja para punir (direito sancionatório/disciplinar), seja para agredir (administração agressiva e ablativa), então a prova dos pressupostos no âmbito do procedimento pertence ao órgão administrativo.” Mas, “ Saber se a Administração alcançou a prova dos factos no procedimento tendentes à sanção é questão que pode ser sindicada pelo tribunal, não mediante uma segunda prova no âmbito do recurso contencioso - já que os art.ºs 42.º, n.º 1, al.s g) e h) e 64.º do Código de Processo Administrativo Contencioso devem ser interpretados restritivamente, no sentido de que não é possível fazer prova no recurso contencioso tendente a infirmar a prova produzida no processo disciplinar - mas através de uma análise de todos os elementos contidos no procedimento que confirmem a factualidade que a Administração deu por provada no momento da punição.” 5
Ora, em nossa opinião, os factos apontam em sentido contrário ao que o recorrente aqui nos pretende trazer, sendo suficientemente reveladores de que ele colaborou com a namorada na prática de actos ilícitos concernentes à angariação de trabalhadores do exterior de Macau. Matéria que, aliás, esteve igualmente na base do processo criminal contra si instaurado.
Improcede, pois, o vício.
*
5. Do vício de violação de lei
5.1 - O acto administrativo fundou a sua dispositividade no disposto nos arts. 315º, nº2, als. c) e n), do ETAPM e 51º, nº1, al. c), do DL nº 27/98/M.
O recorrente discorda que os normativos do primeiro grupo se possam aplicar ao caso, manifestando-se ainda contra a existência das agravantes do art. 283º, nº1, als. b) e d), do ETAPM.
Vejamos.
O artigo 315º, naquilo que para já interessa, preceitua o seguinte:
“1. As penas de aposentação compulsiva ou de demissão serão aplicáveis, em geral, às infracções que inviabilizem a manutenção da situação jurídico-funcional.
2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente:
a)…; b)….
c) No exercício das suas funções praticarem actos materialmente ofensivos das instituições e princípios constitucionais (destaque nosso);
d)…; e)…; f)…; g)…; h)…;i)…; j)….; l)….; m)….;
n) Com intenção de obterem para si ou para terceiro qualquer benefício ilícito, faltarem aos deveres do seu cargo, não promovendo atempadamente os procedimentos adequados ou lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo oi em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar;
o)…..
3…..”.
Ora, relativamente à alínea c) do nº2, do art. 315º, do ETAPM, cremos que a sua desaplicação ao caso não oferece dúvidas razoáveis, salvo o devido respeito por opinião contrária.
Com efeito, não nos parece que, no rigor dos termos, a situação de facto caiba na “fattispecie” da previsão legal. Na verdade, ela impõe que o ilícito seja praticado “no exercício das funções”.
Ora, sendo embora certo que o recorrente é agente da Polícia Judiciária, não se prova que a sua participação no ilícito que envolve a sua namorada decorresse enquanto, por causa e no exercício das suas funções policiais.
O que se passou foi que o recorrente, em virtude da sua ocupação funcional, de investigador criminal principal que era, gerou uma maior confiança entre as pessoas que, oriundas da RPC, quereriam ter acesso a um emprego na RAEM e julgavam que ele facilitaria a obtenção e eventual regularização da situação de trabalho dessas pessoas. Portanto, ele apenas emprestava a sua qualidade de agente policial, para a prática do ilícito, mas não o cometia enquanto polícia no exercício das suas funções. Servia-se do lugar que ocupava e da qualidade funcional respectiva mas apenas para obter, juntamente com outrem, vantagens patrimoniais.
Cremos, pois, muito sinceramente, que a situação não poderia enquadrar-se na citada alínea, mas antes na alínea i), do nº2, do art. 315º, do ETAPM: “Em resultado do lugar que ocuparem, aceitarem ilicitamente ou solicitarem, directa ou indirectamente, dádivas, gratificações, participações em lucros ou outras vantagens patrimoniais, ainda que sem o fim de acelerar ou retardar qualquer serviço ou expediente”. Este fundamento normativo, porém, não foi invocado no acto.
Procede, pois, o vício quanto a este aspecto.
*
5.2 - Quanto à alínea n) acima transcrita, estamos com o digno Magistrado do MP, quando opina que “Para além do elemento específico (intenção de benefício ilícito no caso, para terceiro), que temos por preenchido, a norma exige a verificação de uma falta aos deveres do cargo, mas ocorrida no círculo restrito de interesses que menciona, quais sejam, o do andamento atempado dos procedimentos - não promovendo atempadamente os procedimentos adequados - e a boa administração, fiscalização, defesa ou realização dos interesses patrimoniais de que o funcionário esteja incumbido - lesarem, em negócio jurídico ou por mero acto material, os interesses patrimoniais que no todo ou em parte lhes cumpre administrar, fiscalizar, defender ou realizar. Pois bem, salvo melhor juízo, a materialidade apurada e imputada ao arguido no processo disciplinar, não permite a conclusão de que houve atraso ou retardamento de qualquer procedimento ou que ocorreu lesão de interesses patrimoniais que, no todo ou em parte, o recorrente estava incumbido de administrar, fiscalizar, realizar ou defender. Logo, não resulta preenchida a hipótese da norma”.
Realmente, a norma implica que os factos apurados revelem o elemento subjectivo (intenção de vantagem ou benefício), além dos elementos objectivos (não promoção dos procedimentos adequados, ou efectiva lesão, através de negócio ou acto material, dos interesses patrimoniais que ao agente cumpria administrar, fiscalizar, defender ou realizar).
Ora, claramente nada disto aconteceu, face aos factos apurados. Isto é, não se pode dizer que ele não agiu em defesa dos interesses patrimoniais que lhe cumpria defender no quadro da sua actividade na Polícia Judiciária, tal como não se pode afirmar que os tenha efectivamente lesado. E a lesão desses interesses patrimoniais era fundamental ao preenchimento do ilícito (cfr. Ac. do TUI, de 10/06/2011, Proc. nº 23/2011).
Dito isto, a invocação desta norma é deslocada e errada como fundamento para a punição no presente caso.
*
5.3 - Também nos parece, salvo melhor opinião, que o disposto no art. 51º, al. c), do DL nº 27/98/M não podia constituir fundamento do acto.
Esta disposição reza o seguinte:
Artigo 51.º
(Infracções disciplinares muito graves)
Considera-se infracções disciplinares muito graves, puníveis com a pena de aposentação compulsiva ou de demissão, para além das previstas no n.º 2 do artigo 315.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau:
a)…; b)….;
c) A omissão de auxílio nas circunstâncias em que seja devido;
d)…; e)…; f)…;h)….
Como se pode ver, o ilícito em apreço está caracterizado por uma actividade, por uma acção de ludíbrio representativa de um crime de burla. Ora, da mesma maneira que A não pode ser punido pelo crime de ofensas corporais, e simultaneamente de omissão de auxílio à vítima da agressão B, assim também não se pode punir disciplinarmente em simultâneo pela actividade e pelo seu contrário, isto é, pela acção e pela omissão de auxílio, porque isso significaria um contra-senso, um paradoxo e uma dupla valoração do mesmo ilícito.
Isto, aliás, constitui fundamento para anulação por violação do princípio da dupla valoração ou “non bis in idem”, tal como já o afirmou o TUI, no Ac. de 10/05/2006, Proc. nº 7/2006.
Para dizer, então, que a invocação da alínea normativa em apreço foi feita de forma errada.
Procede, pois, o recurso também nesta parte.
*
5.4 - Por fim, o recorrente defende que as agravantes constantes das alíneas b) e d) do nº1, do art. 283º do ETAPM não podiam servir de suporte ao acto sindicado.
Vejamos.
A alínea b) dispõe que é circunstância agravante da responsabilidade disciplinar “A produção efectiva de resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, nos casos em que o funcionário ou agente pudesse ou devesse prever essa consequência como efeito necessário da sua conduta”.
E a alínea d) prescreve que também é agravante “O conluio com outros indivíduos para a prática da infracção”.
_
Quanto à primeira (al. b)), não nos enganaremos se dissermos que os prejuízos têm que ser reais, concretos, visíveis, “palpáveis” (Manuel Leal Henriques, Manual de Direito Disciplinar, 2ª ed., CFJJ, 2009, pág. 152), i.é., têm que ter existido efectivamente. E a prova deles, como se sabe, essa cabe à Administração, porque estamos no âmbito de um acto sancionatório, como já se disse.
Ora, no caso em apreço, o acto nem sequer fez alusão ao prejuízo efectivo ao serviço público.
Certo que aludiu ao “prejuízo para o interesse geral”, expressão que reproduz o teor da norma. Todavia, fê-lo de uma forma absolutamente conclusiva, sem demonstrar o motivo da afirmação.
Não se percebe muito bem o que seja o “interesse geral” aqui ofendido (Segurança? Ordem pública? Qual?), nem em que medida ele tenha sido lesado “efectivamente”, sendo que, do mesmo modo, não estamos em presença de um facto notório (Ac. do TUI, de 24/11/2010, Proc. nº 64/2010). Temos consciência de que uma actuação deste tipo pode, em abstracto, pôr em causa a imagem da instituição. Mas, neste caso, em concreto, pôs?
Não sabemos, e essa era matéria fáctica que cabia à Administração provar, a menos que se tratasse, e não trata, de facto notório (art. 434º, do CPC e 250º, nº2, do CC).
Portanto, parece-nos que esta agravante não poderia ser considerada.
-
Quanto à alínea d), coloca-se-nos uma questão: quando a norma fala em conluio com outros indivíduos, quererá o legislador referir-se a uma actuação trilateral no mínimo, não bastando que sejam apenas duas pessoas, o agente do ilícito e o outro em conluio?
Leal Henriques, seguindo à risca a letra da lei, entende que a interpretação mais consentânea com ela é a de que se exige um plural com mais do que um parceiro (ob. cit., pág. 153).
Temos algumas dúvidas de que essa tenha sido a intenção do legislador. Cremos que o termo “indivíduos” é utilizado, por economia e comodidade, como fórmula abrangente e indistinta, de maneira a cobrir uma parceria, seja ela de singularidade ou de pluralidade, tal como o seria se a formula fosse de conluio com outrem. Nesta hipótese, também aí se haveria de cobrir um conluio com alguém; um conluio individual – com outra pessoa - ou plural – com outras pessoas.
Quanto a este aspecto, portanto, não parece ter sido violada a citada disposição.
*
6. Da desrazoabilidade do exercício do poder discricionário
Por último, acha o recorrente que a utilização do poder discricionário na escolha da pena de demissão incorreu em desrazoabilidade, face ao seu percurso funcional de 33 anos de serviço com 13 louvores e ao seu registo disciplinar.
Tem sido dito a este respeito que a escolha da pena, pela natureza discricionária da actuação da Administração, só em casos pontuais pode ser sindicada pelos tribunais, e esses apenas são os de erro grosseiro e manifesto nessa escolha. Por outras palavras, “No que concerne à escolha da pena disciplinar e à sua medida concreta, porque o tribunal não pode fazer administração activa, sob pena de violação do princípio da separação e independência de poderes, está vedado verter censura sobre a sua justeza, assim como substituir-se ao órgão sancionador”. (Acs. do TUI, de 31/2013, Proc. nº 39/2013, de 10/07/2013, Proc. nº 29/2013, de 21/11/2012, Proc. nº 73/2012, e do TSI, de 5/07/2018, Proc. nº 650/2016, de 14/06/2018, Proc. nº 246/2016, de 24/05/2018, Proc. nº 618/2018, de 9/02/2012, Proc. nº 964/2010).
No entanto, face a tudo o que já deixamos exarado, cremos estar prejudicada a avaliação sobre se terá havido em concreto erro manifesto no exercício dos poderes discricionários.
Na verdade, à economia da decisão, e até face ao critério da melhor e mais estável tutela jurídica que ao interessado importa (art. 74º do CPAC), é suficiente que se tenha concluído pelos vícios de violação de lei nos termos já relatados.
***
V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto impugnado.
Sem custas.
T.S.I., 31 de Janeiro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa

1 J. Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, 2ª ed., 2015, pág. 124-127; tb. Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, 2018, Vol. I, pág. 312-314.
2 Ac. do STA, de 21/06/2011, Proc. nº 0772/10
3 Ac. do STA, de 25/02/2010, Proc. nº 01035/08
4 Ac. do STA, de 4/02/1992, Proc. nº 029242
5 Ac. do TSI, de 25/10/2012, Proc. nº 23/2012
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772/2017 40