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Processo n.º 101/2018. Recurso jurisdicional em matéria administrativa.
Recorrentes: A, B e C.
Recorrido: Chefe do Executivo.
Assunto: Várias soluções plausíveis da questão de direito. Sentença. Omissão de selecção de factos provados. Factos não provados. Especificação dos meios de prova. Fundamentos decisivos para a convicção do julgador. Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado. Betão pré-esforçado. Argumento a contrario sensu.
Data da Sessão: 19 de Dezembro de 2018.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.

SUMÁRIO:
I - A omissão de selecção de factos provados, (na tese do recorrente) considerados relevantes na sentença do recurso contencioso, só procede se o recorrente indicar qual a relevância, para a apreciação do seu caso, dos factos que arrolou e que não terão sido considerados provados. Ou seja, só procede se o recorrente esclarecer qual a relevância, quanto aos vícios do acto administrativo que suscitou na petição inicial, dos factos que alega não terem sido considerados provados pelo acórdão recorrido. E se o tribunal de recurso concordar com tal relevância.
II - A sentença, no recurso contencioso de anulação, não indica os factos não provados nem especifica os meios de prova usados para considerar os factos provados, nem os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
III - O n.º 2 do artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo Decreto-lei n.º 60/96/M, de 7.10, aplica-se apenas ao betão pré-esforçado.
IV - O argumento a contrario apenas terá força plena quando se consiga mostrar a existência de uma implicação intensiva entre a hipótese e a estatuição da norma, quando se mostre que a consequência jurídica se produz quando se verifique a hipótese e que tal consequência só se produz quando se verifique tal hipótese.
Por exemplo, quando a hipótese legal é constituída por uma enumeração taxativa (“Apenas quando se verifique um dos seguintes casos…ou fundamentos…”) e o caso em apreço não caiba decididamente em nenhuma das hipóteses que constituem o elenco legal.
V – Não é possível deduzir o argumento a contrario sensu do n.º 1 do artigo 65.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado.
  O Relator,
  Viriato Manuel Pinheiro de Lima
  
  
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:

I – Relatório
A, B e C, associadas em consórcio interpuseram recurso contencioso de anulação do despacho de 27 de Agosto de 2012, do Chefe do Executivo, que adjudicou a empreitada de construção de habitação pública no Bairro da Ilha Verde, Lotes 1 e 2 ao Consórcio formado pela D e pela E.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por acórdão de 27 de Setembro de 2018, negou provimento ao recurso contencioso.
Inconformadas, interpõem A, B e C, recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (TUI), finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:
- O acórdão recorrido é nulo por não identificar os factos não provados nem a fundamentação pela qual assim os terá considerado e por ter deixado de fora matéria plenamente provada no processo instrutor;
- O acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre toda a causa de pedir do pedido da recorrente sobre a violação dos critérios de apreciação de propostas relativamente ao sub-critério Plano de Execução das Fundações nem sobre o respectivo pedido;
- O acórdão recorrido deveria ter obstado a que o Laboratório de Engenharia Civil de Macau tivesse realizado a peritagem dado que o mesmo era o fiscal da obra;
- O Perito limitou-se a responder a uma questão de direito, a de saber se a uma parede de betão armado é aplicável o artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo Decreto-lei n.º 60/96/M, de 7.10, pelo que o acórdão recorrido não tinha de aceitar a perícia;
- O acórdão recorrido interpretou mal o disposto no artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, dado que o mesmo é aplicável ao betão armado e não apenas ao betão pré-esforçado.
O Ex.mo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

II – Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
O Tribunal formulou o seguinte quesito para a prova pericial:
1. Se o valor limite de 0.2mm para a fendilhação, imposto pelo artº 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo D. L. nº 60/96/M, é aplicável ao tipo de betão para a construção da parede diafragma de acordo com o projecto de execução das fundações das peças do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da Ilha Verde, Lotes 1 e 2?
O Perito nomeado respondeu da seguinte maneira ao quesito n.º 1:
O limite máximo de 0,2 mm para a fendilhação, imposto pelo artigo 63° do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo D.L. n.º 60/96/M, não é aplicável ao tipo de betão em causa.
O artigo 63º do D.L. n.º 60/96/M, refere-se aos estados limites de fendilhação. Na alínea 2 deste mesmo artigo, é referido que para o "caso de armaduras de pré-esforço, os estados limites a considerar são o de descompressão e o de largura de fendas, nas condições indicadas no quadro II". Apenas neste quadro é referenciado o valor de 0,2 mm para a largura de fendas. Como a parede em causa não é pré-esforçada, este artigo não impõe nenhum valor limite para a largura de fendas. No mesmo código, no artigo 65º, é referido que “a segurança em relação ao estado limite de largura de fendas considera-se satisfeita” se não forem excedidos os valores apresentados no artigo 63º, pelo que indicam a possibilidade de uso destes valores mas não a sua obrigatoriedade.
Há documentação onde este valor é referido, nomeadamente a NP - EN 1992-1-12010 (Eurocódigo 2 - Projecto de estruturas de betão). No capítulo 7, secção 7.3.1., é apresentado o Quadro 7.1N, onde para um ambiente do tipo XC2 - superfície de betão sujeita ao contacto prolongado com a água -, define o valor máximo da largura de fendas de 0,3 mm. No mesmo quadro, para os elementos de betão pré-esforçado com armaduras aderentes, este valor é de 0,2 mm.
No documento ACI - American Concrete Institute, de 2014, no capítulo 4 - Control of Cracking in Flexural Members -, item 4.2.3. mais uma vez apresentam os valores máximos para a largura de fendas apresentados no Euro código 2, ou seja, para ambientes húmido este valor deve ser de 0,30 mm, no entanto também referem que este valor é apenas indicativo, servindo de orientação para o projectista.
Não se conhece legislação que imponha um determinado valor. Existem documentos técnicos que sugerem limites.

III – O Direito
1. Questões a apreciar
As questões a apreciar são as suscitadas pelas recorrentes.

2. Falta de indicação de factos provados e dos factos não provados e da fundamentação
Suscitam as recorrentes a nulidade do acórdão recorrido por não identificar os factos não provados nem a fundamentação pela qual assim os terá considerado e por ter deixado de fora matéria plenamente provada no processo instrutor;
Sobre alegação semelhante pronunciámo-nos no acórdão de 6 de Junho de 2018, no Processo n.º 43/2018, para o qual remetemos, pelo que se julga improcedente a nulidade arguida.

3. Nulidade por falta de pronúncia sobre vício suscitado
Alegam as recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por não se ter pronunciado sobre toda a causa de pedir do pedido da recorrente sobre a violação dos critérios de apreciação de propostas relativamente ao sub-critério Plano de Execução das Fundações nem sobre o respectivo pedido.
Relativamente ao consórcio classificado em 2.º lugar o acórdão recorrido indicou que não apreciava a questão por estar prejudicada a alegação face à improcedência dos vícios suscitados relativamente ao 1.º classificado, pelo que houve pronúncia.
Relativamente ao 1.º classificado, as recorrentes limitaram-se a dizer na petição de recurso contencioso:
“67. ... há claramente uma ilegalidade na classificação das propostas, uma vez que com as ilegalidades refreiudas, as concorrentes classificadas em 1.º e 2.º lugar nunca poderia ter levada a pontução de 2.70 e 2.10 relativamente ao sub-critério Plano de Excução das Fundações.
68. O que significa, que as concorrentes teria de levar 0 pontos e a recorrente 3 pontos co implicação directa da classificação das proposta”.
Pois bem, para além de vários erros gramaticais (3) em apenas 6 linhas, no que concerne à 1.ª classificada, o vício estava claramente mal substanciado, dado que as ilegalidades mencionadas antes se referiam apenas à 2.ª classificada. É que o acórdão recorrido já tinha afastado qualquer ilegalidade da proposta vencedora quanto à questão da fendilhação. Logo, nada havia que apreciar no tocante à proposta classificada em 1.º lugar quanto a este sub-critério.

4. Imparcialidade do perito
Alegam as recorrentes que o acórdão recorrido deveria ter obstado a que o Laboratório de Engenharia Civil de Macau tivesse realizado a peritagem dado que o mesmo era o fiscal da obra.
É certo que ao Laboratório de Engenharia Civil de Macau foi adjudicada a fiscalização da empreitada em causa, pelo dono da obra, para defender os seus interesses perante o empreiteiro.
Mas o perito nomeado não foi o Laboratório de Engenharia Civil de Macau, mas um Engenheiro ao serviço desta entidade.
Não se vislumbram motivos para suspeitar da idoneidade do perito nomeado.

5. Fendilhação máxima para armaduras de betão armado não pré-esforçado
Trata-se de decidir se:
- O acórdão recorrido interpretou mal o disposto no artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, e se tal norma é também aplicável ao betão armado e não apenas ao betão pré-esforçado.
- O Perito se limitou a responder a uma questão de direito, a de saber se a uma parede de betão armado é aplicável o artigo 63.º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado, pelo que o acórdão recorrido não tinha de aceitar a perícia.
Do ponto de vista puramente formal um regulamento sobre estruturas de betão armado é matéria tão jurídica como o Código Civil. Poderia, pois, supor-se que para a interpretação do primeiro bastaria a ciência jurídica. Mas não é assim. O mencionado Regulamento dispõe apenas sobre matérias de estruturas de betão, como o nome indica, tudo levando a crer que na sua redacção intervieram apenas especialistas na matéria, com reduzida intervenção de juristas, pelo que as regras formais de hermenêutica jurídica não têm ou podem não ter aqui aplicação directa e completa.
Dispõe o artigo 63.º do Regulamento que:
 Artigo 63.º
 (Estados limites de fendilhação a considerar)
 1. Os estados limites de fendilhação a considerar para assegurar a conveniente durabilidade das estruturas devem ser escolhidos em relação a cada tipo de combinação de acções referidas no artigo 57.º, tendo em conta a agressividade do ambiente e a sensibilidade das armaduras à corrosão.
 De acordo com o disposto no artigo 7.º, os estados limites de fendilhação a considerar podem ser o de descompressão e o de largura de fendas.
 2. No caso de armaduras de pré-esforço, os estados limites a considerar são o de descompressão e o de largura de fendas, nas condições indicadas no Quadro 11.
 Quadro 11. Estados limites de fendilhação - Armaduras de pré-esforço
 Classe de exposição ambiental
 Combinações de acções
 Estado limite
 Classes 1 e 2
 Frequentes
 Largura de fendas,
w = 0,2 mm
 
 Quase permanentes
 Descompressão
 Classe 3
 Raras
 Largura de fendas,
w = 0,2 mm
 
 Frequentes
 Descompressão
 Além da quantificação dos estados limites, outras exigências devem também ser respeitadas, tais como a espessura dos recobrimentos e a composição do betão.
 Tem interesse ainda chamar à atenção para que o problema da fendilhação pode estar ligado apenas ao tipo de utilização que vai ser dada à estrutura; é o caso, por exemplo, dos depósitos, em que a estanquidade exige a não existência de fendas. Trata-se, porém, de situações particulares, que como tal devem ser encaradas.
 3. Note-se que os estados limites de fendilhação considerados dizem fundamentalmente respeito a fendilhação transversal às armaduras de elementos sujeitos a esforços normais e de flexão. A limitação da fendilhação de outros tipos, como, por exemplo, a devida a esforços transversos e de torção, e a que se desenvolve paralelamente às armaduras longitudinais, é assegurada por disposições construtivas apropriadas, indicadas no presente regulamento.
Daqui resulta que no caso de armaduras de pré-esforço, o estado limite de largura de fendas é de 0,2 mm.
Os artigos 5.º (A verificação da segurança das estruturas de betão armado e pré-esforçado deve ser efectuada de acordo com os critérios gerais estabelecidos no RSA e tendo em conta as disposições do presente regulamento) e 7.º (estado limite de largura de fendas) do Regulamento, que as recorrentes invocam, não trazem nenhum argumento a seu favor. Limitam-se a dizer quais os critérios da fendilhação, mas não estatuem que o n.º 2 do artigo 63.º se aplica a todas as estruturas de betão.
No caso dos autos não estamos perante betão pré-esforçado, pelo que não se aplica o n.º 2 do artigo 63.º.
Mas dispõe o n.º 1 do artigo 65.º que a segurança em relação ao estado limite de largura de fendas considera-se satisfeita se o valor de cálculo da largura das fendas, ao nível das armaduras mais traccionadas, não exceder o valor de w especificado no artigo 63.º.
Ora, ao contrário do que defendem as recorrentes, esta norma (n.º 1 do artigo 65.º) não estatui que a segurança em relação ao estado limite de largura de fendas não se considera satisfeita se o valor de cálculo da largura das fendas, ao nível das armaduras mais traccionadas, exceder o valor de w especificado no artigo 63.º.
Esta hipotética norma, que as recorrentes querem ver aplicada, só existiria se fosse possível utilizar o argumento a contrario sensu para a formular.
No entanto, sabe-se que a utilização do mencionado argumento é muitas vezes falaciosa e só caso a caso é possível concluir se o argumento é válido ou não. Como ensina J. BAPTISTA MACHADO1 “… o argumento a contrario apenas terá força plena quando se consiga mostrar a existência de uma implicação intensiva (ou replicação) entre a hipótese e a estatuição – quando se mostre, pois, que a consequência jurídica se produz quando se verifique a hipótese e que tal consequência só se produz quando se verifique tal hipótese. Assim sucederá, designadamente, quando a hipótese legal é constituída por uma enumeração taxativa (“Apenas quando se verifique um dos seguintes casos…ou fundamentos…”) e o caso em apreço não caiba decididamente em nenhuma das hipóteses que constituem o elenco legal (numerus clausus)”.
Por conseguinte, no caso do n.º 1 do artigo 65.º não é possível utilizar o argumento a contrario sensu.
Aceita-se, assim, a opinião do Perito de que, face ao n.º 1 do artigo 65.º, os valores da fendilhação não são impositivos, mas meramente indicativos.
Com o que improcede a pretendida violação legal por parte do acórdão recorrido.
Está prejudicado, por irrelevante, o valor que o acórdão recorrido deu à opinião do Perito.

IV – Decisão
Face ao expendido, negam provimento ao recurso.
Custas pelas recorrentes, com taxa de justiça fixada em 7 UC.
Macau, 19 de Dezembro de 2018.

Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai

O Magistrado do Ministério Público
presente na conferência: Mai Man Ieng
     1 J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1995, p. 187 e 188.
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