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Processo n.º 1012/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 31/Janeiro/2019

Assuntos: Questões incidentais; caso julgado
Contrato-promessa de partilha de bens do casal

SUMÁRIO
Segundo o artigo 416.º do CPC, tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior; havendo lugar à litispendência se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, e há lugar à excepção de caso julgado se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
As questões suscitadas num processo de inventário são meras questões incidentais, ou seja, aquelas controvérsias acessórias que surgem no desenvolvimento, ao lado ou no âmbito da causa principal.
A decisão das questões incidentais tem o valor de caso julgado meramente formal, salvo se alguma das partes requerer o julgamento para constituir caso julgado fora do processo e o tribunal for competente para a apreciação da questão.
Não tendo o recorrente requerido no processo de inventário, aquando da dedução do incidente, que o julgamento daquelas questões incidentais tivesse essa amplitude, isto é, que a decisão daquelas questões formasse caso julgado material, mesmo após o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos de inventário que julgou as referidas questões incidentais, aquela decisão não pode ser invocada nos presentes autos em que se discute o incumprimento do contrato-promessa de partilha, daí que não há lugar à litispendência.
Tendo o Autor e a Ré acordado em proceder à partilha de determinada fracção autónoma, entretanto as formalidades de transmissão apenas seriam tratadas em momento posterior à dissolução do casamento, por divórcio, conclui-se que a vontade negocial expressa naquele acordo se harmoniza com um contrato-promessa de partilha do referido bem imóvel.
Segundo o acordado, a Ré obrigou-se a transmitir ao Autor o direito de propriedade sobre a quota indivisa da respectiva fracção autónoma que a mesma detém no referido imóvel, depois de terminadas as formalidades de divórcio de Autor e Ré, tendo recebido como contrapartida o valor de tornas que tinha exigido do Autor.
Não obstante, não querendo a Ré cumprir a promessa e celebrar o contrato prometido, antes deduziu a providência cautelar de arrolamento da referida fracção autónoma, bem assim requereu o inventário para a sua partilha, o Autor está em condições de obter sentença que substitua a declaração negocial da Ré, a fim de ser declarada partilhada o direito de propriedade sobre a referida fracção autónoma.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 1012/2017
(Autos de recurso cível)

Data: 31/Janeiro/2019

Recorrente:
- A (Autor)

Recorrida:
- B (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, Autor nos autos acima cotados (doravante designada por “recorrente”), inconformado com o despacho saneador que absolveu a Ré da instância relativamente ao pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fracção autónoma “DD4” do prédio descrito sob o n.º ..., interpôs recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“I. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal, entendendo-se que o negócio nulo nunca produziu quaisquer efeitos, independentemente de haver sido ou não reconhecida judicialmente a sua nulidade – entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 279º do CC.
II. A sentença que declarar tal invalidade do negócio, limita-se a reconhecer uma invalidade já existente, não tendo tal decisão efeito constitutivo, ou seja, o efeito de alterar o status quo ante, porque como prescreve a lei o negócio nulo não produziu quaisquer efeitos, e portanto, o reconhecimento de que um negócio é nulo nada muda na ordem jurídica – entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 279º do CC.
III. Porque a declaração de nulidade do negócio não tem qualquer efeito e, assim, não opera qualquer modificação na ordem jurídica, pedindo o A. o reconhecimento da nulidade do negócio para excluir o direito sobre uma fracção do património comum do casal – por o A. não ter, em virtude da nulidade do negócio celebrado, adquirido qualquer direito sobre o mesmo, já que a pessoa de quem o adquiriu já não tinha personalidade à data do negócio de compra e venda e, portanto, estar tal bem à altura devolvido aos sucessores do seu anterior titular, a cancelar o seu arrolamento – pedido pela R. como providência prévia à sua partilha – o A. não precisa que os herdeiros do património do “inexistente” vendedor intervenham na acção, produzindo a eventual decisão de procedência do seu pedido, todo o seu efeito útil normal, pois regula definitivamente a situação concreta das partes, nos termos do art. 61º, n.º 2 do CPC.
IV. Embora a mesma não vincule outros eventuais interessados no negócio declarado nulo, o que há que concluir é que sendo certo que a natureza da invalidade que afecta o negócio é a nulidade absoluta, não podendo o mesmo ser validado pelo decurso do tempo ou por confirmação, nada na ordem jurídica foi alterado ou poderá ser alterado com a sua intervenção na acção, pelo que, é a mesma desnecessária – entendimento diverso faz indevida interpretação e aplicação do art. 61º do CPC, designadamente do seu n.º 2 que dispõe “a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.””
*
Devidamente notificada, não apresentou a recorrida resposta ao recurso.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença, tendo a Ré sido absolvida dos pedidos formulados em 1) e 5) da petição inicial, e ordenada a suspensão da instância relativa aos pedidos formulados em 3) e 4) da mesma peça processual.
Inconformado com a sentença, interpôs o Autor ora recorrente novo recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“I. No inventário a causa de pedir são factos que consubstanciam a existência de um património comum que necessita de ser partilhado, sendo seus pressupostos a existência de um regime de bens diverso do de separação, a inexistência de acordo quanto à forma de efectuar a partilha ou a impossibilidade de obter tal acordo pelo facto de um dos cônjuges não se poder validamente manifestar (designadamente, por estar incapacitado) e, pode recair sobre a totalidade do activo e passivo integrado na comunhão ou sobre parte do mesmo, nomeadamente por os ex-cônjuges já haverem chegado a acordo sob a forma de partilhar alguns dos elementos que o integram – entendimento diverso faria indevida interpretação dos arts. 963º, n.º 1, e 1028º do CPC.
II. O A. com os pedidos inicialmente formulados no inventário que, resumidamente consistiam em que o regime de bens do casamento (legal, convencional ou de facto) era o regime de separação de bens ou que inexistiam bens comuns a partilhar, por já haver sido feita a sua partilha, alegou fundamentos de facto e de direito que lhe tiram toda a razão de ser e existir, e que são fundamentos de oposição ao inventário, ou seja, o que em termos processuais civis se designa por incidente de oposição ao inventário, verdadeiros obstáculos processuais que se destinam a atacar o processo na sua estrutura, que quando julgados procedentes, impedem que o inventário possa prosseguir os seus termos – entendimento diverso faria indevida interpretação do art. 970º, n.º 1, primeira parte (questões prejudiciais de que depende a admissibilidade do processo), “ex vi”, art. 1028º, n.º 4 do CPC.
III. A decisão proferida nos autos de inventário sobre esse incidente de oposição tem os seguintes limites e objecto – considera improcedentes todos os fundamentos de oposição ao inventário, sem prejuízo de se vir a dirimir a questão do abuso de direito nos meios comuns, por necessitar de maior indagação (questão que pela sua natureza e complexidade da matéria de facto que lhe está subjacente, não deve ser incidentalmente decidida nos autos de inventário), ordenando o prosseguimento do inventário até ao momento em que se encontrem relacionados os bens altura em que se suspenderá a instância até que ocorra decisão definitiva sobre esses assuntos; ou seja, essa decisão tem como parte injuntiva ou decisória, mandar prosseguir o inventário por se entender ocorrerem os pressupostos necessários à sua existência – haver bens comuns a partilhar e não haver ainda sido feita a sua partilha – entendimento diverso faria indevida interpretação do art. 970º, n.º 1, segunda parte, “ex vi”, art. 1028º, n.º 4 do CPC.
IV. Essa decisão não preclude posterior oposição pelo interessado tendente a restringir a descrição e a partilha a certos bens, por já estarem legalmente partilhados os restantes, pois o momento certo para suscitar tal questão é o momento da tomada de posição dos interessados quanto à relação de bens e, só então, se decidirá a tal respeito, sendo certo que, relativamente às duas fracções arroladas nos autos de inventário, a “DD4” foi excluída da relação de bens dos referidos autos de inventário e a “G3” consta aí como havendo sido prometida adjudicar ao Autor contra o recebimento de tornas pela Ré, da quantia de MOP$120.000,00 que já efectivamente recebeu, sendo essa descrição de bens definitiva, por após as reclamações que a Ré julgou conveniente e oportuno deduzir nesses autos de inventário, assim haver sido decidido – entendimento diverso faria indevida interpretação dos arts. 982º, 985º, 986º e 987º, “ex vi” 1028º, n.º 4 do CPC.
V. O Autor com os primeiro, segundo e terceiro pedidos formulados nestes autos, pretende efeitos jurídicos diversos e suporta os pedidos em causas de pedir diversas, pois estas embora integradas por alguns dos mesmos factos, necessitam da ocorrência de outros, para se terem por preenchidas. Não ocorre identidade de causa de pedir e pedidos com os decididos no processo de inventário – entendimento diverso faria indevida interpretação do art. 417º do CPC.
VI. Não ocorrendo a tripla identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido, nunca poderia ocorrer nem litispendência, nem caso julgado – entendimento diverso faria indevida interpretação do art. 416º e 417º do CPC.
VII. Nunca uma decisão definitiva do incidente de oposição nos autos de inventário poderia constituir caso julgado material para os presentes autos, pois recaindo sobre a relação processual dos autos de inventário, só tem força obrigatória dentro desse processo, pois só tem valor de caso julgado formal, nos termos do art. 575º e 26º do CPC.
VIII. Questões prejudiciais são todas aquelas que possuindo objecto – ou até natureza – diferente do da questão principal do processo em que surgem, e sendo susceptíveis de constituírem objecto de um processo autónomo, são de resolução prévia indispensável para se conhecer em definitivo da questão principal, dependendo o sentido deste conhecimento do solução que lhes for dada; por sua vez, questões incidentais são todas ocorrências extraordinárias, acidentais, estranhas, que surjam na relação processual e que originem a formulação do processado próprio ou autónomo. Por isso, é que é possível concluir que todas as questões prejudiciais que surgem no processo, são questões incidentais, mas que o contrário não é verdadeiro, ou seja nem todas as questões incidentais são questões prejudiciais, sendo que as questões prejudiciais não se definem assim pela sua natureza, mas sim, por terem objecto diverso do da questão principal e de a sua resolução constituir pressuposto necessário e indispensável ao conhecimento do objecto da causa - entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 26º e 27º do CPC, e ainda, designadamente dos arts. 970º e 223º do CPC.
IX. O artigo 27º, n.º 1 do CPC não define o que sejam questões prejudiciais, o que faz é estabelecer uma excepção ao art. 26º do CPC, que estabelece como regra a competência do tribunal a que a causa esteja afecta para resolver todas as questões incidentais, tenham ou não as mesmas carácter prejudicial, permitindo ao juiz sobrestar na decisão relativamente às questões prejudiciais de natureza administrativa ou penal cujo julgamento seja da competência de outro tribunal, mas, ainda assim, obrigando o juiz a decidir a questão prejudicial no processo se a acção administrativa ou penal não for exercida dentro de um mês ou se o respectivo processo estiver parado, por negligência das partes, durante o mesmo prazo.
X. A decisão de todas essas questões incidentais, tenham ou não carácter de questões prejudiciais, só faz caso julgado formal, excepto se e quando tenham natureza administrativa ou penal e sejam julgadas no tribunal competente ou se alguma das partes requerer o seu julgamento para formar caso julgado material entre as partes e o tribunal da causa em que ocorreu a questão incidental seja competente para o efeito – entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 26º e 27º do CPC.
XI. Inexistindo requerimento de qualquer das partes para que o julgamento das questões suscitadas pelo A. nos autos de inventário como fundamento do incidente de oposição tivesse força de caso julgado material, caso em que o juiz deve fazer maior indagação e instrução para proferir decisão, a decisão das mesmas só pode formar caso julgado formal, ou seja efeito de caso julgado dentro do processo de inventário entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 26º e 27º do CPC.
XII. Como se pode verificar dos factos provados, que aqui se têm por integralmente reproduzidos o A. provou todos os factos necessários à procedência dos primeiro a quarto pedidos por si formulados – devendo assim, ser declarado:
1. Que o acordo celebrado por escrito entre A. e R. em data anterior a 27.04.2000, completado com a declaração por escrito adicional da R. de que havia recebido do outro contraente a quantia de HKD$120.000,00 (cento e vinte mil dólares de Hong Kong) pela metade da fracção autónoma “G3” do Ed. XX, prédio descrito sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, que seria propriedade do A. após o processo de divórcio, é um acordo de partilha, em que dispõem da propriedade conjuntamente possuída, vinculativo para ambos, e que o direito de impugnar o referido acordo prescreveu decorrido um ano após a sua celebração, nos termos das leis aplicáveis da República Popular da China, aplicáveis ao caso.
2. Que o negócio de compra e venda da fracção autónoma “DD4” do prédio descrito sob o n.º ... na conservatória do Registo Predial de Macau, titulado pela escritura de 26.07.1999, lavrada a fls. … do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º … do Notário Privado Henrique Miguel de Senna Fernandes, pela qual A por si e como procurador do vendedor X, expressamente autorizado a celebrar negócio “consigo mesmo”, adquiriu a fracção pelo preço de MOP$105.000,00 (cento e cinco mil patacas), é nulo, por na data da sua celebração o vendedor já se encontrar falecido, sendo que o seu óbito ocorreu em Macau na dia 08.01.1999, ordenando-se o cancelamento da inscrição de arrolamento n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, incidente sobre a fracção.
3. Que o acordo celebrado por escrito entre A. e R. em data anterior a 27.04.2000, completado com a declaração por escrito adicional da R. de que havia recebido do outro contraente a quantia de HKD$120.000,00 (centro e vinte mil dólares de Hong Kong) pela metade da fracção autónoma “G3” do Ed. XX, prédio descrito sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, que seria propriedade do A. após o processo de divórcio, apesar de não ter a forma necessária para a transmissão dos direitos de propriedade do imóvel da R. para o A., por o imóvel se situar em Macau e a lei do lugar do imóvel exigir para os actos que importem aquisição do direito de propriedade a forma de escritura pública, tem todos os requisitos de substância e forma de um contrato-promessa de partilha, pelo que, se converte nesse tipo de contrato.
4. Que porque a R. já manifestou, através da propositura de procedimento cautelar de arrolamento da referida fracção autónoma “G3” do prédio descrito sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau e requerimento de inventário para partilha dos bens comuns, de que o mesmo está dependente, que não quer cumprir tal acordo de partilha, o tribunal substitui-se às partes na emissão das declarações de vontade por elas expressas nesse acordo, e declara partilhados os direitos de propriedade sobre a referida fracção, adjudicando-a ao A. e considerando a R. reintegrada por tornas no valor de HKD$120.000,00 (cento e vinte mil dólares de Hong Kong), já recebidas em 27.04.2000, ordenando-se o cancelamento da inscrição de arrolamento n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, incidente sobre a fracção.
- entendimento diverso faria indevida interpretação e aplicação dos arts. 562º, 563º e 564º do CPC.
Termos em que,
Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que decida de mérito, considerando procedentes os primeiro a quatro pedidos formulados pelo A. por haver logrado provar todos os factos necessários e que constituíam a sua causa de pedir,
COM O QUE SE FARÁ A HABITUAL JUSTIÇA!”
*
Ao recurso não respondeu a recorrida.
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Comecemos pelo recurso interlocutório.
Entende a decisão recorrida que, pedindo o recorrente a declaração de nulidade da compra e venda de determinada fracção autónoma, mas verificando-se a falta de intervenção do comprador daquela mesma fracção, tanto do lado activo como do lado passivo, ocorre ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário natural e, em consequência, absolveu a recorrida da instância relativamente ao pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fracção autónoma “DD4”.
A decisão recorrida possui o seguinte teor:
“Da legitimidade passiva relativamente ao pedido de declaração de nulidade contratual.
Como se disse no despacho pré-saneador, de fls. 298 e 299, o pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda que o autor formulou contra a sua ex-cônjuge reclama que estejam em juízo ambas as partes contratantes, comprador e vendedor, seja como autores, seja como réus, seja um como autor e outro como réu, por se tratar de um caso de litisconsórcio necessário natural. Activo, no caso de o vendedor dever figurar ao lado do autor comprador ou passivo, no caso de dever figurar ao lado da ré originária. É demandante apenas o comprador e não foi demandado o vendedor ou quem lhe sucedeu, tendo apenas sido demandada a ré que foi casada com o autor/comprador.
Tendo o autor sido convidado a fazer intervir do lado activo ou do lado passivo o vendedor, não o fez. Assim, por falta de intervenção do comprador, ocorre ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário natural, o que implica a absolvição da ré em relação a esta parte da instância.
Pelo que fica exposto e pelo que já foi dito no despacho pré-saneador de fls. 298 e 299, absolve-se a ré da instância relativamente ao pedido de declaração de nulidade do contrato de compra e venda.
As custas desta parte do decaimento do autor serão fixadas a final.”

E antes de proferir o despacho sob escrutínio, foi o recorrente convidado para suprir a falta daquele pressuposto processual, mas não o fez, conforme o despacho pré-saneador que se segue:
“Despacho pré-saneador.
O autor pretende, entre o mais, a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda em que foi comprador e onde também interveio em representação do vendedor. No entanto, não demandou o vendedor, nem actua em sua representação nestes autos, tendo apenas demandado a ré com quem o autor foi casado.
Ora, trata-se de um caso de litisconsórcio necessário natural, uma vez que sem a intervenção da outra parte contratante no contrato a declarar nulo não pode a decisão que declarar a nulidade produzir o seu efeito útil normal, pois que embora possa ser oposta à ré, abrangida pelo efeito de caso julgado, não poderá ser oposta ao vendedor em relação ao qual o contrato não será declarado nulo nem a ele se estende o efeito de caso julgado (art. 61º, n.º 2 do CPC e Viriato Lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª edição p. 225 e 226 e Castro Mendes, Manual de Direito Processual Civil, Vol. II, AAFDL 1987, pg. 286, relativamente à acção de anulabilidade contratual).
A preterição do litisconsórcio necessário gera ilegitimidade que configura excepção dilatória de conhecimento oficioso que implica o indeferimento liminar da petição inicial, se detectada no momento liminar, o que não ocorreu no presente caso, ou a absolvição do réu da instância, se conhecida em momento posterior.
Assim, nos termos do disposto nos arts. 6º, n.º 2 e 427º, n.º 1, al. a) do CPC, convida-se o autor a sanar, em 10 dias, a referida ilegitimidade pelo meio que entender mais conveniente, designadamente requerendo a intervenção principal do referido vendedor ou de quem lhe sucedeu, uma vez que diz que já faleceu (vd. também Viriato Lima, op. cit., pg. 337).
*
(…)”

Ora bem, analisado o teor dos despachos que antecedem, louvamos a acertada decisão recorrida com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito constante da decisão recorrida, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631º, nº 5 do CPC.
Apenas mais uma achega para realçar a correcção da posição assumida na decisão recorrida.
De facto, relativamente à compra e venda da fracção “DD4”, apesar de ter poderes especiais para celebrar negócio consigo mesmo, o recorrente apenas agiu na qualidade de procurador do seu pai, sendo assim, para que a decisão (de declaração de nulidade da compra e venda da fracção “DD4”) possa produzir o seu efeito útil normal, ou seja, regular definitivamente o conflito de interesses invocado pelo Autor, é necessária a intervenção de todos os sujeitos da relação material controvertida.
Sendo o seu pai o verdadeiro vendedor da fracção autónoma em causa, e uma vez verificado o seu falecimento, o recorrente deveria promover a intervenção dos sucessores do falecido que não sejam partes na acção, caso contrário a decisão que viesse julgar procedente o pedido de declaração de nulidade da compra e venda não poderia conferir ao Autor uma posição definitiva.
Nestes termos, há-de negar provimento ao recurso interlocutório.
*
Vejamos agora a sentença recorrida.
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Autor e ré casaram entre si, segundo os usos e costumes chineses, em Macau, no dia 01.10.1980, tendo o casamento sido registado sob o n.º … na Conservatória do Registo Civil de Macau no dia 25.06.1984 (alínea A) dos factos assentes).
O referido casamento foi dissolvido por divórcio decretado pelo Tribunal Judicial de Base de Macau em 31.10.2000, em processo especial de divórcio por mútuo consentimento com o n.º CPE-012-00-3, requerido por autor e ré em 02/05/2000, tendo a decisão respectiva transitado em julgado em 20.11.2000 (alínea B) dos factos assentes).
Nos autos de arrolamento número CV3-00-0006-CPE-A, instaurados pela R. com fundamento no divórcio entre A. e R., requereu a R. e, assim, foi decretado “o arrolamento dos seguintes imóveis, suas pertenças frutos e rendimentos” (alínea C) dos factos assentes):
    - Fracção autónoma designada por “G3”, do 3º andar “G”, para habitação, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado Ed. XX, nºs…a…. da Av…., inscrito sob o artigo n.º ... na Matriz Predial do Concelho de Macau e descrito sob o n.º ..., a fls. … do Livro ….
- Fracção autónoma designada por “DD4”, do 4º andar “DD”, para habitação, do prédio, em regime de propriedade horizontal, denominado Ed. XX, nºs … da R. …, inscrito sob o artigo n.º … na Matriz Predial do Concelho de Macau e descrito sob o n.º ..., a fls. … do Livro ….
A R. requereu igualmente inventário para partilha dos bens comuns do casal, por apenso ao processo de divórcio (alínea D) dos factos assentes).
Na segunda conferência que teve lugar no referido processo de divórcio que correu termos sob o n.º CPE-012-00-3, os aqui autor e ré declararam que não tinham bens comuns a partilhar (alínea E) dos factos assentes).
O transmitente da fracção autónoma “DD4”, referida em C), foi X, representado pelo aqui autor, A, que adquiriu e que, no instrumento de procuração utilizado, estava autorizado a celebrar “negócio consigo mesmo” (alínea F) dos factos assentes).
X era pai do autor A e faleceu em Macau no dia 08.01.1998 (alínea G) dos factos assentes).
A escritura de compra e venda de X para A ocorreu já em momento posterior à morte daquele (alínea H) dos factos assentes).
Autor e ré apuseram a sua assinatura no documento particular cuja cópia se mostra junta a fls. 72, o qual tem o seguinte conteúdo (alínea I) dos factos assentes):
“本人B,持澳門居民身份證….,…年…月…日在福建出生,與丈夫A,持澳門居民身份證…,於…年…月…日在澳門結婚,1984年居住於和樂坊筷子基大廈XX大廈第X座X樓x座,現育有一女一子。女,C…年…月…日出生於澳門。子,D…年…月…日出生於澳門。原因夫妻多年感情破裂,無法在一起,雙方同意之下提出離婚。
1. 現居筷子基XX大廈…樓…座,樓宇歸A,但必需以市價現金之二分之一的價錢給回B擁有。
2. 子,D,女,C,願意跟母親同住。
3. 膳養費隨意。
4. 對方可以任何時間 (電話預約探望子女)。
5. 以後談婚論嫁各不相關。
雙方簽名 (男): A
雙方簽名 (女): B”
(TRADUÇÃO
Eu sou B, portadora do Bilhete de Identidade Permanente de Macau n.º…, nascida em Fukien, República Popular da China em…, e casei com o meu marido A, portador do Bilhete de Identidade Permanente de Macau n.º … em …, havendo começado a residir em Macau, Rua…, Ed. XX, Bl. …, …º andar, “…”, e temos uma filha e um filho. A filha chama-se C e nasceu em Macau a .... O filho chama-se D e nasceu em Macau a …. Ambos acordámos no divórcio, porque a relação conjugal está em ruptura, não conseguindo manter uma vida em comum feliz.
1. A fracção acima referenciada “3G” fica propriedade do marido A sob condição de pagar metade do valor de mercado da fracção;
2. O filho D e a filha C ficam a viver com a mãe;
3. Os alimentos serão os que puderem ser prestados;
4. Ambos acordam que o pai poderá visitar os filhos sempre que quiser, desde que avise previamente a mãe por telefone;
5. Qualquer futuro casamento, não terá nada a ver com os contraentes.
Assinatura do cônjuge marido: A
Assinatura da cônjuge mulher: B).
A ré apôs a sua assinatura num documento particular cuja cópia que se mostra junta a fls. 92, o qual tem o seguinte conteúdo (alínea J) dos factos assentes):
“聲明書
本人收到對方A港幣為120,000萬元正,以筷子基樓宇一半XX大廈3/G歸A拥有,必需要搞離婚其他手續為有效,特此聲明。
本人: B
2000.4.27”
(Tradução
Declaração
Recebi HKD$120.000,00 do outro contraente A pela metade da fracção 3G do Ed. XX, no Bairro Fai Chi Kei, que será propriedade de A, que se tornará eficaz após o processo de divórcio, para prova do que fiz esta declaração.
Eu: (As. B)
27.04.2000)
Autor e ré casaram sem qualquer convenção ante ou pós-nupcial (alínea K) dos factos assentes).
A propriedade dos imóveis referidos em C) foi adquirida na constância do matrimónio de autor e ré (alínea L) dos factos assentes).
Como actos preparatórios do divórcio, Autor e Ré entraram em acordo sobre a forma como disporiam da fracção autónoma “G3”, referida em C) dos factos assentes, que ambos haviam adquirido, por compra e venda formalizada por escritura de 11 de Novembro de 1989, lavrada a fls. … do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º … do Segundo Cartório Notarial de Macau (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
Autor e Ré pretendiam que o acordo de partilha da fracção autónoma “G3”, constante do documento junto a fls 72 e referido em I) dos factos assentes, produzisse efeitos após o seu divórcio (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
Com tal acordo Autor e Ré tinham em vista a transmissão do direito de propriedade que a Ré detinha na fracção autónoma “G3” do prédio descrito sob o n.º ... para o Autor mediante o pagamento por este e o recebimento por aquela de quantia equivalente a metade do valor da fracção autónoma no mercado, que fixaram por acordo em HK120.000,00 (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
A quantia de HK120.000,00 foi efectivamente paga pelo Autor e recebida pela Ré em 27 de Abril de 2000, tendo a Ré dado ao Autor o recibo referido em J) dos factos assentes e outorgado procuração no mesmo dia em 27 de Abril de 2000 no Cartório Notarial das Ilhas, concedendo-lhe amplos poderes de administração, disposição e oneração sobre a fracção, incluindo poderes para celebrar negócio consigo mesmo (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
O documento subscrito por Autor e Ré, referido em I) dos factos assentes, foi assinado em data anterior a 27 de Abril de 2000 (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
Na data da outorga da procuração referida na resposta ao quesito 5º, em 27 de Abril de 2000, havia dúvidas sobre qual era o regime supletivo de bens do casamento celebrado segundo a lei chinesa (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Foi por Autor e Ré terem acordado que os direitos da Ré na referida fracção “G3” eram para ser transmitidos ao seu então cônjuge, o Autor, que a Ré declarou também que “… o referido procurado poderá servir-se desta procuração para prática de negócios “consigo mesmo …” (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
O artigo 23º da Lei do Casamento da República Popular da China, aprovada em 13 de Abril de 1950 e que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 1950 (em vigor até à entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1981 da nova Lei do Casamento, revista em 28 de Abril de 2001), dispunha que “离婚时,除女方婚前财产归女方所有外,其他家庭财产如何处理,由双方协议; 协议不成时,由人民法院根据家庭财产具体情况、照顾女方及子女利益和有利发展生产的原则判决。” (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
Nos termos do artigo 31º da Lei de Casamento da República Popular da China de 1980 (correspondente ao artigo 39º, após as alterações introduzidas em 2001), “离婚时,除女方婚前财产归女方所有外,其他家庭财产如何处理,由双方协议; 协议不成时,由人民法院根据家庭财产具体情况、照顾女方及子女利益和有利发展生产的原则判决。” (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
O artigo 33º das Interpretações I da Lei do Casamento, promulgadas pelo Supremo Tribunal Popular da RPC em 24 de Dezembro de 2001, diz que “婚姻法修改后正在审理的一、二审婚姻家庭纠纷案件,一律适用修改后的婚姻法。此前最高人民法院作出的相关司法解释如与本解释相抵触,以本解释为准。” (resposta ao quesito 13º da base instrutória)
O artigo 8 das Interpretações II, promulgadas pelo Supremo Tribunal Popular da RPC em 26 de Dezembro de 2003, dispõe que, “离婚协议中关于财产分割的条款或者当事人因离婚就财产分割达成的协议,对男女双方具有法律约束力。当事人因履行上述财产分割协议发生纠纷提起诉讼的,人民法院应当受理。” e o artigo 9 das mesmas Interpretações II que “男女双方协议离婚后一年内就财产分割问题反悔,请求变更或者撤销财产分割协议的,人民法院应当受理。(resposta ao quesito 14º da base instrutória)
De acordo com o disposto no artigo 10º da Lei do Casamento da República Popular da China de 1950 (aprovada pelo Conselho do Governo Central Popular na sua 7ª Sessão de 13 de Abril de 1950 e pelo Conselho de Administração Governamental na sua 22ª Sessão de 3 de Março de 1950), “夫妻双方对于家庭财产有平等的所有权与处理权。” (resposta ao quesito 15º da base instrutória)
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O Autor pede, entre outros, que seja declarado que o acordo alegadamente celebrado com a Ré em data anterior a 27.4.2000 é um acordo de partilha e que o prazo de impugnação do mesmo se encontra caducado face ao estatuído na Lei de Casamento da R.P.C.
A sentença julgou que, relativamente a estas duas questões, ocorre a excepção de litispendência e, em consequência, absolveu a Ré da instância.
O Autor recorreu da decisão, por entender que não existe litispendência.
A nosso ver, julgamos assistir razão ao recorrente.
O que acontece nos autos é o seguinte:
Corre termos no Juízo de Família um inventário em que é cabeça-de-casal o ora recorrente, tendo este último formulado um incidente pedindo que fosse declarado que o acordo alegadamente celebrado com a Ré em data anterior a 27.4.2000 era um acordo de partilha tendo o prazo de impugnação do mesmo caducado face ao estatuído na Lei de Casamento da R.P.C.
E nesse processo de inventário, o Juízo de Família concluiu que não tinha condições para se conhecer do pedido de caducidade do direito de impugnação da partilha e também julgou improcedente o pedido relativo à existência do acordo de partilha.
Não obstante se encontrar aquela decisão ainda pendente por o cabeça-de-casal, ora recorrente, ter interposto recurso, entende a sentença recorrida que aquelas duas questões formam caso julgado material e obstam a que o tribunal cível se pronuncie sobre as mesmas contradizendo ou reproduzindo a decisão que a proferir nos autos de inventário.
Vejamos.
Segundo o artigo 416.º do CPC, tanto a excepção da litispendência como a do caso julgado, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior; havendo lugar à litispendência se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, e há lugar à excepção de caso julgado se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
Ora bem, estando ainda pendente recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Juízo de Família, pareceria haver lugar à litispendência.
Mas uma coisa é certa.
As questões suscitadas no inventário são meras questões incidentais, ou seja, aquelas controvérsias acessórias que surgem no desenvolvimento, ao lado ou no âmbito da causa principal1.
Conforme se dispõe no n.º 2 do artigo 26.º do CPC: “A decisão das questões e incidentes suscitados não constitui, porém, caso julgado fora do processo respectivo, excepto se alguma das partes requerer o julgamento com essa amplitude e, para a sua apreciação, o tribunal a que a causa esteja afecta for competente.”
Nas palavras de Alberto dos Reis2, “O legislador encontrou-se perante duas necessidades antagónicas: a de afastar os obstáculos levantados ao rápido andamento do processo, o que o levava a conceder ao juiz o poder de arrumar e decidir as questões incidentais, e a de evitar que estas questões fossem objecto dum exame precipitado e superficial que comprometesse a justiça da decisão, o que parecia impor a solução contrária: remeter o julgamento das questões incidentais para um processo próprio e adequado, com todas as garantias de preparação e discussão.
Quer dizer, havia dois interesses em conflito: o interesse da celeridade e o interesse da segurança. Tudo estava em dar satisfação a cada um deles, na medida em que fosse razoável.
Foi exactamente a atitude que o Código tomou.
Sob a pressão do interesse da celeridade, deu-se ao tribunal competência para conhecer das questões incidentais; em atenção ao interesse da segurança, declara-se que a decisão tomada quanto a essas questões não produz efeitos fora do processo. O juiz julga as questões incidentais; mas o seu julgamento destina-se unicamente a servir o fim e as necessidades do processo em que elas surgiram e por isso não se projecta para fora e para alem deste processo. Quer dizer, as questões incidentais ficam arrumadas dentro do processo; fora dele, continuam em aberto, podendo ser resolvidas em sentido diferente.
Eis a posição assumida pela lei.”
Mas a regra de que a decisão das questões incidentais tem o valor de caso julgado meramente formal sofre uma excepção: se alguma das partes requerer o julgamento para constituir caso julgado fora do processo e o tribunal for competente para a apreciação da questão3.
No caso vertente, o recorrente não requereu no processo de inventário aquando da dedução do incidente que o julgamento daquelas questões incidentais tivesse essa amplitude, isto é, que a decisão daquelas questões formasse caso julgado material, daí que não há lugar à litispendência, uma vez que, mesmo após o trânsito em julgado da decisão proferida nos autos de inventário que julgou as referidas questões incidentais, aquela decisão não pode ser invocada nos presentes autos.
Nestes termos, por não haver lugar à litispendência, há-de conceder provimento ao recurso nesta parte, devendo este TSI conhecer das questões de mérito suscitadas na petição inicial.
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Pede, em primeiro lugar, que se declare que o acordo alegadamente celebrado com a Ré em data anterior a 27.4.2000, completado com a declaração escrita adicional da Ré de que havia recebido do Autor a quantia de HKD120.000,00 pela metade da fracção, é um acordo de partilha tendo o prazo de impugnação do mesmo caducado, e que seja declarado que o tal acordo tem todos os requisitos de substância e forma de um contrato-promessa de partilha.
Face à matéria provada nos autos, atendendo, em especial, ao teor das alíneas I) e J) dos factos assentes, bem como as respostas dadas aos quesitos 2º a 5º e 8º da base instrutória, somos a concluir que o Autor e a Ré acordaram em proceder à partilha da fracção autónoma “G3”, entretanto as formalidades de transmissão apenas seriam tratadas em momento posterior à dissolução do casamento, por divórcio.
Em boa verdade, o tal acordo foi celebrado entre Autor e Ré na constância do casamento mas o contrato-prometido apenas seria cumprido ou executado após o divórcio, daí que se conclui que a vontade negocial expressa naquele acordo se harmoniza com um contrato-promessa de partilha do referido bem imóvel.
Nestes termos, julgamos procedente a acção na parte em que pede que seja declarado que o acordo celebrado entre o Autor e a Ré em data anterior a 27.4.2000 tem todos os requisitos de substância e forma de um contrato-promessa de partilha.
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No que se refere ao pedido de declaração de que o direito de impugnar o referido acordo já prescreveu decorrido um ano após a sua celebração, nos termos da lei aplicável da República Popular da China, há-de dizer que, considerando que o Autor e a Ré contraíram casamento em Macau, onde os cônjuges têm a sua residência habitual, tendo aqui celebrado o contrato-promessa de partilha, acresce ainda o facto de o bem imóvel objecto de futura partilha também se situar em Macau, somos a entender que a lei aplicável à matéria de caducidade do direito de impugnar a promessa de partilha deve ser a lei de Macau e não a lei da China.
Sendo assim, há-de julgar improcedente o pedido formulado pelo recorrente nesta parte.
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Pede o Autor ora recorrente, a final, que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial da Ré ora recorrida, no sentido de adjudicar ao Autor a propriedade da fracção autónoma “G3”, ordenando-se o cancelamento da inscrição de arrolamento feito no registo predial do referido imóvel.
Ora bem, verifica-se que os ex-cônjuges, ora Autor e Ré, celebraram na constância do casamento um contrato-promessa de partilha, tendo as partes acordado que o contrato prometido seria outorgado depois do divórcio.
Ao abrigo do n.º 1 do artigo 820.º do Código Civil: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.”
Da factualidade provada resulta que, segundo o acordado, a Ré se obrigou a transmitir ao Autor o direito de propriedade sobre a quota indivisa da fracção autónoma “G3” que a mesma detém no referido imóvel, depois de terminadas as formalidades de divórcio de Autor e Ré.
Pese embora ter recebido o valor de tornas que exigiu do Autor, a Ré não quis cumprir a promessa e celebrar o contrato prometido, antes deduziu a providência cautelar de arrolamento da referida fracção autónoma, bem assim requereu o inventário para a sua partilha.
Isto posto, verificado o incumprimento definitivo da Ré, o Autor ora recorrente está em condições de obter sentença que substitua a declaração negocial da Ré, a fim de ser declarada partilhada o direito de propriedade sobre a fracção autónoma “G3”.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interlocutório mas conceder parcial provimento ao recurso final interpostos pelo recorrente A e, em consequência, decidem:
- que não há lugar à litispendência;
- que a vontade negocial expressa no acordo celebrado entre Autor e Ré se harmoniza com um contrato-promessa de partilha da fracção autónoma “G3”, devidamente identificada nos autos;
- suprir a manifestação de vontade da Ré B, declarando transmitida para o Autor A a propriedade da fracção autónoma “G3”, descrita sob o n.º ... na Conservatória do Registo Predial de Macau, adjudicando-a ao Autor e considerando a Ré integrada por tornas no valor de HKD120.000,00, já recebidas em 27.4.2000.
- ordenar o cancelamento da inscrição de arrolamento n.º ... na Conservatória do Registo Predial que incide sobre a referida fracção.
As custas do recurso interlocutório são suportadas pelo recorrente.
As custas do recurso final são suportadas pelo recorrente e recorrida, na proporção de 2/10 e 8/10, em ambas as instâncias.
Registe e notifique.
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 RAEM, 31 de Janeiro de 2019
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fong Man Chong
1 Cândida Pires e Viriato Lima, in Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume I, FDUM, pág. 103
2 Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 1.º, segunda edição, pág. 283 e 284
3 No mesmo sentido, vide Cândida Pires e Viriato Lima, in Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume I, FDUM, pág. 105
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Recurso Cível 1012/2017 Página 31