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Processo nº 587/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Revisão de sentença
- Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do nº1, do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

Proc. nº 587/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
A, do sexo masculino, divorciado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRPM n.º XXX, com endereço de contacto em Macau, XXX, veio pedir a revisão e confirmação de sentença de divórcio profeiroda por tribunal do exterior a Macau contra:
B, do sexo feminino, divorciado, de nacionalidade chinesa, titular do BIRM n.º XXX, residente em Macau, XXX, número de telemóvel XXX, doravante designada por requerida.
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Não houve contestação.
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O digno Magistrado do MP pronunciou-se favoravelmente ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos Processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
I. Em 21 de Março de 2006, o requerente e a requerida celebraram e registaram o casamento entre ambos no Serviço dos Assuntos Civis do Distrito Xinhui, Cidade de Jiangmen, Província de Guangdong da China.
II. Na constância do casamento, a requerida intentou acção de divórcio no Tribunal Popular do mesmo Distrito acima referido, sendo efectuada a autuação pelo Tribunal em 21 de Agosto de 2014.
III. Em 21 de Agosto de 2014, o juiz do atrás mencionado Tribunal proferiu o “termo de conciliação civil n.º 816 de JXFHMCZ (江新法會民初字) (2014)”, no qual se refere que, após a conciliação presidida pelo Tribunal, “a autora B e o réu A divorciam-se por sua livre vontade” e “ambas as partes concordam com o presente termo de conciliação” (vide anexo II).
IV. O aludido termo de conciliação civil transitou em julgado em 21 de Agosto de 2014.
V. O referido termo apresenta o seguinte teor:

Termo de conciliação civil
N.º 816 de JXFHMCZ (2014)
A autora B (residente de Macau), do sexo feminino, nascida a 15 de Novembro de 1973, residente na XXX, RAEM, RPC, titular do BI n.º XXX.
O réu A (residente de Macau), do sexo masculino, nascido a 13 de Dezembro de 1976, residente na XXX, RAEM, RPC, titular do BI n.º XXX.
A acção de divórcio intentada pela autora B (doravante designada por autora) contra o réu A (doravante designado por réu) foi admitida e autuada por este Tribunal em 21 de Agosto de 2014. O juiz XXX presidiu ao julgamento público em processo sumário.
Segundo a autora, as partes registaram o casamento em 21 de Março de 2006; a autora tinha um filho e uma filha do casamento anterior, não tendo filhos desse casamento; tendo personalidades incompatíveis, o casal tinha entre si frequentes conflitos por causa de coisas triviais da vida familiar, o qual lhes suscitava desconfiança entre si; por a relação conjugal já se ter rompido, vem agora instaurar a acção pedindo o divórcio, a manutenção dos filhos e que se responsabilize pela prestação alimentícia aos mesmos.
Após a conciliação presidida por este Tribunal, as partes chegaram, por sua livre vontade, ao seguinte acordo:
I. A autora Be o réu A divorciam-se por sua livre vontade.
II. As custas processuais são reduzidas a metade para o valor de 150 yuan, a pagar pela autora B por sua vontade.
O presente termo de conciliação é acordado mutuamente pela autora e pelo réu e passa a produzir efeitos jurídicos logo que tiver sido assinado por ambas as partes.
O termo acima referido está em linha com as disposições legais e é confirmado por este Tribunal.
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IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.

Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação de divórcio entre requerente e requerida, que foi decretada por decisão proferida pelo tribunal competente da República Popular da China.
Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decidiu sobre o exercício do poder paternal dos dois filhos comum de ambos.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Assim, cremos estarem reunidos os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu. A decisão foi proferida por entidade competente e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Proc. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a sentença de divórcio referida, nos precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente.
T.S.I., 24 de Janeiro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


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