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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 12/02/2019 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 96/2019
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. A, arguida com os restantes sinais dos autos, vem recorrer da decisão em 17.12.2018 pela Mma Juiz do T.J.B. proferida que operou o cúmulo jurídico da pena que lhe foi aplicada no presente Proc. n.° CR5-17-0049-PSM, de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e a do Proc. n.° CR2-17-0057-PSM, igualmente, de 3 meses de prisão, e também suspensa na sua execução, por 1 ano e 6 meses, e que, a final, decidiu fixar a pena única em 5 meses de prisão.

E, tanto quanto se colhe da sua motivação e conclusões de recurso – que, como sabido é, delimitam o âmbito deste – entende, em síntese, que a referida decisão proferida e agora objecto da presente lide recursória viola o art. 48° e 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 145 a 147-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em Resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 150 a 151-v).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.145 a 147 verso dos autos, a recorrente pediu a revogação da douta decisão em causa (cfr. fls.133 a 134 dos autos), assacando-lhe o erro consignado no n.º1 do art.400º do CPP, traduzido na violação das disposições nos arts.48º e 54.º do Código Penal de Macau (CPM).
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre colega na Resposta (cfr. fls.150 a 151 verso).
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O n.º1 do art.48º do CPM revela inequivocamente que a suspensão da pena de prisão depende do preenchimento cumulativo de dois requisitos: o formal e objectivo traduz em a pena aplicada não ser superior a 3 anos; e o material consubstancia-se na razoável conclusão (do julgador) de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição que, de acordo com o preceito art.40º do CPM, consistem na prevenção especial e na geral.
Nos termos deste segmento legal, tal conclusão tem de angular-se em apreciação e valorização prévias, de índole prudente e prognóstico, de personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste. Importa ter na mente que mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão, não será decretada a suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º242/2002, n.º190/2004 e n.º192/2004)
Por sua vez, o n.º1 do art.54º do CPM prevê: A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Adverte prudentemente (Acórdão do TSI no Processo n.º847/2015): A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.
Em esteira das brilhantes jurisprudências supra aludidas, sufragamos a proficiente conclusão da MMª Juiz a quo que afirma: “被判刑人一而再觸犯打擊非法移民的法律,顯示被判刑人漠視澳門的法律制度以及法院的告誡,其守法意識極低,在庭上表現毫無悔意,其是次亦是非法進入澳門,可見其重犯機會高,因此,不以罰金代替上述刑罰。同時,考慮到非法再入境的情況頻繁,大量非法移民留在澳門討生活,已對社會安寧構成一大隱患,實有必要著重一般預防。經考慮被判刑人犯罪前後的行為,本院認為唯有實際徒刑才能達到刑罰一般預防以及特別預防的目的,因此,有必要實際執行所判處的徒刑。”
Na mesma linha de perspectiva, podemos concluir que as condutas da arguida/recorrida revelam concludentemente que a manutenção da suspensão da execução da pena única derivada do cúmulo jurídico frustrará as finalidades da punição, por isso, a douta decisão recorrida não ofende os preceitos nos arts.48º e 54.º do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 161 a 162).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, vem a arguida recorrer da decisão proferida pela Mma Juiz do T.J.B. que operou o cúmulo jurídico da pena que lhe foi aplicada no presente Proc. n.° CR5-17-0049-PSM, de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e a do Proc. n.° CR2-17-0057-PSM, igualmente, de 3 meses de prisão, e também suspensa na sua execução, por 1 ano e 6 meses, e que, a final, decidiu fixar a pena única em 5 meses de prisão; (cfr., fls. 132 a 134).

Alega – em suma – que a decisão recorrida viola o art. 48° e 54° do C.P.M..

Porém, apresenta-se-nos que nenhuma razão lhe assiste, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

–– Antes de mais, uma nota quanto à “pena única” aplicada em resultado do cúmulo jurídico das penas parcelares à recorrente decretadas.

Vejamos.

Ponderando na “moldura penal” em questão, e observado estando o critério do art. 71° do C.P.M. impõe-se, desde já, confirmar a decisão recorrida na parte em questão.

Continuemos.

–– Nos termos do art. 54° do C.P.M.:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

E como se viu, o que sucedeu foi que em decisão em que se operou o cúmulo jurídico de duas penas parcelares de prisão suspensas na sua execução se decidiu aplicar uma “pena única de prisão”, (por se ter considerado que motivos não haviam para a suspensão da sua execução), não se podendo, (em bom rigor), falar de qualquer “revogação” da antes decretada suspensão.

Com efeito, a decisão de se suspender ou não a execução da “pena única” resultante do cúmulo jurídico implica uma ponderação atento o estatuído no art 48° do C.P.M., e não o invocado art. 54° do mesmo código.

–– Aqui chegados, vejamos o que preceitua o art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

E, sobre esta matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017, de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018 e de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018).

Como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017, de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

Como decidiu o T.R. de Guimarães:

“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).

No caso, e independentemente do demais, verifica-se que a ora recorrente, após duas condenações por “violação à ordem de expulsão” voltou a introduzir-se ilegalmente em Macau, fazendo descaso absoluto das anteriores advertências e oportunidades que lhe foram dadas, insistindo na sua conduta delinquente.

Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

No caso, e face ao que se consignou, apresenta-se-nos ser esta a situação dos autos.

Com efeito, afigura-se-nos (totalmente) inviável uma “prognose positiva” de forma a se decidir pela suspensão da execução da pena única resultante do cúmulo jurídico efectuado.

Não se nega, (e assim temos entendido) que se devem evitar penas de prisão de curta duração, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 09.11.2017, Porc. n.° 979/2017 e de 17.01.2019, Proc. n.° 1109/2018).

Porém e como igualmente temos vindo a afirmar, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães, de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12), impondo-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da norma jurídica violada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Dest’arte, e constatando-se que com a sua “conduta”, invalidou, a ora recorrente, de forma definitiva e totalmente, a prognose favorável que antes tinha permitido a aplicação de penas de prisão suspensas na sua execução, (ou seja, a expectativa de, através da suspensão da pena se manter afastado da delinquência – cfr., v.g., o Ac. Rel de Coimbra de 28.06.2017, Proc. n.° 508/13 – e, assim, apresentando-se-nos o presente recurso “manifestamente improcedente”, há que decidir em conformidade com o estatuído no art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Decisão

3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará a arguida a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 12 de Fevereiro de 2019
Proc. 96/2019 Pág. 14

Proc. 96/2019 Pág. 15