Proc. nº 502/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A, do sexo feminino, solteira, maior, de nacionalidade chinesa, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º ..., residente em Macau na…(doravante designada por “recorrente”),----
Instaurou recurso contencioso no Tribunal Administrativo (Proc. nº 1464/16-ADM)----
Do despacho do Presidente do Instituto de Acção Social de Macau,----
Que, em nova avaliação da deficiência da recorrente, considerou que a sua situação não corresponde a deficiência motora, ao contrário do que tinha sido sua pretensão.
*
Por sentença de 30/01/2018, foi o recurso contencioso julgado improcedente.
*
Contra tal decisão vem agora interposto o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações o recorrente formula as seguintes conclusões:
“1. Quando a Administração inicia um procedimento administrativo, a Administração deve ouvir os interessados no procedimento administrativo já iniciado antes de tomar a decisão final, nomeadamente quando a decisão lhes é provavelmente desfavorável;
2. O artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo prevê que os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código;
3. O artigo 93.º n.º 1 do mesmo Código consagra que salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta;
4. O seu n.º 2 estipula que o órgão instrutor decide, em cada caso, se a audiência dos interessados é escrita ou oral;
5. O presente processo não pertence às situações da inexistência e da dispensa da audiência dos interessados previstas respectivamente nos artigos 96.º e 97.º do mesmo Código nem as existem, pelo que, antes de tomar a decisão constante do aludido despacho, a entidade recorrida devia deixar a própria interessada alegar ou ser ouvida, quer escrita quer oralmente, de modo a observar o artigo 93.º e s.s. do mesmo Código;
6. O acto administrativo recorrido violou manifestamente o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, o princípio da participação e a audiência dos interessados respectivamente previstos nos artigos 9.º, 10.º e 93.º do Código do Procedimento Administrativo;
7. Para além disso, a violação dos aludidos princípios e o incumprimento dos procedimentos da audiência geram a invalidade do acto administrativo recorrido;
8. Nesta circunstância, ao abrigo do artigo 123.º do Código do Procedimento Administrativo, o acto administrativo nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, devendo a nulidade ser invocada por qualquer interessado ou ser declarada por qualquer órgão administrativo quando a verifique;
9. Mesmo que a entidade ou a Administração não declare a nulidade por não a verificar, o acto administrativo nulo não produz quaisquer efeitos a nível jurídico;
10. Já que os actos nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos, a lei prevê que os actos nulos não são susceptíveis de ratificação, reforma e conversão (cfr. artigo 126.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo) nem são susceptíveis de revogação (cfr. artigo 128.º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento Administrativo);
11. Nos termos do artigo 123.º n.ºs 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo, o acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade e a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado;
12. Vem a recorrente solicitar a declaração de nulidade do acto administrativo recorrido e a anulação da decisão da sentença a quo;
13. Caso os MM.ºs Juízes tenham entendimento diferente, por mera cautela de patrocínio, a recorrente invoca a seguinte arguição sobre o acto administrativo recorrido:
14. Nos termos do artigo 113.º n.º 1 alínea e) do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação deve sempre constar do acto, quando exigível;
15. O artigo 114.º n.º 1 alínea c) do mesmo Código prevê que para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado;
16. O artigo 115.º n.º 1 do mesmo Código estipula que a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto;
17. Preceitua o seu n.º 2 que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto;
18. O conteúdo do despacho recorrido não observou o artigo 115.º n.º 1 do mesmo Código, uma vez que nele só indicou resumidamente que a requerente não atingiu os critérios da deficiência motora ligeira previstos no Regulamento Administrativo n.º 3/2011, não indicou pormenorizadamente os fundamentos, os critérios e o âmbito de definição, nem sequer indicou concretamente qual o disposto legal que serve de fundamento, mas sim só adoptou resumidamente as expressões obscuras como “não revela”, “não atingem”, “não há elementos que demonstram”;
19. Daí, pode-se ver que a recorrente entende que o acto administrativo praticado pela entidade recorrida não indicou de forma expressa os fundamentos de facto e de direito;
20. O acto recorrido adoptou os fundamentos obscuros e insuficientes, pelo que, não conseguiu esclarecer concretamente a motivação da decisão, o que, a nível jurídico, equivale à falta de fundamentação (cfr. artigo 115.º n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo);
21. Tal como acima referido, ao abrigo do artigo 114.º n.º 1 alínea c) do Código do Procedimento Administrativo, é obrigatória a fundamentação dos actos administrativos que, total ou parcialmente, decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado;
22. A fundamentação é a parte/o elemento integrante importante do acto administrativo, pelo que, o acto administrativo ora recorrido deve ser nulo ou, pelo menos, é anulável;
23. Dado que o referido acto administrativo não indicou adequadamente os fundamentos que levaram ao indeferimento do pedido da recorrente, existe o vício formal – falta de fundamentação ou situação análoga, pelo que, é nulo ou, pelo menos, é anulável;
24. Nestes termos, vem invocar aos MM.ºs Juízes a arguição de nulidade do acto administrativo recorrido e solicitar a declaração de nulidade do acto administrativo recorrido. Caso assim não se entenda, solicita a anulação do acto administrativo recorrido;
25. Mais solicita a anulação da decisão da sentença a quo.
Nestes termos, e nos mais de direito que forem supridos, doutrina e jurisprudência aplicáveis, solicita sinceramente que os MM.ºs Juízes do Tribunal de Segunda Instância julguem procedente o presente recurso por provado e declarem:
a) A nulidade do presente acto administrativo, isto é, decisão desfavorável proferida pela entidade recorrida, por violação da lei, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que é justa.
Solicita que se fará a habituada Justiça!”
*
A entidade recorrida respondeu ao recurso, pugnando pelo seu improvimento, em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“A impugna a sentença de 30 de Janeiro de 2018, do Tribunal Administrativo, que negou provimento ao recurso contencioso por si interposto, no qual havia impugnado o acto de 16 de Setembro de 2016, do Presidente do Instituto de Acção Social, que lhe recusou a alteração da avaliação da sua situação como não correspondente a deficiente motora.
Imputa à decisão recorrida erro de julgamento no conhecimento dos vícios de preterição de audiência e falta de fundamentação.
Cremos que não lhe assiste razão.
É exacta a alegação da recorrente, segundo a qual a autoridade recorrida não lhe facultou a exercitação do direito de audiência prévia à prolação da decisão de indeferimento.
Há é que indagar se, no caso, havia lugar ao cumprimento de tal formalidade.
Nos termos do artigo 93.º do Código do Procedimento Administrativo, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
Deste inciso resulta que a audição prévia só tem sentido, e a sua exercitação só está justificada, se tiver havido instrução. Nos casos em que a entidade decisora se limita a proferir um acto administrativo cingindo-se apenas ao requerimento formulado pelo administrado e aos elementos documentais que ele próprio juntou com o requerimento, não faz sentido proceder-se à audiência prévia. O administrado sabe o que requereu e conhece os elementos que porventura ofereceu, sendo que a administração limita-se a aplicar o direito àquela concreta situação, nada justificando, neste contexto a audição.
Pois bem, na situação em análise, embora haja, de permeio, a intervenção do grupo de nova apreciação, que emitiu o parecer que viria a ser homologado pelo Presidente do Instituto de Acção Social, não foram realizadas quaisquer diligências preparatórias da decisão, por forma a poder-se considerar ter havido uma autêntica fase de instrução, verificando-se que o parecer/proposta se limitou a analisar o pedido e os elementos documentais que o acompanhavam e a sugerir o direito a aplicar a esse pedido, sem trazer à colação quaisquer factos ou elementos novos que justificassem a pronúncia da recorrente. Ou seja, a materialidade considerada na decisão já era do sobejo conhecimento da recorrente, porquanto fora esta que a oferecera à entidade administrativa, pelo que não havia lugar à audição.
Improcede este fundamento do recurso.
Quanto à fundamentação, o artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo prescreve que ela deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas que constituem neste caso parte integrante do respectivo acto, equivalendo à sua falta a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
A partir deste inciso legal, a doutrina e a jurisprudência vêm apontando a relatividade do conceito e vincando que o que importa é que, perante o acto, um destinatário médio fique inteirado da motivação da decisão, das razões que levaram a Administração a decidir da forma como decidiu e não doutra. No caso vertente, afigura-se que o dever de fundamentação se mostra suficientemente cumprido, como a sentença recorrida evidenciou através da selecção e transcrição dos passos mais relevantes da fundamentação e da explicitação da sua relevância em termos de clarificação das bases em que assentou a decisão sobre a nova apreciação, dos respectivos pressupostos fácticos e da referência a um determinado quadro normativo, o que tudo se revela bastante para permitir a um destinatário normal apreender os motivos por que se decidiu no sentido adoptado e não noutro. Que o mesmo é dizer que a decisão se apresenta fundamentada de facto e de direito.
Improcede também este fundamento do recurso.
Ante o exposto, e na improcedência dos fundamentos do recurso jurisdicional, deve negar-se-lhe provimento.”
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- Em 29 de Setembro de 2015, a recorrente apresentou ao Instituto de Acção Social o pedido de cartão de registo de avaliação de deficiência (cfr. fls. 25 a 32 do P.A.).
- Em 8 de Março de 2016, o chefe do Departamento de Solidariedade Social do Instituto de Acção Social proferiu despacho, concordando com a Proposta n.º 080/CAGR/2016 que referiu que a situação da recorrente não corresponde à deficiência prevista no Regulamento Administrativo n.º 3/2011, decidindo indeferir o pedido de cartão de registo de avaliação de deficiência apresentado pela recorrente (cfr. fls. 39 a 42 do P.A.).
- Em 15 de Março de 2016, o Instituto de Acção Social notificou, por ofício n.º 202/DSS-CAGR/2016, a recorrente da aludida decisão de indeferimento do pedido de cartão de registo de avaliação de deficiência (cfr. fls. 44 do P.A.).
- Em 7 de Abril de 2016, a recorrente apresentou ao Instituto de Acção Social o pedido de nova apreciação do resultado da avaliação de deficiência n.º 021/NA-0704/16 e os respectivos documentos comprovativos (fls. 46 a 52 e 54 do P.A.).
- Em 27 de Abril de 2016, o pedido de nova apreciação da recorrente foi admitido pelo Presidente do Instituto de Acção Social (cfr. fls. 56 a 57 do P.A.).
- Em 7 de Junho de 2016, o “grupo de nova apreciação” da avaliação de deficiência do Instituto de Acção Social convocou a 139.ª reunião e, tendo analisado os elementos apresentados pela recorrente para a nova apreciação, deliberou manter o resultado da avaliação de que a situação da recorrente não corresponde à deficiência motora (cfr. fls. 69 a 77 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; destaque nosso).
- Em 16 de Junho de 2016, o Presidente Substituto do Instituto de Acção Social proferiu despacho na Proposta n.º 211/CAGR/2016, concordando com a proposta do grupo de nova apreciação de avaliação de deficiência, decidindo manter o resultado da avaliação de que a situação da recorrente não corresponde à deficiência motora (cfr. fls. 79 a 81 do P.A., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; destaque nosso).
- Em 30 de Junho de 2016, o Instituto de Acção Social notificou, por ofício n.º 499/DSS-CAGR/2016, a recorrente da aludida decisão (cfr. fls. 47 a 48 dos autos).
- Em 7 de Outubro de 2016, a mandatária judicial nomeada da recorrente interpôs para este Tribunal o presente recurso contencioso da aludida decisão.
***
III – O Direito
A decisão sob escrutínio jurisdicional julgou improcedentes os vícios de forma por falta de audiência de interessados e de falta ou insuficiente de fundamentação.
Improcedentes julgou, ainda, os vícios de violação de lei por ofensa aos princípios da justiça, imparcialidade, bem como ao art. 29º do CPA.
Na alegação do recurso jurisdicional, a recorrente nada traz de novo em relação aos fundamentos que verteu na petição inicial, cujo teor, aliás, reproduz substantivamente quase na sua integralidade. Abandonou no recurso, porém, a matéria referente aos vícios de violação do art. 29º do CPA, bem como dos princípios da justiça e da imparcialidade (matéria que, por isso mesmo, se tem que dar por decidida definitivamente)
Sendo assim, importa ver se a sentença andou bem em julgar improcedente os aludidos vícios de forma (falta de audiência de interessados e falta/insuficiente fundamentação).
E a nossa opinião é que não merece qualquer censura.
O teor da sentença, na parte impugnada, é o seguinte:
“Antes de mais, tal como conhecemos, o princípio da participação, um dos princípios gerais que devem ser observados no procedimento administrativo, exige que os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência, nos termos deste Código” (cfr. artigo 10.º do Código do Procedimento Administrativo).
Para concretizar concretamente o aludido princípio, os artigos 93.º a 98.º do Código do Procedimento Administrativo implantam o regime de audiência, exigindo expressamente o seu artigo 93.º n.º 1: “Salvo o disposto nos artigos 96.º e 97.º, concluída a instrução, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.”
Quanto à finalidade do estabelecimento do aludido regime de audiência, tanto a doutrina jurídica como a jurisprudência da RAEM já tiveram exposições mais profundas, o qual, em resumo, se destina a “possibilitar aos interessados participar nos procedimentos que lhes digam respeito e manifestar as suas opiniões, para que a Administração as tome em conta, evitando as decisões-surpresa.” (cfr. Acórdãos do Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 843/2012, de 21 de Novembro de 2013, e no Processo n.º 2/2013, de 8 de Maio de 2014).
O que o presente recurso contencioso põe em causa é o acto administrativo que apreciou novamente o resultado da avaliação de deficiência. O procedimento de nova apreciação regula-se pelos artigos 10.º a 14.º do Regulamento Administrativo n.º 3/2011, entre os quais, o seu artigo 11.º estabelece expressamente as regras da composição e do funcionamento do grupo de nova apreciação:
“Artigo 11.º
Grupo de nova apreciação
1. Para desenvolver o trabalho com vista a nova apreciação, é criado o grupo de nova apreciação.
2. O grupo de nova apreciação tem a seguinte composição:
1) O chefe da Divisão de Reabilitação do IAS ou seu substituto legal;
2) Um profissional designado pelo director dos Serviços de Saúde conforme a área dos casos concretos a apreciar;
3) Um profissional na área de reabilitação.
3. O membro efectivo referido na alínea 3) do número anterior e o seu suplente são nomeados por despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, a publicar no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
4. Nas situações de impedimento do membro efectivo referido no número anterior, é o mesmo substituído pelo seu suplente para a participação em reuniões do grupo.
5. A composição do grupo de nova apreciação pode ser alterada por despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, a publicar no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau.
6. A regulamentação relativa ao funcionamento do grupo de nova apreciação é aprovada por despacho do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura.
7. Quando for necessário, o presidente do IAS pode convidar outros especialistas no âmbito relacionado para participar em reuniões, a fim de auscultar as suas opiniões profissionais.
8. Através das reuniões convocadas, o grupo de nova apreciação procede à análise, estudo e discussão do processo referente ao pedido em causa, devendo apresentar proposta sobre a alteração ou não do resultado da avaliação de deficiência.
9. Quando for necessário, o grupo de nova apreciação pode ouvir a entidade responsável pela execução da avaliação ou o próprio interessado, ou proceder a uma nova avaliação da situação do interessado, no sentido de apresentar a proposta sobre a alteração ou não do resultado da avaliação de deficiência.
10. Os membros do grupo de nova apreciação e os participantes referidos no n.º 7 têm direito a senhas de presença pela sua participação nas reuniões, nos termos da lei.
11. O apoio logístico e administrativo ao grupo de nova apreciação é assegurado pelo IAS, o qual suporta, igualmente, os encargos financeiros decorrentes do seu funcionamento.”
Daí pode-se ver que os n.ºs 8 e 9 do artigo supra mencionados prevêem especialmente a participação dos interessados no procedimento de nova apreciação, podendo o grupo de nova apreciação decidir se ouvir ou não os interessados conforme a necessidade. Já que o legislador confere, no referido procedimento administrativo especial, ao grupo de nova apreciação o poder para pesar e decidir no caso se inicia ou não a audiência prevista no procedimento geral, os referidos dispostos especiais devem ser observados. Depois de analisar o caso, o grupo de nova apreciação entendeu não ser necessário ouvir a recorrente, isto não prejudicou o seu direito à audiência.
Mais ainda, através da nova apreciação, a decisão proferida pelo Presidente Substituto do Instituto de Acção Social depois de tomar em conta as opiniões apresentadas pelo grupo de nova apreciação que mantém ou altera o resultado da avaliação de deficiência, é uma decisão de segundo grau.
Tal decisão foi proferida depois de analisar e ponderar os elementos apresentados pela recorrente para a nova apreciação, decisão essa, por um lado, não alterou os pressupostos de facto da decisão da primeira avaliação, nem, por outro lado, introduziu novos fundamentos de direito. Em suma, quer dos fundamentos da decisão, quer da intenção da decisão, é difícil que o acto recorrido constitui uma decisão “surpresa” para a recorrente. Além disso, ao pedir a nova apreciação, a recorrente já teve oportunidade de alegar os seus fundamentos e juntar os respectivos elementos comprovativos, bem como pronunciou-se, através desta forma, no procedimento sobre as questões que importam à decisão relativa à nova apreciação.
Sendo assim, este Tribunal concorda com o referido pelo Ministério Público no seu parecer: “A recorrente já exerceu o direito à participação no referido procedimento”, pelo que, o acto recorrido não prejudicou o direito à audiência da recorrente no procedimento administrativo, para não falar de enfermar do vício de nulidade daí resultante.
*
Em relação à questão da falta de fundamentação, na óptica da recorrente, o despacho recorrido só indicou resumidamente que a recorrente não atinge os critérios da deficiência motora ligeira previstos no Regulamento Administrativo n.º 3/2011, porém, não indicou pormenorizadamente os fundamentos, os critérios e os dispostos legais concretos, enfermando, assim, do vício formal de falta de fundamentação.
Em primeiro lugar, o artigo 114.º n.º 1 alínea c) do Código do Procedimento Administrativo exige que a Administração deve fundamentar quando “os actos administrativos, decidam, total ou parcialmente, em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado”.
No que diz respeito aos requisitos da fundamentação, o artigo 115.º n.º 1 do mesmo Código prevê: “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão”; e no seu n.º 2: “Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.”
Mais concretamente, se a fundamentação que leva a Administração a praticar o acto administrativo é suficiente e satisfaz as exigências legais, deve-se considerar que a fundamentação permite que um destinatário com capacidade cognitiva normal conheça perfeitamente o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo decisor. Claro é que tal fundamentação não pode afastar do caso concreto nem pode ser vaga, porém, não é necessária uma enumeração taxativa e extremamente completa, pelo que, a suficiência ou não da fundamentação só pode ser ponderada e determinada em cada caso concreto.
Tal como os académicos de direito administrativo referem: “… Para haver falta de fundamentação não basta qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência dos fundamentos invocados. É necessário ainda que eles não possibilitem um 《esclarecimento concreto》 das razões que levaram a autoridade administrativa a praticar o acto. Anote-se, que não está em causa a veracidade e correcção dos pressupostos e motivos que sustentam o acto. Antes, o dever de fundamentação satisfaz-se apenas com a exposição de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis…” (cfr. Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau Anotado e Comentado, páginas 640 a 641).
Além disso, é de salientar que imensas jurisprudências dos tribunais da RAEM entendem que não se pode confundir a fundamentação da decisão administrativa com as exigências da fundamentação da decisão, a primeira regula o conteúdo formal do acto administrativo e as últimas regulam a substância do acto administrativo. “É reconhecida à obrigatoriedade da fundamentação uma dimensão formal autónoma que se apresenta como uma condição de validade dos actos administrativos, em termos de que a sua falta pode ter por consequência a anulação deles, mesmo que não contenham, ou independentemente de conterem ou não, vícios substanciais.” (cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância no Processo n.º 14/2002, de 6 de Dezembro de 2002).
No caso vertente, da deliberação do grupo de nova apreciação de avaliação de deficiência do Instituto de Acção Social que constitui o fundamento do acto recorrido consta as razões pelas quais o referido grupo propôs manter o resultado da avaliação de deficiência quanto ao pedido da recorrente, cujo conteúdo a seguir se transcreve:
“1. Depois de analisar os elementos originais da avaliação de deficiência e os elementos apresentados para o pedido de nova apreciação, o grupo de nova apreciação referiu que conforme os elementos apresentados pela requerente para o pedido de nova apreciação, um formulário de encaminhamento de paciente emitido pelo Centro de Saúde do Fai Chi Kei em 7 de Março de 2016 revelou que por ter sofrido de repetidas tonturas há dez anos, hipertensão arterial e dores no pescoço (degeneração vertebral) e após tratamentos conservadores, as situações da requerente ainda não melhoraram, há necessidade de fazer mais exame e avaliação e o caso tem sido acompanhado. Conforme um relatório médico emitido pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário em 14 de Abril de 2016 e um relatório de exame de ressonância magnética emitido pelo mesmo Centro Hospitalar em 12 de Novembro de 2012, por ter tido dores no pescoço e sensação de entorpecimento nos membros há mais de dez anos, após o exame de MRI, a requerente foi diagnosticada com mudança degenerativa da vértebra cervical, mudança patológica do disco intervertebral cervical em 4/5 e 5/6, acompanhadas da hérnia discal em 4 e 7 e do edema da medula espinal em 5/6 da vértebra cervical. Por ter sensação continuada de entorpecimento nas mãos e nas pernas, a requerente tem de receber mais tratamentos médicos, como intervenção cirúrgica, e ser acompanhada nas consultas externas de ortopedia por longo período de tempo. Além disso, um relatório de exame radiológico emitido pelo Centro de Radiologia Oriental, Lda. em 28 de Fevereiro de 2011 revelou que a requerente tem osteoartrite cervical e mudança patológica do disco intervertebral cervical em 3/4, 4/5, 5/6.
2. Tendo em conta os elementos comprovativos apresentados pela requerente para o pedido de nova apreciação, as doenças da requerente apresentam principalmente sintomas subjectivos, como dores e paralisias, não afectando obviamente a capacidade muscular e a mobilidade motoras, o que corresponde ao registo da avaliação de deficiência original, as suas situações físicas globais não atingem os critérios da deficiência motora ligeira previstos no Regulamento Administrativo n.º 3/2011, acrescentando que não há elementos que demonstram que existe a possibilidade de a deficiência motora ser igual ou superior ao grau ligeiro previsto no aludido Regulamento Administrativo, pelo que, o grupo de nova apreciação deliberou não ser necessário alterar o resultado da avaliação de deficiência motora da requerente, mantendo (não corresponder) à deficiência motora”.
Daí pode-se ver que da aludida fundamentação consta claramente:
1. Bases da decisão relativa à nova apreciação: Formulário de encaminhamento de paciente emitido pelo Centro de Saúde do Fai Chi Kei em 7 de Março de 2016, apresentado pela recorrente, relatório médico e relatório de exame de ressonância magnética, emitidos pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário em 14 de Abril de 2016 e em 12 de Novembro de 2012, respectivamente, e relatório de exame radiológico emitido pelo Centro de Radiologia Oriental, Lda., em 28 de Fevereiro de 2011;
2. Pressupostos de facto da decisão relativa à nova apreciação: “as doenças da requerente apresentam principalmente sintomas subjectivos, como dores e paralisias, não afectando obviamente a capacidade muscular e a mobilidade motoras, o que corresponde ao registo da avaliação de deficiência original”;
3. Fundamentos de direito da decisão relativa à nova apreciação: “as suas situações físicas globais não atingem os critérios da deficiência motora ligeira previstos no Regulamento Administrativo n.º 3/2011”. Apesar de não ter indicado concretamente as disposições legais, a decisão recorrida já referiu os “critérios da deficiência motora ligeira previstos no Regulamento Administrativo n.º 3/2011”, pelo que, não é difícil saber que os fundamentos que suportam a referida decisão são os indicadores enumerados no “grau de deficiência I (ligeiro)” dos critérios de avaliação do tipo e grau da deficiência constantes do Anexo 1 do Regulamento Administrativo n.º 3/2011.
Daí pode-se ver que o acto recorrido não padece do vício de falta de fundamentação de facto e de direito, a sua fundamentação é suficiente, coerente e clara, bastando permitir ao interessado com capacidade cognitiva normal conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo decisor.
A recorrente pode discordar dos fundamentos e da conclusão final do acto recorrido acima referidos, porém, não pode assacar com base nisso que o referido acto carece de fundamentação, pois se tratam de questões de diferentes níveis, uma é substancial e outra é formal, não se podendo confundir uma com a outra. Nestes termos, não pode ser improcedente o vício de falta de fundamentação invocado pela recorrente.”
Nada temos a acrescentar à bondade e acerto jurídicos da sentença transcrita, cujo conteúdo fazemos nosso, nos termos do art. 631º, nº5, do CPC, aplicável nos termos do art. 1º do CPAC.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça 7 UC, sem prejuízo, porém, do apoio judiciário.
T.S.I., 14 de Fevereiro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
502/2018 23