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Processo nº 1108/2018 Data: 31.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “usura para jogo”; (art. 13° da Lei n.° 8/96/M).
Qualificação; (art. 14° da Lei n.° 8/96/M).
Vício da decisão da matéria de facto.
Reenvio.



SUMÁRIO

1. O art. 13° da Lei n.° 8/96/M tipifica o crime de “usura para jogo”, sendo que o seguinte art. 14° “qualifica” tal ilícito se, no âmbito da sua prática, houver “aceitação ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificação (…), para servir de garantia, (…)”.

2. Existe patente “contradição” insanável se “provado” está que uma das “condições do empréstimo” (para jogo) consistia na entrega do documento de identificação do devedor, o que veio a suceder, dando-se, simultaneamente, como “não provado” que “o arguido e os seus parceiros apreenderam o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido para servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado”.

3. O mesmo vício se surpreende no que toca à “pessoa” a quem o ofendido entregou o seu documento de identificação, já que “provado” está que o ofendido fez tal “entrega ao arguido”, e em sede de fundamentação, afirma-se que “não se pode provar que o arguido e os seus parceiros apreenderam o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido para servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado”.

4. Sendo os apontados vícios insanáveis em sede recursória, há que se dar cumprimento ao estatuído no art. 418° do C.P.P.M., decretando-se o reenvio dos autos para novo julgamento.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo


Processo nº 1108/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A, arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de proibição de entrada nas salas de jogo por 2 anos; (cfr., fls. 214 a 219 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, recorreu o Ministério Público, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “violação do princípio da livre apreciação da prova” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a condenação do arguido como autor de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelo art. 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M, como acusado tinha sido; (cfr., fls. 224 a 228-v).

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Respondeu o arguido, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 230 a 234).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“O Ministério Público interpôs o presente recurso do acórdão de 10 de Outubro de 2018, exarado no processo CR3-17-0174-PCC, que condenou o arguido A na pena principal de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, pela co-autoria de um crime de usura para jogo, previsto e punível pelo artigo 13.°, n.° 1, da Lei 8/96/M, de 22 de Julho, com referência ao artigo 219.°, n.° 1, do Código Penal.
O arguido estava acusado de um crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos, da previsão dos artigos 14.° e 13.° daquela Lei 8/96/M, porquanto, nos termos do libelo acusatório, por exigência do arguido e doutros, não identificados, o ofendido B entregara, como garantia de empréstimo de HKD 400.000,00, o seu Bilhete de Identidade, da República Popular da China, bem como a chave e o título de circulação do automóvel do ofendido, avaliado em RMB 900.000,00, e ainda um cartão de acesso ao parque onde a viatura se encontrava, bens que ficaram retidos pelo arguido e outros não identificados.
Todavia, o acórdão viria a dar como não provado que o Bilhete de Identidade do ofendido, da República Popular da China, se destinasse a servir de garantia do empréstimo, argumentando, em essência, que o valor do empréstimo estava coberto pelo valor superior da viatura, o que legitimava a conclusão de que o arguido e seus acompanhantes, ao apreenderem o Bilhete de Identidade do ofendido, não visaram garantir a devolução do dinheiro emprestado, mas sim facilitar o acesso à posse do veículo. Daí que tenha considerado não preenchido o elemento típico exigência ou aceitação de documentos e haja declinado punir o arguido nos moldes daquele artigo 14.°, fazendo-o por reporte à moldura do tipo-base do artigo 13.° da Lei 8/96/M.
É contra este entendimento que se insurge a Exm.a colega recorrente, que imputa ao acórdão recorrido erro notório na apreciação da prova, por manifesta violação das regras da experiência.
Cremos que lhe assiste razão, permitindo-nos dar aqui por reproduzida a sua pertinente argumentação.
Na verdade, e salvo melhor juízo, que possa nomeadamente resultar da leitura do acórdão na sua língua original, não vislumbramos que a prova produzida possa caucionar a diferença de finalidades que o acórdão teve por bem assinalar aos bens/documentos retidos, afigurando-se que todos, quer o Bilhete de Identidade, quer os relativos ao carro, tinham a função de garantir o empréstimo. Tenha-se presente, aliás, a passagem das declarações do ofendido, lidas em audiência, onde refere que, após perder todo o dinheiro do empréstimo, voltou sozinho para o quarto do hotel, para descansar, e telefonou várias vezes ao “C”, pedindo-lhe a devolução dos objectos que lhe tinha entregue, incluindo o Bilhete de Identidade, tendo o “C” respondido que só devolveria os objectos depois da restituição do dinheiro emprestado, sendo que, a partir daí, o arguido e os restantes comparsas ficaram incontactáveis. Por outro lado, e como bem nota a recorrente, há que ter em conta que, mesmo na tese do próprio acórdão recorrido, o Bilhete de Identidade do ofendido não pode deixar de ser encarado como uma garantia do empréstimo, pois é o próprio acórdão que trata tal documento como necessário para lograr chegar à posse do veículo. Assim sendo, e como peça essencial para accionar a garantia, não pode dissociar-se o Bilhete de Identidade da própria garantia.
Temos, assim, que a conclusão que o tribunal se permitiu extrair, relativamente à finalidade não garantística da retenção do Bilhete de Identidade, além de não se mostrar muito consentânea com as declarações do ofendido, cuja espontaneidade e genuinidade não foi posta em causa, também atenta contra as máximas da experiência.
Além disso, os considerandos laterais que o acórdão tece sobre o desaparecimento do Bilhete de Identidade e a conexa dificuldade em identificar cabalmente o referido Bilhete de Identidade em nada relevam para a dilucidação da questão de servir ou não de garantia. Provado que ficou que se tratava do Bilhete de Identidade do ofendido, emitido pela República Popular da China, e que foi entregue ao arguido e comparsas contra o empréstimo para jogo, a circunstância de não se conseguir encontrá-lo e examiná-lo para apreender todos os seus pormenores em nada interfere com a questão da finalidade da retenção.
Cremos, em suma, que procede o invocado erro notório na apreciação da prova, afigurando-se-nos desnecessário reenviar o processo para novo julgamento, pois crê-se que contém os elementos necessários à decisão da causa neste tribunal de recurso.
Face ao exposto, o nosso parecer vai no sentido do provimento do recurso, com alteração da condenação principal proferida em primeira instância, de molde a que o arguido seja condenado por um crime de usura com exigência de documentos, da previsão do artigo 14.°, com referência ao artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 8/96/M, em pena que não exceda os 3 anos de prisão, não repugnando a manutenção da suspensão da execução da pena pelos fundamentos aduzidos no acórdão recorrido”; (cfr., fls. 294 a 295-v).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o Colectivo a quo como “provado” o que segue:

“1) Na noite do dia 21 de Julho de 2016, o ofendido B manifestou a um indivíduo desconhecido do sexo masculino que pretendia pedir dinheiro emprestado para jogo.
2) Pelo que, o aludido indivíduo, o arguido A e outros indivíduos desconhecidos do sexo masculino chegaram ao quarto n.º XXX do Hotel StarWorld para encontrar-se com o ofendido, no sentido de negociar conjuntamente as condições de empréstimo.
3) Por fim, a parte do arguido manifestou que poderia emprestar ao ofendido um montante de HKD400.000,00 para este jogar, com as condições de (1) cobrar, antes de jogar, do dinheiro emprestado um montante como juro; (2) cobrar 15% do valor de aposta em cada aposta ganha como juro; (3) o ofendido ter de entregar o seu próprio bilhete de identidade de residente da China, a chave do seu veículo automóvel que se encontrava no interior da China no valor de RMB900.000,00, um cartão de condução de veículo e um cartão para o acesso ao parque de estacionamento como hipoteca do empréstimo, e (4) assinar a declaração de dívida.
4) Tendo aceitado as aludidas condições, o ofendido assinou a declaração de dívida e entregou, conforme as referidas condições, ao arguido o bilhete de identidade de residente da China, a chave, o cartão de circulação e o cartão para o acesso ao parque de estacionamento do aludido veículo automóvel.
5) Na madrugada do dia seguinte, pelas 04h00, o arguido e os seus parceiros levaram o ofendido ao Casino StarWorld. Em seguida, conforme o combinado, o arguido entregou ao ofendido as fichas no valor de HKD95.000,00 para este jogar, valor esse foi o empréstimo de HKD100.000,00 mas do qual foi deduzido um montante de 5.000,00 como juro.
6) Durante os jogos, o arguido e os seus parceiros ficaram ao lado do ofendido para cobrar por turno o juro conforme o combinado, guardar o juro e vigilar as jogadas.
7) Na manhã do mesmo dia, pelas 09h55, o arguido e os seus parceiros levaram o ofendido ao Casino Golden Drogon para este continuar a jogar.
8) Até ao meio-dia do mesmo dia, pelas 12h00, o ofendido perdeu todo o dinheiro emprestado, e em seguida, todos saíram do casino (cfr. fls. 139 a 145 dos autos).
9) Na madrugada do dia 23 de Julho de 2016, pelas 06h00, o arguido e outros indivíduos desconhecidos do sexo masculino levaram o ofendido ao Casino Sands.
10) Em seguida, conforme o combinado acima referido, o arguido entregou ao ofendido as fichas no valor de HKD270.000,00 para este continuar a jogar, valor esse foi o empréstimo de HKD300.000,00 mas do qual foi deduzido $30.000,00 como juro.
11) Durante os jogos, o arguido e os seus parceiros ficaram ao lado do ofendido para cobrar o juro conforme as condições de empréstimo, guardar o juro e vigilar as jogadas.
12) Até meio-dia do mesmo dia, pelas 11h00, o ofendido perdeu todo o dinheiro emprestado. Acrescido do juro cobrado nos jogos anteriores, o valor total do juro cobrado foi de HKD360.000,00.
13) O arguido, agindo de forma livre, voluntária e consciente, por acordo comum e com divisão de tarefa, praticou as aludidas condutas, no intuito de alcançar benefício patrimonial para si e para seus parceiros.
14) O arguido bem sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Conforme o CRC, o arguido não tem registo criminal.
Ao interrogado no Ministério Público, o arguido declarou que não tem emprego, tendo a seu cargo os pais e tendo como habilitações académicas o 9.º ano de escolaridade”; (cfr., fls. 215 a 216 e 250 a 252).

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Por sua vez em sede de factos “não provados” consignou que não se provaram:

“Outros factos constantes da acusação que não correspondem aos factos provados acima referidos não foram dados como provados, em particular:
Factos não provados: o arguido e os seus parceiros apreenderam o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido para servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado”; (cfr., fls. 216 e 252 a 253).

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Seguidamente, em sede de “fundamentação” da sua convicção, consignou também o que segue:

“Analisando de forma rigorosa, objectiva, sintética e crítica as provas produzidas na audiência de julgamento, nomeadamente as declarações do arguido e das testemunhas, mais conjugando com as provas documentais, objectos apreendidos e demais provas, todos examinados na audiência de julgamento, este Tribunal Colectivo provou os aludidos factos. É de referir especialmente que:
O arguido consentiu que a audiência de julgamento se realizasse na sua ausência.
Conforme o pedido do arguido, o Tribunal Colectivo procedeu à leitura da declaração prestada pelo arguido no Ministério Público em sede de interrogatório, a fls. 84 e seu verso, incluindo a declaração reproduzida de fls. 61 a 62. Para os devidos efeitos jurídicos, o seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido. O arguido confessou ter emprestado dinheiro com usura ao ofendido para este jogar.
Na audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo procedeu à leitura da declaração para memória futura da testemunha B (ofendido), na qual a testemunha relatou objectivamente o decurso dos factos. A declaração desta testemunha encontra-se constante de fls. 50 e seu verso dos autos, incluindo a declaração reproduzida de fls. 4 a 5 dos autos. Para os devidos efeitos jurídicos, o seu teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
O investigador da Polícia Judiciária D prestou declaração na audiência de julgamento, relatando objectivamente o decurso dos factos. A testemunha referiu que o disco compacto da gravação de vídeo mostrou a cobrança de juros ao ofendido durante os jogos.
O auto de visionamento de disco compacto de gravação de vídeo a fls. 137 a 146 dos autos e as fotografias extraídas do disco compacto de gravação de vídeo revelam o decurso de o arguido, outros dois suspeitos e o ofendido entrarem no casino e entregarem as fichas, e o decurso dos jogos.
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Conforme a declaração do ofendido, a entrega do bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido não é uma condição independente do empréstimo estabelecida pelo arguido e pelos seus parceiros. Sendo como a mesma condição de empréstimo, o arguido e os seus parceiros também apreenderam a chave do seu veículo automóvel que se encontrava no interior da China e o cartão de circulação deste. Além disso, o valor do veículo automóvel do ofendido apreendido pelo arguido e pelos seus parceiros é muito superior ao valor do dinheiro emprestado. Daí, pode-se ver que a finalidade de o arguido e os seus parceiros terem apreendido o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido não foi a de garantir a devolução do dinheiro emprestado, mas sim, na realidade, para tratar facilmente o veículo automóvel do ofendido. Assim, não deve provar que a apreensão do bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido por parte do arguido e dos seus parceiros teve por finalidade servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado.
O ofendido declarou ter entregado o bilhete de identidade de residente do interior da China a “C” (isto é, arguido) mas o arguido declarou que o ofendido entregou o bilhete de identidade a outro indivíduo que se chama “E”. Por inexistir outras provas, nomeadamente não conseguir encontrar o referido bilhete de identidade, nem existir os elementos indispensáveis para identificar o referido bilhete de identidade nem existir outras provas para comprovar o decurso da entrega do referido bilhete de identidade, só com base nas declarações prestadas pelo ofendido e pelo arguido, não se pode provar que o arguido e os seus parceiros apreenderam o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido para servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado”; (cfr., fls. 216 a 217 e 253 a 255).

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem o Ministério Público recorrer do Acórdão prolatado pelo T.J.B., insurgindo-se contra a decisão de condenação do arguido A, como autor da prática de 1 crime de “usura para jogo”, p. e p. pelo art. 13°, n.° 1 da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M..

Em síntese, é de opinião que incorreu o Colectivo a quo em “violação do princípio da livre apreciação da prova” e “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a condenação do arguido como autor da prática 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelos art°s 13°, n.° 1 e 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., (como acusado estava).

Vejamos.

Prescreve o art. 13° da Lei n.° 8/96/M que:

“1. Quem, com intenção de alcançar um benefício patrimonial para si ou para terceiro, facultar a uma pessoa dinheiro ou qualquer outro meio para jogar, é punido com pena correspondente à do crime de usura.
2. Presume-se concedido para jogo de fortuna ou azar a usura ou mútuo efectuado nos casinos, entendendo-se como tais para este efeito, todas as dependências especialmente destinadas à exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como outras adjacentes onde se exerçam actividades de carácter artístico, cultural, recreativo, comercial ou ligadas à indústria hoteleira.
3. A conduta do mutuário não é punível”.

Por sua vez, estatui o seguinte art. 14° da mesma Lei que:

“Se o crime previsto no artigo anterior for praticado com aceitação ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificação nos termos da alínea c) do artigo 243.º do Código Penal de Macau, para servir de garantia, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos”.

Em face do estatuído nos transcritos comandos legais, mostra-se de concluir que o art. 13° da Lei n.° 8/96/M tipifica o crime de “usura para jogo”, sendo que o seguinte art. 14°, qualifica tal ilícito se, no âmbito da sua prática houver “aceitação ou exigência dos respectivos devedores de documento de identificação (…), para servir de garantia, (…)”.

No caso dos autos, a “questão” está na decisão do Tribunal a quo em dar como “não provado” que “o arguido e os seus parceiros apreenderam o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido para servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado”, (e que terá levado à “decisão condenatória” – e, em parte, absolutória – nos termos atrás referidos).

E, antes de mais, (e sem embargo do muito respeito por opinião em sentido diverso), cremos que o assim decidido apresenta-se em manifesta oposição com o que “provado” está no facto referenciado com o n.° 3 e 4, onde consta que:
“Por fim, a parte do arguido manifestou que poderia emprestar ao ofendido um montante de HKD400.000,00 para este jogar, com as condições de (1) cobrar, antes de jogar, do dinheiro emprestado um montante como juro; (2) cobrar 15% do valor de aposta em cada aposta ganha como juro; (3) o ofendido ter de entregar o seu próprio bilhete de identidade de residente da China, a chave do seu veículo automóvel que se encontrava no interior da China no valor de RMB900.000,00, um cartão de condução de veículo e um cartão para o acesso ao parque de estacionamento como hipoteca do empréstimo, e (4) assinar a declaração de dívida”, (sub. nosso), e que,
“Tendo aceitado as aludidas condições, o ofendido assinou a declaração de dívida e entregou, conforme as referidas condições, ao arguido o bilhete de identidade de residente da China, a chave, o cartão de circulação e o cartão para o acesso ao parque de estacionamento do aludido veículo automóvel”, (sub. nosso), sendo de consignar também que a “razão” pelo Tribunal apresentada em relação à sua decisão de dar como “não provado” o já referido facto não se nos mostra razoável.

Com efeito, não se apresenta de acompanhar a afirmação no sentido de que “a entrega do documento de identificação não constituía garantia de devolução do empréstimo, mas sim, na realidade, para tratar facilmente o veículo automóvel do ofendido”, pois que cabe então perguntar: por que motivo (e a que propósito) ia o arguido “tratar do veículo automóvel do ofendido”, em especial, tendo-se presente que da factualidade provada resulta que o dito ofendido não conhecia o arguido, limitando-se a com o mesmo “acordar o empréstimo”, nas “condições” que se deixaram retratadas?

Por sua vez, provado estando também que tais “entregas” constituíam “hipoteca do empréstimo”, afigura-se-nos claro que incorreu o Tribunal em “contradição”, pois que o que consigna em sede de “fundamentação” está em frontal oposição com o que decidiu dar como “provado”, apresentando-se também esta matéria (igualmente) incompatível com o “facto não provado”.

No caso, cabe notar ainda que o mesmo vício se surpreende no que toca à “pessoa” a quem o ofendido entregou o seu documento de identificação, já que “provado” está que o ofendido fez tal “entrega ao arguido”, (cfr., facto provado n.° 4), e em sede de fundamentação, invocando-se falta ou escassez de prova, afirma-se que “não se pode provar que o arguido e os seus parceiros apreenderam o bilhete de identidade de residente do interior da China do ofendido para servir de garantia de devolução do dinheiro emprestado”.

E, perante isto, afigurando-se-nos serem tais “contradições”, insanáveis, em sede da presente lida recursória, imprescindível é o reenvio dos autos para, em sede de novo julgamento no T.J.B., se sanar os vícios em questão, proferindo-se, seguidamente, nova decisão, nos termos do art. 418° do C.P.P.M..

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam decretar o reenvio dos autos para novo julgamento nos exactos termos consignados.

Custas pelo arguido recorrido com a taxa de justiça de 5 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 31 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1108/2018 Pág. 22

Proc. 1108/2018 Pág. 21