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Proc. nº 88/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Representação orgânica de sociedade
- Ónus de prova
- Reconvenção: Impugnação da admissibilidade
- Enriquecimento sem causa

SUMÁRIO:

I – Os poderes de representação orgânica de sociedade pelo seu Conselho de Administração podem confluir em poderes de representação voluntária, através de um acto de vontade manifestado em procuração, mediante o qual o procurador passa a poder representar o órgão concedente em actos para os quais lhe foram transmitidos os respectivos poderes, o que se assemelha a delegação de poderes

II – Relativamente à matéria do direito invocado pelo autor, a este cabe o respectivo ónus probatório. Se o tribunal dispuser de elementos bastantes para concluir pela razão do autor e o réu não conseguir, na impugnação, colocar a dúvida no espírito do julgador sobre se os factos invocados pelo autor são verdadeiros, o julgador não pode responder à matéria quesitada contra o demandante nos termos do art. 437º, do CC.
III – Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.

IV – A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.

V – Se o juiz, no despacho saneador, admitiu a reconvenção, sem que o A. na réplica tivesse deduzido oposição à sua admissão e sem que, depois de notificado daquele despacho, dele tivesse recorrido, não pode vir em recurso interposto da sentença impugnar essa admissibilidade com o fundamento em não estarem reunidos os requisitos presentes no art. 218º, nº2, do CPC, porque ao caso não é aplicável o disposto no art. 429º, nºs 1, al. a) e 2 e do CPC.

VI – A impetrância do enriquecimento sem causa é sempre supletiva ou subidiária, isto é, só é possível se inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento.
Proc. nº 88/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“A Limitada”, com sede na XXX, Macau, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº XXX, e B, casado de nacionalidade chinesa, portador do BIRHK nº XXX, com o mesmo endereço da 1ª autora, instauraram no TJB (CV3-15-0059-CAO) acção declarativa de condenação contra: ----
- “C Limited”, com sede em Hong Kong, e
- “D Limitada”, com sede em Macau, XXX, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o nº XXX, ----
Pedindo a condenação destas no pagamento solidário aos 1º e 2º AA da quantia de MOP$ 2.037.168,00 a título de indemnização.
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Com a contestação das rés foram juntas duas procurações, na sequência do que o juiz titular proferiu despacho em 25/02/2016 a mandar suprir a confirmação perante notário de HK dos poderes concedidos a E para representar a 1ª ré (fls. 195).
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Os autores opuseram-se ao documento apresentado, entretanto, pelas rés, considerando que não estava suprido o vício.
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O juiz do processo, porém, considerou que estava suprido o vício e que a falta do imposto de selo não obstava ao prosseguimento dos autos, por despacho de 13/04/2016 (fls. 220 dos autos e 68 do apenso “traduções”).
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Os autores, inconformados com este despacho, dele recorrem jurisdicionalmente, em cujas alegações formulam as seguintes conclusões:
“A. A 1ª ré C Limited é uma sociedade limitada em Hong Kong.
B. De acordo com o common law (aplicável em Hong Kong), o administrador só pode exercer o poder atribuído pelo conselho. Por isso, é o conselho o representante da sociedade e tem o poder de decidir quem pode representar a sociedade a praticar determinado acto, incluindo a representação da sociedade para deduzir acção e ser citada.
C. No presente caso, na procuração em chinês juntada pela 1ª ré na contestação, o Sr.º E, que se declara como administrador da C Limited, representando, delega aos advogados em Macau o poder da representação desta sociedade para ser citada. Existe um documento verificado por notário de Hong Kong à frente da procuração em chinês, no qual se confirma que o Sr.º E se declara como administrador da C Limited (“professed to be Director of C Limited”). Ele vê que o Sr.º E carimba a procuração em chinês com o carimbo do representante da C Limited e assina (“I did see the said E affix the authorized signature chop of the said C LIMITED on the … and sing the said document …”).
D. No entanto, este notário de Hong Kong não verificou ou confirmou se o Sr.º E tinha a qualidade de administrador da C Limited ou se ele tinha o poder suficiente atribuído por deliberação da sociedade para representar a sociedade em constituir advogado em Macau para representar a sociedade para ser citada.
E. É certo que nessa altura a 1ª ré não fez qualquer deliberação de delegar ao Sr.º E o poder de representar a sociedade para ser citada. Caso contrário, a deliberação já tivesse sido entregue ao notário de Hong Kong para verificar e confirmar o poder suficiente do Sr.º E.
F. Por isso, não satisfaz a forma legal a procuração juntada na contestação pela 1ª ré em 2015.9.21, porque o notário de Hong Kong não confirmou que o Sr.º E tinha poder suficiente para representar a 1ª ré.
G. O documento 13 apresentado pela 1ª ré junto ao tribunal em 2016.3.15 é apenas uma confirmação lavrada pelo notário de Hong Kong em 2016.3.14 (doravante designada por “confirmação”), na qual se confirma que a 1ª ré delegou ao Sr.º E o poder de representar esta em constituir advogado para ser citada, por meio das deliberações do conselho em 2015.8.18 e 2016.3.12.
H. No entanto, é de indicar, seis meses depois de apresentar a procuração (2016.3.15), só a 1ª ré apresentou junto do tribunal a deliberação feita em 2015.8.18, o que nos deixa a suspeitar que tinha sida preenchida uma data anterior.
I. É de notar, em termos da procuração apresentada na contestação, é por causa de o poder do signatário não ser verificado e confirmado. Por isso, o suprimento consiste na verificação feita pelo notário de Hong Kong e na confirmação de que o Sr.º E representa, com poder suficiente, a 1ª ré em constituir advogado em Macau para ser citada, sendo obrigatória a ratificação dos actos praticados anteriormente na acção.
J. Mas na confirmação acima referida, o notário não refere o vício na procuração, nem faz qualquer referência sobre o suprimento do acto de confirmação.
K. Por isso, os documentos prestados pela 1ª ré, incluindo uma procuração sem confirmação por notário de poder suficiente, uma confirmação e duas deliberações do conselho de administrador juntadas na confirmação, não podem ser considerados como procuração completa verificada.”
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A 1ª ré respondeu ao recurso pela seguinte forma conclusiva:
“i. O Recurso a que ora se responde vem interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo a fls. 220 dos autos, que indeferiu a reclamação apresentada pelos Autores no dia 1 de Abril de 2016, e que consequentemente decidiu não existir qualquer irregularidade na procuração forense da 1ª Ré, ora Recorrida;
ii. Nada há a apontar à decisão ora recorrida que deverá ser afinal confirmada, não assistindo, por conseguinte, qualquer razão aos Recorrentes;
iii. Os ora Recorrentes alegam que o Sr. E não tem os poderes necessários para representar e obrigar a 1ª Ré, ora Recorrida, perante terceiros, nomeadamente para contratar, em representação desta, advogados de Macau para contestarem a acção interposta por aqueles nos presentes autos, uma vez que, dizem eles, não foi tomada nenhuma deliberação por parte da Recorrida nesse sentido, o que não corresponde minimamente à verdade;
iv. Por deliberação do Conselho de Administração da 1ª Ré, ora Recorrida, datada de 18 de Agosto de 2015, foi aprovado e confirmado, por unanimidade, conferir poderes ao Sr. E para, em representação da Recorrida, assinar e tratar de todos os assuntos relacionados com a presente acção judicial;
Nesta deliberação é referido que a procuração a favor do E já havido sido vista e examinada por todos os Administradores presentes nessa reunião do Conselho de Administração;
vi. O Sr. E, em representação da R o rida e no seguimento da referida deliberação, passou procuração forense aos respectivos mandatários judiciais, tendo sido a sua assinatura devidamente reconhecida por Notário de Hong Kong;
vii. No dia 25 de Fevereiro de 2016, o douto Tribunal a quo convidou a ora Recorrida a juntar aos autos um documento comprovativo de que O Sr. E, na qualidade de administrador possuía os poderes suficientes para representar a Recorrida no sentido de assinar a supra referida procuração forense;
viii. Neste despacho de 25 de Fevereiro do coerente ano, o douto Tribunal a quo não convidou a Recorrida a suprir qualquer vício alegadamente existente nessa procuração forense;
ix. O Conselho de Administração da ora Recorrida reuniu novamente no dia 12 de Março de 2016 para fazer face ao pedido do douto Tribunal a quo, tendo sido aprovado e confirmado, por unanimidade, que a sociedade havia conferido em 9 de Setembro de 2015 ao Sr. E os poderes para assinar e tratar, na plenitude dos seus poderes, de todos os assuntos relacionados com o presente processo judicial;
A procuração já havido sido vista e examinada por todos os Administradores presentes nessa reunião do Conselho de Administração, conforme é referido na deliberação;
xi. Ambas as deliberações do Conselho de Administração foram juntas aos autos pela Recorrida, e o seu conteúdo foi devidamente certificado e atestado pelo notário de Hong Kong segundo as leis de Hong Kong;
xii. O douto Tribunal a quo concluiu, correctamente, que não existe qualquer irregularidade na procuração em causa, e ficou totalmente esclarecido que a Recorrida havia expressamente conferido poderes ao Sr. E para a representar no âmbito dos presentes autos;
xiii. Nas referidas deliberações está expressamente declarada a vontade dos administradores da Recorrida em conferir poderes ao Sr. E para este tratar de todos os assuntos relacionados com os presentes autos, neles se incluindo os poderes para, em representação da Recorrida, passar a sobredita procuração forense;
xiv. A validade e eficácia das deliberações à luz da lei de Hong Kong está devidamente certificada por Notário;
xv. Ambas as deliberações foram efectivamente tomadas pela Recorrida;
xvi. A validade e a suficiência dos poderes representativos do Sr. E são aferidas à luz da common law de Hong Kong, e não à luz das regras e do direito da RAEM;
xvii. O Notário de Hong Kong, dotado de fé pública, efectivamente conhece e cumpre a lei de Hong Kong, pelo que ambas as certificações notariais estão igualmente providas de fé pública;
xviii. Não existe qualquer vício ou irregularidade na procuração forense junta aos autos pela Recorrida, e não existem actos praticados pela 1ª Ré, ora Recorrida, que carecessem de ratificação nos presentes autos por parte do notário de Hong Kong;
xix. A 1ª Ré, ora Recorrida, apresentou a sua contestação no dia 21 de Setembro de 2015, ou seja, em data posterior à 1ª deliberação do Conselho de Administração;
xx. O Sr. E, nessa data, já gozava dos poderes bastantes para representar a Recorrida, devidamente confirmados e reconhecidos pelo notário de Hong Kong;
xxi. A suspeição levantada pelos ora Recorrentes, no que concerne à data da efectiva realização da 1ª deliberação do Conselho de Administração da ora Recorrida, revela¬ se manifestamente infundada, e consubstancia o uso, por parte dos ora Recorrentes, de grosseiros expedientes dilatórios, com o objectivo único de retardar e atrapalhar o normal seguimento da lide, e de distanciar o Julgador da relação material controvertida e da justa composição do litígio;
xxii. Os ora Recorrentes não podem utilizar o presente recurso para fazer valer essa sua pretensão ou para apreciar essa sua infundada suspeita sobre a deliberação tomada em 18 de Agosto de 2015, quando não recorreram aos meios processuais próprios para esse efeito;
xxiii. O Recurso a que ora se responde deverá ser julgado improcedente o recurso, ma tendo-se na íntegra a decisão ora recorrida.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. douta mente suprirão deve o Recurso a que ora se responde ser julgado improcedente, mantendo-se assim na íntegra o douto Despacho recorrido.
Termos em que farão V. Exas. JUSTIÇA!”
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Foi na oportunidade proferida sentença, que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção das rés, condenando os dois autores no pagamento a ambas as rés da quantia de HKD 563.745,70, bem como ainda o 2º autor, individualmente, no pagamento de HKD 195.000,00 à 1ª ré, além de os condenar ainda como litigantes de má fé e na multa de 10 UCs.
*
Os autores da acção resolveram interpor recurso jurisdicional contra a sentença, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“ (I) Reapreciação das provas gravadas
1) O Tribunal Judicial de Base julga não provados os quesitos 8º, 9º, 10-Aº, 11º, 12º, 14º e 16º e provados os quesitos 21º e 24º. Impugnam a 1ª recorrente e o 2º recorrente a apreciação dos quesitos acima referidos, nos termos dos art.º 629.º, n.º 1, al. a) e art.º 599º do Código de Processo Civil.
2) Entendem a 1ª recorrente e o 2º recorrente que o quesito 8º, com base em:
a. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 18:00 até a 20:40;
b. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 00:00 até a 05:24.
Deve ser provado.
3) Entendem os recorrentes que o quesito 9º, com base em:
a. Documentos 2 a 10 da contestação.
Deve ser provado.
4) Entendem os recorrentes que o quesito 10-Aº, com base em:
a. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 15.16.50 (2)57EAM101011270) depoimento prestado pela testemunha G desde 13:00 até a 15:30;
b. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 15.16.50 (2)57EAM101011270) depoimento prestado pela testemunha H desde 30:38 até a 39:30.
Deve ser provado. Caso não entender assim, a antecedência é por pelo menos um mês.
5) Entendem os recorrentes que o quesito 11º, com base em:
a. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 18:00 até a 20:40;
b. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 00:00 até a 05:24;
c. Documentos 5 a 10 da contestação: a 1ª recorrente e o 2º recorrente receberam mensalmente da 1ª recorrida a quantia de HKD 1.180.000,00;
d. Documentos 27 a 39 da contestação e quesitos 24º provado: era cerca de HKD 563.745,70 a despesa dos trabalhadores por Março de 2015;
e. Os depoimentos das testemunhas (vide todas as gravações).
Deve ser provado e não era inferior à quantia de HKD 615.000,00 o lucro e remuneração da 1ª recorrente e do 2º recorrente por Março de 2015.
6) Entendem os recorrentes que o quesito 12º, com base em:
a. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 34:50 até a 36:40.
Deve ser provado.
7) Entendem os recorrentes que o quesito 14º, com base em:
a. Documento 22 da contestação.
Deve ser provado.
8) Entendem os recorrentes que o quesito 16º, com base em:
a. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 18:00 até a 20:40;
b. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 00:00 até a 05:24;
c. Documentos 5 a 10 da contestação: a 1ª recorrente e o 2º recorrente receberam mensalmente a quantia de HKD 1.180.000,00 da 1ª recorrida;
d. Documentos 27 a 39 da contestação e quesito 24º provado: era de cerca de HKD 563.745,70 a despesa dos trabalhadores por Março de 2015.
Deve ser provado. Caso o contrato não fosse extinto, a 1ª autora podia adquirir nos três meses restantes um lucro não inferior a HKD 1.845.000,00 (incluída a remuneração do 2º autor).
9) Entendem os recorrentes que o quesito 21º, com base em:
a. Gravação: Translator 3 (file: Recorded on 09-May-2017 at 12.05.03 (2)51-R-W01011270(0) depoimento prestado pela testemunha F desde 23:00 até a 34:52;
b. Documentos 1 da tréplica das 1ª e 2ª recorridas, também vide tradução da fls. 238 dos autos;
c. Documento 4 da tréplica e a “carte de intenção” seguinte. As assinaturas do 2º recorrente foram copiadas por computador e constituía documento branco (para este efeito, a 1ª recorrente e o 2º recorrente já impugnaram e requereram a diligência de prova nos artigos 17 a 20 da réplica). O 2º recorrente nunca mostrou aos trabalhadores do consentimento da transição destes à 2ª recorrida, nem incumbiu outros de notificar o consentimento.
Não deve ser provado.
10) Entendem os recorrentes que o quesito 24º, com base em:
a. Documento 24 da contestação;
b. Documentos 27 a 39 da contestação.
Em termos do quesito 24º, verifica-se apenas que a 2ª recorrida pagou aos trabalhadores pertencentes anteriormente à 1ª recorrente os salários, benefícios e impostos por Março de 2015, no montante total de HKD 563.745,70.
(II) Parte de decaimento na decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base
  1. Nos termos do art.º 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, é nula a sentença por causa da falta do conhecimento da reconvenção
11) Em termos de que a reconvenção dos recorrentes não satisfaz os requisitos materiais previstos no art.º 218.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, entende o Tribunal Judicial de Base (vide sentença a fls. 331v dos autos):
“O autor alega só nas alegações que a reconvenção das rés não é regular e não deve ser admitida.
Porém, as rés deduzem a reconvenção na contestação. Os autores não questionam na réplica a admissão da reconvenção, mas impugnam os factos da reconvenção. Parece que os autores já aceitam a reconvenção das rés.
No despacho saneador, o juiz titular decide expressamente a admissão do pedido reconvencional das rés e integra o teor da reconvenção na base instrutória, bem como faz conhecimento dos factos em causa.
No processo já é transitado em julgado o despacho da admissão da reconvenção e os procedimentos seguintes se realizam com base nisso. Os autores não podem impugnar agora a admissão da reconvenção.
Com base da decisão transitada em julgada da admissão da reconvenção, os autores não podem questionar a admissão desta.”
12) Refere-se ao despacho proferido pela Juíza titular em 2015.12.4 (vide fls. 175 dos autos), no qual ela apenas “admitiu a reconvenção deduzida pelas duas rés”, mas não fez qualquer apreciação sobre se a reconvenção satisfazia os requisitos material ou processual.
13) Entende o Tribunal Judicial de Base que já transitado em julgado o despacho, mas não fez qualquer apreciação sobre se a reconvenção satisfazia os requisitos material ou processual.
14) Não se conformam os recorrentes com o entendimento do Tribunal Judicial de Base.
15) Pode-se ver no art.º 429.º, n.º 2 do Código de Processo Civil que apesar do trânsito, o despacho constitui caso julgado formal apenas quantos às questões concretamente apreciadas.
16) Ou seja, se as questões não são concretamente apreciadas, nunca constitui de qualquer forma cado julgado formal.
17) Para este efeito, a questão da satisfação ou não da reconvenção dos requisitos material ou processual não foi concretamente apreciada, por isso, o despacho, apesar do trânsito, não constitui caso julgado formal quanto a esta questão.
18) Até ao momento da sentença, o Tribunal Judicial de base não se pronunciou sobre a questão da satisfação ou não da reconvenção dos requisitos material ou processual.
19) Por isso, é nula a sentença nos termos do art.º 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil.
  2. A reconvenção não satisfaz os requisitos materiais referidos no art.º 218.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
20) No presente caso, as 1ª e 2ª recorridas entendem na reconvenção que elas pagaram pelo 2º autor os salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015, exigindo a 1ª recorrente e o 2º recorrente a pagar solidariamente às 1ª e 2ª recorridas a quantia de HKD 563.745,70.
21) Ademais, elas também alegam na reconvenção que anteciparam pelo 2º recorrente o preço do veículo da obra, o qual, por consequência, se obrigava a devolver a quantia de HKD 260.000,00 aquando da cessação do contrato em 2015.4.1. (vide artigos 76 a 88 da contestação das 1ª e 2ª recorridas)
22) Comparada simplesmente a reconvenção das recorridas e os requisitos materiais legais, conclui-se que não é satisfeito a alínea c), porque as recorridas não tendem a conseguir o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
23) A reconvenção das recorridas também não pode ser incluída no art.º 218.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil, porque elas não se propõem obter a compensação (), nem se refere a exigência da indemnização proveniente de benfeitorias ou despesas.
24) Restando a verificar se a reconvenção das recorridas satisfaz o requisito previsto no art.º 218.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil: o pedido das recorridas emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa
25) No presente caso, os factos jurídicos quer servem de fundamento à defesa não incluem aqueles de pagar os salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015 e de antecipar o preço do veículo da obra.
26) Assim sendo, a reconvenção não se baseia nos factos que servem de fundamento à defesa e, por isso, deve ser rejeitada.
 3. Violação de competência: apreciação do direito alienado a outro com base na relação laboral
27) Alegam as 1ª e 2ª recorridas na reconvenção que elas pegaram pelo 2º recorrente os salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015, por isso, exigindo a 1ª recorrente e o 2º recorrente a pagar solidariamente às 1ª e 2ª recorridas a quantia de HKD 563.745,70.
28) O Tribunal Judicial de Base condenou, por força do enriquecimento sem causa previsto no art.º 467.º do Código Civil, o recorrente (sem indicação clara de 1ª ou 2º recorrente) na restituição à recorrida (sem indicação clara de 1ª ou 2ª recorrida) da quantia de HKD 563.745,70.
29) Inconformados com o entendimento do Tribunal Judicial de Base, entendem a 1ª recorrente e o 2º recorrente que a apreciação violou a competência do tribunal.
30) Nos termos do art.º 29.º-C da Lei de Bases da Organização Judiciária e art.ºs 2.º e 3.º do Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo de outras que por lei lhes sejam atribuídas, são da competência dos Juízos Laborais as acções, incidentes e questões cíveis e contravencionais emergentes de relações jurídicas de natureza laboral às quais se aplica o Código de Processo do Trabalho.
31) No presente caso, de acordo com os dados nos autos, as 1ª e 2ª recorridas invocam a responsabilidade contratual, com base na relação laboral anteriormente existente entre a 1ª recorrente e os trabalhadores da 2ª recorrida (vide documentos 27 a 38 da contestação das 1ª e 2ª recorridas, bem como artigos 21 a 23 da reconvenção do 1º recorrente e da 2ª recorrente) e na violação feita pela 1ª recorrente dos contratos de trabalho anteriormente celebrados pelos trabalhadores da 2ª recorrida com aquela.
32) Por isso, entendem a 1ª recorrente e o 2º recorrente que a relação jurídica que serve de fundamento do pedido das 1ª e 2ª recorridas constitui relação laboral e tem qualidade laboral, a qual é subordinada, subsidiária e acessória da relação laboral anteriormente existente dos trabalhadores da 1ª recorrente e do 2º recorrente, e é aplicável a acção regulada pelo Código de Processo do Trabalho. Por isso, o juízo cível do presente caso não tem competência para apreciar a reconvenção.
33) Nestes termos, salvo o devido respeito por entendimento diferente, o juízo cível do presente caso não tem competência para apreciar a reconvenção, nos termos dos art.º 29.º-C da Lei de Bases da Organização Judiciária, art.ºs 1.º, 2.º e 3.º do Código de Processo do Trabalho, bem como art.º 30.º e art.º 34.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
 4. Primeiro pedido reconvencional: não constitui enriquecimento sem causa
34) O Tribunal Judicial de Base condena, com base no enriquecimento sem causa previsto no art.º 467.º do Código Civil, o recorrente (sem indicação clara de 1ª ou 2º recorrente) na restituição à recorrida (sem indicação clara de 1ª ou 2ª recorrida) dos salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015, no montante de HKD 563.745,70, pagos em vez do 2º recorrente.
35) Dispõe o art.º 467.º, n.º 1 do Código Civil que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.” Ao invocar o enriquecimento sem causa, as 1ª e 2ª recorridas têm que provar: 1. Sem causa justificativa, 2. enriquecer à custa de credor, 3. o devedor enriquece.
36) Além disso, o art.º 468.º do Código Civil fixa expressamente a natureza subsidiária da obrigação de enriquecimento sem causa. Ou seja, não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído.
37) Por força da subsidiariedade da obrigação de enriquecimento sem causa, a 1ª recorrente ou o 2º recorrente, depois de provar porque não consegue exigir a restituição da ré da quantia paga por outro meio facultado por lei, tais como incumprimento do contrato ou outras razões, só pode instaurar a acção com base no enriquecimento sem causa.
38) No entanto, as 1ª ou 2ª recorridas não indicam exactamente na reconvenção quem (1ª recorrida? Ou 2ª recorrida?) pagou os salários, benefícios e impostos por Março de 2015 (vide artigo 78 da contestação das 1ª e 2ª recorridas, no qual escreve apenas: “Por isso, as rés …”), nem deduzem o requerimento com base no enriquecimento sem causa contra a 1ª recorrente ou o 2º recorrente.
39) Obviamente, no presente caso as 1ª e 2ª recorridas deduzem o requerimento porque entendem que já obtiveram, dos trabalhadores, o crédito à 1ª ou 2º recorrente, ou seja, com base na transferência de crédito.
40) Para este efeito, não é possível o enriquecimento sem causa.
 5. Erro no julgamento: em termos do primeiro pedido reconvencional, a sentença não indica claramente a qualidade do devedor de restituição, nem aprecia ou explica as razões da responsabilidade solidária da 1ª recorrente e do 2º recorrente.
41) O Tribunal Judicial de Base condena, por força do enriquecimento sem causa previsto no art.º 467.º do Código Civil, os dois recorrentes na restituição às recorridas dos salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015, no montante de HKD 563.745,70, pagos em vez do 2º recorrente (B). (vide fls. 332 dos autos: “O autor foi enriquecido sem causa das rés. Obriga-se a restituir às rés o pagamento feito por estas.”)
42) Nos fundamentos da decisão em cima (vide fls. 332 e 332v dos autos), o Tribunal Judicial de Base não indica expressamente que o “autor” é a 1ª ou o 2º recorrente, nem que a “ré” é a 1ª ou 2ª recorrida, bem como não aprecia e explica se a 1ª recorrente e o 2º recorrente respondem solidariamente.
43) No entanto, ao decidir condena os dois recorrentes na restituição às recorridas dos salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015, no montante de HKD 563.745,70, pagos em vez do 2º recorrente (B).
44) Obviamente, no presente caso apenas a 1ª recorrente (A Limitada) estabeleceu relações laborais com os trabalhadores da 2ª recorrida. Por isso, embora a 1ª ou a 2ª recorrida pagasse voluntariamente, sem verificar as relações laborais em causa, os dinheiros aos trabalhadores antigos da 1ª recorrente, não se podia provar, sem verificação da relação jurídica, que o 2º recorrente (B) se obrigava a responder pelo pagamento.
45) As relações laborais foram estabelecidas pela 1ª recorrente (A Limitada). De acordo com o entendimento do Tribunal Judicial de Base sobre o enriquecimento sem causa, o enriquecido devia ser a 1ª recorrente ao invés do 2º recorrente, o qual não devia respondia solidariamente pela restituição à recorrida (1ª ou 2ª recorrida?). Por isso, não deve condenar o 2º recorrente no pagamento à recorrida da quantia de HKD 563.745,50 (sic.).
 6. Erro no julgamento: em termos do segundo pedido reconvencional, a sentença viola a disposição de quem invoque prova e, por consequência, aplica erradamente o art.º 437.º do Código de Processo Civil
46) No segundo pedido reconvencional, relativamente à quantia da compra do veículo de HKD 260.000,00 antecipada ao 2º recorrente, a 1ª recorrida exige o Tribunal Judicial de Base a condenar o 2º recorrente na restituição da quantia antecipada às 1ª e 2ª recorridas, com base no facto de que até a cessação do acordo da gestão de obra, as 1ª e 2ª recorrida nunca fizeram qualquer desconto da quantia da compra do veículo na despesa da gestão de obra paga ao 2º recorrente. (vide artigos 84 e 86 da contestação das 1ª e 2ª recorridas)
47) De acordo com o princípio de “quem invoque prova” previsto no art.º 235.º (sic.), n.º 1 do Código Civil, cabe às 1ª e 2ª recorridas o ónus da prova, as quais têm que provar que a quantia da compra do veículo nunca foi descontada na despesa da gestão.
48) Para este efeito, não há qualquer dúvida sobre o destino do ónus de prova, nem aparece requisito da aplicação do art.º 437.º do Código de Processo Civil.
49) No presente caso, não é provado o facto de a quantia da compra do veículo nunca ter sido descontada. Por isso, não deve condenar o 2º recorrente na restituição à 1ª recorrida da quantia antecipada.
 7. Antecedência conveniente e indemnização da revogação unilateral do contrato
50) De acordo com os quesitos 3º a 7º provados, são onerosos os contratos celebrados entre a 1ª ou o 2º recorrente com as 1ª e 2ª recorridas. Apesar de entender que não se fixava a duração do contrato, o prazo dependia do tempo da conclusão da obra adjudicada. Por isso, o contrato foi celebrado por assunto determinado.
51) Aplica-se o princípio da liberdade contratual, conforme o qual, as partes decidem os direitos e as obrigações por meio de negociação livre e ajustam as relações mútuas com a vontade. É realizada por negociação das partes uma das formas da cessação do contrato. Além disso, o contrato também pode ser cessado com base na caducidade, na revogação por incumprimento duma parte ou na revogação.
52) Quer contrato com prazo fixado, ou contrato sem prazo fixado, ou contrato celebrado por assunto determinado, a revogação unilateral pode ser realizada em qualquer momento do prazo da duração. Se um dos contraentes não quer renovar ou continuar o contrato, em princípio faz declaração previamente ao outro num prazo antes da expiração.
53) No entanto, o poder da revogação unilateral é discricionário. Ou seja, embora perante um contrato sem prazo, também se pode revogar em qualquer momento a relação longa por vontade discricionária.
54) A lei permite a revogação unilateral do mandato. Mas o exercício do poder da revogação unilateral implica provavelmente a indemnização à outra parte.
55) Além disso, o contrato oneroso de prestação de serviço ou o mandato no interesse de mandatário ou de terceiro, são em princípio revogável e cessável unilateralmente. No entanto, nos termos do art.º 1098.º, al. c) do Código Civil, a parte quem revogar o contrato deve indemnizar a outra, sem consentimento desta ou sem justa causa e sem qualquer antecedência.
56) De acordo com o quesito 10º provado, a 1ª recorrida emitiu, em 2015.3.30, à 1ª recorrente a notificação da revogação unilateral do serviço e, ao mesmo tempo, revogou a qualidade do 2º recorrente como director de obra e director de projecto, entrando em vigor a revogação na mesma data da notificação.
57) A 1ª ré não praticou a revogação unilateral com antecedência conveniente. Por força do art.º 1098.º, al. c) do Código Civil, esta devia indemnizar a 1ª autora e o 2º autor do prejuízo que tinam sofrido. O art.º 1098.º, al. c) do Código Civil exige do mandante a antecedência conveniente à outra parte ao revogar unilateralmente a relação contratual no contrato de mandato, visando a garantir que as parte não sofrem prejuízos na cessação surpresa do contrato e, por outro lado, garantir o princípio de confiança, o qual constitui um dos princípios básicos da ordem jurídica e a violação do qual implica responsabilidade.
58) Nos contratos do presente caso, não há acordo sobre o prazo da antecedência. Por isso, aplica-se a antecedência conveniente.
59) A revogação imediata feita pela 1ª recorrida ao contrato com a 1ª recorrente e o 2º recorrente, deixou estes perder lucros de que tinham expectativas, designadamente a indemnização proveniente da antecedência. Por isso, a 1ª ré deve indemnizar a 1ª recorrente e o 2º recorrente, nos termos do art.º 1098.º, al. c) do Código Civil.
60) Entende o Tribunal Judicial de Base conforme o documento a fls. 85 dos autos que a 1ª recorrida revogou o contrato com razão. No entanto, a questão de revogação do contrato com razão ou sem razão nunca foi apreciada na audiência nem dada como verdadeira. O documento a fls. 85 dos autos constitui apenas uma declaração unilateral da 1ª recorrida.
61) No presente caso, a 1ª recorrente presta exclusivamente às 1ª e 2ª recorridas serviço profissional e de boa qualidade. O 2º recorrente é profissional com nível alto e experiência rica e também cumpre em exclusividade o contrato no âmbito do mandato da recorrida.
62) Se, ao reapreciar o quesito 10º-A, o Tribunal de Segunda Instância faz decisão diferente daquela do Tribunal Judicial de Base, a antecedência conveniente da revogação unilateral deve ser por três meses, ou não inferior a um mês.
63) O que o art.º 1098.º do Código Civil regula é uma responsabilidade de indemnização fundada em facto lícito.
64) Sendo ambos onerosos os dois contratos, o prejuízo sofrido deve ser os lucros a que tem direito e fixado em dinheiro.
65) Para este efeito, depois de reapreciar os quesitos 10º-A, 11º e 16º, o Tribunal de Segunda Instância fixa um prazo da antecedência conveniente para a revogação unilateral e condena a 1ª recorrida a indemnizar a 1ª recorrente e o 2º recorrente (lucros por três meses, ou não inferior a um mês).
 8. Indemnização por concorrência desleal
66) A 1ª recorrente e o 2º recorrente têm prestado profissionalmente às 1ª e 2ª recorridas o serviço da gestão do projecto de obra.
67) No entanto, de acordo com o quesito 10º provado e depois de o Tribunal de Segunda Instância reapreciar o quesito 12º, a 1ª recorrida revogou de repente o contrato de serviço com a 1ª recorrente e induziu todos os trabalhadores desta a transitar à sociedade da 2ª recorrida para continuar o trabalho anterior da 1ª recorrente.
68) A conduta acima referida viola os usos honestos na actividade comercial e constitui concorrência desleal, nos termos do art.º 158.º do Código Comercial.
69) Além disso, as 1ª e 2ª recorrida induziram os trabalhadores a violar a antecedência por um mês à 1ª recorrente e o dever de lealdade para esta, o que é considerado como concorrência desleal, nos termos do art.º 167.º, n.º 1 do Código Comercial.
70) Depois de revogar o contrato com a 1ª recorrente e o 2º recorrente, a 1ª recorrida empregou todos os trabalhadores pertencentes anteriormente à 1ª recorrente, visando para a 2ª recorrida dependente daquele aproveitar esta cessação.
71) Durava tempo para empregar trabalhadores adequados e profissionais, por isso, a sociedade do 2º recorrente não conseguia continuar a exploração. A 1ª recorrida excluiu com isso a possibilidade de a 1ª recorrente participar em outra obra, o que é considerado como concorrência desleal, nos termos do art.º 167.º, n.º 2 do Código Comercial.
72) De facto, quer na relação jurídica privada quer pública, devem ser cumpridos o princípio da boa fé e o princípio da honestidade, os quais são especialmente importantes nos âmbitos civil e comercial.
73) A 1ª recorrida revoga o contrato com a 1ª recorrente e o 2º recorrente e, logo depois, empregou, por via da 2ª recorrida, todos os empregados da 1ª recorrente, o que deixou esta despreparada e em risco do termo da exploração. Estes actos das 1ª e 2ª recorridas foram previamente arranjados, violando sem dúvida o princípio da boa fé e prejudicando a cooperação entre as 1ª e 2º recorrentes e as 1ª e 2ª recorridas, bem como o princípio da confiança.
74) Nos termos do art.º 172.º, n.º 1 do Código Comercial, se os actos de concorrência desleal são praticados dolosa ou culposamente, o autor é obrigado a indemnizar os danos causados.
75) Dos actos da 1ª recorrente e da 2ª recorrente resulta que esses praticaram dolosamente a concorrência desleal.
76) Para este efeito, depois de o Tribunal de Segunda Instância reapreciar os quesitos 10º-A, 11º, 12º e 16º, com base na violação da 1ª recorrida da concorrência desleal, as 1ª e 2ª recorridas devem ser condenadas no pagamentos da indemnização à 1ª recorrente e ao 2º recorrente (lucros por três meses, ou não inferior a um mês).
 9. Quantia por incumprimento do acordo mas não paga
77) De acordo com os quesitos 17º, 18º e 22º provados, conjugado o artigo 26(sic.) da réplica da 1ª recorrente e do 2º recorrente, a 1ª recorrida ainda não fez o pagamento da quantia de HKD 459.367,90 acima referida.
78) Para este efeito, deve ser julgado procedente o pedido adicionado pela 1ª recorrente e pelo 2º recorrente na réplica (condenação das 1ª e 2ª rés no pagamento solidário à 1ª autora e ao 2º autor da quantia de MOP 473.837,00).
 10. Não existe litigância de má fé
79) Entende o Tribunal Judicial de Base que a 1ª autora e o 2º autor deturparam manifestamente os factos e condena-os como litigantes de má fé e na multa de 10 UC.
80) No entanto, do documento assinado em 2015.4.1 pela 1ª recorrente e pelo 2º recorrente com a 1ª recorrida (vide documento 24 da contestação) resulta que a 1ª recorrente e o 2º recorrente apenas tinham consenso com a 1ª recorrida relativamente ao pagamentos das despesas de salário, de segurança social, de impostos e de TI/TNR, mas não qualquer acordo relativamente à indemnização por revogação unilateral do contrato.
81) Ademais, o 2º recorrente nunca declarou aos trabalhadores o consentimento da transição deles à 2ª recorrida, nem incumbiu outros de fazer esta declaração.
82) Por isso, a 1ª recorrente e o 2º recorrente instauraram a acção com fundamento e com interesse legítimo.
83) Pede o Tribunal de Segunda Instância, depois de reapreciar as provas gravadas, julgar improcedente a litigância de má fé.

Pede o Tribunal de Segunda Instância a considerar os fundamentos em cima e justiça!
1) Reapreciar os quesitos 8º, 9º, 10-Aº, 11º, 12º, 14º, 16º, 21º e 24º;
2) Sendo não apreciados os requisitos da admissão da reconvenção quer no despacho quer na sentença, é nula a sentença por falta da apreciação dos requisitos da reconvenção, nos termos do art.º 571.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil;
Caso não seja admitido o pedido 2), pede como seguinte:
3) Sendo não apreciados os requisitos da admissão da reconvenção quer no despacho quer na sentença e não preenchido os requisitos materiais referidos no art.º 218.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, devem ser rejeitados os pedidos reconvencionais apresentados pelas 1ª e 2º recorrentes;
4) Caso o pedido 3) não seja admitido, rejeitar o primeiro pedido reconvencional (pagamento da quantia de HKD 563.745,50) porque a apreciação do primeiro pedido reconvencional viola a competência do tribunal;
5) Caso o pedido 4) não seja admitido, rejeitar o primeiro pedido reconvencional (pagamento da quantia de HKD 563.745,50) porque o primeiro pedido reconvencional não se refere ao enriquecimento sem causa;
6) Caso o pedido 5) não seja admitido, rejeitar o primeiro pedido reconvencional (pagamento da quantia de HKD 563.745,50) porque a sentença não indica expressamente a qualidade do obrigado de restituição nem aprecia ou explica a razão da obrigação solidária daas 1ª e 2º recorrentes;
7) Em termos do segundo pedido reconvencional, rejeitar o segundo pedido reconvencional (pagamento da quantia de HKD 260.000,00) porque a sentença viola a disposição de “quem invoque prova”, aplicando erradamente o art.º 437.º do Código de Processo Civil;
8) Com base em que a 1ª recorrida revogou unilateralmente o contrato com as 1ª e 2º recorrentes sem antecedência conveniente, condenar as 1ª e 2ª recorridas na indemnização adequada às 1ª e 2º recorrente (lucros por três meses, ou não inferior a um mês);
9) Caso o pedido 8) não seja admitido, condenar as 1ª e 2ª recorridas na indemnização às 1ª e 2º recorrentes (lucros por três meses, ou não inferior a um mês) com base na concorrência desleal cometida pelas 1ª e 2ª recorridas;
10) Com base em que a 1ª recorrida ainda não pratica o pagamento da quantia de HKD 459.367,00 referido no acordo do documento 24 da contestação, condenar as 1ª e 2ª rés no pagamento solidário da quantia de MOP 473.837,00 à 1ª autora e ao 2º autor; e
11) Depois de reapreciar as provas gravadas e com base no facto de a 1ª recorrente e o 2º recorrente instaurar a presente acção, julgar improcedente a litigância de má fé.”.
*
As rés, sem concluírem, responderam ao recurso, pugnando pelo improvimento do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
*
Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A - Recurso Interlocutório
1 – As rés apresentaram procuração da 1ª ré a E conferindo-lhe, através das deliberações do conselho de administração de 18/08/2015 e de 12/03/2016, o poder de a representar com vista a constituir advogado para ser citada para os termos da presente acção (cfr. fls. 211-212 e 59 a 62 do apenso “traduções”).
2 – O despacho do Juiz titular do processo, datado de 13/04/2016, tem o seguinte teor:
“Fls. 216 a 219 dos autos:
Em termos da veracidade das assinaturas do 2º autor nos doc. 11 a 21 da contestação, notifique as duas rés a pronunciar no prazo de 10 dias sobre a dúvida de se as assinaturas são imprimidas por computador (não escritas manualmente).
Notifique os dois autores a explicar no prazo de 10 dias se, para além de questionar a impressão das assinaturas, também questionam que as assinaturas imprimidas por computador (mera hipótese) não é aquela do 2º autor.
*
Além disso, das deliberações feitas em 2015.8.18 e 2016.3.12 pelo conselho de administração da 1ª ré, apresentada por esta e verificada por notário de Hong Kong, as quais delegam manifestamente ao E o poder de representar a 1ª ré na celebração da procuração em causa e tratar com plenos poderes dos assuntos relativos ao caso, bem como do facto de que as datas das deliberações são anteriores à data da apresentação da contestação, resulta que não existe a irregularidade na procuração invocada pelos autores.
*
Em termos da procuração a fls. 130 a 131 dos autos, apesar de a procuração não consta o pagamento do imposto do selo, a falta do pagamento do imposto do selo não obsta ao presente processo, nos termos do art.º 224.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Para este efeito, notifique a 1ª ré a cumprir a obrigação fiscal no prazo de 10 dias.”
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B – Recurso da sentença
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
- A empreiteira geral da construção do Hotel XXX de Macau (designada doravante por “empreiteira geral”) realizou o concurso da obra da estrutura de aço D (designado doravante por “concurso”). (facto assente A)
- A 1ª ré venceu o concurso e foi-lhe adjudicada a obra acima referida. (facto assente B)
- Conforme a calculação do prazo da conclusão feita pela 1ª ré e pela empreiteira geral, a obra devia ser concluída em 2016.10.15. (facto assente C)
- No dia seguinte da cessação do contrato, a 2ª ré empregou imediatamente todos os empregados pertencentes anteriormente à 1ª autora. (facto assente D)
Base instrutória:
- Após lhe terem sido adjudicadas as ditas obras, a 1ª ré chegou a um acordo com o 2º autor, em 23 de Julho de 2014, para que incumbisse a este a gestão do projecto relativamente às obras estruturais em aço D do Hotel “XXX” de Macau. (resposta aos quesitos 1º e 6º-A da base instrutória)
- A 1ª ré criou a 2ª ré para actuar em sua representação em Macau, coordenando todos os assuntos relacionados com as obras. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- O dito acordo duraria até à conclusão das obras em causa. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- A despesa total do acordo era de HKD 24.000.000,00. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- No âmbito do acordo referido na resposta dada ao quesito 1º, foram emitidas à 1ª ré as facturas constantes de fls. 56, 58, 60, 62, 64, 66, 68, 70 e 77. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Em 30 de Março de 2015, a 1ª ré emitiu a notificação da revogação unilateral do acordo, constante de doc. de fls. 30, que aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- Foi assinado um acordo pela 1ª ré, o 2º autor, em nome próprio e em representação da Companhia “A”, com o teor constante de fls. 87, aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta aos quesitos 17º, 18º e 22º da base instrutória)
- Até ao presente, a 1ª ré não efectuou o pagamento da totalidade da importância acordada. (resposta ao quesito 19º da base instrutória)
- As rés receberam o consentimento dos autores relativamente à transição dos 11 trabalhadores. (resposta ao quesito 21º da base instrutória)
- Depois de receber o dinheiro, o 2º autor não cumpriu o compromisso do pagamento de salários, benefícios e impostos por Março aos trabalhadores. (resposta ao quesito 23º da base instrutória)
- As rés pagaram pelo 2º autor os salários, benefícios e impostos dos trabalhadores por Março de 2015, no montante de HKD 563.745,70. (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
- A 1ª ré ainda anteciparam ao 2º autor a quantia de HKD 260.000,00 para adquirir um veículo de sete lugares, de marca Nissan, com a chapa de matrícula MT-77-XX, utilizando-o na empreitada. (resposta ao quesito 25º da base instrutória)
- Para efeito do facto do quesito 25º, em 18 de Novembro de 2014, foi assinado pela 1ª ré e o 2º autor um acordo, nomeadamente com o seguinte teor:
“Parte de pagamento: C Limited (1ª outorgante)
Parte de registo: Sr. B (2º outorgante)
Assunto: veículo usado na obra de estrutura de aço D do Hotel “XXX” de Macau
Pela necessidade da obra acima referida, a 1ª outorgante e o 2º outorgante concordam, após negociação, em pagar em nome do 2º outorgante um veículo com oito lugares do modelo de 2014, na marca NISSAN, SRENA SH Green Highway Star como meio de transporte, sendo a 1ª outorgante que responde pelas despesas de reparação, manutenção e quotidiana.
A quantia da compra do veículo é antecipada pela 1ª outorgante ao 2º outorgante por forma de adiantamento, o qual é descontado em 20 meses na despesa final da gestão da obra paga pela 1ª outorgante ao 2º outorgante. Após a conclusão da obra acima referida, se não há nova cooperação entres os outorgantes, o 2º outorgante obriga-se a vender o veículo no preço de mercado e entregar a quantia recebida à 1ª outorgante.” (resposta aos quesitos 26º, 27º e 28º da base instrutória.
- Quando as partes cessaram o acordo de cooperação a partir de 2015.4.1, o 2º autor não devolveu o veículo às rés. (resposta ao quesito 30º da base instrutória)
- O 2º autor vendeu o dito veículo à “Agência de Automóveis XX”, em 30 de Abril de 2015. (resposta ao quesito 31º da base instrutória)
- O valor da venda do veículo era no montante de HKD 170.000,00. (resposta ao quesito 32º da base instrutória)”
***
III – O Direito
A – Do recurso interlocutório
Está em causa saber se é regular a representação de poderes conferidos pela 1ª ré a E a fim de este poder constituir procuração forense a advogado tendo em vista a citação para os termos da acção.
O tribunal entendeu que sim por despacho de 13/04/2016 (fls. 228 dos autos e 72 do apenso “traduções”), mas os autores/recorrentes sustentam que não.
Em sua opinião, o notário não confirmou se E era efectivamente administrador de “C Limited” ou se tinha poderes para representar efectivamente a sociedade em causa.
Não têm, porém, razão.
Foi junto documento que comprova que já em 18/08/2015 a sociedade em apreço, através do seu Conselho de Administração, conferiu a E poderes para, enquanto administrador, a representar em todos os assuntos concernentes ao litígio judicial dos presentes autos.
E se é certo que o juiz convidou a recorrida a juntar aos autos documento comprovativo de que o Sr. E, enquanto administrador, detinha efectivamente os alegados poderes de representação, certo é que foi então junta nova deliberação do referido Conselho de Administração em que este reitera e confirma, em 12/03/2016, que o administrador E tem efectivamente os aludidos poderes.
Ambas as procurações foram certificadas por notário de Hong Kong, pelo que nada há a ensombrar a validade formal das citadas deliberações do Conselho de Administração.
E esta conclusão tanto é válida por ser seguro que a primeira deliberação do Conselho de Administração, datada de 18/08/2015, é anterior à citação e contestação, como ainda porque, segundo os arts. 31º, 36º, 37º do Código Civil, nada impede uma tal certificação notarial.
Como é sabido, os poderes de representação orgânica da sociedade em apreço pelo seu Conselho de Administração podem confluir em poderes de representação voluntária, através de um acto de vontade manifestado em procuração, mediante o qual o procurador passa a poder representar o órgão concedente em actos para os quais lhe foram transmitidos os respectivos poderes, o que se assemelha a delegação de poderes (sobre o assunto, e com melhor desenvolvimento, ver Ac. do TSI, de 4/07/2013, Proc. nº 100/2013 e doutrina ali mencionada). Foi o que aqui aconteceu.
Cremos, pois, que nenhum obstáculo formal (tão pouco ao abrigo do art. 193º do CPC) impediria E de representar a sociedade, pela via do seu Conselho de Administração, e dessa maneira conferir procuração a advogado para os termos da causa.
E seria necessário que o notário tivesse que certificar se E tinha realmente a qualidade de administrador da sociedade ou se tinha poder para a representar?
Essa é outra questão, mas a resposta também nos parece negativa. A 1ª deliberação, como se disse, data de 18/08/2015, antes da própria contestação, tendo-se limitado a deliberação do Conselho datada de 12/03/2016 a confirmar aquela outra, na sequência da posição do tribunal em melhor ser esclarecido sobre o assunto. Ora, se aquela 1ª deliberação era já definidora dos poderes atribuídos àquele que dizia ser administrador E, nada mais pareceria ser necessário com vista à demonstração dos poderes que ele a partir de então passou a deter. Os recorrentes não põem sequer em causa a veracidade formal desse documento, nem a sua verdade substancial.
Improcede, pois, o recurso.
*
B – Do Recurso da sentença
Introdução
Apenas por uma questão de comodidade, que o rigor dos ritos processuais talvez até não aconselhasse, seguiremos a ordem traçada pelos recorrentes na indicação dos fundamentos do recurso.
*
1 – Da impugnação da matéria de facto
Os mesmos recorrentes, autores da acção, começam por defender ter sido incorrecta a avaliação da matéria de facto respeitante aos arts. 8º, 9º, 10º-A, 11º, 12º, 14º16º, 21º, 24º da Base Instrutória.
Para o efeito, indicam as passagens da gravação da prova testemunhal e os documentos de onde resultaria que, em sua óptica, àqueles quesitos deveria ter sido dada resposta diferente.
Não concordamos.
Como, entre outros arestos foi já afirmado por este TSI, “II - Relativamente à matéria do direito invocado pelo autor, a este cabe o respectivo ónus probatório. Se o tribunal dispuser de elementos bastantes para concluir pela razão do autor e réu não conseguir, na impugnação, colocar a dúvida no espírito do julgador sobre se os factos invocados pelo autor são verdadeiros, o julgador não pode responder à matéria quesitada contra o autor nos termos do art. 437º, do CC. III - Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. IV - A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 19/07/2018, Proc. nº 915/2017).
Ora, a 1ª instância, a cada um daqueles artigos da B.I. apresentou fundamentação abundante, lógica e coerente no Acórdão de fls. 300 a 305. E este TSI, nem de acordo com os documentos citados (aliás, tidos em conta pelo referido acórdão), nem de acordo com as passagens gravadas dos depoimentos, tem motivo, depois de as ouvir, para dar à prova outro rumo diferente do seguido pelo TJB. Quanto a este aspecto, remetemos para a referida fundamentação.
Claudica, pois, o recurso, quanto a esta parte.
*
2 – Da nulidade da sentença
Defendem os recorrentes que a sentença, nos termos do art. 571º, nº1, al. d), do CPC, é nula por o tribunal ter admitido a reconvenção sem explicitar se ela reunia os respectivos requisitos materiais e processuais para ser admitida.
Ora bem. Cremos, antes de mais nada, que o art. 571º invocado é inapropriado ao caso, uma vez que a admissão da reconvenção ocorreu no despacho saneador (cfr. 175-178) e não na sentença. Quer dizer, nunca poderíamos estar perante uma “nulidade de sentença”, quando muito em presença de uma nulidade processual.
Em segundo lugar, não se pode dizer que o tribunal “a quo” não tenha conhecido da questão da admissibilidade da reconvenção. O juiz titular, ao sanear o processo, chegou à conclusão que a reconvenção era possível, por isso admitiu-a. Logo, tomou a decisão que se impunha tomar, de rejeitar ou admitir a reconvenção.
Não enxergamos, portanto, a invocada nulidade.
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3 – Dos requisitos da reconvenção
No ponto 2 das alegações (fls. 11/50 da respectiva peça) os recorrentes vêm defender que não estavam reunidos os requisitos materiais presentes no art. 218º, nº2, do CPC concernentes à admissibilidade da reconvenção.
Pois bem. Prosseguindo o que havíamos começado por aduzir no ponto anterior, somos a entender que o conhecimento desta alegação se mostra prejudicado pelo trânsito em julgado do despacho que decidiu admitir a reconvenção.
É certo que os autores/recorrentes entendem que o referido despacho não transitou, face ao art. 429º, nº3, do CPC, razão por que, com esse pretexto, vêm invocar agora pela primeira vez a inadmissibilidade da reconvenção. Porém, sem razão.
Os recorrentes, em primeiro lugar, ante a reconvenção deduzida na contestação, nem sequer se opuseram na réplica à sua admissibilidade.
De seguida, o despacho saneador de fls. 175 a 178 (tradução a fls. 185) afirmou peremptoriamente “admite-se a reconvenção deduzida pelas Rés”.
O que quer isto dizer? Quer dizer que o juiz do processo tomou uma decisão concreta sobre uma pretensão formal do pedido de admissão da reconvenção e essa decisão foi no sentido de que ela era admissível. Conheceu, pois, dessa pretensão. Ora, os recorrentes foram notificados dessa decisão e nenhuma impugnação lhe dirigiram, tendo-se conformado com ela.
Sendo assim, essa decisão transitou, não sendo aplicável aqui o disposto no art. 429º, nº2, do CPC, visto que a remissão para a alínea a), do nº1 que ali é feita não tem aqui qualquer aplicação. Isto é, não estamos perante uma excepção dilatória, nem nulidade processual que tenha sido invocada e que merecesse uma decisão em que essas questões devessem ser “concretamente apreciadas”. Não é disso que se trata.
Consequentemente, não pode ser agora, nesta fase, ser posta em causa a referida decisão, que já transitou.
O recurso tem, pois, que naufragar quanto a esta questão.
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4 – Da violação da competência do tribunal
Entendem os recorrentes que o tribunal “a quo” acabou por conhecer de questões que seriam objecto de pretensão a colocar ao juízo laboral. Em sua opinião, portanto, entendem que não podiam ser condenados a pagar aos RR o valor que estes pagaram, por eles (ou em vez deles), a título de créditos salariais aos trabalhadores que para si (autores) estavam a trabalhar.
Sem entrar na questão substantiva a respeito desta matéria, vamos já dizendo que os recorrentes estão a incorrer em confusão. Nesta acção não se discute a violação de alguma relação laboral, i.é., não se aprecia se os trabalhadores têm ou não direito aos seus créditos laborais (isso não faz parte nem da causa de pedir da acção, nem da reconvenção). O que os RR aduziram foi que pagaram, em vez dos AA, o valor dos salários (salários e impostos) dos trabalhadores que estavam ao serviço daqueles para a execução da empreitada que à 1ª ré havia sido adjudicada. E por o terem feito, vêm agora pedir a devolução desse valor.
Como é bom de ver, isto configura, ou pode configurar uma inexecução de um alegado acordo celebrado entre AA e RR, e o pedido formulado a este respeito encaixa bem no quadro de um pedido indemnizatório.
Portanto, nunca se pode dizer que esta matéria deveria fazer parte de um pedido próprio de uma acção de natureza laboral, para a qual não seria competente o tribunal dos autos.
Improcede, pois, esta fundamentação alegatória.
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5 – Do enriquecimento sem causa
Os AA/recorrentes consideram que não podia o tribunal condená-los no pagamento dos salários dos referidos trabalhadores ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa.
Vejamos.
O tribunal, na sentença, explicitou a razão para a condenação: a 1ª Ré teria entregado ao 2º A a quantia necessária para o pagamento aos seus trabalhadores do salário (bem como impostos e outros benefícios respeitantes a esses mesmos trabalhadores) pelo serviço que estes haveriam de executar até 1/04/2015, no âmbito da empreitada assumida pelo A na sequência do acordo celebrado com essa ré (a quem a obra fora adjudicada). E como o 2º A não teria cumprido o acordo, entendeu a sentença que a situação se enquadrava na previsão do art. 467º do CC. Por isso condenou no pagamento, àquele título, da quantia alusiva ao mês de Março de 2015, no valor de HK$ 563.745,70.
Os recorrentes acham que o pagamento determinado sob a égide do enriquecimento sem causa não é possível, face ao disposto no art. 468º do CC, isto é, por não estar demonstrado inexistir outro meio de os RR/reconvintes se poderem fazer valer do direito à restituição do que pagaram.
Quanto a esta parte, parece terem razão. Com efeito, a impetrância do enriquecimento é sempre supletiva ou subsidiária, isto é, só é possível se inexistir um meio alternativo para ressarcimento dos prejuízos, tal como, por exemplo, a declaração de nulidade, de anulação, de cumprimento (Prof. Leite de Campos, “A Subsidiariedade da Obrigação de Restituir o Enriquecimento”, 171 e 326; entre outros, os Acs. do TSI, de 6/10/2011, Proc. nº 537/2009 ou 20/03/2014, Proc. nº 466/2013).
Quer dizer, os reconvintes limitaram-se na contestação a peticionar aquela quantia, sem sequer invocarem expressamente, nem o instituto do enriquecimento sem causa, nem o respectivo dispositivo legal do art. 467º, do CC (apenas o invocaram na tréplica).
Ora, seria necessário que os reconvintes invocassem específica e expressamente o enriquecimento, com a alegação e prova de que não podiam reaver aquela importância por outra via, não podendo o tribunal substituir-se aos interessados nessa tarefa, face ao princípio do dispositivo e da substanciação.
Além disso, parece que só poderia ser chamado à colação o instituto em apreço desde que tivesse havido um recebimento indevido e injustificado de dinheiro por parte dos AA/recorrentes, a fim de que, por esse motivo, se pudesse dizer não haver causa para esse enriquecimento.
Ora, isso não se colhe dos autos, pois o dinheiro teria sido entregue pelos RR aos AA para pagamento de salários dos trabalhadores ao serviço dos AA no âmbito de um acordo/contrato, o que, na tese dos RR/reconvintes, não aconteceu. Sendo assim, o que houve, segundo parece, foi um incumprimento contratual, que geraria na esfera dos RR o direito de recuperarem o dinheiro aqui reclamado. Circunstância que, face à aludida subsidiariedade do enriquecimento, afasta a possibilidade de condenação a este título.
Procede, pois, a alegação recursória quanto a esta parte.
Isto não significa, porém, que a sentença tenha que ser necessariamente revogada. É que o tribunal não está sujeito à alegação das partes no tocante à aplicação das regras de direito (cfr. art. 567º, do CPC). Desde que respeite a causa de pedir, o tribunal tem que aplicar o direito pertinente aos factos articulados pelo peticionante, mesmo que este o tenha invocado em erro ou até não tenha indicado as normas e princípios jurídicos aplicáveis ao caso.
Ora, as rés na sua reconvenção pediram a condenação do 2º autor por incumprimento do acordo alcançado entre este e a 1ª ré, tal como de resto foi consignado na resposta unificada aos arts. 17º, 18º, 19º e 22º da BI. Ou seja, apesar de a sentença ter condenado os 2 autores no pagamento da quantia de HKD 563.745,70 a título de enriquecimento sem causa, sem este instituto ter sido invocado pelos reconvintes, nada impede que a mesma condenação se mantenha a título de incumprimento contratual - tal como fora alegado por aqueles, ainda que sem indicação da norma – nos termos das disposições dos arts. 399º, 400º, 787º do CC, que ora citamos.
É, pois, ao abrigo destes normativos que se manterá a condenação da 1ª instância no pagamento da quantia de HKD 563.745,70, equivalente ao valor pago pelas RR em sede de salários, benefícios e impostos de trabalhadores de Março de 2015, quando esse valor deveria ter sido pago pelo 2º autor (cfr resposta ao art. 24º da BI).
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6 – Erro quanto à pessoa responsável pelo pagamento da quantia de HK$ 563.745,70 (1º pedido reconvencional)
O que está em causa agora é saber quem é responsável pelo pagamento da quantia referida no ponto 5 anterior.
A sentença condenou os dois autores nesse pagamento, mas os recorrentes (AA) entendem que esse pagamento apenas poderia ser imposto à 1ª autora/recorrente “A Limitada”, e não ao segundo autor, B, por ser ela quem estabeleceu as relações laborais com os trabalhadores.
Têm razão as recorrentes, mas só em parte. Efectivamente, não parece que devam ser ambos os AA condenados nesse pagamento. Segundo se depreende dos autos e da matéria de facto provada, quem não cumpriu o acordo de fls. 87 foi o 2º autor. Foi com ele, em nome próprio, que este acordo foi estabelecido o acordo, como, aliás, já inicialmente tinha sido com ele que fora atingido o acordo de 23/07/2014 (resposta unificada aos arts. 1º e 6º-A da BI).
Portanto, se quem quebrou o acordo, i.é., quem incumpriu o contrato, foi o 2º A, será ele a pessoa responsável pelo pagamento daquela importância. É certo que os trabalhadores a que respeitaria aquele montante em dinheiro estavam ao serviço da primeira autora. No entanto, esse é um problema que se situa nas relações internas entre 1ª e 2º autores. Na verdade, o acordo inicial teve em vista conceder ao 2º autor a gestão da obra adjudicada à 1ª Ré; ora, se esse 2º autor posteriormente incumbiu a 1ª autora da referida gestão, essa questão ultrapassa a relação convencionada entre ele e a 1ª Ré. O que importa ao desfecho da acção é averiguar se o 2º autor cumpriu o acordo ou não. E se a resposta é negativa, então só ele poderá ser condenado nessa parte.
Procederá, pois, parcialmente o recurso.
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7 – Aplicação errada do art. 437º do CPC quanto à condenação referente ao segundo pedido reconvencional
A sentença considerou que o 2º A deveria pagar à 1ª ré a quantia de HK$ 195.000,00, em virtude de esta ter adquirido por HKD260.000,00 uma viatura para o A utilizar enquanto durasse a execução da obra, mas que deveria ser vendido no final desta, sendo a importância então obtida entregue à ré.
Provado está que o autor não restituiu a viatura e que a vendeu pelo preço de HK$ 170,000,00, sem que tivesse entregado este valor à 2ª ré.
Os reconvintes pediam a condenação pelo valor de aquisição do veículo (HK$ 260.000,00), mas a sentença reduziu esse valor para HK$195.000,00, por ter entendido que houve desconto de 5 prestações no valor a pagar pela Ré pela execução da obra ao autor de HK$ 20.000 cada.
Os recorrentes defendem, no entanto, que não foi feita prova de que as rés nunca procederam ao desconto ou dedução mensal.
É uma questão de prova, portanto.
Os reconvintes pediam, como se disse, o pagamento do valor da aquisição do veículo, por o A nunca ter feito qualquer abatimento ou prestação mensal, ao contrário do que fora acordado.
A sentença, porém, considerou que, por terem decorrido 5 meses desde Dezembro de 2014 até 1/04/2015, esses seriam os meses das prestações a levar em conta no âmbito do art. 437º do CPC.
Ora bem. Os reconvintes alegavam que aquele preço deveria ser pago em 20 prestações (até à extinção da gestão da obra), mas que as RR nunca fizeram qualquer abatimento mensal.
É verdade. Com efeito, a matéria do artigo 28º da BI - onde estava perguntado se tinha ficado acordado que a quantia destinada à aquisição do veículo podia ser deduzida em 20 prestações mensais – ficou incluída na resposta aos arts. 26º, 27º e 28º da BI. É certo que esse pagamento faseado ficou ali respondido de uma forma afirmativa. O que não se provou foi a matéria do art. 29º da BI (onde se perguntava se até à cessação desse acordo as rés nunca procederam à dedução da quantia destinada à aquisição do veículo em causa.
Ora bem. Os reconvintes afirmaram que nunca chegaram a deduzir nenhuma das vinte prestações, o que significaria, portanto, que toda a quantia de aquisição estaria em dívida. No entanto, não provaram essa afirmação, tal como se viu. A resposta ao art. 29º da BI observou o disposto no art. 437º do CPC, que refere que a dúvida sobre a realidade de um facto se resolve contra a parte a quem o facto aproveita.
Então, o que podemos concluir? Podemos afirmar que não é seguro que não foram feitas deduções/prestações, mas que também não é certo que foram feitas algumas.
Cremos, portanto, que o raciocínio efectuado pela 1ª instância - ao deduzir/inferir/presumir que foram feitas cinco deduções mensais - não pode manter-se.
Sendo assim, não temos elementos seguros para fixar o quantum da condenação. Razão, pois, para condenar no que se vier a liquidar em execução de sentença nos termos do art. 564º, nº2, do CPC.
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8 – Da antecedência conveniente e indemnização pela revogação unilateral do contrato
No Ponto 7 das alegações, vêm agora os autores recorrentes defender que têm direito a indemnização correspondente a lucros de três meses, ou subsidiariamente, por período não inferior a um mês, pelo facto de a 1ª recorrida/ré ter revogado unilateralmente o contrato com os AA sem a antecedência adequada.
Esta matéria havia feito parte da causa de pedir da petição inicial, mas a sentença julgou-a improcedente, em termos que nos parecem inatacáveis, e que fazemos nossos, nos termos do art. 631º, nº5, do CPC, essencialmente com o argumento de que após a alegada revogação, a 1ª ré e o 2º A chegaram a novo acordo negocial.
Improcede, pois, esta alegação de recurso.
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9 – Da indemnização por concorrência desleal
Atacam os recorrentes a sentença por esta não ter procedido à condenação das RR em razão da invocada na petição inicial da concorrência desleal. E isto porque, conforme ali dito, as duas RR, depois da cessão do contrato de prestação de serviço realizado, induziram os trabalhadores daqueles a continuar o trabalho da 1ª autora sob a sua (RR) responsabilidade e direcção, o que contraria o art. 156º do Código Comercial.
A sentença julgou improcedente este pedido, não só por considerar que a 1ª ré contratou todos os trabalhadores da autora só após a cessação do contrato que ambas tinham celebrado, sem que os tivesse induzido a esse fim, mas também porque os AA não provaram os danos sofridos nem o respectivo nexo de causalidade.
É certo o que a sentença afirma. Realmente, não está provado que a ré tivesse “induzido” os trabalhadores a abandonar o autor para passarem a ser seus empregados, e pelo contrário até está provado que os onze empregados transitaram de empregador e de trabalho, após as rés terem obtido previamente o consentimento dos autores (facto 21º da BI).
Improcede, pois, esta questão.
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10 – Da condenação por incumprimento do acordo
Vêm os recorrentes insistir no sentido de que deviam as RR ser condenadas no pagamento da indemnização de HKD$ 459.367,00, na sequência do acordo de 1/04/2015, por ser essa a quantia que falta pagar.
Vejamos.
Na petição inicial, os AA não formularam qualquer pedido de pagamento desta importância, a qual pela primeira vez nos autos só surge na réplica (art. 27º), sem que tivesse sido feito expressamente qualquer pedido de ampliação do pedido inicial (arts. 216º e 217º do CPC), e, por isso mesmo, sem que o tribunal tivesse tido oportunidade de efectuar qualquer pronúncia decisória sobre a admissibilidade de ampliação. No entanto, certo é que na réplica os AA pediram o pagamento daquela importância. Ou seja, formularam o pedido de pagamento, sem requererem a ampliação do pedido.
Cremos que se o tribunal nada disse sobre a admissibilidade deste pedido, também nada opôs expressamente no sentido de o julgar inadmissível. Aceita-se, pois, que o aceitou, até porque na sentença acabou por tratar deste pedido, embora o julgasse improcedente do ponto de vista substantivo.
Aceitemo-lo, pois, também.
Ora, se a matéria do acordo está contida na resposta ao art. 17º da BI (que condensou as respostas aos arts. 17º, 18º e 22º da BI), verdade é que o quesito 19º onde esta matéria estava contida (“Até ao presente, a 1ª Ré ainda não efectuou o pagamento da totalidade da importância exigida, e ainda é devida aos 1º e 2º Autores a quantia de HK$ 459.367,00, equivalente a MOP$ 473.837,00”) mereceu apenas a seguinte resposta: “Provado que até ao presente, a 1ª Ré não efectuou o pagamento da totalidade da importância acordada”.
Quer dizer, está provado que a 1ª Ré não pagou toda a importância em dinheiro aos 1º e 2º AA que era preciso pagar no âmbito do acordo referidos nos arts. 18º e 22º da BI.
A sentença negou esse pagamento aos AA com fundamento em que a revogação do acordo se teria ficado a dever à actuação do 2º A. Ora, isto não está em causa agora, uma vez que esta importância reclamada de HKD$ 459.367,00 deriva de um novo acordo celebrado em 1/04/2015, já depois da revogação do primeiro por parte da ré em 30/03/2015. Portanto, do que se trata é de questionar se no âmbito deste novo acordo também a 1ª ré se pode considerar incumpridora. Mas, tal como a resposta ao quesito 19º está redigida, parece que não se pode fugir a uma resposta afirmativa a tal questão.
Parece, pois, que também neste caso a 1ª ré deve considerar-se incumpridora em parte desse acordo (arts. 399º, 400º, 787º do CC). Apenas não se sabe se o valor é, efectivamente, aquele que estava incluído no quesito (HKD$ 459.367,00).
Significa que a 1ª ré deve ser condenada a este título. Mas, como inexistem dados certos para fixar o quantum da condenação, teremos que relegar a condenação para o que se vier a liquidar em execução de sentença nos termos do art. 564º, nº2, do CPC.
E não há que fazer aqui qualquer exercício de compensação, não só porque se não sabe qual é o valor em dívida por parte da 1ª ré ao 2º autor (resposta ao art. 19º da BI), como também porque a compensação tem que ser declarada por uma das partes à outra, sem que o possa fazer oficiosamente o tribunal (art. 839º, do CC). E tal compensação não foi declarada, nem extrajudicialmente (que se saiba), nem judicialmente (no âmbito dos presentes autos).
Razão pela qual haverá que relegar a liquidação desta condenação para execução de sentença.
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11 – Da má fé
A sentença considerou que os AA deturparam a verdade ao defenderem que as RR induziram os seus trabalhadores a transitar para a 2ª Ré. Só por isso condenou-os como litigantes de má fé na multa de 10 UCs.
Os AA discordam, e com razão.
O facto de os trabalhadores terem transitado para a Ré, de acordo com o facto provado (alínea D) da especificação), e com o assentimento dos AA (resposta ao quesito 21º) não significa que estivessem de má fé, necessariamente, quando invocaram aquele alegado aliciamento para a referida transição dos trabalhadores. Estamos, com efeito, no âmbito de um litígio judicial, no qual se digladiam e cruzam factos invocados pelas partes e cuja prova, no quadro dos respectivos ónus probatórios, não se afasta da convicção que o tribunal alcança em sede de julgamento.
Não parece, pois, que o panorama factual descrito apresente gravidade tal que se inscreva no âmbito de previsão do art. 385º, nº2, do CPC.
Procede, pois, esta questão.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Negar provimento ao recurso interlocutório;
2 - Conceder provimento ao recurso interposto da sentença, na parte referente à condenação dos AA no pagamento das quantias objecto do pedido reconvencional de HKD$ 563.745,70 a título de enriquecimento sem causa, que aqui se revoga;
Em consequência:
Acordam em julgar procedente a acção e condenar o 2º A no pagamento da referida importância (HKD$ 563.745,70), a título de incumprimento contratual, nos termos acima consignados.
3 – Conceder provimento ao recurso da sentença na parte referente à condenação do 2º A no pagamento da quantia de HKD195.000,00.
Em consequência, revoga-se a sentença nessa parte e, julgando parcialmente procedente a reconvenção, condena-se o 2ª A a pagar à 1ª ré a quantia a que vier a liquidar-se em execução de sentença na parte referente ao veículo nos termos acima referidos.
4 – Conceder provimento ao recurso da sentença na parte referente à quantia reclamada pelos AA na réplica de HKD$ 459.367,00.
Em consequência, revoga-se a sentença nessa parte e, julgando-se parcialmente o pedido dos AA, condena-se a 2ª ré a efectuar o pagamento ao 2ª A. na quantia que, em explicitação do teor da resposta ao quesito 19º, vier a ser liquidado em sede de execução de sentença.
5 - Conceder provimento ao recurso interposto da sentença na parte em que condenou os AA como litigantes de má fé, indo nessa parte também revogada, o que inclui não só a multa ali fixada, como as custas do respectivo incidente.
4 - Quanto ao mais, vai improvido o recurso, mantendo-se o decidido na sentença.
Custas em função do decaimento.
T.S.I., 24 de Janeiro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong


88/2018 59