Proc. nº 327/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 24 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Art. 628º, nº2, do CPC
- Recurso interlocutório
- Recurso Jurisdicional
- Prova
- Dano não patrimonial
SUMÁRIO:
I - De acordo com o disposto no art. 628º, nº2, do CPC, o conhecimento do recurso interlocutório, quando não incide sobre o mérito da causa, só deve ser apreciado se a sentença não for confirmada. Trata-se de uma disposição compreensível sempre que o recurso é interposto pela parte que acaba por sair vitoriosa do litígio na sentença, e da qual vem a ser interposto recurso pela parte nela vencida.
II - Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso numa nova instância de prova.
III - É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
IV - Quando o cálculo da indemnização haja assentado (decisivamente) em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal “ad quem” a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto.
V - O “regime anterior” a que se refere o art. 40º da Lei nº 13/2012 não pode deixar de ser todo o regime, incluindo o do valor dos honorários resultante da tabela aprovada pela Portaria nº 265/96/M, (alterada pela Portaria nº 60/97/M, de 31/03) e não apenas o regime substantivo decorrente do diploma que regulava à época o acesso ao apoio judiciário (DL nº 41/94/M).
VI - Assim, se a uma das partes foi nomeado patrono oficioso ao abrigo do regime do DL nº 41/94/M, não se aplicará a essa situação a tabela de honorários resultante do Despacho do Chefe do Executivo nº 59/2013, esta consequente à publicação da Lei nº 13/2012.
Proc. nº 327/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A (representado por seu pai B e ------
B, com os demais dados de identificação e endereço detalhadamente discriminados nos autos (doravante designados por 1º Autor e 2º Autor), -----
Instauraram no Tribunal Administrativo (Proc. nº 217/13-RA) acção para efectivação de responsabilidade civil extracontratual contra:
C (1ª Ré), D (2º Réu), E (3ª Ré) e Serviços de Saúde (4ª Ré), -----
Pedindo a condenação dos quatro Réus no pagamento aos dois Autores duma quantia global de MOP10.877.800,00 a título de indemnização, incluindo a quantia global de MOP109.800,00 despendida pelo 1º Autor como despesas de assistência médica, a quantia global de MOP6.768.000,00 por perda de salários e rendimentos futuros do 1º Autor, a quantia de MOP3.000.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo 1º Autor e a quantia de MOP1.000.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo 2º Autor, bem como no pagamento das despesas de assistência médica futuras do 1º Autor, das despesas para contratação de empregada ou enfermeira para tomar conta do 1º Autor e das custas processuais que abrangem a respectiva procuradoria, visto que os quatro Réus exerceram as suas atribuições com falta de zelo, desencadeando negligência, por conseguinte, têm de assumir a responsabilidade civil pelos supracitados danos sofridos pelos Autores.
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Na sua contestação, o Serviço de Saúde Macau requereu a intervenção principal provocada de F (mãe do autor), pretensão que foi objecto de indeferimento por despacho de fls. 1077.
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Contra esse despacho, foi interposto recurso, em cuja alegação o SSM formulou as seguintes conclusões:
“1. No seu articulado de Contestação, a ora Recorrente suscitou o incidente de intervenção principal provocada da Sra. F, tendo pugnado pelo seu chamamento com fundamento no litisconsórcio necessário activo.
2. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo considerou que os requisitos previstos nos artigos 60º e 61º do CPC não se encontram preenchidos, uma vez que a causa de pedir apresentada pelos dois AA. é diferente.
3. Carece de razão o Mmo. Juiz a quo, pois a causa de pedir apresentada pelos dois AA., ora Recorridos é precisamente a mesma e uma só.
4. Os factos constitutivos da situação jurídica que ambos os Recorridos pretendem fazer valer são os mesmos e reportam-se ao atendimento que foi prestado pelos Serviços da ora Recorrente à Mãe do 1º Autor (“A.”), desde a sua chegada a Macau, maxime entre 28 de Dezembro de 2010 e 12 de Janeiro de 2011, data em que foi submetida à cesariana de que nasceu o 1º Recorrido.
5. Nestes termos, andou mal o Tribunal recorrido ao considerar não estarem verificados os requisitos do litisconsórcio previstos nos artigos 60º e 61º do CPC, por ser diferente a causa de pedir apresentada pelos ora Recorridos.
6. A decisão em crise não logrou identificar quais os factos que constituem, na sua óptica, a causa de pedir do 1.º Recorrido e quais os que constituem a causa de pedir do 2.º Recorrido, desde logo, porque essa diferenciação não existe; não se vislumbra qualquer distinção entre os factos que constituem o pretenso direito invocado por cada um dos Autores.
7. O pedido de intervenção principal provocada deveria ter sido deferido, mesmo que na modalidade da coligação, na medida em que se acham verificados os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 2670 do CPC para este chamamento.
8. São dois os requisitos de que a lei faz depender o chamamento previsto para a intervenção provocada: alegar a causa do chamamento e justificar o interesse que, através dele, o autor do chamamento pretende acautelar.
9. Estes dois requisitos acham-se verificados no articulado onde foi deduzido o incidente de intervenção provocada, pelo que, sempre com o devido respeito, carece de razão o Tribunal a quo ao referir que “(...) a situação referida não é suficiente para explicar e determinar claramente o interesse pretendido com a coligação da Mãe do 1.º Autor e dos dois Autores mediante o chamamento requerido pela 4.ª Ré, em desconformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 26r do Código de Processo Civil.” (tradução livre para a língua portuguesa da responsabilidade da Recorrente).
10. O fundamento para o chamamento da Sra. F, Mãe do 1.º A. e cônjuge do 2.º A. nos presentes autos, acha-se previsto no capítulo do CPC relativo à legitimidade.
11. O artigo 58º do CPC estabelece que “na falta de indicação da lei em contrário, possuem legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
12. Da leitura da Petição Inicial apresentada pelos AA. resulta que a Mãe do 1º A., Sra. F, é um dos sujeitos da relação material controvertida, na medida em que toda a alegação factual do petitório tem por base o atendimento que lhe foi prestado pelos Serviços da ora Recorrente, desde a sua chegada a Macau, maxime entre 28 de Dezembro de 2010 e 12 de Janeiro de 2011, data em que foi submetida à cesariana de que nasceu o 1º Recorrido.
13. São vários os artigos da Petição Inicial que evidenciam que a presente acção foi pensada, desenhada e proposta como tendo ambos os progenitores como Autores.
14. Da forma como os AA. configuram a relação material controvertida, ambos os pais têm legitimidade na presente acção.
15. A Chamada tem legitimidade processual na presente acção, na medida em que é titular de interesse igualou paralelo ao dos Recorridos.
16. Tal facto foi reconhecido pelo Tribunal recorrido quando, na decisão em crise refere que “não se pode negar que, pelo conteúdo da petição inicial e pela alegação da relação material controvertida entre o 1.º Autor, o 2.º Autor e a Mãe do 1.º Autor, os mesmos dispõem de interesse processual de parte”. (tradução livre para a língua Portuguesa da responsabilidade da Recorrente).
17. Afigura-se suficiente a alegação da causa do chamamento da Sra. F, em cabal cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 267º do CPC.
18. Nos termos do n.º 2 do artigo 61º do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável aos presentes autos ex vi artigos 1º e 99º n.º 1 do CPAC, “é igualmente necessária a intervenção de todos os sujeitos quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal; a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes sujeitos, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.”
19. Por outro lado, estabelece o n.º 1 do artigo 270º do CPC que “se o chamado intervier no processo, a sentença aprecia o seu direito e constitui caso julgado em relação a ele”.
20. A intervenção da Chamada na presente acção é necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, regulando definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, podendo o Tribunal proferir sentença que constitua caso julgado em relação à Chamada,
21. O que se afigura essencial para a ora Recorrente, na medida em que com este chamamento e consequente prolação de sentença que constitua caso julgado em relação à Chamada, se evita que a mesma possa vir a demandar a ora Recorrente pelos mesmos factos, sujeitando-a a um novo processo judicial com a mesma causa de pedir e, possivelmente, com um pedido similar ao pedido apresentado pelo aqui 2.º Recorrido, com a inerente necessidade de repetir-se toda a prova que irá ser produzida no âmbito deste processo.
22. A Recorrente alegou estes factos no articulado onde suscitou o incidente de intervenção principal provocada, dando assim cumprimento ao n.º 3 do artigo 267º.
23. Pelo que, sempre com o devido respeito, andou maio Tribunal a quo quando julgou não estarem verificados os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 267º.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, acordarem Vossas Excelências no deferimento do incidente de intervenção principal provocada suscitado, revogando o Despacho recorrido,
Assim realizando, Vossas Excelências, uma vez mais a boa e sã Justiça!”.
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Não houve resposta ao recurso.
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Na oportunidade, foi proferida sentença, que julgou improcedente o pedido formulado pelo 2º Autor B, e parcialmente procedente o formulado pelo 1º Autor, indo condenados o 2º Réu, médico D, e a 4ª Ré (SSM) a pagar ao 1º autor a indemnização no montante de MOP$ 3.664.574,17, valor dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por aquele, acrescida de juros, bem como ainda outros danos futuros a determinar em execução de sentença.
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Contra esta sentença, veio G, douto patrono oficioso nomeado aos autores, apresentar recurso, na parte em que lhe atribuiu os honorários no valor de MOP$ 3.000,00, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. A fixação de honorários não está incluída no sentido estrito do regime de apoio judiciário.
2. Não se verifica alteração no regime de apoio judiciário, mas, ao longo de mais de vinte anos, os montantes dos honorários foram várias vezes elevados consoante a situação efectiva, além disso, a Lei n.º 13/2012 ora vigente revogou o antigo regime e, ao mesmo tempo, por Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013, estabeleceu-se a nova tabela de honorários, bem como se revogou a Portaria n.º 265/96/M.
3. Entende o Recorrente que o art.º 40º da Lei n.º 13/2012, ora disposição transitória, apenas prevê que o anterior regime de apreciação e autorização é aplicável ao caso em que o pedido de apoio judiciário tinha sido apresentado ao Tribunal antes do dia 1 de Abril de 2013, mas ainda não foi decidido pelo Tribunal, e não abrange a tabela de honorários dos patronos.
4. Nos termos dos artigos 2º e 3º do Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013, por um lado, foi expressamente revogada a Portaria n.º 265/96/M e, por outro lado, foi previsto imediatamente que a nova tabela de honorários entraria em vigor em 3 de Abril de 2013 e os seus efeitos retroagiriam ao dia 1 de Abril de 2013, pelo que já não existe a revogada Portaria n.º 265/96/M, não podendo a mesma ser invocada como fundamento de direito de qualquer decisão judicial.
5. Se a vontade legislativa entender que o “regime anterior” referido no art.º 40º da Lei n.º 13/2012 abrange a antiga tabela de honorários anexa à Portaria n.º 265/96/M, o legislador deve revelar manifestamente na aludida disposição transitória que a antiga tabela de honorários continua a ser aplicável aos casos em que o pedido, a apreciação e a autorização do mesmo são feitos na vigência da lei antiga, mesmo que os dois actos normativos sejam formalmente separados. E, também, pode o Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013 prever a não revogação da Portaria n.º 265/96/M ou criar uma disposição adequada que consolida com o art.º 40º, a fim de evitar o venire contra factum proprium, a contradição e as confusões.
6. Pelo exposto, obviamente, o legislador entende que, devido à revogação da antiga tabela de honorários, o “regime anterior” não deve abranger a antiga tabela de honorários, aí tem que se entender que, a partir de 1 de Abril de 2013, a quantia dos honorários dos patronos deve ser fixada de acordo com a nova tabela.
7. Se se entender que os honorários são fixados conforme a antiga tabela quando o patrono for nomeado na altura em que vigora o antigo regime, e são fixados conforme a nova tabela quando o patrono for nomeado na altura em que vigora o novo regime, mas nos dois casos o patrono presta serviço durante a vigência da lei nova, então, no primeiro caso, o patrono só recebe MOP3.000,00 a MOP7.500,00 e, no segundo caso, o patrono pode receber MOP10.000,00 a MOP50.000,00, ideia essa violou o princípio da justiça.
8. Conforme a interpretação do art.º 40º da Lei n.º 13/2012 feita nos termos do art.º 8º do Código Civil, os “processos pendentes” referidos na disposição em apreço apenas consistem na situação em que o requerente tinha apresentado o requerimento, mas o juiz ainda não decidiu sobre a concessão do apoio judiciário, onde se excluíram as pessoas que não tivessem apresentado o requerimento, e as que tivessem recebido a decisão sobre o pedido de apoio judiciário, a par disso, os sujeitos dos “processos pendentes” são MM.º Juiz e requerente, não incluindo o mandatário judicial, não tendo, portanto, relação directa, prejudicial e de dependência com os honorários do patrono.
9. Daí se vislumbra que o “regime anterior” mencionado na disposição em apreço deve ser, meramente, entendido como “regime de pedido, apreciação e autorização anterior”, não abrangendo a tabela de honorários prevista na Portaria n.º 265/96/M.
10. Ademais, em caso de dúvida surgida na transição da lei antiga para a lei nova, prevalece a lei nova se esta se mostre mais favorável ao patrono, sendo este um princípio do mais favorável, mormente o Recorrente prestou serviço após o dia 1 de Abril de 2013, na vigência da lei nova.
11. Pelo acima exposto, os honorários do patrono devem ser fixados em conformidade com a tabela de honorários aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013, concretamente, no montante entre MOP10.000,00 e MOP50.000,00.
12. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, por não ter tido observado o disposto no art.º 8º do Código Civil, não interpretou correctamente o art.º 40º da Lei n.º 13/2012, não atendeu à situação legislativa da dada altura, bem como entendeu o “regime anterior” mencionado na aludida disposição como todas as matérias relacionadas com o apoio judiciário, incluindo a tabela de honorários, por conseguinte, o Tribunal a quo usou erradamente a tabela anexa à Portaria n.º 265/94/M na fixação de honorários, enfim, fazendo com que a decisão final padeça de vício.
13. Mesmo que assim não se entenda e se considere que os honorários devem ser fixados de acordo com a antiga tabela, ainda se verifica a violação, pelo Tribunal a quo, da equidade e das respectivas disposições legais. Tanto a lei nova como a lei antiga prevêem expressamente que, na fixação de honorários, deve ponderar-se o tempo que demorou, o volume de trabalho e o grau de dificuldade deste, bem como o acto praticado e o valor da causa.
14. No caso trata-se dum erro médico que exige um trabalho relativamente complicado, sendo necessário ponderar especialmente os conhecimentos médicos, provar a existência de ilicitude, culpa, danos e nexo de causalidade nos actos médicos praticados pelos médicos e confrontar com os demais quatro advogados, além disso, o valor da causa é superior a MOP10.000.000,00, pelo que, para elaborar a petição inicial, é necessário realizar conferência com as partes para conhecer a situação, enumerar factos necessários e disposições legais, apresentar pedidos e provas documentais e, posteriormente, apresentar provas para apurarem a pretensão invocada.
15. O mais importante é que a audiência de julgamento foi realizada, separadamente, em 5 dias, perfazendo um total de mais de 20 horas, bem como presente caso durou 4 anos desde a propositura da acção, por isso, mesmo que os honorários sejam fixados de acordo com a antiga tabela, é impossível que os honorários sejam fixados no mínimo (MOP3.000,00), sendo dificilmente aceitável por qualquer pessoa.
16. De acordo com a sentença, os peritos médicos têm direito a honorários de 4UC, ou seja MOP3.320,00, recebendo mais MOP320,00 em relação ao Recorrente. Todavia, daí se prevê que os trabalhos dos peritos duram apenas algumas horas, verificando-se que o volume de trabalho dos mesmos não pode, de forma qualquer, ser superior ao do Recorrente, mas os honorários deles são superiores aos do Recorrente, portanto, pelo presente caso, os Venerandos Juízes do Tribunal Colectivo do TSI podem concluir, por outro ponto de vista, que existe irrazoabilidade absoluta nos honorários do Recorrente ora fixados.
17. Os honorários foram fixados no mínimo mesmo com base nos actos praticados pelo Recorrente no processo principal (vide fls. 2 a 9, 51, 66, 521, 764 a 768, 1632 a 1634, 1636 a 1637, 1641 a 1644, 1645 a 1647 e 1685), sendo este um prejuízo para o Recorrente, pelo que essa decisão deve ser fundamentada de acordo com os princípios gerais, sob pena de nulidade.
18. Enfim, o Recorrente queria salientar que não pretende, através do mecanismo de recurso, solicitar ao Tribunal Colectivo que fixe uma quantia de honorários elevada, nem pretende comparar os referidos honorários com a quantia que os demais advogados constituídos no caso poderão receber, mas sim, apenas queria pedir ao Tribunal Colectivo que lhe atribua reconhecimento e suporte (manter a pretensão inicial da defesa de direitos) face ao esforço prestado no presente caso (ajudar uma criança ofendida e inocente a reclamar uma indemnização razoável), obviamente, o montante de MOP3.000,00 não reflecte o esforço prestado pelo Recorrente no caso, bem como desrespeitou os devidos valor e dignidade do trabalho que devem ser salvaguardados pelos trabalhadores, esperando a vossa compreensão.
19. Pelo exposto, a decisão recorrida violou os princípios e normas jurídicos supra mencionados, pelo que se pede justiça aos Venerandos Juízes do Tribunal Colectivo do TSI.
Mais se requer a tão acostumada justiça!”
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Não houve resposta ao recurso.
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Contra a sentença recorreu também o 2º réu, D, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O recurso foi interposto contra o apuramento de parte dos quesitos da base instrutória feito na decisão da matéria de facto e a parte da sentença recorrida relativa a ora Recorrente que foi proferida em 25 de Outubro de 2017.
2. De antemão, tendo analisado os depoimentos das testemunhas e as provas documentais constantes dos autos, entende o Recorrente que os quesitos 50), 52), 65) e 67-A) que foram “provados” na decisão da matéria de facto, não são apurados por insuficiência de provas, enquanto os quesitos 55), 56), 57), 58), 59), 60), 62), 63), 64), 104), 105), 107), 108), 126), 145) e 146) que não foram provados, merecem ser apurados.
3. Os quesitos 50), 52), 57), 58), 59), 60) e 108) tratam da situação concreta da cardiotocografia (doravante designada por “CTG”) de F e de seu feto na meia-noite de 12 de Janeiro de 2011, do juízo médico, bem como do diagnóstico e solução expostos pelo Recorrente. Face a essa parte dos factos, os médicos e enfermeiras fizeram uma aclaração detalhada, bem como, o mais importante é que no Guia Médico em Ginecologia e Obstetrícia, constante dos autos, foram objectivamente descritos os meios de categorização e tratamento da situação em causa.
4. Dos quais, a médica H indicou claramente que, em caso da desaceleração da frequência cardíaca do feto, era necessário efectuar a análise da situação e não cesariana imediata, além disso, a verificação ou não da variação da linha de referência da frequência cardíaca do feto era um sinal relevante para ajuizar a existência ou não da privação do oxigénio do feto e para categorizar a cardiotocografia. De acordo com a análise da CTG de F da altura feita pela aludida médica, conclui-se que a situação da grávida é categorizada como Tipo II mencionado no Guia Médico em Ginecologia e Obstetrícia de ACOG, não mostrando a necessidade de efectuar a cesariana urgente, pelo que se provou manifestamente o quesito 60) onde se indicou que o resultado da cardiotocografia de F era do Tipo II, portanto, não atingiu o grau que necessitasse de uma cesariana de emergência, ilidindo o apuramento do quesito 50) que defende a necessidade da decisão imediata sobre a cesariana.
5. A medicina é uma disciplina muito complexa, cujo critério fundamental é tratar dos pacientes com a observância das provas da medicina baseadas em evidências, ou seja, deve estabelecer-se um plano de tratamento médico com base na consideração dada aos fundamentos dos estudos clínicos, e não se deve tomar decisão só por hábito de alguns médicos ou enfermeiros. Os guias internacionalmente relevantes são estabelecidos de acordo com as provas da medicina baseadas em evidências, pelo que os guias médicos internacionalmente hábeis são profundamente significativos para o apuramento do presente caso.
6. O Guia Médico em Ginecologia e Obstetrícia de ACOG (doravante designado por “Guia de ACOG”, vide anexo 1, cujo original é a prova documental constante de fls. 473 a 485 dos autos), como guia hábil em Ginecologia e Obstetrícia, é aplicável ao tratamento clínico em Ginecologia e Obstetrícia e é profundamente significativo em termos de orientação, bem como a sua importância foi reconhecida pela médica H nas alegações acima expostas.
7. No aludido Guia foram definidas e categorizadas as diferentes desacelerações da frequência cardíaca do feto, servindo como um dos factores do juízo do estado cardíaco do feto. Segundo a prova documental constante de fls. 474 dos autos, constata-se que as desacelerações da frequência cardíaca do feto se distinguem em desacelerações precoces, desacelerações tardias, desacelerações variáveis e desacelerações prolongadas (vide fls. 2 do anexo 1, ou seja, fls. 474 dos autos).
8. Ademais, a variação da linha de referência da frequência cardíaca do feto também é um dos índices relevantes para a avaliação do estado cardíaco do feto, mormente é crucialmente significativa para a categorização da cardiotocografia (vide as partes assinaladas em amarelo de fls. 3 e 4 do anexo 1, ou seja, fls. 475 e 476 dos autos), além disso, o teor acima exposto também foi reconhecido em vários materiais de ensino da medicina em Ginecologia e Obstetrícia (vide fls. 486, 488 e 489 dos autos), bem como apontou a médica H que os índices da variação da linha de referência da frequência cardíaca do feto eram clinicamente relevantes.
9. O Guia de ACOG categorizou as diferentes cardiotocografias (ou seja, CTG) em Tipo I, Tipo II e Tipo III, bem como mencionou várias soluções médicas (vide as partes assinaladas em amarelo de fls. 3 e 4 do anexo 1, ou seja, fls. 475 e 476 dos autos). Das categorias e soluções em apreço se vislumbra expressamente que só se realiza parto quando se verifique a situação do Tipo III que não seja resolvida após ter sido adoptadas várias medidas de resolução (vide a parte assinalada em amarelo de fls. 3 do anexo 1, ou seja, fls. 475 dos autos), isto é, embora se trate duma situação anormal, não se deve realizar a cesariana imediata, a par disso, o tempo da realização de cirurgia também não está expressamente prevista ou restringida.
10. Pela confirmação das provas documentais e dos depoimentos da médica H acima expostos, apuram-se suficientemente os factos dos quesitos 59) e 108).
11. Nos termos do Guia em causa, em conjugação com a análise da situação da CTG de F da altura em que a mesma acabou de sofrer pela primeira vez a desaceleração da frequência cardíaca (vide fls. 642 a 646 dos autos), verificaram-se várias desacelerações da frequência cardíaca fetal no período entre 01h00 e cerca de 02h20, a par disso, as desacelerações em causa vinham acompanhadas das contracções uterinas (ou seja, a linha da parte inferior do gráfico que estava a subir) ou vinham imediatamente a seguir às contracções uterinas, e a descida da linha da frequência cardíaca fetal até ao ponto mais baixo durou cerca de 30 segundos. Tais desacelerações são compatíveis com as definições das “desacelerações precoces” e “desacelerações tardias” mencionadas no Guia de ACOG, pelo que, conforme o juízo do guia científico, a frequência cardíaca fetal de F daquele período de tempo tinha interpoladamente desacelerações precoces e desacelerações tardias.
12. À luz do Guia em apreço, em conjugação com as situações exibidas na CTG de fls. 642 a 646 dos autos e com a análise feita pela médica H, averigua-se manifestamente que a CTG de F demonstra a existência da variação da linha de referência da frequência cardíaca do feto e não se verifica a situação do Tipo III mencionada no Guia, devendo, portanto, categorizar-se a situação em causa como Tipo II mesmo que não seja possível categorizá-la, indubitavelmente, como Tipo I, por conseguinte, é necessário avaliar a situação, bem como continuar o monitoramento e depois avaliar novamente a situação (vide a parte assinalada em amarelo de fls. 3 do anexo 1, ou seja, 5º parágrafo de fls. 475 dos autos), em vez de efectuar a cesariana urgente, apurando mais uma vez o conteúdo do quesito 60).
13. Além do mais, conforme as informações médicas constantes de fls. 489 dos autos, no caso em que o colo do útero não se encontra totalmente aberto ou se prevê a impossibilidade da realização do parto vaginal em breve, só se permite a cesariana imediata se se verifiquem os seguintes sinais: 1. O desaparecimento da variação da linha de referência da frequência cardíaca do feto acompanhado da linha de referência da frequência cardíaca do feto em valor <110bpm, ou acompanhado das desacelerações tardias e frequentes ou declarações variáveis graves e frequentes; 2. Sinusóide; 3. Pericrânio do feto em valor pH<7.20. In casu, não se verificam os respectivos sinais.
14. Ademais, face à CTG de F e do seu feto, o enfermeiro I que se responsabilizava pela observação de F, apontou que, por volta da 00h30 daquele dia, a CTG mostrou as desacelerações da frequência cardíaca fetal, mas, depois, a situação voltou à normalidade, e, após o Recorrente ter encaminhado F para a sala de partos, embora a CTG mostrasse outra vez as desacelerações, estas eram mais ligeiras (tanto em termos de duração como em termos de ritmo) e recuperáveis. Isso é praticamente compatível com a análise feita pela médica H e com a situação efectiva exibida na CTG de fls. 642 a 647 dos autos. Assim sendo, provou-se suficientemente o facto descrito no quesito 57).
15. Conforme a CTG, não há informações nem indícios de que o feto ou a grávida apresente evidente anomalia que exija a cesariana imediata, pelo que não se deve provar o conteúdo dos quesitos 50) e 52), mormente a conclusão que defende que é devida a decisão tempestiva sobre a cesariana e que F apresenta evidente anomalia.
16. Ademais, das alegações do enfermeiro supra mencionado se constata que o Recorrente mandou sempre os enfermeiros observarem estreitamente F, bem como tomou iniciativa para conhecer a situação da grávida e analisar as alterações da CTG na sala de partos. De fls. 677 e 678 dos autos se provou claramente que, no momento em que a CTG mostrou pela primeira vez a desaceleração, o Recorrente encaminhou imediatamente F para a sala de partos, bem como adoptou todas as medidas devidas, nomeadamente o exame de sangue pré-operatório, inspiração de oxigénio, entre outras.
17. É de salientar que a médica H e o médico J confirmaram que a desaceleração da frequência cardíaca fetal era clinicamente um fenómeno frequente, e não era um sinal que exigisse a cesariana urgente.
18. Em suma, embora a CTG de F de cerca de 00h30 de 12 de Janeiro de 2011 mostrasse desacelerações da frequência cardíaca fetal, recuperou-se a frequência cardíaca fetal depois de o Recorrente ter mandado os enfermeiros procederem aos tratamentos; após a entrada na sala de partos (ou seja, por volta da 01h10 às 02h15), houve novamente desacelerações da frequência cardíaca fetal que eram mais ligeiras e recuperáveis, a par disso, também não se verificou evidente anomalia ou desaparecimento da variação da linha de referência da frequência cardíaca do feto que era um dos índices relevantes para a avaliação do estado cardíaco do feto.
19. À luz do Guia de ACOG que é um guia hábil em Ginecologia e Obstetrícia, na altura, a situação de F era do Tipo II, não se verificando o facto da necessidade da cesariana urgente, e, na verdade, o Recorrente exigiu aos enfermeiros a observação estreita da situação e tomou iniciativa para observar e analisar a situação da grávida. Daí se vislumbra que, para além das análises rigorosas feitas pelo médico e enfermeiros em apreço, o mais importante é que, segundo as provas documentais objectivas, se provaram suficientemente os quesitos 57), 58), 59), 60) e 108) e, por seu turno, não merecem ser provados os quesitos 50) e 52).
20. Apontou-se no quesito 65) da base instrutória que “A demora de duas horas entre o momento em que a CTG registou pela primeira vez a desaceleração da frequência cardíaca fetal e o momento em que se decidiu realizar a cesariana, causou o agravamento da privação do oxigénio do feto no útero?” (sublinhado acrescentado), o que, no entendimento do Recorrente, não deve ser provado.
21. Antes de mais, é necessário assinalar que a palavra “demora” empregada no conteúdo do quesito supracitado é meramente uma descrição concludente, não devendo a mesma ser considerada como teor dos factos e consequentemente ser apurada. In casu, durou duas horas o processo entre o momento em que a CTG mostrou pela primeira vez a desaceleração da frequência cardíaca do feto, por volta da 00h30, e o momento da realização da cesariana, por volta das 02h30, mas daí não se pode concluir que haja demora.
22. Certo é que, conforme as informações constantes dos autos e os factos assentes, não existe qualquer informação que demonstra ou apure quando é que se deve submeter a grávida à cesariana, pelo que não existe nenhum fundamento que demonstre que se verifica qualquer demora na cirurgia realizada às 02h30 na grávida.
23. A par disso, tal como a análise exposta nos artigos 5º a 28º supra mencionados, embora a CTG de F da altura mostrasse desacelerações, no decurso, tal situação foi recuperada, não mostrando a necessidade de efectuar a cesariana urgente, análise essa é compatível com o Guia em Ginecologia e Obstetrícia. No decurso não se verificou o problema de agravamento da privação do oxigénio do feto no útero e também não existe nenhuma prova nos autos que demonstre suficientemente a aludida conclusão.
24. Ainda é necessário indicar que a desaceleração da frequência cardíaca do feto é clinicamente um fenómeno frequente, enquanto a paralisia cerebral é um caso bastante raro, pelo que não se deve, só com base na desaceleração da frequência cardíaca do feto, prever a existência da privação do oxigénio do feto no útero e até a paralisia cerebral, além disso, de acordo com o Guia ACOG, a previsão da paralisia cerebral feita pela CTG tem uma taxa de falso positivo superior a 99%, sendo uma prova de categoria A (ou seja, prova de categoria mais alta em termos médicos) (vide fls. 9 do anexo 1, ou seja, fls. 481 dos autos, no qual EFM equivale a CTG em apreço).
25. Por conseguinte, não existe qualquer prova objectiva que demonstre quando é que se deve submeter F à cesariana, nem se verifica prova que apure a causa da paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor.
26. Nesta conformidade, não existe qualquer prova ou informação que demonstre que o Recorrente não submeteu F à cesariana na altura em que a mesma devia ser submetida à cesariana, pelo que não se deve, de forma nenhuma, concluir que haja “demora”, não devendo o Recorrente ser imputável.
27. Os quesitos 55), 56) e 107) que tratam da situação da consulta das informações dos exames pré-parto de F pelo Recorrente e da importância das respectivas informações, devem ser provados pelos depoimentos das testemunhas e pelas provas documentais constantes dos autos.
28. Face a isso, segundo os depoimentos e a experiência comum da médica H e do médico J, nas consultas de grávidas, os médicos procuram sempre saber as histórias clínicas anteriores das grávidas, mormente os exames realizados, o estado de líquido amniótico e as anomalias frequentes. As informações em apreço são muito valiosas e úteis para os médicos no tratamento dos pacientes, a par disso, conforme as regras da experiência comum e a concordância manifestada pelo médicos, tais informações, mormente os dados dos exames que mostram a existência de anomalias ou risco, são consideravelmente relevantes para os médicos na avaliação e tratamento das doenças.
29. In casu, realmente, o Recorrente perguntou à grávida F quanto às referidas situações, bem como de fls. 656 a 658 dos autos constam expressamente os registos feitos pelo Recorrente após ter questionado F (vide a parte do anexo 2 que foi assinalada com marcador fluorescente, ou seja, provas documentais de fls. 656 dos autos). As referidas provas documentais mostram que, na altura, F apenas disse que internava no hospital pela dor abdominal e tinha realizado exames pré-parto no Interior da China, por seu turno, o Recorrente registou essas informações na história clínica dela, porém, ela não falou sobre os exames que tinha feito no Hospital Kiang Wu, a situação concreta das anomalias no líquido amniótico assinaladas na ecografia feita na altura em que estava com mais de 37 semanas de gravidez, duas vezes foi deslocada à Urgência do CHCSJ para se submeter aos exames e pedir a realização da cirurgia, entre outras informações.
30. De acordo com as alegações do médico K, se a grávida fornecesse algumas informações durante o tratamento médico, as cópias dessas informações seriam juntas à história clínica, entretanto, o CHCSJ, ao realizar o procedimento de averiguações do assunto em causa, não encontrou as respectivas informações e, em consequência, o relatório de averiguações foi elaborado com escassez de informações. A par disso, de acordo com o médico J que tem trabalhado por muitos anos no CHCSJ, na altura, o CHCSJ não fazia o scan dos dados das histórias clínicas dos pacientes da Urgência no computador, por isso, o Recorrente não conseguia consultar as informações de consultas médicas dos pacientes realizadas no CHCSJ, através do sistema informático.
31. Assim sendo, pode concluir-se que o Recorrente não tinha condições para conhecer os dados médicos de F registados antes da consulta médica em causa ou quaisquer anomalias detectadas.
32. Na verdade, in casu, F deslocou-se ao Hospital Kiang Wu para efectuar exames, detectando que o volume do líquido amniótico era relativamente baixo, por conseguinte, o médico sugeriu o internamento dela no hospital, contudo, ela recusou-se a internar no hospital mesmo que o médico lhe tivesse explicado sobre a possibilidade da asfixia intra-uterina, deformidade fetal, morte fetal intra-uterina, entre outras situações (vide fls. 577 dos autos). Da escassez das aludidas informações resultou impacto severo ao Recorrente na avaliação e tratamento da situação de F.
33. Os quesitos 67-A), 104), 105), 126), 145) e 146) tratam das causas da paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor.
34. Face ao quesito 67-A), é necessário aclarar que o conteúdo anterior do quesito 67) da base instrutória constante do despacho saneador é: “Considerando o volume baixo do líquido amniótico de F, se não se submeter, o mais cedo possível, F à cesariana, constituir-se-ão risco e impacto graves para o nascimento e saúde do feto, causando paralisia cerebral ao 1º Autor em consequência da privação de oxigénio?”
35. Face a isso, o Recorrente confirmou que, no pressuposto do volume baixo do líquido amniótico, se não se submetesse, o mais cedo possível, a grávida à cesariana, constituir-se-iam risco e impacto graves para o feto, bem como seria possível desencadear um risco de paralisia cerebral em consequência da privação de oxigénio. Todavia, após o Recorrente ter concluído o depoimento de parte, o Tribunal a quo alterou o conteúdo do quesito 67) para a versão actual dos quesitos 67) e 67-A). O conteúdo alterado e o conteúdo confirmado pelo Recorrente são diferentes, bem como o Tribunal Colectivo a quo confirmou na audiência de julgamento que só considerou que o Recorrente tinha feito uma confissão sobre a versão original (ou seja, o conteúdo do quesito 67) supracitado), portanto, não seria considerada como uma confissão sobre o conteúdo alterado.
36. Nestes pressupostos, vamos discutir sobre os quesitos 67-A), 126), 145) e 146), respeitantes aos factores da paralisia cerebral dos recém-nascidos e aos factos do caso que mostram as causas da paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor. É necessário assinalar que existem várias causas da paralisia cerebral dos recém-nascidos e a maioria delas é imprevisível e inevitável, a par disso, nem sempre é possível encontrar a causa da paralisia cerebral de cada caso, bem como pelos exames da CTG não se detecta ou prevê o risco ou possibilidade da paralisia cerebral dos recém-nascidos.
37. In casu, não existe qualquer prova objectiva que demonstre a causa da paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor, tal como mencionado na análise feita pelo Tribunal a quo na sentença recorrida: “Obviamente, ninguém sabe se, após a data provável do parto, se submetesse mais cedo F à cesariana, poderia ou não evitar-se absolutamente a presente situação do 1º Autor (…)” (vide o último parágrafo da página 23 da sentença recorrida).
38. Face à causa do risco da paralisia cerebral, o quesito 103) que foi dado como provado, demonstra que “Existem várias causas para a asfixia dos recém-nascidos e a ocorrência da encefalopatia hipóxico-isquêmica (paralisia cerebral), as mais comuns incluem razões ligadas à própria pessoa do feto, hipóxia intra-uterina crónica, infecções intra-uterinas e entre outras; além disso, também é muito importante ser ou não tempestivas, eficazes e adequadas as providências de socorro depois do nascimento, tais como intubação endotraqueal, restauração da circulação, utilização de medicamentos e entre outras.”
39. Os pareceres periciais emitidos pelos peritos do caso confirmaram os factos dos quesitos 126), 145) e 146), indicando: “Na maioria dos casos de paralisia cerebral, o momento da lesão é amplamente desconhecida. No entanto, o evento isolado perinatal que cause asfixia é raramente, ou pode ser a causa da lesão do sistema nervoso. Porém, pode ser ainda uma causa sem lesão. Daí se vislumbra que não existe relação necessária entre as mesmas.”; “Conforme as actuais técnicas medicas, a maioria dos casos de paralisia cerebral não pode ser exactamente prevista. Isto é, os exames pré-parto normais, ordinários e periódicos são muito úteis para diminuir as complicações na gestação e no momento do parto. Por ser imprevisível a paralisia cerebral, só uma pequena parte dos casos é clinicamente evitável.”; e, “Muitas vezes não é possível saber o que deu origem à paralisia cerebral, em cerca de 20-30% (1/4) dos casos não foram encontradas as causas (…)”.
40. Quanto às mesmas questões, a médica H e o médico J apresentaram alegações afirmativas, dizendo que a asfixia dos recém-nascidos é clinicamente uma situação frequente, a par disso, a asfixia dos recém-nascidos nem sempre causa paralisia cerebral, bem como a paralisia cerebral pode ter várias origens e a CTG não é capaz de prever a existência da paralisia cerebral.
41. De acordo com o Guia de ACOG, “Do uso da EFM não resulta a redução do risco da paralisia cerebral, taxa de falso positivo da EFM para prever a paralisia cerebral dos recém-nascidos é superior a 99%” (vide o último parágrafo da página 4 e os primeiros dois parágrafos da página 5 do anexo 1, ou seja, fls. 476 e 477 dos autos), a par disso, “A principal explicação para o facto de a prevalência de paralisia cerebral não ter diminuído apesar do uso da EFM é que 70% dos casos ocorrem antes do início do trabalho de parto; apenas 4% dos casos de encefalopatia podem ser atribuídos unicamente a eventos intraparto (11, 12).” (vide o 2º parágrafo da página 5 do anexo 1, ou seja, fls. 477 dos autos).
42. Daí se vislumbra que os relatórios elaborados pelos peritos, as alegações dos médicos e as provas documentais constantes dos autos são suficientes para apurarem plenamente os factos dos quesitos 126), 145) e 146).
43. Voltamos à origem da paralisia cerebral sofrida por ora 1º Autor, é de salientar novamente que, In casu, apesar da CTG de F ter mostrado desacelerações da frequência cardíaca do feto, isso não prevê ou não significa que existe risco da paralisia cerebral.
44. Ademais, um dos factos relevantes relativo ao risco da paralisia cerebral do 1º Autor discutido neste processo é que, na gestação, foi detectado que o volume do líquido amniótico de F era relativamente baixo e o médico revelou expressamente os riscos que o feto correria.
45. É necessário invocar o conteúdo da parte dos factos assentes, dos quais o quesito 7) assente demonstra que, de acordo com o resultado do exame ultra-sonográfico realizado em 15 de Dezembro de 2010 no Hospital Kiang Wu, o índice de líquido amniótico foi de 5,73 cm; o quesito 119) demonstra que, relativamente ao período entre o fim da 2ª fase e a 3ª fase da gestação, considera-se como oligo-hidrâmnios um índice de líquido amniótico 5 e 10; e, o quesito 115) demonstra que, na fase final da gestação, o volume do líquido amniótico começa a diminuir.
46. Face ao risco do feto constituído pela situação do líquido amniótico de F durante a gestação, a médica L que tinha submetido F aos exames no Hospital Kiang Wu, em conjugação com a prova documental constante de fls. 577 dos autos, indicou que, conforme o relatório do exame de F realizado no Hospital Kiang Wu, F submeteu-se a um exame no Hospital Kiang Wu quando estava com 37 semanas + 2 de gravidez, o qual mostrou que o índice do líquido amniótico da mesma era de 5,73cm, sendo este um valor marginal (ou seja 5cm), pelo que o médico lhe sugeriu que internasse no hospital, porém, ela recusou-se da sugestão, em seguida, o médico disse-lhe que o feto poderia ter perigo, bem como poderia haver asfixia, deformidade ou até morte fetal, mas ela continuou a recusar-se a internar no hospital.
47. Na fase final da gestação, o volume do líquido amniótico começa a diminuir, mas, na altura em que F estava com 37 semanas de gravidez, verificou-se que o volume do líquido amniótico dela era relativamente baixo e até atingia o nível de escassez de líquido amniótico, pelo que o médico lhe sugeriu que internasse no hospital e lhe disse sobre os perigos que poderiam surgir, porém, ela ignorou tudo isso. Nestas circunstâncias, não podemos excluir que o risco da paralisia cerebral do 1º Autor exista antes do parto.
48. Pelo contrário, de acordo com as testemunhas em apreço e as informações constantes das provas documentais, não existe prova que demonstre que a paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor resultou da asfixia durante o parto. Não existe prova suficiente que apure o quesito 67-A) em que se indica que o 1º Autor nasceu com paralisia cerebral em consequência da privação de oxigénio durante o parto.
49. Os quesitos 104) e 105) que tratam do problema relativo à hipoxia intra-uterina crónica, são também relevantes para ajuizar o risco da paralisia cerebral provavelmente existente neste caso que é tratado nos quesitos 67-A), 126), 145) e 146) em apreço. Tanto o baixo volume do líquido amniótico como a escassez do líquido amniótico causam o problema da hipoxia intra-uterina crónica e o risco de paralisia cerebral, face a isso, a médica H e o médico J apresentaram alegações compatíveis com os quesitos 104) e 105), a fim de apurarem os referidos quesitos.
50. Na verdade, na fase final da gestação, o volume do líquido amniótico começa a diminuir, a par disso, na altura em que F estava com 37 semanas de gravidez, verificou-se que o volume do líquido amniótico dela era relativamente baixo, arriscando o feto. Até o momento do parto, ela estava com 41 semanas de gravidez e, durante a cirurgia, detectou-se que a mesma não tinha líquido amniótico e sofria icterícia da placenta e da membrana fetal. Conforme a lógica e a experiência comuns, durante aquele período, não se pode excluir que o feto tenha sofrido hipoxia intra-uterina crónica, o que cause uma grande redução da capacidade de resistência à hipoxia aguda, bem como possa desencadear asfixia intra-uterina e deformidade do feto, e, a partir daí se apuram os factos dos quesitos 104) e 105).
51. É de salientar que não há nenhum facto dos quesitos provados que demonstre que F tinha dito ao Recorrente sobre o baixo volume do líquido amniótico detectado no Hospital Kiang Wu e a antecipação do parto sugerida pelo médico, nem existe qualquer informação que mostre (sic), bem como, na verdade, o Recorrente não tinha ou não tinha condições para obter as informações relativas aos exames pré-parto de F.
52. Os quesitos 62), 63) e 64) que tratam do risco de cirurgia por F ter comido antes e por falta do relatório do exame de sangue, devem ser provados pelos factos e depoimentos das testemunhas constantes dos autos.
53. De acordo com o referido em fls. 677 dos autos, “Tendo-se em conta que a paciente acabou de comer em uma hora antes, não fez exames pré-parto sistematizados, a CTG mostrou que, na altura, a situação estava boa, deve internar primeiro no hospital para ser observada frequentemente, continua a fazer CTG, aguarda o relatório do exame de sangue, entre outros.” (vide o 2º parágrafo de fls. 677 dos autos). Tais registos foram feitos pelo Recorrente naquele dia, podendo revelar, com exactidão, a situação da altura, a paciente tinha comido em uma hora antes de ir à consulta médica feita pelo Recorrente, além disso, do quesito 46) provado da base instrutória se constata que, à 00h28 de 12 de Janeiro de 2011, altura em que a CTG mostrava a desaceleração, a enfermeira chamou o Recorrente para tratar de F, assim sendo, verifica-se que F tinha comido entre 23h00 e meia noite.
54. Face a essa situação, segundo as informações de pesquisa médica relativa a anestesia, constantes de fls. 498 a 505 dos autos, a anestesia geral para pacientes com estômago cheio pode causar perigo de aspiração inadequada à grávida e o mais grave é provocar a morte da paciente, bem como, de acordo com a respectiva pesquisa, a morbilidade pode ir até 70% (vide fls. 505 dos autos).
55. Ademais, o relatório do exame de sangue de F só foi feito por volta das 02h00 (vide dados registados na tabela de situações do parto de fls. 678 dos autos) e, antes disso, o Recorrente não possuía dados do relatório do exame de sangue da mesma (incluindo a função da coagulação sanguínea). À luz da respectiva pesquisa médica (vide fls. 493, 495, 497, 499 e 506 dos autos), o impedimento da função da coagulação sanguínea causa risco extremo em anestesia espinhal. Na altura, não havia o relatório do exame de sangue do Recorrente (sic), por isso, era indispensável a ponderação do aludido risco.
56. A testemunha, médica H, deu a sua explicação, revelando expressamente o risco de cirurgia na situação em que o estômago está cheio, além disso, o médico K e o enfermeiro I confirmaram a importância do relatório do exame de sangue na realização de cirurgia.
57. Além do mais, na dada altura, a situação da CTG de F correspondia ao Tipo II mencionado no Guia Médico em Ginecologia e Obstetrícia de ACOG, sendo necessária a adopção das medidas de observação frequente e reavaliação, em vez de cesariana urgente, pelo que, tendo ponderado os riscos com base nas informações detidas na altura e garantido a inexistência das situações críticas de F e do feto, bem como visando à segurança da grávida, o Recorrente decidiu aguardar o relatório do exame de sangue.
58. Pelo exposto, conforme as provas documentais constantes dos autos e os depoimentos das testemunhas, entende o Recorrente que os quesitos 50), 52), 65) e 67-A) não são apurados por insuficiência de provas, enquanto os quesitos 55), 56), 57), 58), 59), 60), 62), 63), 64), 104), 105), 107), 108), 126), 145) e 146) devem ser considerados apurados.
59. Relativamente à aplicação da lei, entende o Recorrente que a sentença recorrida violou os artigos 2º e 5º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, as alíneas 1), 3), 5) e 7) do art.º 11º da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica) e os artigos 3º e 6º, n.º 1, al. 3) da Lei n.º 13/2010.
60. Para constituir a responsabilidade civil prevista no art.º 2º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, é necessário comprovar especialmente a ilicitude dos factos, a culpa do agente e o nexo de causalidade adequado existente entre os actos ilícitos e os danos.
61. No que concerne à ilicitude dos factos, entendeu a sentença recorrida que o Recorrente violou os deveres funcionais estipulados nas alíneas 1), 3), 5) e 7) do art.º 11º da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica). Salvo o devido respeito por opinião contrária, o Recorrente não se conforma com essa opinião da sentença recorrida.
62. Na sentença recorrida apontou-se: “As informações constantes dos autos demonstram que, na noite de 11 de Janeiro de 2011, altura em que F internava no hospital, esta já tinha ligeiras contracções uterinas e dores de parto, e, à 00h28 do dia posterior, foi chamado o 2º Réu, D, por se verificar uma evidente desaceleração da frequência cardíaca fetal. Na altura, o 2º Réu apenas submeteu F à observação na sala de partos e requereu os exames laboratoriais (tais como exame vaginal, contagem sanguínea completa, teste da coagulação sanguínea), porém, não mandou as enfermeiras fazer qualquer preparação pré-operatória.”
63. Quanto a isso, é necessário aclarar que, tal como os esclarecimentos feitos nos artigos 5º a 28º anteriores e o mencionado em fls. 642 a 647 dos autos, por volta da 00h30, a CTG de F mostrou as desacelerações da frequência cardíaca fetal, mas, depois, a situação voltou à normalidade, a par disso, o Recorrente encaminhou-a para a sala de partos e submeteu-a aos exames laboratoriais, com vista a preparar a realização da cesariana, só que, na altura, ainda era necessário manter a observação da situação da grávida e o relatório laboratorial ainda estava por acabar, bem como a situação da grávida também não exigia a cesariana imediata, pelo que não era necessário proceder imediatamente a todas as outras preparações pré-operatórias. Os factos assentes e a análise da sentença recorrida também não apontaram que a grávida precisasse de se submeter à cesariana imediata na altura.
64. Ademais, a sentença recorrida expôs ainda: “Embora, no período entre 00h45 e 02h15, o monitoramento fetal mostrasse várias vezes desacelerações evidentes da frequência cardíaca do feto de F, após vários chamamentos do 2º Réu feitos pela enfermeira, este não determinou qualquer tratamento subsequente, mandando apenas aguardar o resultado do exame de sangue e continuar a observação. A par disso, por volta das 02h00, as enfermeiras notificaram o 2º Réu dos resultados dos testes laboratoriais, todavia, este não deu novas indicações.”
65. Quanto a isso, reafirma-se que a situação revelada pela CTG de F na altura é plenamente compatível com a do Tipo II mencionado no Guia Médico em Ginecologia e Obstetrícia de ACOG, cujas medidas aplicáveis são observação e avaliação. Na verdade, o Recorrente sempre chamou o enfermeiro para realizar a observação frequente da grávida, a par disso, o enfermeiro I indicou expressamente que, por volta de 01h35, o Recorrente tinha ido à sala de partos para conhecer as situações de F e da CTG (vide artigo 20º anterior), daí se vislumbra que o Recorrente não agiu tal como referido na sentença recorrida: “não atendeu a sério nem deu atenção à paciente, não lhe prestando tratamento adequado” (vide o 1º parágrafo da página 22 da sentença recorrida).
66. Além do mais, em conjugação com o registado de situações do parto de F feito pelos enfermeiros, constante de fls. 678 dos autos, e as alegações do enfermeiro I (vide artigo 88º anterior), onde se mostrou que, às 02h15, tinha sido ligado telefonicamente para o Recorrente, comunicando-lhe que havia duas desacelerações a frequência cardíaca do feto e o relatório do exame de sangue estava pronto para chegar, e, face a isso, o Recorrente mandou o enfermeiro para se submeter F ao exame do colo do útero; posteriormente, às 02h18, I telefonou para o Recorrente, comunicando-lhe do conteúdo do relatório e da situação do colo do útero.
67. Em cerca de alguns a dez minutos depois de o enfermeiro I ter ligado telefonicamente para o Recorrente, a chefe dos enfermeiros telefonou para a ora 3ª Ré, médica E. Embora o Recorrente não tivesse dado imediatamente a ordem médica ao enfermeiro para preparar a cirurgia após o enfermeiro ter ligado ultimamente para ele, de facto, o Recorrente estava a pensar sobre a cirurgia, só que, antes de decidir realizar a cirurgia, os enfermeiros já chamaram uma outra médica, bem como, na altura, a CTG mostrou uma evidente desaceleração da frequência cardíaca fetal (vide o fenómeno de desaceleração ocorrido depois das 2:20, constante de fls. 642 dos autos).
68. A sentença recorrida voltou a sublinhar que o Recorrente não tinha dado aos enfermeiros as orientações relativas à preparação pré-operatória, porém, isso não significa que o Recorrente não tivesse acompanhado as informações fornecidas pelos enfermeiros para proceder à avaliação e análise da grávida.
69. A par disso, in casu, não se conclui quando é que se deve submeter imediatamente F à cesariana, por conseguinte, não se pode imputar a respectiva responsabilidade ao Recorrente só por este não ter realizado imediatamente a cirurgia depois de ter atendido o telefonema feito pelo enfermeiro às 02h18.
70. O Recorrente tinha perguntado a F sobre a história clínica e os exames pré-parto, quanto a isso, nos artigos 39º a 49º anteriores alegou-se que o Recorrente, por regra geral, tinha perguntado à grávida sobre as respectivas situações, pelo contrário, a grávida não lhe fornecia as plenas informações dos exames nem lhe comunicava dos problemas detectados durante os exames.
71. Na sentença recorrida apontou-se: “O monitoramento fetal mostrou várias evidentes desacelerações da frequência cardíaca do feto, apresentando fortes indícios da privação de oxigénio do feto, pelo que, face à situação em apreço e à escassez de líquido amniótico da grávida, o médico que atendeu à grávida deveria decidir imediatamente a realização da cesariana, interrompendo a gravidez, não sendo necessário aguardar o relatório laboratorial.” (vide a página 21 da sentença recorrida)
72. A situação da CTG de F da altura foi rigorosamente analisada na parte anterior deste documento, daí se verifica que o nível das desacelerações da frequência cardíaca do feto não mostrou o sinal da necessidade da cesariana imediata. É necessário indicar que embora a sentença recorrida entendesse que devia decidir-se imediatamente a realização da cesariana aquando da desaceleração da frequência cardíaca do feto e da escassez de líquido amniótico, nos factos assentes e em todas as informações constantes dos autos não existe qualquer prova que demonstre que o Recorrente sabia ou tinha condições para saber que F tinha problema de escassez de líquido amniótico.
73. Até, conforme o conteúdo dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, não se apurou que F se encontrasse em escassez de líquido amniótico. Nestas circunstâncias, a sentença recorrida exigiu que o Recorrente submetesse imediatamente F à cesariana, sendo este um entendimento infundado.
74. Assim sendo, o Recorrente procedeu prudentemente à observação e avaliação da situação de F em conformidade com o Guia Médico em Ginecologia e Obstetrícia, bem como não ignorou a situação da grávida ou as informações fornecidas pelos enfermeiros, nem violou os deveres funcionais estipulados nas alíneas 1), 3), 5) e 7) do art.º 11º da Lei n.º 10/2010 (Regime da carreira médica), cuja conduta dele não constitui requisito de ilicitude.
75. No que concerne à culpa, é incorrecto que a sentença recorrida qualificou a conduta do Recorrente como negligência grave. A sentença recorrida apontou que “a negligência consiste na falta de cuidado e prudência devidos na prática dos actos”, bem como entendeu que o Recorrente não tinha submetido tempestivamente F à intervenção médica idónea.
76. É de salientar que, conforme tanto as informações constantes dos autos como a análise da situação efectiva de F, embora a CTG dela da altura mostrasse desacelerações, não se verificou o sinal da necessidade da cesariana imediata, bem como não existia informação que demonstrasse que a paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor resultou da asfixia intra-uterina durante o parto.
77. Na verdade, face à situação de F, o Recorrente tinha-lhe perguntado sobre os exames pré-parto da mesma e, conforme a situação da CTG da altura, não só deu ordem médica aos enfermeiros para realizarem observação frequente, mas também procurou saber e avaliou as situações da grávida e da CTG da altura, prestando atenção e adoptando devidamente medidas consoante o Guia médico. O Recorrente, por segurança da grávida, decidiu aguardar o relatório do exame de sangue na circunstância em que já tinha analisado sinceramente a situação de F e garantido a inexistência do sinal da necessidade da cesariana urgente, não sendo esse um aguardo sem sentido feito, sem ter atendido à segurança do feto, na situação urgente da asfixia intra-uterina fetal, tal como referido na sentença recorrida. Deste modo, o Recorrente não tem culpa pelo tratamento médico de F.
78. É necessário indicar que entendeu a sentença recorrida que o Recorrente devia submeter F à cesariana sem aguardar o relatório do exame de sangue, sendo esse um entendimento que se fundamenta principalmente em opiniões da parte dos médicos e enfermeiros do CHCSJ. Todavia, é necessário apontar que os médicos do CHCSJ, por terem perfeito conhecimento de que o 1º Autor nasceu com paralisia cerebral, expuseram a opinião da submissão de F à cirurgia com maior brevidade possível, não tendo ponderado objectivamente as condições da altura na formação da sua convicção, além disso, os aludidos médicos e enfermeiros não assinalaram expressamente quando é que se devia realizar a cesariana, nem apresentaram os fundamentos da medicina baseados em evidências ou o guia dos fundamentos.
79. Em termos médicos, os médicos diferentes podem ter juízos e tratamentos diferentes face ao mesmo gráfico da CTG, portanto, quando houver o resultado relativo ao recém-nascido, a reinterpretação do gráfico da CTG torna-se ainda mais inacreditável (vide os 3º e 4º parágrafos contados a partir do fim da página 5 do anexo 1, ou seja, fls. 477 dos autos).
80. Ademais, embora a sentença recorrida entenda que, in casu, F se encontrava em escassez de líquido amniótico, por isso, devia a mesma ser submetida imediatamente à cesariana quando se verificasse a desaceleração da frequência cardíaca do feto, não se deve concluir que o Recorrente tem culpa por esse entendimento. Conforme as informações constantes dos autos, certo é que, na altura, o Recorrente não tinha conhecimento nem tinha condições para saber se F se encontrava em escassez de líquido amniótico, além disso, até F não comunicou ao Recorrente do problema de baixo volume do líquido amniótico detectado.
81. Tal como mencionado no acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 370/2015: “A análise da existência ou não do erro médico não deve ser feita com base no resultado do incidente, ou seja, baseia-se plenamente nas informações surgidas após o incidente para ajuizar se o médico/hospital em causa cometeu ou não erro. Por essas informações serem surgidas após o incidente, provavelmente, o médico em causa não as possuía na altura em que fazia disgnóstico”. (vide o último parágrafo da página 37 do acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 370/2015)
82. O Recorrente não tinha condições para saber que ela tinha problema de escassez de líquido amniótico e, em consequência, não decidiu imediatamente realizar a cirurgia (que realmente era desnecessária), portanto, não se deve, por esta razão, concluir que o Recorrente cometeu erro. Pelo contrário, os pais do 1º Autor não forneceram informações suficientes relativas aos exames pré-parto ao médico, por conseguinte, o Recorrente não conseguiu fazer juízo e decisão com informações suficientes, assim sendo, os pais do 1º Autor devem também assumir a responsabilidade correspondente.
83. Se a MM.ª Juíza não concordar com a opinião supracitada, o Recorrente entende que o acto em causa é meramente um acto culposo comum e não um acto culposo grave. Indicou-se ainda no acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 370/2015: “Mesmo que seja detectada, posteriormente, a inexactidão no diagnóstico feito pelo médico, não devemos concluir imediatamente que o mesmo tem culpa. Ainda precisamos de saber se, conforme a doença e os sintomas que a paciente tinha na altura, o resultado do diagnóstico e o programa curativo feitos pelo médico são ou não, em termos médicos, viáveis. Caso afirmativo, não podemos imputar a responsabilidade ao médico em causa mesmo que seja detectado o erro após a ocorrência do facto.” (vide a página 38 do acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 370/2015)
84. In casu, certo é que o Recorrente não ignorou plenamente a situação de F, já que, na situação em que se detectava a desaceleração da frequência cardíaca do feto e depois se recuperava a desaceleração, o Recorrente mandou levar a grávida para a sala de partos e a submeteu ao exame laboratorial de sangue pré-operatório, bem como, durante o referido período, ele próprio e através dos enfermeiros sempre procurou saber a situação da grávida, além disso, quando foi comunicado pelo enfermeiro que o relatório do exame de sangue estava quase pronto (por volta de 02h18 daquele dia), este deu a ordem médica ao enfermeiro para submeter a grávida ao exame do colo do útero.
85. Tal atitude do Recorrente mostra plenamente que ele esteve atento à situação da aludida grávida e acompanhou uma série de tratamentos. Mesmo que a MM.ª Juíza entenda que a atitude dele não é completamente idónea ou há erro no juízo, não se verifica a falta de diligência comum e zelo necessários para o exercício das funções, não sendo esta uma culpa grave.
86. Deste modo, ao presente caso não é aplicável o art.º 5º do Decreto-Lei n.º 28/91/M que prevê o direito de regresso. Outrossim, o acto praticado pelo Recorrente não constitui acto ilícito com negligência grave, pelo que ao caso também não é aplicável o disposto na alínea 3) do n.º 1 do art.º 6º da Lei n.º 13/2010.
87. No que concerne ao nexo de causalidade entre o acto ilícito e o dano, a sentença recorrida indicou na análise que: “Sem margem de dúvidas, o 1º Autor sofre uma paralisia cerebral em consequência da privação de oxigénio durante o parto.”. Contudo, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Recorrente não se conforma com a dita conclusão.
88. Certamente, nas discussões dos artigos 51º a 80º anteriores indicou-se claramente que a paralisia cerebral podia ter várias origens e, muitas vezes, eram desconhecidas as origens da paralisia cerebral. No caso vertente não existe qualquer prova objectiva que demonstre que a paralisia cerebral sofrida pelo 1º Autor foi oriunda da asfixia durante o parto. E até não se pode excluir que, em 15 de Dezembro de 2010, após ter sido detectado em Hospital Kiang Wu que o volume do líquido amniótico de F era relativamente baixo, o feto sofra a hipóxia intra-uterina crónica de que resulte o risco da paralisia cerebral do 1º Autor. Assim sendo, verifica-se a falta de provas suficientes no apuramento do ora nexo de causalidade.
89. Nesta conformidade, este caso não reúne o requisito de responsabilidade civil consagrado no art.º 2º do Decreto-Lei n.º 28/91/M.
90. Se a MM.ª Juíza não concordar com a opinião supracitada, o Recorrente entende que são manifestamente excessivos os montantes da indemnização por danos não patrimoniais e da indemnização por perda de interesse emergente da incapacidade para o trabalho fixados na sentença recorrida.
91. Nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 489º do Código Civil, relativamente aos danos não patrimoniais, “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487º (…)”. Face à perda de interesse por lesão, nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 560º do mesmo Código, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julga equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.”. O art.º 487º prevê: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
92. Sub judice, a sentença recorrida decidiu fixar a indemnização por danos não patrimoniais em MOP1.800.000,00. Todavia, conforme o montante geralmente fixado pelos Tribunais da R.A.E.M. a título da indemnização relativa ao direito à vida, em geral, o montante da indemnização relativa ao direito à vida é de cerca de MOP1.000.000,00 (vide os acórdãos proferidos pelo TSI nos processos n.ºs 791/2012, 516/2011 e 552/2010, e os acórdãos proferidos pelo TUI nos processos n.ºs 15/2011 e 86/2015).
93. Na sentença recorrida fixou-se em MOP1.754.774,17 a indemnização por perda dos rendimentos do trabalho futuros emergente da incapacidade para o trabalho, porém, nos autos não existe nenhuma informação que averigúe o valor dos danos em causa, a par disso, também se verifica manifestamente excessivo o aludido montante.
94. Nestes termos, requer-se aos Venerandos Juízes do TSI que, atendendo, simultaneamente, às situações do agente e do lesado, procedam equitativamente à dedução do montante em apreço.
Enfim, solicita-se aos Venerandos Juízes do TSI que façam a tão acostumada justiça!”
*
Os Serviços de Saúde de Macau responderam ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“A. O Recorrente alega que determinados factos alegados por si e incluídos nos quesitos 55), 56), 57), 58), 59), 60), 62), 63), 64), 104), 105), 107), 108), 126), 145) e 146) deveriam ter sido julgados provados na decisão sobre a matéria de facto e que os quesitos 50), 52), 65), 67 A) deveriam ter sido julgados como não provados, impugnando a decisão de facto nos termos do artigo 599º do CPC.
B. É verdade que os depoimentos dos médicos e alguns documentos apontam no sentido de que é necessária a realização de análises numa primeira fase, antes de proceder-se imediatamente à realização da cesariana e que, tendo em conta o Guia de ACOG do Congresso Americano de Obstetras e Ginecologistas, não havia uma condição do tipo III (situação que leva a que seja realizada a cesariana imediatamente).
C. Porém, este aspecto não é suficiente para se afirmar que deve esperar-se, impreterivelmente, por todos os resultados das análises, sobretudo quando essa espera puder vir a colocar o feto em risco.
D. Acresce que, apesar de a condição da F não ter sido enquadrada no tipo III do Guia de ACOG, ela também não foi enquadrada no tipo I, sendo, antes, associada ao tipo II que é um nível intermédio e que, tal como resulta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Recorrente, implica que a parturiente deva ser atentamente observada.
E. O Guia de ACOG menciona que “os rastreios da FHR [“Fetal Heart Rate”, em português, Frequência Cardíaca Fetal] de Categoria II requerem avaliação e supervisão contínua e reavaliação, levando em consideração todas as circunstâncias clínicas associadas.”.
F. Os médicos dos hospitais que utilizam os critérios do Guia de ACOG devem ter em consideração que um rastreio de Categoria II deve ser cuidadosa e continuamente observado tendo sempre em conta todos os restantes factores. In casu, o baixo nível do líquido amniótico e a altura de gestação da paciente (41 semanas) deveriam ser tidos em conta, na medida em que são factores determinantes.
G. A Dra. J e a Dra. M, ambas médicas no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, no Serviço de Pediatria e no Serviço de Obstetrícia e Ginecologia, respectivamente, de acordo com a sua experiência e quanto às directrizes que seguem, ambas afirmaram que, actualmente, já não seguem os critérios constantes do Guia de ACOG, pelo que são outros os factores que devem ser tidos em consideração para se proceder à realização da cesariana.
H. A Dra. J afirmou no seu depoimento que, de acordo com a sua experiência e “intuição” médicas, após trinta minutos desde o início das desacelerações, mesmo que vá havendo oscilações favoráveis, isto é, mesmo que haja momentos de recuperação (que não plena), deve proceder-se à realização da cesariana.
I. Tal como consta nas fls. 646 e 647 dos autos relativas ao resultado do CTG, trinta minutos depois de ter sido feita a cardiotocografia, continuou a haver desacelerações, pelo que, às 00H50 já havia necessidade de proceder-se à realização da cesariana.
J. Tal como ficou provado na Sentença recorrida, o Recorrente manteve sempre a paciente sob observação, mas não agiu quando o devia ter feito e é essa omissão que deve ser considerada.
K. Analisado o depoimento do enfermeiro I, na passagem supra citada, parece que a testemunha não concorda com a alegada normalização da frequência cardíaca do feto, tal como referida pelo Recorrente, afirmando, inclusive, que pediram o resultado das análises com alguma urgência uma vez que sabia que o Recorrente, antes de tomar a decisão de realizar a cesariana, pretendia verificar o resultado das análises.
L. Quanto ao que vem alegado relativamente ao quesito 65) a respeito do atraso que terá causado o problema do 1.º Autor, apesar de o Recorrente afirmar que a condição de desaceleração não tinha ainda atingido o nível necessário para que fosse considerada a realização da cesariana, é necessário ter-se em conta quer todo o historial das desacelerações da frequência cardíaca fetal, quer o baixo nível do líquido amniótico.
M. Os médicos devem ter a sensibilidade de, tendo em conta determinados factos, perspectivar os riscos que estão em causa pelo simples facto de não se agir imediatamente, pelo que o Recorrente não podia ter esperado que a desaceleração fosse considerada de tipo III para submeter a parturiente a cesariana.
N. Do depoimento do Dr. N supra citado resulta claro que, de acordo com a sua vasta experiência, o médico concluiu que o feto se encontrava em sofrimento fetal e que o CTG era evidente quanto à necessidade de realizar a cesariana.
O. Também a Enfermeira O, que chamou a médica que viria a realizar a cesariana, afirmou que estava preocupada com a situação do feto.
P. A 3.ª Ré, assim que assumiu o caso da F e se inteirou da informação que lhe foi dada, avançou de imediato para a cirurgia, já que, tanto as várias desacelerações da frequência cardíaca fetal ocorridas como o baixo nível de líquido amniótico e a altura de gestação da grávida, apontavam para a necessidade de intervenção no nascimento do 1.º Autor.
Q. Quanto ao que vem alegado nos artigos 39º e seguintes das Alegações de Recurso relativamente à matéria dos quesitos 55), 56) e 107), é verdade que é muito importante que os médicos tenham conhecimento do historial clínico da parturiente antes de tomarem determinadas decisões quanto aos tratamentos a adoptar. Todavia, é importante ressalvar que essa necessidade de consultar o historial clínico jamais poderá sobrepor-se à necessidade de actuar com urgência quando a situação da parturiente assim o impõe, nomeadamente quando o feto ou a mãe estão a correr riscos, como parece ter sido o caso.
R. Relativamente aos quesitos 62), 63) e 64), acerca dos riscos da operação tendo em conta o facto de F ter comido e a ausência do relatório de sangue, parece consensual a opinião de que a parturiente, antes do parto, deve ter o estômago vazio (sendo-lhe recomendado que apenas coma mais ou menos até quatro horas antes do parto).
S. Quanto ao relatório de sangue, é importante que haja uma análise ao sangue que possa eliminar riscos quanto à anestesia epidural.
T. O enfermeiro I afirmou no seu depoimento que manteve o Recorrente sempre informado, avisando-o da situação clínica da parturiente. No entanto, o Recorrente foi sempre claro, dizendo que deveria aguardar-se e continuar a observar a F, esperando-se simultaneamente pelo relatório das análises ao sangue.
U. O Dr. N afirmou, inequivocamente, que não havia necessidade de esperar pelas análises.
V. O Recorrente não fez prova suficiente que permitisse concluir que a ocorrência de alguma destas situações é completamente impeditiva da realização da cesariana.
W. Havendo um risco maior, in casu, a vida do feto, não seria nem o facto de a mulher ter comido entre as 23h e a meia noite (mais ou menos uma hora antes da consulta, conforme as informações no processo clínico), nem o facto de os exames ao sangue não estarem prontos, que impediria a realização da cesariana num caso em que houvesse um perigo iminente para o bebé, como veio a verificar-se ter acontecido.
X. Assim sendo, nenhuma destas situações pode prevalecer sobre a necessidade de realização da cesariana.
Y. O Tribunal a quo condenou o 2.º Réu, ora Recorrente, nos pedidos do 1.º Autor, tendo concluído que o mesmo agiu com culpa grave, decisão impugnada pelo Recorrente.
Z. Conforme correctamente concluiu o Tribunal a quo “com o resultado da monitorização fetal em que foi visível por diversas vezes a diminuição acentuada na frequência cardíaca fetal, que é o forte sinal de existir uma situação de sofrimento fetal interno e, tendo ainda em conta a acima circunstância e a pequena quantidade de líquido amniótico da mulher, o médico devia ter decidido logo proceder à cesariana para terminar a gravidez e não ter esperado pelo resultado do teste”.
AA. Ficou provado que o Recorrente não agiu quando deveria tê-lo feito e é esta omissão por parte do Recorrente que deve ser considerada para conhecimento da culpa.
BB. Nos presentes autos, ficou provado que, por parte do Recorrente, existiu um comportamento que se subtrai à diligência que teria, em face da situação concreta, um bom pai de família,
CC. Tanto que a 3ª Ré, tendo exactamente as mesmas informações de que dispunha o Recorrente, teve em consideração a situação de F e actuou imediatamente, submetendo a parturiente a cesariana.
DD. Várias foram as testemunhas que concordaram com a necessidade de, perante tal situação, recorrer à cesariana.
EE. Mesmo que se tenha deslocado à sala de partos para saber das condições e dos movimentos da CTG, o Recorrente acabou por ignorá-las e nada fez.
FF. O Recorrente não cumpriu as regras técnicas exigidas a um médico obstetra, não tendo dedicado a atenção devida a F, assim não lhe providenciando os tratamentos adequados e ignorando as informações que as enfermeiras lhe iam prestando a respeito da parturiente.
GG. O Recorrente violou gravemente os seus deveres funcionais previstos no artigo 11º da Lei 10/2010 (Regime da Carreira Médica), faltando com o cumprimento dos deveres de atenção, cuidado e entusiasmo exigidos na sua profissão, contrariamente à expectativa razoável da comunidade.
HH. A conduta do Recorrente está conforme com o requisito de ilicitude previsto no n.º 2 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 28/91/M, de 22 de Abril, tal como decidido na Sentença recorrida.
II. O Recorrente actuou com culpa grave, pelo que a Sentença em crise deve manter-se inalterada, aplicando-se o artigo 5º do Decreto-Lei nº 28/91/M, nos termos do qual a Recorrida continuará a gozar de Direito de Regresso sobre o Recorrente.
JJ. Relativamente ao montante da indemnização, foi fixado na douta Sentença recorrida o valor de MOP1,800,000.00 (um milhão e oitocentas mil patacas) correspondentes aos danos não patrimoniais e o valor de MOP1,757,774.l7 (um milhão, setecentas e cinquenta e sete mil, setecentas e setenta e quatro patacas e dezassete avos) quanto a lucros cessantes.
KK. Relativamente ao montante de indemnização arbitrado, a Recorrida acompanha a posição do Recorrente, pelo que requer a Vossas Excelências que, fazendo uso de um critério equitativo, seja o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais e pelos lucros cessantes arbitrado reduzido em conformidade.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado parcialmente improcedente, confirmando-se, no que assim seja, a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a boa e sã JUSTIÇA!”
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“(….)
I. Recurso de D.
Num primeiro momento, este recorrente insurge-se contra o julgamento da matéria de facto expresso nas respostas dadas a vários dos quesitos que integram a base instrutória.
Fá-lo, todavia, sem razões suficientemente sólidas para abalar o ponderado juízo patente no acórdão do tribunal colectivo no julgamento de tal matéria. Se atentarmos nas razões que o recorrente oferece com o intuito de ver alteradas essas respostas de forma condizente com o seu interesse processual, reparamos que se respalda essencialmente no respigar de certas passagens do depoimento de H, médica reformada, e no Guia Médico do Congresso Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG), cujas orientações recolhem uma indisfarçada simpatia por parte dessa testemunha H.
Pois bem, idêntica opinião não se colhe das muitas e qualificadas testemunhas chamadas a depor, cujos depoimentos colocam nitidamente em xeque o ponto de vista de H e põem em causa a actualidade do Guia ACOG, como se vê da abundante fundamentação vertida no acórdão sobre a matéria de facto, que externa igualmente uma adequada análise crítica das provas.
Ante uma quase unanimidade de testemunhos e opiniões qualificados, e considerando a forma detalhada como explicitou a formação da sua convicção, não podia evidentemente o tribunal colectivo adoptar um julgamento diverso da matéria de facto agora questionada, pelo que as críticas avançadas pelo recorrente e as respostas alternativas que sugere não têm qualquer razão de ser.
Nada se impõe alterar, na matéria de facto, pelo que improcede este fundamento do recurso ancorado em erro no julgamento da matéria de facto.
Depois, o recorrente questiona o acerto da aplicação do direito à matéria de facto apurada.
Começa por pôr em causa a existência de ilícito. Fá-lo, todavia, olvidando a matéria de facto provada. Atenta a noção de ilícito que nos é dada pelo artigo 7.º do DL 28/91/M, de 22 de Abril, onde se considera como tal a violação de um direito de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger os seus interesses, bem como os actos jurídicos que violem normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e ainda os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração, é por demais óbvio que o réu recorrente incorreu em ilicitude. A postura que adoptou no tratamento do parto aqui em causa, que lhe cumpria acompanhar e resolver, alheando-se despreocupadamente das suas obrigações de clínico e mostrando uma insensibilidade chocante perante a evolução negativa dos trabalhos de parto, o que levou a que não determinasse tempestivamente a intervenção por cesariana, é reveladora da violação dos deveres que foram considerados infringidos e demonstrativa da inobservância das leges artis ou das regras de ordem técnica e de prudência comum a que estava obrigado, como bem salientou o Ministério Público no parecer que antecedeu a sentença. A postura assumida pelo recorrente contrasta em absoluto com a diligência do restante pessoal que estava de serviço, o qual, em desespero com a inexplicável e interminável inércia daquele, chamou a médica de apoio que, de imediato, ordenou no sentido de ser levado a cabo o parto por cesariana. Não há, pois, dúvida razoável sobre a existência de ilícito.
Também questiona a qualificação da sua culpa como grave, intentando convencer que o seu comportamento, se culposo, não excede a mera culpa. Mas os seus argumentos são manifestamente insubsistentes. A prova produzida, estribada, como já se referiu, numa pluralidade de testemunhos altamente qualificados, aponta não apenas para displicência grosseira, mas até cai no âmbito do dolo. Repare-se que, numa primeira fase, o recorrente explica a sua inacção com a espera do resultado dos exames de sangue ― cujo conhecimento foi considerado desnecessário para avançar com a cesariana, de acordo, aliás, com os depoimentos altamente qualificados já aludidos ― e, em seguida, quando foi conhecido o resultado dos exames, pura e simplesmente nada fez ou ordenou. E instado pelo pessoal de enfermagem sobre os procedimentos subsequentes, limitou-se a dizer que tinha tomado conhecimento do resultado dos exames... Estando o feto em elevado nível de sofrimento por carência de oxigénio, como se revela através das desacelerações frequentes observáveis na cardiotocografia evidenciada a fls. 642 a 647, o que era do conhecimento do recorrente e lhe foi sendo "lembrado" pelos restantes elementos da equipa, a sua inacção tem que lhe ser imputada a título de dolo, pelo menos na forma eventual. Aliás, essa inacção e a não determinação do parto por cesariana foi tão chocante e inexplicável que a equipa de enfermagem se viu compelida a chamar a médica de apoio, à revelia do próprio recorrente.
Situando-se a culpa num tal patamar, cai também por terra a tentativa do recorrente em refutar a revogação do apoio judiciário, a qual encontra pleno acolhimento na norma que a sentença convocou para o efeito (artigo 6.º, n.º 1, alínea 3), da Lei 13/2010).
Ainda nesta sede de errada aplicação da lei, o recorrente D põe em causa a existência de nexo de causalidade adequada entre o facto considerado ilícito e o dano decorrente da paralisia cerebral. Tenta associar a paralisia cerebral do autor A a hipoxia intra-uterina crónica. Sem qualquer sucesso, pois, como claramente se vê do acórdão sobre a matéria de facto, essa é uma hipótese que foi totalmente afastada, tendo, pelo contrário, ficado esclarecido, documentalmente e por depoimentos, que a gravidez decorreu normalmente, sem detecção de qualquer anomalia, sendo certo que, no caso de eventual hipoxia crónica, ela seria visível em ecografia.
Improcedem, assim, estes argumentos relativos a matéria de direito.
Por fim, insurge-se o recorrente contra os montantes arbitrados a título de danos não patrimoniais e pela perda da capacidade aquisitiva. Mas, também aqui lhe falece a razão.
Desde logo, na parte relativa a danos não patrimoniais, o recorrente socorre-se da bitola de MOP $1.000.000.00, que diz ser habitualmente considerada pelos tribunais de Macau como montante indemnizatório adequado à perda do direito à vida, para verberar o montante indemnizatório de MOP $1.800.000.00 arbitrado ao autor. Só que não é o direito à vida que está em causa. O que ora está em causa é o sofrimento, privações e uma condição de vida que se vai perpetuar pela existência do autor, situação que a sentença recorrida catalogou - e com razão, a nosso ver - de mais grave do que a ofensa do direito à vida. Dadas as condições económicas dos réus obrigados e do autor, e atento o juízo de equidade presente no cômputo da indemnização, não se crê que haja censura a efectuar ao referido montante arbitrado a título de danos não patrimoniais, que não se mostra excessivo.
Do mesmo modo, também não merece censura a fixação do montante indemnizatório por perda de capacidade aquisitiva, à qual o recorrente, em bom rigor, não aponta qualquer vício ou erro, sendo certo que a Mm.ª juiz explicou a fórmula de cálculo a que recorreu, aí incluída a correcção devida pela circunstância de a indemnização substanciar uma obrigação de prestação instantânea, o que se mostra compatível com as fórmulas de que geralmente a jurisprudência lança mão para calcular o capital necessário a obter o rendimento frustrado devido a incapacidade para o trabalho.
Improcedem também os fundamentos do recurso, no tocante aos montantes indemnizatórios.
Ante o exposto, deve negar-se provimento ao recurso do réu D.
II. Recurso dos Serviços de Saúde
Como já referido, a Ré Serviços de Saúde havia interposto recurso do despacho de 20 de Maio de 2014, que recusou o chamamento de F a intervir na acção como autora.
Nos termos do 628.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, os recursos que não incidam sobre o mérito da causa e que tenham sido interpostos pelo recorrido em recurso de decisão sobre o mérito só são apreciados se a sentença não for confirmada. Por seu turno, o artigo 628.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, estipula que os recursos que não incidam sobre o mérito da causa só são providos quando a infracção cometida tenha influído no exame ou decisão da causa ou quando, independentemente da decisão do litígio, o provimento tenha interesse para o recorrente.
Pois bem, se encararmos a ré Serviços de Saúde como recorrida no recurso de D - e ela própria assumiu essa posição, conforme se vê da sua peça de fls.1824 e seguintes - o seu recurso não deve ser apreciado por força do n.º 2 do falado artigo 628.º, tendo em conta a nossa perspectiva quanto ao recurso de D. Mas ainda que ela não fosse considerada recorrida, sempre haveria que ter em conta que a questão versada no seu recurso interlocutório nenhuma influência teve no exame ou decisão da causa e o provimento desse recurso também nenhum interesse tem para ela, recorrente.
Em qualquer dos casos, o nosso parecer vai no sentido de não se conhecer do recurso interlocutório, pelo que nos dispensamos de discorrer sobre o seu mérito.
III. Recurso de G
No seu recurso, G impugna a decisão relativa à fixação de honorários como patrono oficioso dos autores, nomeado no âmbito do processo de apoio judiciário n.º 676/12-AJ.
O recorrente foi nomeado no domínio de vigência do DL 41/94/M, que foi revogado e substituído pela Lei n.º 13/2012, continuando aquele, porém, a aplicar-se aos processos pendentes de apoio judiciário apresentados antes da entrada em vigor da Lei 13/2012, nos termos do artigo 40.º desta lei.
A decisão recorrida arbitrou ao recorrente honorários no montante de MOP $3.000.00, nos termos do artigo 29.º do DL n.º 41/94/M e da Tabela anexa à Portaria 265/96/M. O recorrente entende que os honorários deveriam ter sido fixados nos termos da Tabela aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013.
Estamos em crer que a razão está do lado do recorrente.
A norma transitória constante do artigo 40.º da Lei 13/2012 é, na sua essência, uma norma de competência. Como é sabido, anteriormente o procedimento de apoio judiciário corria perante os tribunais, que detinham competência para dele conhecer, tendo essa competência passado a caber à Comissão de Apoio Judiciário com a entrada em vigor da Lei 13/2012. O que, 'a nosso ver, o referido artigo 40.º visa é manter nos tribunais a competência para apreciação dos pedidos de apoio judiciário pendentes à data da entrada em vigor da nova lei.
Não cremos que tal norma contenda com a remuneração a praticar no âmbito do apoio judiciário. Um determinado regime de apoio judiciário não tem uma tabela privativa de honorários, que deva perpetuar-se enquanto esse regime não for alterado ou continuar a ser aplicado. As tabelas podem ser alteradas, no domínio de um mesmo regime do apoio judiciário, e sê-lo-ão sobretudo em função da evolução da inflação. Há, pois, independência entre as tabelas de remuneração e os diplomas do apoio judiciário.
Assim, tendo os honorários sido fixados na vigência da nova tabela, quando a anterior já estava revogada, e tendo-se a intervenção processual do recorrente desenrolado, aliás, no domínio de vigência da nova tabela ― a petição inicial deu entrada em juízo em 4 de Julho de 2013 ―, crê-se que é à nova tabela que há-de atender-se na fixação dos honorários.
Daí que o nosso parecer vá no sentido da procedência do recurso e da fixação de honorários nos termos do ponto 6.6 da Tabela aprovada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 59/2013, afigurando-se que, atentos os critérios a atender, nos termos do artigo 29.º do DL 41/94/M, o respectivo montante não deverá ser inferior a MOP $25.000.00.”
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provados a seguinte factualidade:
Em 12 de Janeiro de 2011, o 1º Autor, A, nasceu em Macau (facto provado A)).
O 1º Autor, A, é filho do 2º Autor, B, e de F (facto provado B)).
O Centro Hospitalar Conde de S. Januário só disponibiliza o serviço de parto e as consultas de pré-natal são realizadas nos Centros de Saúde (facto provado C)).
Na manhã do dia 10 de Janeiro de 2011, a 1ª Ré, C, era a médica de turno da Urgência Obstétrica e Ginecológica do CHCSJ (facto provado D)).
À luz do ofício da 4ª Ré, Serviços de Saúde, datado de 22 de Fevereiro de 2013, conforme o relatório de investigação, verificou-se a demora irregular cometida pela aludida médica na realização do tratamento de parto destinado a F, portanto, a 4ª Ré irá apresentar denúncia ao Ministério Público (vide fls. 25 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (facto provado E)).
Para apurar a existência ou não da irregularidade nos procedimentos e regime de trabalho do tratamento médico aplicado a F durante o parto realizado no CHCSJ, a 4ª Ré instaurou o processo de averiguações n.º PA-02/2012 e elaborou o respectivo relatório (vide fls. 40 a 48 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido) (facto provado F)).
Em 28 de Dezembro de 2010, data em que se realizou a consulta, F regressou a casa para descansar segundo as orientações dadas pela 3ª Ré, E (facto provado G)).
F ficou grávida após 28.03.2010 (resposta ao quesito 1)).
Durante a gravidez e antes de vir a Macau, F esperava no Interior da China, onde fazia exames pré-parto (resposta ao quesito 2)).
F veio para Macau para aqui dar à luz o filho ora 1º Autor (resposta ao quesito 3)).
Em 15 de Dezembro de 2010, F deslocou-se ao Hospital Kiang Wu para efectuar exames pré-parto, na altura, estava com 37 semanas e 3 dias de gravidez (resposta ao quesito 5)).
O Dr. L e a Dra. P do Hospital Kiang Wu submeteram F a um serie de exames e ao exame de ultra-som (resposta ao quesito 6)).
De acordo com o respectivo relatório do exame de ultra-som, o índice de líquido amniótico (ILA) foi de 5,73 cm e o resultado de Non Stress Test (NST) foi de 10 (resposta ao quesito 7)).
Em 22 de Dezembro de 2010, F voltou a fazer exames pré-parto e exame de ultra-som no Hospital Kiang Wu (resposta ao quesito 8)).
A médica do Hospital Kiang Wu recomendou a F que ficasse em observação (resposta ao quesito 9)).
Em 28 de Dezembro de 2010, F, acompanhada pela sua cunhada R, deslocou-se ao Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do CHCSJ, onde pretendeu realizar o parto por cesariana, na altura, estava com 39 semanas de gravidez (resposta ao quesito 10)).
F foi, então, submetida ao exame da cardiotocografia por enfermeira do CHCSJ e posteriormente foi diagnosticada pela 3ª Ré E (resposta ao quesito 11)).
F disse à 3ª Ré que tinha feito o exame de ultra-som no Hospital Kiang Wu, conforme o respectivo relatório, o volume do líquido amniótico era relativamente baixo, perguntando-lhe que deveria ou não antecipar o parto por cesariana (resposta ao quesito 12)).
Depois de ter lido o respectivo relatório dos exames pré-parto e de ter submetido F ao exame de ultra-som e ao de cardiotocografia, a 3ª Ré entendeu que estava tudo bem com o feto e que não foi necessário antecipar o parto, avisando-a que voltaria a ter consulta quando tivesse indícios de parto (resposta ao quesito 13)).
Conforme os supraditos exames, não havia contracções uterinas, a frequência cardíaca do feto era entre 130 e 160 (resposta ao quesito 14)).
Naquela altura, F “não tinha lesão”, mesmo assim, a 3ª Ré também a submeteu a exames ginecológicos (resposta ao quesito 15)).
Não tinha sangramento vaginal, não tinha dor abdominal, bom movimento do feto (resposta ao quesito 16)).
O índice de líquido amniótico era de 10,1 cm (resposta ao quesito 17)).
Naquela altura não havia quaisquer indícios que mostrassem necessário submeter F à interrupção da gravidez ou à cesariana (resposta ao quesito 18)).
O índice de líquido amniótico relativamente baixo não significa que o dito índice já se encontra abaixo do nível normal (resposta ao quesito 19)).
De acordo com o extensamente aplicável índice de Phelan, é considerado oligodramnia acentuada quando o índice de líquido amniótico é inferior a 5 cm, e oligodramnia moderada quando o índice de líquido amniótico se encontra entre 5 cm e 8 cm; uma variação normal de índice de líquido amniótico é entre 5 cm e 25 cm (resposta ao quesito 20)).
Em 28 de Dezembro de 2010, o índice de líquido amniótico de F encontrava-se dentro da normalidade (resposta ao quesito 21)).
A cesariana pode trazer à grávida efeitos secundários e complicações, os médicos, em geral, vão decidir submeter ou não a grávida à cesariana com base na existência ou não dos indícios da necessidade da intervenção cirúrgica (resposta ao quesito 22)).
Na manhã de 10 de Janeiro de 2011, F descobriu que tinha sangramento vaginal, acompanhado pela dor abdominal, portanto, na companhia de R, deslocou-se à Urgência Obstétrica e Ginecológica do CHCSJ, estava então com 40 semanas e 5 dias de gravidez (resposta ao quesito 23)).
A 1ª Ré também consultou a história clínica no CHCSJ de F de 28 de Dezembro de 2010 (resposta ao quesito 23-A)).
A 1ª Ré submeteu F ao exame de cardiotocografia e examinou o canal de nascimento dela, dizendo-lhe que o feto não apresentava quaisquer anomalias e mandando-a descansar em casa e voltar a ter consulta dois dias depois (resposta ao quesito 24)).
F disse à 1ª Ré que quando estava com 37 semanas de gravidez, deslocou-se ao Hospital Kiang Wu para fazer ecografia e exames pré-parto, e os médicos deste hospital entenderam que o volume do líquido amniótico dela era relativamente baixo, aconselhando-lhe assim a antecipação do parto (resposta ao quesito 25)).
F também disse à 1ª Ré O seguinte: “Já passaram cinco dias da data provável do parto, submeta-me simples e directamente à cesariana” (resposta ao quesito 26)).
A 1ª Ré disse a F o seguinte: “Sou médica especialista, só se recorre à cesariana na urgência, porque este tipo de cirurgia também tem riscos” (resposta ao quesito 27)).
F voltou para casa (resposta ao quesito 28)).
F não tinha outras más disposições, nomeadamente não tinha dor abdominal e não tinha contracções uterinas (resposta ao quesito 29)).
Cumprindo as instruções procedimentais do CHCSJ face às diferentes situações duma grávida ter atingido 40 semanas de gravidez, a 1ª Ré submeteu F à cardiotocográfia (que incluem o monitoramento electrónico da frequência cardíaca fetal e o das contracções uterinas da grávida) e a exames ginecológicos (resposta ao quesito 30)).
Quanto aos itens de avaliação da cardiotocografia, este mede as variações da frequência cardíaca do feto e das contracções uterinas da grávida, sendo o meio mais fácil e preciso para adquirir a frequência cardíaca e as contracções uterinas relativamente detalhadas hoje em dia (resposta ao quesito 31)).
O resultado do presente monitoramento electrónico da frequência cardíaca fetal de F mostrou que, num intervalo de 40 minutos, a frequência cardíaca do feto tinha várias acelerações, entre 130 a 160 bpm (resposta ao quesito 32)).
O supra referido resultado mostrou que era normal a frequência cardíaca fetal e que o feto se encontrava em bom estado (resposta ao quesito 33)).
Segundo o resultado do presente monitoramento electrónico das contracções uterinas da grávida, F não tinha contracções uterinas evidentes e regulares, pelo que, não sugeriu que houvesse indícios de parto (resposta ao quesito 34)).
Quanto às características dos indícios de parto, os sinais que marcam o seu início são contracções uterinas regulares e progressivamente mais fortes, acompanhadas por dilatação gradual do colo do útero e descida da posição fetal (resposta ao quesito 35)).
Do exame ginecológico feito a F resultou a seguinte descrição: colo do útero fechado, posição da cabeça do feto normal, membrana intacta, sem ruptura (resposta ao quesito 36)).
De acordo com as orientações do CHCSJ, quando a grávida esteja com 40 semanas de gestação, cujo colo do útero está maturo, dilata até 3 cm, com 50% sops, induzam o parto imediatamente; caso o colo do útero se encontre fechado, a grávida só vai ser admitida no hospital quando estiver com 41 semanas de gestação (resposta ao quesito 37)).
Uma vez que a cesariana acarreta riscos, só se recorre a este meio nas situações críticas, mais, como o fim do CHCSJ é o parto natural, os médicos só podem submeter a grávida à cesariana quando se verifiquem as situações discriminadas nas orientações (resposta ao quesito 38)).
O líquido amniótico apresenta sempre variações na gestação, sendo estas variações reacções fisiológicos normais, quando o feto ingere o líquido amniótico, o seu volume no abdómen da grávida diminui, quando o feto urina, o seu volume no abdómen da grávida aumenta (resposta ao quesito 39)).
O índice de líquido amniótico de 5,73 significa apenas que o volume do líquido amniótico naquela altura se encontrava relativamente baixo (resposta ao quesito 40)).
O “NST” reflecte a situação do feto no útero, o valor 10 é o valor máximo que indica não haver sofrimento fetal (resposta ao quesito 41)).
Em termos clínicos, o monitoramento electrónico da frequência cardíaca fetal pode mostrar simultaneamente que o feto se encontra ou não em privação de oxigénio e está ou não em sofrimento fetal (resposta ao quesito 42)).
Em 10 de Janeiro de 2011, segundo o resultado do monitoramento electrónico da frequência cardíaca fetal de F desse dia, os movimentos, a frequência cardíaca e as reacções do feto eram normais, pelo que, estava boa a situação do feto e não havia privação de oxigénio (resposta ao quesito 43)).
Se naquela altura o feto de F tivesse apresentado qualquer situação de risco, que necessitasse de submeter F à intervenção cirúrgica ou à indução do parto, era impossível F ter conseguido aguentar dois dias para ter indícios de parto e o feto ter nascido vivo (resposta ao quesito 44)).
Na noite de 11 de Janeiro de 2011, pelas 23h00 e meia-noite, F tinha ligeiras contracções uterinas e dores, pela meia-noite de 12 de Janeiro de 2011, na companhia do 2º Autor deslocou-se à Urgência Obstétrica e Ginecológica do CHCSJ para recorrer à assistência médica (resposta ao quesito 45)).
A enfermeira do Serviço de Obstetrícia e Ginecologia submeteu F imediatamente aos exames pré-parto regulares, pela 00h28 de 12 de Janeiro de 2011, a cardiotocográfia mostrou uma evidente desaceleração da frequência cardíaca fetal, assim, foi chamado imediatamente o 2º Réu D (resposta ao quesito 46)).
O 2º Réu D submeteu F à observação na sala de partos, requerendo os exames pré-operatórios (tais como exame vaginal, contagem sanguínea completa, teste da coagulação sanguínea), antes disso, a enfermeira já mediu a tensão arterial de F e a submeteu à inspiração do oxigénio (resposta ao quesito 47)).
Entre 00h45 e 02h15, a cardiotocográfia mostrou várias vezes desacelerações evidentes da frequência cardíaca do feto, a enfermeira chamou muitas vezes o 2º Réu, porém, este não determinou qualquer tratamento subsequente, mandando apenas aguardar o resultado do exame de sangue e continuar a observação (resposta ao quesito 48)).
Até às 02h30, a chefe das enfermeiras do turno O resolveu chamar a 3ª Ré, que se deslocou imediatamente à sala de partos, conhecendo a situação, a 3ª Ré resolveu submeter F imediatamente à cesariana, o 1º Autor, quando nasceu, apresentou fortes indícios da privação de oxigénio (resposta ao quesito 49)).
A cardiotocografia de F mostrou evidentes desacelerações da frequência cardíaca do feto, apresentando fortes indícios do sofrimento fetal, pelo qual, deveriam ter resolvido imediatamente a cesariana, interrompendo a gravidez, não sendo necessário aguardar o relatório laboratorial (resposta ao quesito 50)).
O 2º Réu só ordenou a colheita de sangue para análise e a observação na sala de partos, não mandou as enfermeiras fazer qualquer preparação pré-operatória (resposta ao quesito 51)).
Ao observar o paciente F, as enfermeiras repararam anomalias evidentes (resposta ao quesito 52)).
Em 12 de Janeiro de 2011, pelas 02h00, as enfermeiras notificaram o 2º Réu dos resultados dos testes laboratoriais, todavia, este não deu novas indicações (resposta ao quesito 53)).
Em 12 de Janeiro de 2011, pelas 02H35, a 3ª Ré resolveu imediatamente submeter F à cesariana depois de ter recebido a chamada da chefe das enfermeiras do turno O (resposta ao quesito 54)).
Caso fosse submetida à cesariana, a grávida teve de ser anestesiada, nas circunstâncias gerais, por meio de anestesia geral ou espinhal (resposta ao quesito 61)).
A demora de duas horas entre o momento em que a cardiotocografia registou a desaceleração da frequência cardíaca fetal e o momento em que se realizou a cesariana, causou o agravamento da privação do oxigénio do feto no útero (resposta ao quesito 65)).
Considerando o volume baixo do líquido amniótico de F e o resultado da cardiotocografia, a não realização da cesariana imediatamente constituiu um risco grave para a saúde do feto à nascença (resposta ao quesito 67)).
O 1º Autor nasceu com paralisia cerebral em consequência da privação de oxigénio durante o parto (resposta ao quesito 67-A)).
O 1º Autor estava em coma depois de ter nascido e só acordou sete dias depois, ficando internado no CHCSJ, onde teve alta após cerca de 20 dias (resposta ao quesito 68)).
Alguns meses depois de ter voltado para casa, reparou-se que o 1º Autor tinha pouco movimento, não ria, nem transmitia som, pelo que o 2º Autor suspeitou que o 1º Autor tivesse problemas de saúde (resposta ao quesito 69)).
O 2º Autor e F levaram o 1º Autor aos hospitais de Macau e do Interior da China para receber assistência e tratamento médicos e foi-lhe diagnosticado paralisia cerebral em consequência da privação de oxigénio, do tipo tetraparésia espástica, com sintomas de epilepsia (resposta ao quesito 70)).
O 1º Autor perde total e permanentemente a mobilidade, a capacidade de aprendizagem, as capacidades linguísticas e a capacidade de trabalho (resposta ao quesito 72)).
Os sintomas do 1º Autor são incuráveis por toda a vida, tendo impacto no desenvolvimento e na vida inteira dele (resposta ao quesito 73)).
O 1º Autor sofre uma deficiência grave e permanente no cérebro, pelo que perde a devida capacidade de autocuidado e de raciocínio (resposta ao quesito 74)).
A mediana do rendimento mensal do emprego no ano 2012 da RAEM foi de MOP 11.300,00 (resposta ao quesito 75)).
Entre Março e Dezembro de 2011, o 1º Autor deslocou-se ao Hospital de Saúde Materna e Infantil de Zhuhai da Província de Guangdong da China (Zhuhai Maternity and Child Health Hospital), ao Hospital de Saúde Materna e Infantil de Quanzhou da Província de Fujian (QuanZhou Women's and Children's Hospital) e ao Hospital Geral das Forças Navais PLA China (China PLA Navy General Hospital) para receber tratamento, pagando um valor total de RMB 84.881,42, equivalente a MOP109.800,00, à taxa de câmbio de RMB 1.2936 : MOP1 (resposta ao quesito 76)).
Ao longo da vida o 1º Autor necessitará sempre de receber terapias adequadas ao seu estado (resposta ao quesito 77)).
O 1º Autor necessitará de terapias ao longo de toda a vida (resposta ao quesito 78)).
O 2º Autor e F necessitam de trabalhar, pelo que pretendem contratar empregado doméstico para tomar conta e vigiar o 1º Autor (resposta ao quesito 79)).
O 1º Autor apresenta sintomas de hipertonia em todos os músculos e sintomas de ancilose, não consegue levantar a cabeça e, em virtude da tetraplegia, não consegue movimentar (resposta ao quesito 80)).
O 1º Autor tem de fazer estiramento, massagem e fisioterapia desportiva todos os dias (resposta ao quesito 81)).
O 1º Autor tem incoordenação nos movimentos da deglutição, assim, só pode ter dieta líquida todos os dias (resposta ao quesito 82)).
Os músculos do 1º Autor já começam a sofrer atrofia por falta do exercício físico, as fezes dele são sempre secas e duras por causa da má ingestão, mais, os amolecedores das fezes não são eficazes, mesmo que tome todos os dias, têm de lhe aplicar lubrificante no ânus sempre no processo de evacuação, senão, iria causar-lhe rasgo, fissura e sangramento (resposta ao quesito 85)).
O 1º Autor tem de tomar medicamentos todos os dias, os membros dele ficam esticados e rígidos de forma súbita e o rosto torna-se roxo (resposta ao quesito 86)).
O 1º Autor tem de tomar relaxante muscular esquelético todos os dias para evitar a fractura óssea provocada pela tensão muscular elevada (resposta ao quesito 87)).
A capacidade de entendimento e aprendizagem do 1º Autor é praticamente nula (resposta ao quesito 88)).
O sofrimento do Autor se manterá por toda a vida (resposta ao quesito 90)).
O 1º Autor não pode ir à escola e receber educação regular como outras crianças durante toda a vida, também não é capaz de conversar, ouvir e conviver com amigos, colegas e a família (resposta ao quesito 91)).
O 1º Autor não pode recordar como crianças normais uma feliz memória da infância, nem goza a alegria de uma vida familiar (resposta ao quesito 92)).
A esperança média de vida em Macau é de 79.3 anos (resposta ao quesito 93)).
O 1º Autor não pode namorar, trabalhar nem ter a própria família quando for maior, não podendo assim passar uma vida feliz (resposta ao quesito 94)).
A situação do 1º Autor é motivo de preocupação para o 2º Autor afectando-lhe a capacidade de concentração e perturbando-lhe o descanso (resposta ao quesito 96)).
O 2º Autor fica sempre aflito, preocupa-se com que não seja capaz de tomar conta do 1º Autor, que está a crescer (resposta ao quesito 101)).
Existem várias causas para a asfixia dos recém-nascidos e a ocorrência da encefalopatia hipóxico-isquêmica (paralisia cerebral), as mais comuns incluem razões ligadas à própria pessoa do feto, hipóxia intra-uterina crónica, infecções intra-uterinas e entre outras; além disso, também é muito importante ser ou não tempestivas, eficazes e adequadas as providências de socorro depois do nascimento, tais como intubação endotraqueal, restauração da circulação, utilização de medicamentos e entre outras (resposta ao quesito 103)).
Hoje se sabe que muitos dos casos de paralisia cerebral ocorrem antes do início do trabalho de parto e apenas uma parte reduzida dos casos de paralisia cerebral pode ser atribuído exclusivamente a eventos durante o parto (resposta ao quesito 106)).
Conforme os registos informáticos do Centro de Saúde da Areia Preta, em 21 de Setembro de 2010, F deslocou-se ao dito Centro de Saúde para ter uma consulta de educação materna que o Centro realizou (resposta ao quesito 109)).
E marcou uma data para fazer os exames pré-parto, todavia, na data marcada, ou seja, em 29 de Outubro de 2010, F não compareceu (resposta ao quesito 110)).
Desde que o feto esteja bem, a recomendação médica da 4ª R. e dos médicos que trabalham ao seu serviço é que a grávida aguarde até às 41 semanas, para dar hipótese de entrar espontaneamente em trabalho de parto (resposta ao quesito 111)).
O que se torna ainda mais importante quando a mulher grávida já foi sujeita a uma cesariana em momento anterior, como é o caso (resposta ao quesito 112)).
As variações do volume de líquido amniótico tornam-se mais evidentes quanto mais próximo do final do termo se encontrar a gestação (resposta ao quesito 113)).
No final da gestação o feto ingere líquido amniótico e urina (resposta ao quesito 114)).
A partir de determinado momento da gestação o volume do líquido amniótico começa a diminuir até ao termo da gestação (resposta ao quesito 115)).
As anomalias no líquido amniótico - seja no sentido da sua diminuição (oligo-hidrâmnios), seja no sentido do seu excesso (poli-hidrâmnios), podem ficar a dever-se a variados factores (resposta ao quesito 116)).
Existem vários critérios para a medição do volume do líquido amniótico e várias formas/ técnicas para os interpretar (resposta ao quesito 118)).
No que respeita ao terceiro trimestre de gravidez, poderá considerar-se como normal um índice de líquido amniótico (AFI) entre 10 e 20, com a linha de fronteira (“borderline”) para oligo-hidrâmnios, entre 5 e 10 e, inversamente, entre 20 e 24 para excesso de líquido (resposta ao quesito 119)).
Um AFI entre 5.1 e 24.0 deverá ser considerado entre os padrões normais; um AFl entre 0 e 5 corresponderá a uma situação de oligo-hidrâmnios e um AFl superior a 24 resultará em poli-hidrâmnios (resposta ao quesito 120)).
Um resultado de AFI 5.73 no exame alegadamente realizado no dia 15/12/2010 se encontra dentro dos padrões normais, ainda que na linha de fronteira (resposta ao quesito 121)).
Teoricamente a paralisia cerebral também poderá resultar de factores que afectam o feto dentro do útero da mãe (resposta ao quesito 124)).
A interrupção do fornecimento de oxigénio durante o parto pode causar paralisia cerebral (resposta ao quesito 125)).
Em teoria assim pode acontecer (resposta aos quesitos 128), 129), 130), 131), 135), 136) e 137)).
As condições de saúde da mãe antes e durante a gravidez são essenciais para a saúde do feto (resposta ao quesito 139)).
Se a mãe sofrer de problemas de tiróide ou epilepsia o feto poderá vir a padecer de paralisia cerebral (resposta ao quesito 140)).
A exposição da grávida a determinadas toxinas, nomeadamente o metil-mercúrio, também pode aumentar o risco de mal formações congénitas (resposta ao quesito 141)).
Em teoria assim pode acontecer (resposta ao quesito 146)).
A vacinação contra doenças como a varicela ou a rubéola, ou até mesmo contra a gripe, tem por escopo evitar uma infecção que poderá provocar lesões no cérebro do feto (resposta ao quesito 147)).
O acompanhamento pré-natal, precoce e continuado, com visitas regulares ao médico é uma forma de reduzir os riscos para a saúde da mãe e do bebé (resposta ao quesito 148)).
O acompanhamento pré-natal realizado nos Serviços de Saúde inclui a realização de uma série de exames que são indispensáveis, não só para avaliar a saúde da mãe, como também para apreciar o desenvolvimento do feto, cujas implicações são incontáveis, e cujos resultados poderão ditar diferentes abordagens ao longo da gravidez (resposta ao quesito 150)).
Consoante os casos algumas dessas informações podem ser importantes (resposta ao quesito 151)).
Num acompanhamento pré-natal feito nos Serviços de Saúde são feitos exames de sangue (resposta ao quesito 152)).
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III – O Direito
A - Do Recurso interlocutório interposto pelos SSM
Foram 3 os recursos interpostos. Um, pelos SSM, contra o despacho que indeferiu o pedido de intervenção principal provocada da mãe do 1º A; Outro, contra a sentença condenatória, pelo 2º R; O terceiro, pelo advogado dos AA, contra a parte em que na sentença lhe foram atribuídos somente honorários no valor de MOP$ 3.000,00.
Pois bem. De acordo com o disposto no art. 628º, nº2, do CPC, o conhecimento do recurso interlocutório, quando não incide sobre o mérito da causa, só deve ser apreciado se a sentença não for confirmada. Trata-se de uma disposição compreensível sempre que o recurso é interposto pela parte que acaba por sair vitoriosa do litígio na sentença, e da qual vem a ser interposto recurso pela parte nela vencida.
Ora, no presente caso, tal recurso foi interposto pelos SSM, que vieram a ser condenados a final. Sendo assim, tudo inculcaria que tal recurso devesse ser objecto de apreciação.
Todavia, há que apurar a utilidade em concreto desse recurso em sede de exame e influência na decisão final, circunstância que constitui fundamento para a necessidade do seu conhecimento (art. 628º, nº2, do CPC).
Pois bem. O que os SSM pretendiam era que fosse chamada aos autos a mãe do 1ª Autor e que este não fosse apenas representado pelo seu pai, o 2º A (cfr. contestação de fls. 183 e sgs.).
Ora, a questão da representação fora suscitada oficiosamente (cfr. art. 56º, do CPC) pelo juiz titular do processo pelo despacho de fls. 52, tendo sido em consequência deste despacho que a mãe do menor foi notificada nos termos e para os efeitos do art. 55º, nº2 do CPC com vista à ratificação dos actos praticados. E face ao silêncio desta, o tribunal deu por ratificado o processado anterior pelo despacho de fls. 55. E com essa ratificação tácita, o processo prosseguiu “como se o vício não existisse” (nº2, do art. 55º).
Portanto, a questão da representação ficou sanada desse jeito.
De qualquer modo, somos a dizer que a presença ou ausência dessa pessoa nos autos não tem, nem teve, qualquer influência no exame e decisão da causa, não interferindo, nomeadamente, na possibilidade de condenação ou absolvição do recorrente SSM (de cuja sentença, aliás, nem sequer recorreu). Nem sequer se divisa que o eventual provimento deste recurso tenha algum interesse para o recorrente SSM.
Significa isto, portanto, que, nos termos do art. 628º, nº2, do CPC, não se conhecerá desse recurso.
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B - Do Recurso da Sentença interposto pelo 2º Réu, D
Da Matéria de facto
1. Está em causa matéria que foi dada como provada e que, segundo o recorrente, não o deveria ter sido (arts. 50º, 52º, 65º e 67ºA), e outra que foi dada como não provada, ou parcialmente provada, e que, segundo o recorrente, deveria ter sido respondida de forma diferente (arts. 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 62º, 63º, 64º, 104º, 104º, 105º, 107º, 108º, 126º, 145º e 146º).
Em primeiro lugar, acha que os quesitos 57º, 58º, 59º, 60º e 108º deveriam ser tidos como provados e não provados os quesitos 50º e 52º.
O recorrente sustenta a sua posição face ao teor do acervo documental (Guia de ACOG) e ao depoimento da médica Drª H, testemunha por si oferecida, médica ginecologista/obstetra, já aposentada, bem como do enfermeiro I.
Mas, a fundamentação do acórdão sobre a matéria de facto da 1ª instância não sofre de aparente ou visível lapso nem de incoerência. O acórdão retirou valor ao testemunho da médica, até por ele estar em contradição de outros testemunhos, nomeadamente o de J, também médica ginecologista e obstetra e igualmente indicada pelo 2º reu, ora recorrente. Estava em causa saber se, face às desacelerações dos batimentos cardíacos do feto, haveria ou não urgência em interromper a gravidez e proceder ao parto por cesariana.
Ora, mesmo que a situação daquela parturiente não se enquadrasse no tipo III, o que implicaria uma urgente intervenção, era pelo menos do tipo II, de acordo com o Guia ACOG, o que requeria uma avaliação e supervisão contínua, devendo considerar-se todas as circunstâncias clínicas associadas, tal como o ritmo e intensidade das desacelerações, a quantidade do liquido amniótico, a altura da gestação da parturiente, etc. Tudo isso foi dito por testemunhas credíveis, duas das quais (Dra. J e a Dra. M, ambas médicas no Centro Hospitalar Conde de S. Januário, no Serviço de Pediatria e no Serviço de Obstetrícia e Ginecologia, respectivamente), de acordo com a sua experiência e quanto às directrizes que seguem, afirmaram que, actualmente, já não se observam os critérios constantes do Guia de ACOG, pelo que são outros os factores que devem ser tidos em consideração para se proceder à realização da cesariana. Foi inclusive afirmado pela Drª J que, de acordo com a sua experiência e “intuição” médicas, após trinta minutos desde o início das desacelerações, mesmo perante oscilações favoráveis com momentos de recuperação (que não plena), deve proceder-se à realização da cesariana.
Não vemos como contrariar o juízo efectuado pelo T.A., face à fundamentação por ele utilizada. A própria testemunha que o recorrente também destaca (enfermeiro) acaba por reconhecer que nem a variação das desacelerações, nem mesmo m a mudança de posição da parturiente e o fornecimento de oxigénio a esta, foram capazes de eliminar a situação de anomalia e fazer regredir o quadro a uma situação de “normalidade”, que nunca chegou a acontecer.
Portanto, o T.A., perante um quadro de facto em matéria tão técnica e especializada, acabou por relevar o depoimento de outras testemunhas, em desfavor do daquela que o recorrente cita, por se lhe afigurar ser mais consentâneo com a situação do caso concreto. Não porque o tribunal estivesse dotado desse tipo de conhecimentos para decidir o diferendo factual, mas porque, à falta de uma perícia, lhe pareceu merecerem elas mais credibilidade do ponto de vista probatório. E, quanto a isso, não vê este TSI modo de rechaçar a posição do tribunal “a quo”, no quadro da imediação e da livre convicção que retirou do conjunto das provas obtidas.
Aliás, convém não esquecer que, em matéria de prova, o ónus cabe a quem alega o facto constitutivo do seu direito (art. 335º, nº1, do CC) e se o caso for de matéria exceptiva, a prova desta pertence a quem a excepção aproveita (art. 335º, nº2, CC), sendo que no caso de dúvida, ela resolve-se contra a parte onerada (art. 437º, do CPC).
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2. Insurge-se também contra o termo “demora” constante da resposta ao art. 65º da BI (“A demora de duas horas entre o momento em que a cardiotocografia registou a desaceleração da frequência cardíaca fetal e o momento em que se realizou a cesariana, causou o agravamento da privação do oxigénio do feto no útero”. Além disso, não aceita que haja um tempo certo para a realização da cirurgia.
Cremos, porém, que nada há de errado na resposta. Na verdade, dizer que houve uma demora de duas horas entre o momento em que a CTG registou a primeira desaceleração cardíaca e a realização da cesariana corresponde à mais pura das realidades. Ou seja, um intervalo entre dois acontecimentos demora mais ou menos tempo consoante eles se afastaram mais ou menos no tempo. Por conseguinte, a utilização do vocábulo é correcto e, em si mesmo, não tem implícito, necessariamente, nenhuma carga valorativa.
Mas, concluir que esse intervalo de tempo foi essencial ao agravamento da privação do oxigénio do feto no útero é que pode já não corresponder à verdade. Contudo, os dados nos autos (e já vimos o que algumas testemunhas disseram a este respeito) suportam a resposta, tal como foi dada. Ou seja, mesmo que não haja, como diz o recorrente, um tempo certo para a cirurgia, a verdade é que ela se impunha sem “demora”, face à natureza do caso.
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3. Quanto aos quesitos 55º, 56º e 107º, o recorrente acha que foram mal respondidos. E para tal, realça o testemunho dos médicos H e K, que acaba por transcrever.
Os dois primeiros quesitos têm que ver com a informação clínica da parturiente (exames porventura feitos durante a gravidez no Hospita Kiang Wu, etc.), que o recorrente pretendia obter e que, nem ela nem os seus familiares foram capazes de fornecer. O 3º quesito (107º) diz respeito ao nível de equipamentos informáticos de que o Hospital Conde de São Januário, alegadamente, não disporia em 12/01/2011 para permitir o visionamento da história clínica dos atendimentos efectuados pela parturiente nos Serviços de Urgência e também para apurar o nível de líquido amniótico no útero. Foram dados como não provados, mas o recorrente não se conforma.
Quanto aos dois primeiros, o T.A.fundamentou as respostas nos termos do acórdão citado (fls. 66-67 do aresto) em termos que não nos merecem qualquer reparo acerca do valor atribuído ao depoimento da médica H. Quanto ao segundo deles, aliás, a resposta não pode deixar de se aceitar, na medida em que, mesmo na eventual falta de algum desses elementos, toda a prova relevante e maioritariamente aqui adquirida a partir dos médicos depoentes vai no sentido de que o quadro clínico detectado justificava uma actuação muito próxima, cuidada e pronta no sentido de uma cesariana não mais do que ao cabo de 30 minutos (como afirmou uma médica).
Em relação ao 107º o tribunal “a quo” disse não ter sido obtida prova que convencesse da respectiva veracidade.
Quanto a este quesito, porém, não concordamos com a resposta, face ao teor do depoimento de médicos ouvidos, tais como J ou K, sendo possível afirmar que o CHCSJ não dispunha naquela altura de registos em equipamento informático onde a história clínica desta parturiente pudesse ser registada e consultada, nomeadamente para análise do resultado das duas idas dela ao Serviço de Urgência hospitalar.
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4. Manifesta-se contra, também, contra a forma como foram respondidos os arts. 67º-A, 104º, 105º, 126º, 145º e 146º.
Quanto ao primeiro, esclarecemos que ele é o resultado do desdobramento em dois do primitivo 67º.
Neste (67º) perguntava-se se “Tendo em conta o volume do líquido amniótico de F, se não a submetessem à cesariana o mais rápido possível, o feto correria riscos e impactos graves da nascença e da saúde, pelo que o 1º Autor nasceu com paralisia cerebral em virtude da privação de oxigénio”.
Com o desdobramento, ficou redigido assim:
67º: Considerando o volume baixo do líquido amniótico de F e o resultado da cardiotocografia, a não realização da cesariana imediatamente constituiu um risco grave para a saúde à nascença?
67º-A: O 1º Autor nasceu com paralisia cerebral em consequência da privação de oxigénio durante o parto?
Estes dois quesitos foram dados como provados.
Ora, o recorrente chama a atenção para o facto de haver várias causas possíveis para a paralisia cerebral, tal como de resto está dado como provado o artigo 103º da BI. E nos autos, segundo diz, não há causa objectiva que demonstre a causa da paralisia sofrida pelo 1º Autor.
Ora bem. Apesar da temerária, dispensável e supérflua a alusão efectuada na sentença a fls. 33 acerca da incerteza da possibilidade de, com uma cesariana mais cedo, se evitar a paralisia cerebral do 1º A., certo é que a sentença partiu da consideração de que o médico recorrente esteve na origem e causa da situação de paralisia que se veio a verificar, face à resposta ao art. 65º, 67º e 67º-A.
E quanto às respostas a estes quesitos, não se nos afigura haver ligeireza ou desatenção em relação a toda a prova, face ao depoimento dos médicos J e M, bem como N e da enfermeira O. Todos são unânimes em afirmar que, face à não recuperação da normalidade dos batimentos cardíacos e, portanto, tendo em conta a duração da desaceleração cardíaca do feto, haveria que efectuar imediatamente a cesariana, porque o feto estava em sofrimento e com risco de saúde futura (como veio a acontecer), o que o recorrente não fez ao cabo de duas horas, não obstante estar nessa altura já a par dos resultados do exame ao sangue pedido.
Não cremos, portanto, que haja algum erro na resposta ao art. 67º-A, em nada contribuindo para resposta contrária a esse quesito a forma como o 104º e 105º veio a ser dado como não provado. Aliás, estas respostas negativas a estes dois artigos da BI também não merecem reparo. De resto, se a intenção do recorrente é desviar a atenção para uma possível hipóxia crónica do próprio feto ou por razões desconhecidas (que não seria equivalente à hipoxia aqui imputada à sua actuação displicente e grave) isso não é procedente, visto que a hipoxia crónica deveria ter sido detectada nos exames anteriores e isso nunca aconteceu. Quer dizer, esta hipoxia ficou a dever-se à não imediata realização da cesariana, decisão que o ora recorrente não tomou, sendo preciso, já em ultima ratio e como solução de recurso ser tomada a decisão por uma médica de 2ª linha do hospital (são de 1ª linha os que estão a fazer o acompanhamento do doente).
Tudo o que o recorrente aduz a respeito desses artigos da BI, bem como do art. 126º, não é suficiente para afastar o nexo de causalidade que foi demonstrado na já aludida resposta aos arts. 65º, 67º e 67ºA. Tal como, da mesma maneira, a resposta ao art. 145º, mesmo que fosse provado, como é desejo do recorrente, era capaz de afastar a prova feita. É que uma coisa é a possibilidade abstracta de um evento, outra a causa concreta apurada para esse evento danoso. Por isso a forma como o próprio art. 146º (“muitas vezes não é possível saber o que deu origem à paralisia cerebral”) foi respondido (“Provado que em teoria assim pode acontecer”) é inócuo para o resultado defendido pelo recorrente.
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5. Quanto aos arts. 62º, 63º e 64º da BI 1, o que o recorrente pretende é que eles deveriam ser dados como provados na íntegra. O tribunal “a quo” deu-os como não provados, face à circunstância de apenas ter sido apresentada a testemunha H, ginecologista, indicada pelo recorrente.
Ou seja, por não ter relevado particularmente o depoimento daquela medica, o tribunal “a quo” ficou sem chance de ultrapassar a dúvida acerca destes factos, dado o carácter técnico e científico que encerram em matéria que o tribunal não domina, obviamente.
Ora, não apenas porque apenas uma testemunha depôs sobre o facto do quesito 62º, mas ainda porque a própria interessada, mãe do 1º autor, apesar de ter sido indicada a esse facto, acabou por não depor sobre ele (o que constatámos após se ouvir a gravação do seu depoimento), não está em condições de ultrapassar a dúvida que o T.A. manifestou a esse respeito.
Quanto aos outros dois, não sendo a respectiva matéria do conhecimento notório e geral, por demasiado técnica, e não havendo suporte testemunhal que sustente os factos respectivos, aceita este TSI a forma como o T.A. respondeu sobre o assunto.
Não está este TSI em melhor condição para ultrapassar essa dúvida, por não ser sequer matéria de factualidade notória.
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6. De tudo ressuma o seguinte, tal como este TSI teve já oportunidade de afirmar:
“Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso numa nova instância de prova.
É por isso, de resto, que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.” (Ac. do TSI, de 1/11/2017, Proc. nº 145/2017).
Pelo exposto, o recurso quanto à matéria de facto, exceptuando a questão relativa aos arts. 62º e 107º da BI, é de improceder.
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Da bondade jurídica da sentença
1. Pressupostos da responsabilidade civil
No recurso o recorrente pugna pela inexistência da não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, destacando a ausência da ilicitude do seu comportamento, por não ter violado os seus deveres funcionais, e da culpa, considerando a inexistência de negligência grave. Apenas admite, no máximo, uma culpa leve e comum. Manifesta-se, por outro lado, contra os valores indemnizatórios, que considera manifestamente excessivos.
Vejamos.
Não nos parece que tenha razão, quanto à inexistência dos alegados pressupostos (facto ilícito e culpa).
Na verdade, é ilícito, para efeito da efectivação da responsabilidade civil extracontratual (cfr. DL nº 28/91/M, de 22/04), o facto que viole o direito de outrem ou uma disposição legal destinada a proteger os seus interesses (art. 7º, nº1, cit. dip.). Ilícito é ainda o acto jurídico que viole normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração (art. 7º, nº2, cit. dip.).
Ora, perante este enquadramento, não se crê que outra conclusão seja possível retirar da actuação do médico aqui recorrente. Como é evidente, nem toda a sua actuação foi marcada pela ilicitude. Efectivamente, ele terá revelado alguma preocupação ao submeter a mãe do 1º autor à sala de partos, requerendo alguns exames pré-operatórios, como por exemplo, o exame de sangue para análise da capacidade de coagulação (resposta ao art. 47º da BI). A questão está em que, tendo sido verificadas desacelerações na frequência cardíaca do feto, o que foi constatado pela enfermeira de serviço, e tendo esta dado conhecimento do facto ao recorrente, este nada determinou e mandou que se aguardasse o resultado do exame sanguíneo sem qualquer procedimento adicional ou preventivo (resposta ao art. 48º, da BI). Perante a situação grave que se apresentava, ao cabo de duas horas, a enfermeira chamou a médica de 2ª linha (3ª ré), que, em face do quadro que se lhe deparava, imediatamente resolveu submeter, ela própria, a parturiente a uma cirurgia de cesariana (resposta ao art. 49º da BI). E isto, porque as desacelerações mostravam evidentes indícios de sofrimento fetal, não sendo necessário esperar pelo relatório laboratorial ao sangue para realizar a cesariana (resposta ao art. 50º da BI).
Por outro lado, o recorrente não mandou fazer preparação pré-operatória (resposta ao art. 51º). E entre o momento do registo da desaceleração à cesariana decorreram cerca de 2 horas, o que causou o agravamento da situação de falta de oxigenação do feto no útero (resposta ao art. 65º), sendo certo ainda que a não realização da cesariana imediatamente constituiu um risco grave para a saúde do feto à nascença (resposta ao art. 67º).
Portanto, estamos perante uma actuação censurável e fortemente negligente do recorrente, ao não ter procedido com a urgência que se impunha pela realização da cesariana, nem mesmo perante as insistentes chamadas ao recorrente, feitas pela enfermeira perante o resultado da cardiotocografia, que continuava a revelar desacelerações evidentes do batimento cardíaco do feto. Isto significa uma atitude desprezível pela vida de um nascituro indefeso e que carecia de uma intervenção externa humana rápida. Não ter esta sido realizada, levou a um resultado dramático, que já nem a médica 3ª ré foi capaz de evitar. Lamentavelmente, diremos.
Esta actuação do médico recorrente, quanto a nós, representa, pela sua demora e pela inconsideração pela vida do bebé, um atropelo grave às regras de bem agir, à “legis artis”, uma violação do direito deste nascituro, além de atentar contra as normas regulamentares e os princípios de celeridade, prontidão adequados e próprios a esta situação, tal como testemunhos médicos vários tiveram ocasião de afirmar em tribunal no âmbito do presente processo.
Ou seja, não só é ilícito este comportamento médico, como é revelador de uma culpa que excede a diligência que um bom pai de família deveria manifestar ante as circunstâncias do caso (art. 480º, nº2, do CC “ex vi” art. 4º do DL nº 28/91/M). Além disso, revela diligência e zelo manifestamente inferiores aos que, em razão do cargo de médico que exercia em concreto (em pleno serviço de urgência hospitalar), no momento se impunham.
Sendo assim, não cremos que a sentença, quanto a este aspecto, tenha feito errado enquadramento da verificação dos aludidos pressupostos da responsabilidade.
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2. Da indemnização
O recorrente advoga que o valor de MOP$ 1.800.000,00, arbitrado a título de danos não patrimoniais ao 1º Autor, deve ser reduzido, tal como o valor arbitrado pela incapacidade total para o trabalho, no valor de MOP$ 1.754.774,17.
Como é sabido, os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 489º, nº1, do CC), sendo o respectivo “quantum” indemnizatório fixado pelo recurso à equidade (art. 489º, nº3, do CC).
A indemnização visa proporcionar “ uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Quando o cálculo da indemnização haja assentado (decisivamente) em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal “ad quem” a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto” (Ac. do TSI, de 4/04/2018, Proc. nº 53/2018).
Ora, atendendo à paralisia cerebral de que esta infeliz criança padece, com todo o imenso rol de deficiências que a acompanham, conforme a prova feita (perda total e permanente de mobilidade, de capacidade de aprendizagem, de expressão linguística verbal, de trabalho, etc.), face ainda à necessidade de acompanhamento por terceiros e de terapias ao longo da vida (e tudo o resto que está provado e que até custa reproduzir aqui), cremos que o estado “vegetativo” deste ser humano não merece ser compensado em quantia pecuniária menor do que aquela que foi arbitrada pela 1ª instância.
Quanto à outra parcela indemnizatória, somos a concordar com o MP, segundo o qual, o recorrente, em rigor, “… não aponta qualquer vício ou erro, sendo certo que a Mm.º juiz explicou a fórmula de cálculo a que recorreu, aí incluída a correcção devida pela circunstância de a indemnização substanciar uma obrigação de prestação instantânea, o que se mostra compatível com as fórmulas de que geralmente a jurisprudência lança mão para calcular o capital necessário a obter o rendimento frustrado devido a incapacidade para o trabalho”.
É, pois, de improceder o recurso também nesta parte.
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C - Do Recurso interposto pelo patrono oficioso, G, sobre os honorários fixados
A sentença fixou ao patrono oficiosamente nomeado aos autores, nos termos dos arts. 40º da Lei nº 13/2012, 29º do DL nº 41/94/M e tabela anexa à Portaria nº 265/96/M, os honorários no valor de MOP$ 3.000,00.
O douto advogado defende que, tendo a Portaria nº 265/96 sido revogada pelo despacho do Chefe do Executivo nº 59/2013 e a nova Tabela das Custas entrado em vigor em 3/04/2013 com efeitos retroagidos a 1 de Abril de 2013, a tabela de honorários anterior não poderia ser aplicada ao caso presente, mas sim a tabela provada pelo Despacho do Chefe do Executivo nº 59/2013.
Em sua opinião, quando o artigo 40º da Lei nº 13/2012 manda aplicar o “regime anterior”, não está a abranger a tabela de honorários.
Vejamos.
Já o anterior diploma em matéria de apoio judiciário (DL nº 41/94/M) estabelecia que o “presente diploma não é aplicável aos processos de assistência judiciária pendentes à data da sua entrada em vigor”. E a nova Lei sobre o apoio judiciário (Lei nº 13/2012), em sentido semelhante, estabelece que “Aos processos pendentes de apoio judiciário apresentados antes da entrada em vigor da presente lei, é aplicável o regime anterior” (destaque nosso).
Decorre destas duas normas que, cada um dos respectivos regimes em que elas se inserem só se aplica para futuro, deixando intactos os regimes pretéritos se tiver sido ao abrigo deles que os pedidos foram formulados (formulados e ainda pendentes de decisão, como é fácil de entender). Mas, como é evidente, se isto é assim nos casos em que a decisão sobre a concessão de apoio ainda não tiver sido tomada, por maioria de razão se terá que concluir que o novo regime não se aplicará se a pretensão sobre o apoio já tiver sido decidida pelo regime anterior.
A questão consiste, então, em saber o que deve considerar-se o “regime anterior” a que se refere o art. 40º da Lei nº 13/2012.
Quanto a nós, quando ali se fala em “regime anterior” é a todo o regime que se refere, e não apenas ao regime substantivo decorrente dos diplomas que regulam o acesso ao apoio judiciário. Aliás, até mesmo esses diplomas costumam apresentar um preceito (29º, do DL nº 41/94/M e 34º, da Lei nº 13/2012) que, no que aos honorários concerne, remete para a tabela a aprovar por Despacho do Chefe do Executivo. E o Despacho nº 59/2013 preceitua, expressamente, que a tabela ali aprovada é aquela a que se refere o nº3 do art. 34º da Lei nº 13/2012. Ora, isto parece evidenciar que o regime do apoio, que inclui os honorários, é integral e unitário, sob pena de quebra da unidade normativa. A tabela dos seus montantes só está aprovada em “Despacho” por uma questão de regulamentação que não era mister incluir no articulado da Lei.
Tal não quer dizer, obviamente, que esta tabela fique definitivamente inalterada. Quer dizer, parte dela possa vir a ser modificada, como já aconteceu com a Tabela Anexa à Portaria nº 265/96/M, cujo ponto 5 (honorários em processo penal) sofreu a modificação que lhe foi introduzida pela Portaria nº 60/97/M, de 31/03. Contudo, é curioso notar que essa alteração, conforme o prescreve o seu art. 2º, só se aplicará aos processos instaurados a partir de 1/04/1997, data da entrada em vigor da portaria.
Portanto, a unidade do sistema reclama, quanto a nós, que os articulados normativos (Despachos e Portarias) que estabelecem e fixam os valores dos honorários aos patronos oficiosos, salvo quando outra coisa deles resultar em sentido diferente, só se aplicam “in futurum”.
Note-se, por exemplo, que o Despacho nº 59/2013, apesar de publicado em 2/04/2013, tem efeitos retroactivos reportados a 1/04/2013 (cfr. nº3), mas até isso se compreende, por ser, precisamente, o dia em que entrou em vigor a Lei nº 13/2012.
Ou seja, a tabela serve para fazer “companhia” ao diploma substantivo do regime do apoio e tudo (regime substantivo e tabela) somente se aplica aos processos submetidos ao âmbito temporal da Lei. É por isso que os honorários a fixar pela Comissão serão aqueles que forem estabelecidos pela tabela a aprovar pelo Chefe do Executivo (art. 34º, da Lei nº 13/2012), e que no caso é o Despacho nº 59/2013. É, portanto, este o regime integral da Lei nº 13/2012 em toda a sua dimensão, o qual ressalva os casos em que o pedido de apoio judiciário tiver dado entrada ao abrigo do regime anterior (cfr. art. 40º).
Sendo assim, no caso concreto, a tabela a aplicar só pode ser a que resulta da Portaria nº 265/96/M e não outra, tendo presente a única solução que os arts. 8º e 11º do Código Civil nos permitem extrair.
Pode esta conclusão parecer injusta, porque se reconhece que o patrono mereceria outros honorários se ao caso fosse aplicável a tabela nova aprovada pelo Despacho do CE nº 59/2013 - atendendo à complexidade da causa, ao dispêndio de tempo e grau de intervenção do patrono, ao esforço que ele colocou nos autos em prol da defesa da posição jurídica substantiva dos autores - mas não podemos afastar-nos do regime aplicável.
No entanto, 3 000 patacas é já o valor máximo permitido, nos termos do nº6 da tabela anexa acima referida.
Razão pela qual não podemos conceder provimento ao recurso.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Não se tomar conhecimento do recurso interlocutório interposto pelos SSM.
Sem custas.
*
2 - Alterar a resposta ao art. 107º da Base Instrutória, que passa a ter a seguinte redacção:
Provado que, naquela altura, o CHCSJ não dispunha de registos informáticos onde a história clínica desta parturiente pudesse ser registada e consultada, nomeadamente para análise do resultado das duas idas dela ao Serviço de Urgência hospitalar.
*
3 - Negar provimento ao recurso da sentença interposto pelo 2º Réu, D, mantendo e confirmando-a.
Custas pelo recorrente.
*
4 – Negar provimento ao recurso interposto pelo douto advogado oficioso quanto à fixação dos honorários.
Custas pelo recorrente.
T.S.I., 24 de Janeiro de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Art. 62º F disse que tinha comido antes de recorrer à assistência médica (entre 23hOO e meia noite) e estava com estômago cheio, neste caso, se fosse submetida à anestesia geral, a mesma correria mais risco?
Art. 63º No caso de anestesia geral, quando está cheio o estômago, se a coisa que esteja em digestão no estômago seja inalada na traqueia ou nos pulmões, a morbilidade pode ir até 70%?
Art. 64º Na altura ainda não havia os resultados dos exames de F, nomeadamente o resultado do teste da coagulação sanguínea, caso se atrevesse a submete-la à anestesia espinhal e se fosse anormal a coagulação sanguínea dela, seria possível F sofrer da paralisia em virtude do hematoma epidural, que podia acabar por lhe causar danos graves?
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