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Processo nº 1068/2018(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:

“Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 2, al. b) e 198°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, e no pagamento da quantia de MOP$176.000,00 e juros ao ofendido dos autos; (cfr., fls. 360 a 368-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido “excesso de pena”; (cfr., fls. 377 a 382).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 384 a 386).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 449 a 451).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e d) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 362 a 363-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material da prática de 1 crime de “roubo”, p. e p. pelo art. 204°, n.° 2, al. b) e 198°, n.° 2, al. a) do C.P.M., na pena de 5 anos de prisão, considerando que “excesso de pena”, devendo beneficiar de uma “atenuação especial da pena”.

Vejamos.

Ao crime de “roubo” pelo arguido cometido cabe a pena de 3 a 15 anos de prisão; (cfr., art. 204°, n.° 2 do C.P.M.).

Como sabido é, a “determinação da medida concreta da pena”, é tarefa que implica a ponderação de vários aspectos.

Desde logo, há que ter presente que nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018).

Prescreve também o art. 66° do C.P.M.:

“1. O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2. Para efeitos do disposto no número anterior são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta;
e) Ter o agente sido especialmente afectado pelas consequências do facto;
f) Ter o agente menos de 18 anos ao tempo do facto.
3. Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou em conjunto com outras, der lugar simultaneamente a uma atenuação especial da pena expressamente prevista na lei e à atenuação prevista neste artigo”.

Tratando desta “matéria” tem-se entendido que a figura da “atenuação especial da pena” surgiu em nome de valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade, como necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais, quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva, a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa.

Como repetidamente temos vindo a considerar, “A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, – e não para situações “normais”, “vulgares” ou “comuns”, para as quais lá estarão as molduras normais – ou seja, quando a conduta em causa se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 30.01.2018, Proc. n.° 344/2017-I, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 14.06.2018, Proc. n.° 397/2018).

Por sua vez, nos termos do art. 201° do C.P.M.:

“1. Quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou o agente reparar o prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.
2. Se a restituição ou reparação for parcial, a pena pode ser especialmente atenuada”.

E, como já tivemos oportunidade de ponderar, a ratio essendi do crime privilegiado a que a restituição e reparação dão lugar, funda-se numa “mitigação da culpa”, consubstanciando a norma um “incentivo à restituição”, premiando-a por via de uma iniciativa por parte do agente de sinal contrário à que o levou a delinquir, traduzindo este acto um menor grau de culpa pelo reconhecimento do “mal” praticado, o que não ocorre quando o mesmo vem a ser surpreendido pelos agentes de autoridade na posse dos objectos subtraídos, sendo estes em consequência apreendidos e restituídos ao seu dono; (neste sentido, cfr., v.g., Ac. do S.T.J. de 05.01.1994, C.J. II, tomo 1, pág. 183; de 07.05.1997, B.M.J. 467°-268, e da Rel. de Coimbra de 13.07.2016, Proc. n.° 1215/14, in “www.dgsi.pt”).

No caso, diz o arguido que devia beneficiar de uma “atenuação especial”, alegando ser “primário” e que houve “restituição (parcial) dos bens desviados”.

Todavia, ponderando na “factualidade provada” – notando-se que só esta releva – sem prejuízo do respeito por outro entendimento, (e tal como igualmente considerou o T.J.B.), não nos parece que possa haver lugar a uma “atenuação especial”, visto que não se vislumbra a “excepcionalidade” da situação nem tão pouco se mostra de dar por verificadas as circunstâncias que poderiam levar a tal (“atenuação”).

Em relação à “restituição dos bens”, esta foi apenas “parcial”, não chegando a 20% do prejuízo causado, insuficiente se apresentando assim para se accionar a pretendida atenuação especial.

Por sua vez, atenta a dita factualidade dada como provada – de onde se retira que o arguido agiu em conformidade com um plano traçado, em comparticipação, simulando um câmbio de moedas para atrair o ofendido, acabando por o dominar e amarrar, retirando-lhe HKD$200.000,00 – e ponderando, assim, em especial, na intensidade do dolo, (directo), e no grau de ilicitude, (elevado), constata-se que a “imagem global do facto” não se apresenta de forma (alguma) a permitir a também peticionada “redução” da pena, pois que na sua fixação, a 2 anos do mínimo legal, e a 10 anos do seu máximo, respeitou, integralmente, o Colectivo a quo todos os comandos legais que regulavam a matéria da determinação da medida da pena, a saber, os art°s 40° e 65° do C.P.M., tendo-se ponderado tudo o que se apresentava favorável ao arguido ora recorrente, aliás, como sucedeu com a sua primo-delinquência e parcial reparação do prejuízo, notando-se, que muito fortes são, no caso, as necessidades de prevenção criminal.

Importa, outrossim atentar, (como decidiu o Tribunal da Relação de Évora), que:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

Nesta conformidade, e tudo visto, resta decidir como segue.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 453 a 459 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Oportunamente, veio o recorrente reclamar do decidido, alegando que o seu recurso não devia ser considerado manifestamente improcedente, (e rejeitado), insistindo também no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 471 a 472).

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Sobre este expediente, assim opinou o Exmo. Representante do Ministério Público:

“O recorrente A reclama para a conferência da decisão sumária de 9 de Janeiro de 2019, que rejeitou o seu recurso por manifesta improcedência.
Tinha sido condenado, em primeira instância, na pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de roubo punível com pena de prisão de 3 a 15 anos.
Continua a clamar contra a pena aplicada em primeira instância e mantida na decisão sumária, reafirmando os argumentos expendidos na sua alegação de recurso, na tentativa de persuadir que a pena concreta que lhe foi aplicada se mostra excessiva e que haveria espaço para a sua redução, nomeadamente por via do instituto da atenuação especial.
Não lhe assiste razão.
Como já está profusamente demonstrado nos autos, quer pelo acórdão de primeira instância, quer pela resposta e parecer do Ministério Público quanto ao recurso, quer pela decisão sumária, não colhem minimamente os argumentos aduzidos pelo recorrente para justificar o pretendido abaixamento da pena concreta. Não ocorre, com efeito, circunstância susceptível de provocar a pretendida atenuação especial, nomeadamente por via da confissão – parcial, note-se – e do que ela possa representar em termos de arrependimento, ou por via da indemnização, também parcial e estrategicamente depositada poucos dias antes da audiência de julgamento. É de lembrar que, mesmo na hipótese de haver actos demonstrativos de arrependimento, daí não resulta uma automática atenuação especial. Como a jurisprudência vem entendendo, e o Tribunal de Última Instância relembrou recentemente, em acórdão de 30 de Maio de 2018, Processo 34/2018, para atenuação especial da pena, o importante é demonstrar-se a diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena, interessando para tal apurar se existem no caso concreto circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, conforme o comando do artigo 66.°, n.° 1, do Código Penal. Ora, no caso em análise, essa necessária diminuição, reportada à ilicitude, à culpa ou à necessidade da pena não ficou demonstrada, pelo que não se impunha a reclamada atenuação especial.
Ante quanto se alinha, não há reparo a dirigir à decisão sumária objecto de reclamação, cujo sentido deve ser mantido, indeferindo-se a reclamação”; (cfr., fls. 474 a 474-v).

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Por despacho do ora relator, foram os presentes autos conclusos para visto dos Mmos Juízes-Adjuntos e, seguidamente, inscritos em tabela para decisão em conferência; (cfr., fls. 475).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem o recorrente reclamar da decisão sumária nos presentes autos proferida e atrás transcrita.

Porém, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.

Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.

Na verdade, e pelos motivos que na referida decisão sumária se deixaram expostos, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido no Acórdão do Colectivo do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que se impunha, como sucedeu, a sua total confirmação.

Dest’arte, e mais não se mostrando de consignar, já que o ora reclamante se limita a repisar o já alegado e adequadamente apreciado da decisão sumária agora em questão, inevitável é a improcedência da apresentada reclamação.

Decisão

3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 31 de Janeiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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