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Processo nº 1160/2018 Data: 17.01.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “auxílio”.
(Número de crimes).
Medida da pena.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, devendo-se confirmar a pena aplicada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis.

O relator,

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José Maria Dias Azedo
Processo nº 1160/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B (B), (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a final, a ser condenado pela prática como co-autor material e em concurso real de 3 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 284 a 292 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “errada aplicação de direito” e “excesso de pena”; (cfr., fls. 299 a 303-v).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece provimento; (cfr., fls. 309 a 315-v).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou a Ilustre Procuradora Adjunta douto Parecer admitindo a redução da pena única; (cfr., fls. 327 a 329).

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Nada parecendo obstar, cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 286 a 287, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como se deixou relatado, vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou pela prática como co-autor material e em concurso real de 3 crimes de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

É de opinião que incorreu o Tribunal a quo no vício de “errada aplicação de direito” e, também, consequentemente, em “excesso de pena”.

Sem mais demoras, vejamos.

–– No que toca ao “erro de direito”, diz o ora recorrente que face à “redacção do comando legal do art. 14° da Lei n.° 6/2004” e atento o “bem jurídico” com o mesmo tutelado, errada é a sua condenação pela prática como autor da prática em concurso real de 3 crimes de “auxílio”, devendo ser apenas condenado por 1 (só) crime.

Ora, a questão não é “nova”, e tem sido objecto de consideração e decisão, tendo este Tribunal entendido – maioritariamente – que o “número de crimes” se determina “de acordo com o número de imigrantes clandestinos em questão, (auxiliados)”; (cfr., v.g., o Ac. de 07.12.2016, Proc. n.° 871/2016, de 06.07.2017, Proc. n.° 262/2016, de 08.02.2018, Proc. n.° 791/2017, de 30.07.2018, Proc. n.° 679/2018 e de 20.09.2018, Proc. n.° 795/2018).

Assim, e em causa estando “3 imigrantes clandestinos”, mais não é preciso dizer para se concluir que adequada foi a decisão no sentido de que com a sua conduta, cometeu o arguido, em concurso real, 3 crimes de “auxílio”, tal como condenado foi pelo T.J.B..

–– Continuemos, passando agora para a(s) “pena(s)”.

Aos crimes de “auxílio” pelo recorrente cometidos cabe a pena parcelar de 2 a 8 anos de prisão para cada; (cfr., art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004).

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.04.2018, Proc. n.° 166/2018, de 24.05.2018, Proc. n.° 301/2018 e de 13.09.2018, Proc. n.° 626/2018).

Com efeito, e como é sabido, com os recursos não se visa eliminar a margem de livre apreciação reconhecida ao Tribunal de 1ª Instância em matéria de determinação da pena, e que esta deve ser confirmada se verificado estiver que no seu doseamento foram observados os critérios legais atendíveis; (cfr., v.g., os Acs. do Vdo T.U.I. de 03.12.2014, Proc. n.° 119/2014 e de 04.03.2015, Proc. n.° 9/2015).

Como decidiu o Tribunal da Relação de Évora:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 30.01.2018, Proc. n.° 35/2018, de 10.05.2018, Proc. n.° 265/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

No mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

E, como recentemente se tem igualmente decidido:

“O recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso.
A intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Lisboa de 24.07.2017, Proc. n.° 17/16).

“O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da mesma, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que a regem. Nesta sede, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do ato de julgar.
A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto da pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada”; (cfr., o Ac. da Rel. de Guimarães de 25.09.2017, Proc. n.° 275/16).

No caso, colhe-se da matéria de facto que o arguido é “primário”, não nos parecendo que existe qualquer outra circunstância que lhe seja favorável, certo sendo que agiu com dolo directo.

Tendo presente o “tipo” de crime em questão, e os seus efeitos para a estabilidade social, (e não se olvidando que é um tipo de criminalidade que tem vindo a ocorrer com intensidade há várias décadas), evidente é que fortes são as necessidades de prevenção criminal.

E, assim, não se vê que a pena parcelar de 2 anos e 9 meses de prisão, (a 9 meses do mínimo e a mais de 5 anos do máximo), se possa considerar inflaccionada ou excessiva.

Em relação ao cúmulo jurídico, há que atentar no estatuído no art. 71° do C.P.M., que dispõe que:

“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).

Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:

“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade – que se manifesta na totalidade dos factos – devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.01.2018, Proc. n.° 1133/2017, de 08.03.2018, Proc. n.° 61/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 716/2018).

Atento o exposto, tendo-se presente a matéria de facto dada como provada, e em causa estando uma moldura de 2 anos e 9 meses de prisão a 8 anos e 3 meses, entende-se que justa e equilibrada se apresenta a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 4 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 17 de Janeiro de 2019


(Relator)
José Maria Dias Azedo [Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, e como venho entendendo em situações análogas, considero que cometeu o recorrente 1 só crime de “auxílio” do art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 6/2004 – cfr., v.g., as declarações de voto anexas aos Acs. deste T.S.I. de 20.07.2017, Proc. n.° 570/2017 e de 14.06.2018, Proc. n.° 397/2018].

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa


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