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Processo nº 1109/2018(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)





ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Em 17.01.2019, proferiu este T.S.I. o seguinte acórdão:

“Relatório

1. B (B), vem recorrer da decisão em 01.11.2018 pelo Mmo Juiz do T.J.B. proferida, que lhe revogou a suspensão da execução da pena de 5 meses de prisão que lhe tinha sido decretada nos presentes autos.

E, tanto quanto se colhe da sua motivação e conclusões de recurso – que, como sabido é, delimitam o âmbito deste – entende, em síntese, que verificados não estão os pressupostos legais para a decisão proferida e agora objecto da presente lide recursória, considerando violado o art. 54° do C.P.M.; (cfr., fls. 433 a 443 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Em Resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 451 a 454).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.434 a 443 dos autos, o recorrente solicitou a revogação d despacho em escrutínio (cfr. fls.427 a 428 dos autos), assacando-lhe o erro de direito contemplado no n.º1 do art.400º do CPP, alegadamente consubstanciado em infringir as disposições na alínea b) do n.º1 do art.54º e no n.º1 do art.48.º do Código Penal de Macau.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre colega na Resposta (cfr. fls.451 a 453 verso).
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Ora, prescreve o n.º1 do art.54º do CPM: A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado infringe grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Adverte doutamente (cfr Acórdão do TSI no Processo n.º847/2015): A revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, pretendendo o legislador “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”. Porém, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência.
Em termos mais concisos, «Correcta é a decisão de revogação da suspensão da execução da pena se, o arguido, a quem foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, insiste na sua conduta delinquente, voltando a cometer novos crimes pelos quais veio a ser punido, ignorando assim o “aviso” que lhe foi feito e a oportunidade que lhe foi concedida, e demonstrando que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena não puderam, por meio dela, ser alcançadas.» (Acórdão do TSI no Processo n.º48/2012)
No nosso prisma, mostra-se sensata e bem equilibrada a jurisprudência que assevera: «Tendo o recorrente voltado a cometer novo crime doloso pelo qual veio a ser efectivamente condenado, e chegado até a cumprir pena efectiva de prisão num anterior processo, é de revogar-lhe a suspensão da pena de prisão sob a égide do art.54.º, n.º1, alínea b), do Código Penal.» (vide. Acórdão do TSI no Processo n.º514/2014)
No caso sub judice, acompanhamos a douta observação do MMº Juiz a quo que apontou “經審閱聲明人的刑事紀錄,其觸犯本案前尚有一項『加重盜竊罪』曾被判刑,以上事實顯示聲明人在本案第一次被判刑時已被給予機會,准予暫緩執行徒刑2年,當時聲明人已不是初犯,之後在涉及的『加重違令罪』是在本案判決轉為確定後短短幾日後發生,當時亦給予其機會,准予延長緩刑期1年,但在延長緩刑期之批示轉為確定後短短三個月,聲明人又再次犯罪,雖然犯罪性質並不相同,但在多次犯罪,法庭認為給予緩刑期,短短三個月後再次犯罪,即使犯罪性質不一樣,亦都顯示聲明人守法意識低下沒有吸取教訓改過自新,顯示作為緩刑依據之目的,即希望聲明人以後不會再犯罪的目的未能藉此途徑達到。”
Tudo isto leva-nos a concluir que as condutas do recorrente durante o período da suspensão de execução revelam concludentemente que as finalidades subjacentes a suspensão não podem, por meio dela, ser alcançadas, por isso, o despacho recorrido não contende com os preceitos na b) do n.º1 do art.54º e no n.º1 do art.48.º do Cód. Penal de Macau. Daí flui que o recurso em apreço é fatalmente inconsistente.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 470 a 471).

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Corridos os vistos legais, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, vem o arguido recorrer da decisão proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B. que lhe revogou a suspensão da execução da pena de 5 meses de prisão que lhe tinha sido imposta nos presentes autos; (cfr., fls. 427 a 428).

Alega – em suma – que verificados não estavam os pressupostos legais para tal decisão, imputando à decisão recorrida o vício de violação do art. 54° do C.P.M..

Porém, apresenta-se-nos que razão lhe assiste, aliás, em sede da Resposta ao recurso e posterior Parecer, dá já o Ministério Público clara e cabal resposta à pretensão do ora recorrente, pouco havendo a acrescentar.

Seja como for, não se deixa de consignar o seguinte.

Vejamos.

Nos termos do art. 54° do C.P.M.:

“1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no decurso dela, o condenado
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.

E, como se viu – e bem nota o Ilustre Procurador Adjunto – em pleno período da suspensão da pena de 5 meses de prisão (período que até foi prorrogado), cometeu o arguido 2 novos ilícitos, violando, também, de forma grosseira e repetida, os deveres que lhe foram impostos, revelando, de forma clara, que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não puderam ser alcançadas.

Aliás, pela insistência da sua conduta delinquente – notando-se que já antes, em 2004 tinha sofrido uma outra condenação em pena suspensa, (cfr., o seu C.R.C., a fls. 391 a 412) – constata-se que o arguido tem (grande) dificuldade em levar uma vida em conformidade com as normas de uma sã convivência social, apresentando também uma atitude de indiferença e distanciamento pelas limitações decorrentes da decisão de suspensão da execução da pena.

Não se nega, (e assim temos entendido) que se devem evitar penas de prisão de curta duração, (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 09.11.2017, Porc. n.° 979/2017 e a Decisão Sumária de 12.04.2018, Proc. n.° 173/2018), que a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, não funcionando “ope legis”, e que o legislador pretende “salvar”, até ao limite, a pena de substituição da suspensão da pena, surgindo a sua revogação como “última ratio”; (no mesmo sentido, cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 254/15).

Como decidiu o T.R. de Guimarães:

“I) As razões que estão na base do instituto da suspensão da execução da pena radicam, essencialmente, no objectivo de afastamento das penas de prisão efectiva de curta duração e da prossecução da ressocialização em liberdade.
II) Por isso, se conclui sempre que, desde que seja aconselhável à luz de exigências de socialização, a pena de substituição só não deverá ser aplicada se a opção pela execução efectiva de prisão se revelar indispensável para garantir a tutela do ordenamento jurídico ou para responder a exigências mínimas de estabilização das expectativas comunitárias”; (cfr., Ac. de 11.05.2015, Proc. n.° 2234/13).

Todavia, face à repetida postura do ora recorrente em delinquir e violar, repetida e grosseiramente, os deveres impostos como condição para a suspensão da execução da pena, impõe-se dizer que outra solução não se nos apresenta como possível, pois que revelado está que as “finalidades que estavam na base da dita suspensão da pena (agora revogada) não puderam ser alcançadas”.

Como ensinava Jescheck: “o tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”; (in, “Tratado de Derecho Penal”– Parte General – Granada 1993, pág. 760, e, no mesmo sentido, o Ac. da Rel. de Lisboa de 05.05.2015, Proc. n.° 242/13, e, mais recentemente, da Rel. de Coimbra de 27.09.2017, Proc. n.° 147/15, onde se consignou que “Na formulação deste juízo [de prognose] o tribunal deve correr um risco prudente pois a prognose é uma previsão, uma conjectura, e não uma certeza. Quando existam dúvidas sérias e fundadas sobre a capacidade do agente para entender a oportunidade de ressocialização que a suspensão significa, a prognose deve ser negativa e a suspensão negada”, in “www.dgsi.pt”).

Por sua vez, perante a (repetida) insistência na prática de ilícitos criminais por parte de um arguido, revelando, claramente, não ser merecedor de um “juízo de prognose favorável”, outra solução não existe que não seja uma “medida detentiva”, sob pena de manifestação de falência do sistema penal para a protecção de bens jurídicos e autêntico “convite” à reincidência, (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães, de 13.04.2015, Proc. n.° 1/12), impondo-se uma reafirmação social mais “intensa” da validade da norma jurídica violada; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 10.01.2018, Proc. n.° 417/15).

Com efeito, e como se consignou no recente Ac. da Rel. de Guimarães de 22.01.2018, Proc. n.° 956/15, “Há casos em que a aplicação da suspensão da execução da pena surgiria aos olhos de todos como uma infundada indulgência”.

Dest’arte, e constatando-se que com a sua “conduta”, invalidou, o ora recorrente, de forma definitiva e totalmente, a prognose favorável que suportou a aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução, ou seja, a expectativa de, através da suspensão da pena se manter afastado da delinquência, (cfr., o Ac. Rel de Coimbra de 28.06.2017, Proc. n.° 508/13), e, assim, apresentando-se-nos o recurso “manifestamente improcedente”, há que decidir em conformidade com o estatuído no art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M..

Decisão

3. Em face do exposto, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o recorrente a taxa de justiça de 4 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 474 a 479-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Notificado do assim decidido, vem o arguido arguir a sua “nulidade do acórdão” por “omissão de pronúncia”, alegando que não foram apreciados todos os fundamentos invocados em sede do seu recurso; (cfr., fls. 484 a 488).

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Sobre o assim entendido pronunciou-se o Ilustre Procurador Adjunto, opinando pela sua improcedência; (cfr., fls. 490 a 491).

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Adequadamente processados os autos, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como se deixou relatado, vem B, arguido com os sinais dos autos, arguir a nulidade do acórdão por este T.S.I. prolatado, assacando-lhe o vício de “omissão de pronúncia”.

Porém, como se apresenta evidente, não se lhe pode reconhecer razão.

Com efeito, e como, citando A. dos Reis, – bem – salienta o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer: “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão, sem prejuízo da possibilidade de, em sede de recurso, o tribunal ad quem se pronunciar, caso entender conveniente, sobre qualquer dessas razões invocadas nas conclusões da sua motivação de recurso”; (in “C.P.C. Anto.”, Vol. V, pág. 143, podendo-se também no mesmo sentido ver os Acs. deste T.S.I. de 02.05.2002, Proc. n.° 215/2001, de 01.03.2012, Proc. n.° 867/2010, de 14.06.2012, Proc. n.° 109/2012-I e de 08.03.2018, Proc. n.° 1159/2017).

No caso dos presentes autos, de uma mera leitura ao acórdão deste T.S.I. (atrás transcrito) se constata que com o mesmo emitiu esta Instância (expressa) pronúncia sobre a “questão colocada” – quanto à correcção da “decisão de revogação da suspensão da execução da pena” ao arguido aplicada – claro se apresentando assim que inexiste qualquer omissão de pronúncia, mais não se apresentando consignar porque ocioso.

Decisão

3. Em face do exposto, em conferência, acordam julgar improcedente a arguição de nulidade.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 3 UCs.

Registe e notifique.

Macau, aos 31 de Janeiro de 2019

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 1109/2018-I Pág. 2

Proc. 1109/2018-I Pág. 1