Processo nº 859/2018 Data: 10.01.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “difamação (agravada)”.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Erro notório na apreciação da prova.
Qualificação jurídica.
SUMÁRIO
1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo.
Inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento.
2. Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.
3. Provado estando que os “escritos” pelos arguidos recorrentes afixados nos diversos locais identificados na matéria de facto, nomeadamente, à entrada de edifícios habitacionais, continham afirmações que atingiram a honra e consideração da assistente, que em virtude dos referidos “locais” e “número de residentes”, ampla foi a sua divulgação, e que os arguidos agiram livres, em conjunção de esforços e cientes que a sua conduta era proibida e punida, visto está que integra a sua conduta o crime de “difamação (agravada)” pelo qual foram condenados.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 859/2018
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam B (B), C (C), D (D), E (E), F (F) e G (G), (1°, 2°, 3ª, 4°, 5ª e 6°) arguidos, todos com os restantes sinais dos autos.
A final, decidiu o Tribunal condenar os mesmos arguidos como co-autores materiais da prática de 1 crime de “difamação (agravada)”, p. e p. pelo art. 174°, n.° 1 e 177°, n.° 1 do C.P.M., na pena individual de 60 dias de multa (ou de 40 dias de prisão subsidiária), e no pagamento solidário da quantia de MOP$10.000,00 à assistente e demandante H (H), fixando, respectivamente, as seguintes taxas:
- ao (1°) arguido B, a taxa diária de MOP$80,00, perfazendo a multa de MOP$4.800,00;
- ao (2°) arguido C, a taxa diária de MOP$150,00, perfazendo a multa de MOP$9.000,00;
- à (3ª) arguida D, a taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa de MOP$6.000,00; e,
- aos (4°, 5ª e 6°) arguidos, E, F e G, a taxa diária de MOP$50,00, perfazendo a multa individual de MOP$3.000,00; (cfr., fls. 336 a 344 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Do assim decidido, e em peça única, vem os ditos arguidos recorrer, imputando ao Acórdão recorrido os vícios de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “errada qualificação jurídica”; (cfr., fls. 360 a 392).
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Respondendo, pugnam o Ministério Público e a referida assistente pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 403 a 405 e 411 a 425).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.361 a 392 dos autos, os recorrentes arrogaram os vícios previstos nas alíneas c) e a) do n.º2 do art.400º do CPP, e ainda o erro de direito previsto no n.º1 deste normativo, alegadamente traduzido em o Acórdão recorrido infringir as disposições nos n.º1 do art.177º e n.º1 do art.174º do Código Penal.
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações do ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.403 a 405 dos autos), no sentido do não provimento do presente recurso.
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Proclama a jurisprudência autorizada (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TUI no processo n.º12/2014): «Para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, é necessário que a matéria de facto provada se apresente insuficiente, incompleta para a decisão proferida, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária a uma decisão de direito adequada, ou porque impede a decisão de direito ou porque sem ela não é possível chegar-se à conclusão de direito encontrada.»
Isto é, «Ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quando a matéria de facto provada se apresente insuficiente para a decisão de direito adequada, o que se verifica quando o tribunal não apurou matéria de facto necessária para uma boa decisão da causa, matéria essa que lhe cabia investigar, dentro do objecto do processo, tal como está circunscrito pela acusação e defesa, sem prejuízo do disposto nos artigos 339.º e 340.º do Código de Processo Penal.» (Acórdão do TUI no Processo n.º9/2015)
No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.º2 do art.400º do CPP, é consolidada no actual ordenamento jurídico de Macau a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, arestos do Venerando TUI nos Processos n.º17/2000, n.º16/2003, n.º46/2008, n.º22/2009, n.º52/2010, n.º29/2013 e n.º4/2014): O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
À luz destas prudentes orientações jurisprudenciais, colhemos que não se verifica in casu nenhuma das três arguições. Com efeito, todas as provas constantes dos autos são de livre apreciação, a valoração pelo Tribunal a quo destas provas não contende com regras de experiência nem regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis, e os factos dados como provados se mostram compatíveis entre si e com os não provados.
De outra banda, os factos provados na sua totalidade demonstram cabalmente o preenchimento de todos os elementos constitutivos do crime de publicidade e calúnia do qual os seis recorrentes foram condenados na prática em co-autoria material e forma consumada, sem se divisar lacuna na investigação da matéria de facto que seja necessária para uma boa decisão da causa e fique dentro do objecto do processo.
Bem vistos os argumentos aduzidos na dita Motivação, afigura-se nos que na boa verdade, todas as três arguições consubstanciam em, no fundo, arrogar a falta de firmes provas que possam caucionar o preenchimento dos elementos constitutivos do crime de publicidade e calúnia, e deste modo, em criticar a valoração das provas produzidas pelo Tribunal a quo. O que nos impende a ter presente a brilhante tese jurisprudencial que adverte que não se pode olvidar que o recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador (Acórdão do TUI no Proc. n.º13/2001). Pois, «sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.» (Acórdão do TSI no Processo n.º470/2010)
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 437 a 438-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 338 a 339, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem os arguidos recorrer do Acórdão do T.J.B. que os condenou nos termos atrás já referidos, imputando ao decidido o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, “erro notório na apreciação da prova” e “errada qualificação jurídica”.
–– Sem demoras, comecemos pela assacada “insuficiência”.
Pois bem, repetidamente temos afirmado que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 25.01.2018, Proc. n.° 1149/2017, de 14.06.2018, Proc. n.° 451/2018 e de 06.09.2018, Proc. n.° 677/2018, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).
Como decidiu o T.R. de Coimbra:
“O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, existe quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos para a decisão de direito, considerando as várias soluções plausíveis, como sejam a condenação (e a medida desta) ou a absolvição (existência de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa), admitindo-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal a quo através dos meios de prova disponíveis, poderiam ser dados como provados, determinando uma alteração de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe se houver omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos relevantes e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento, com a segurança necessária a proferir-se uma decisão justa”; (cfr., Ac. de 17.05.2017, Proc. n.° 116/13, in “www.dgsi.pt”).
E, como igualmente também considerou o T.R. de Évora:
“A insuficiência da matéria de facto para a decisão não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devam suportar a matéria de facto, antes, com o elenco desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, antes, por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver no caso”; (cfr., o Ac. de 26.09.2017, Proc. n.° 447/13).
“Só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16).
“O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada traduzir-se-á, afinal, na falta de elementos fácticos que permitam a integração na previsão típica criminal, seja por falência de matéria integrante do seu tipo objectivo ou do subjectivo ou, até, de uma qualquer circunstância modificativa agravante ou atenuante, considerada no caso. Em termos sintéticos, este vício ocorre quando, com a matéria de facto dada como assente na sentença, aquela condenação não poderia ter lugar ou, então, não poderia ter lugar naqueles termos”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 24.01.2018, Proc. n.° 647/14).
Aliás, como no recente Ac. da Rel. de Coimbra de 12.09.2018, Proc. n.° 28/16, se decidiu, inexiste insuficiência da matéria de facto provada para a decisão “quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento”, sendo, como se verá, este o caso dos autos.
Sendo de manter o assim entendido, e atento o decidido no Acórdão recorrido, cabe dizer que não existe nenhuma insuficiência.
O Colectivo a quo investigou e emitiu expressa pronúncia sobre toda a matéria objecto de processo, identificando a que resultou provada e não provada, e justificando, adequadamente, a sua decisão, (notando-se, desde já, e como adiante se verá, que a factualidade provada é bastante e que verificados estão todos os elementos, objectivos e subjectivos, do crime pelo qual foram os arguidos condenados).
Claro sendo que assim é, avancemos.
–– No que toca ao igualmente assacado “erro notório na apreciação da prova”, temos entendido que o mesmo apenas existe quando “se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 912/2017, de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Com o mesmo, consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, (v.g., caso julgado, prova pericial, documentos autênticos e autenticados), estando sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova e o do “in dubio pro reo”.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do Tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.
Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade), a da dúvida inultrapassável, (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.
A oralidade da audiência, (que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam, v.g., por gestos, comoções e emoções, da voz.
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma percepção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjectivo, que se vincula o juiz à percepção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 04.04.2018, Proc. n.° 151/2018, de 07.06.2018, Proc. n.° 376/2018 e de 11.10.2018, Proc. n.° 772/2018).
Com efeito, importa ter em conta que “Quando a atribuição de credibilidade ou falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum”; (cfr., o Ac. da Rel. de Coimbra de 13.09.2017, Proc. n.° 390/14).
E como se consignou no Ac. da Rel. de Évora de 21.12.2017, Proc. n.° 165/16, “A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão”.
Dito isto, lendo-se o Acórdão recorrido, e ponderando-se na (clara e pormenorizada) fundamentação pelo Colectivo a quo aí explanada justificando o porquê da sua convicção em relação à decisão da matéria de facto, (cfr., fls. 339 a 341), evidente se nos apresenta também que nenhum “erro” existe, (muito menos “notório”), pois que não se vislumbra “onde”, “como” ou “em que termos” terá desrespeitado qualquer regra sobre o valor das provas legais, regra de experiência ou legis artis, cabendo notar que os elementos probatórios pelos recorrentes indicados para fundamentar o vício que assacam ao Acórdão recorrido se limitam a ser elementos sujeitos à livre apreciação do Tribunal, e que, como óbvio é, não o vinculam a decidir no sentido pelos recorrentes pretendido nem viabilizam a conclusão (solução) que pretendem.
Assim, e apresentando-se-nos que o decidido se encontra adequadamente justificado e que tem adequado suporte nos elementos probatórios pelo Tribunal analisados apreciados e indicados, há que negar igualmente provimento ao recurso na parte agora em questão.
–– Passemos para o “erro na qualificação jurídica”.
Ora, como atrás se fez referência, também aqui se nos mostra que censura não merece a decisão recorrida, pois que a conduta dos arguidos integra todos os elementos, objectivos e subjectivos, do crime pelo qual foram condenados.
Vejamos.
Nos termos do art. 174° do C.P.M.:
“1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
3. O disposto no número anterior não se aplica tratando-se da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada ou familiar.
4. A boa-fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação”.
Por sua vez, prescreve o art. 177° do mesmo Código que:
“1. Se, no caso dos crimes previstos nos artigos 174.º, 175.º e 176.º,
a) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, ou,
b) tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação, as penas da difamação ou injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2. Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias”.
E, provado estando que os “escritos” pelos arguidos recorrentes afixados nos diversos locais identificados na matéria de facto, nomeadamente, à entrada de edifícios habitacionais, (cfr., fls. 27 a 30), continham afirmações que atingiram a honra e consideração da assistente, que em virtude dos referidos “locais” e “número de residentes”, ampla foi a sua divulgação, e que os arguidos agiram livres, em conjunção de esforços e cientes que a sua conduta era proibida e punida, visto está que integra a sua conduta o crime de “difamação (agravada)” pelo qual foram condenados.
Não se nega, (e assim temos considerado), que através da incriminação em causa, não se visa proteger a mera “susceptibilidade pessoal”, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas, assentes na sua dimensão normativo-pessoal, em que a “honra” é vista como bem jurídico complexo que inclui, quer o “valor pessoal” ou “interior” de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua própria “reputação ou consideração exterior”, e que no crime de “difamação” (e injúria) não é exigível um qualquer dolo específico ou elemento peculiar do tipo subjectivo que se traduza no especial propósito de atingir o visado na sua honra e consideração, o designado animus injuriandi, admitindo os respectivos tipos legais qualquer das formas de dolo, incluindo o dolo eventual, sendo assim suficiente que o agente admita o teor ofensivo da imputação ou juízo formulados e actue conformando-se com ele, preenchendo-se o elemento subjectivo do tipo com a vontade de praticar o acto com a consciência de com ele se atribuir um facto ou se formular um juízo com significado ofensivo do bom nome ou consideração alheias; (cfr., v.g., os Acs. de 17.05.2018, Proc. n.° 236/2018 e de 19.07.2018, Proc. n.° 538/2018).
Dest’arte, e nenhuma outra questão a apreciar havendo, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento aos recursos.
Custas pelos arguidos recorrentes, com a taxa de justiça individual que se fixa em 6 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor dos arguidos no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 10 de Janeiro de 2019
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 859/2018 Pág. 4
Proc. 859/2018 Pág. 25