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Processo n.º 870/2018
(Recurso em matéria cível)

Data: 10 de Janeiro de 2019

ASSUNTOS:

- Impugnação de matéria de facto
- Convicção e fundamentação da decisão

SUMÁRIO:

I - O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
II - De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 558º do CPC).
III – Se as respostas dos quesitos dadas pelo Colectivo são harmónicas com o depoimento das testemunhas e demais provas juntas aos autos, e, entre a prova produzida e as respostas dadas pelo Colectivo não encontramos nem contradição, nem deficiência, nem obscuridade, muito menos erro na apreciação de provas, não merece censura a decisão sobre a matéria de facto.


O Relator,

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Fong Man Chong




















Processo nº 870/2018
(Autos de recurso em matéria cível)

Data : 10 de Janeiro de 2019

Recorrente : -Companhia de Engenharia e Delineação Interna A Limitada A室內裝飾工程有限公司 (Ré)

Recorrido : - B B (Autor)

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   Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I - RELATÓRIO
    Companhia de Engenharia e Delineação Interna A Limitada (A室內裝飾工程有限公司), Recorrente, devidamente identificada nos autos, discordando da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, datada de 4/5/2018, dela veio, em 14/05/2018, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1010 a 1032, tendo formulado as seguintes conclusões :
     一、 本上訴所針對的標的為尊敬的初級法院第一民事法庭合議庭主席於2018年5月4日作出之判決。
     二、 上訴人依據《民事訴訟法典》第599條之規定,針對原審法院在事實事宜方面的裁判提出爭執。
     三、 原審法院在對事實事宜所作之裁判中作出了完全對上訴人不利之裁定,尤其是將對被上訴人有利的調查基礎內容第4點裁定為獲證事實,而將其餘所有對上訴人有利的調查基礎內容第8點、第10至15點裁定為不獲證實。
     四、 關於調查基礎內容第4以及12點疑問,證人C以及D表示被上訴人於2015年5月實際上自「XX二期」開幕後,已經沒有再進行任何工程而僅對先前進行的工程進行執漏,因此上訴人並沒有要求被上訴人提供安全督導員服務。
     五、 關於調查基礎內容第8點疑問,作為被上訴人所聘用之安全督導員的兩名證人E以及F均清楚指出被上訴人會安排為其工作之安全督導員到上訴人以外的其他分判商提供工作。
     六、 關於調查基礎內容第10點疑問,透過證人G、E、F以及H之證言,可得知被上訴人只安排一名安全督導員駐守地盤現場,而另一名人士則為安全主任,而安全主任之職責僅在原告之辦公室內處理文件等其他事宜。此外,兩名安全督導員中,被上訴人並沒有安排其中一名安全督導員長期留在工地,其僅需要數日前往工地一次,甚至有時在午飯後會不返回地盤工作,反之到被上訴人的單位中打發時間。
     七、 關於調查基礎內容第11點疑問,透過證人C、D以及I之證言,可得知在「XX二期」之地盤內經常只有一名安全督導員在場,而證人I更明確表示對於安全督導員而言,並沒有可能每天準時在九時上班,由此可得知地盤內之安全督導員經常遲到並不知所縱。
     八、 除證人的證言外,透過XX二期地盤的出入閘記錄,亦可得知被上訴人所提供之安全督導員是否曾經向上訴人提供有關服務,以及該等安全督導員是否出現遲到早退的情況。
     九、 透過四名安全督導員的出入閘紀錄以及2015年5月至2016年3月之出入閘紀錄,再結合上述證言,均足以認定有關地盤內長期只有一名安全督導員當值,而透過其出入閘時間亦可得知其經常出現遲到及早退的情況。
     十、 此外,透過載於上訴人向法庭提交之2015年5月至2016年3月期間的員工出入閘紀錄,可得知被上訴人所安排的安全督導員G於2015年5月、6月及7月僅分別錄得不多於8次的入閘紀錄,更自2015年8月起再沒有任何出入閘記錄;而另一名安全督導員E更在長達8個月之期間當中僅於2015年5月錄得3次的入閘紀錄,由此可得知被上訴人並沒有安排人員前往「XX二期」之地盤監督以及管理有關施工的情況,因此可得知被上訴人根據沒有實際履行有關合同,亦可能直至2016年2月一直在「XX二期」為上訴人提供安全督導員的服務。
     十一、 即使被上訴人之員工作成了每週、每月報告以及工作意外報告,然而上訴人並沒有要求其被上訴人向其或業主提交任何報告,因此上訴人不排除被上訴人亦一直向其他分判商而非被告提供安排督導員服務。
     十二、 關於調查基礎內容第14點疑問,透過載於答辯狀之書證,均可得知在2014年5月至2015年4月期間,被上訴人所提供的安全督導員的工作日數和時數遠低於合同上所載的要求,因而上訴人在上述期間所提供的安全導實際應付之金額僅合共為港幣317,113元。
     十三、 關於調查基礎內容第15點疑問,上訴人自2015年5月「XX二期」完工並開幕之日起,已沒有需要被上訴人在現場提供安全督導員之服務,而被上訴人於2015年5月至2016年2月間並沒有實際履行有關合同,因此上訴人毋須向被上訴人作出任何給付。
     十四、 然而,可得知在2014年9月至2015年2月的期間內,上訴人按照發票 上所載的金額向被上訴人支付了合共港幣541,696.90元,由此可見被上訴人多收取了港幣224,583.9元(541,696.90 – 317,113),以1:1.03的兌換率計算,折合為澳門幣231,321.42元。
     十五、 除應有尊重外,上訴人認為根據卷宗資料,結合上述由所有證人的證言,足以供 法庭認定如下事實情節:在2014年5月至2015年4月期間,被上訴人經常及長期安排一名兼職安全督導員在「XX二期」工程項目中工作,即使在部分有多於一名安全督導員在現場工作,然而其亦一直身兼多職,同時為多家工程分判程提供工作,而且該等安全督導員亦經常遲到、早退及在上班時間不知所蹤,因此按照合同條款計算,被上訴人在上述期間所提供之服務僅應收取港幣317,113元之價金。於2015年5月,基於「XX二期」開幕,上訴人毋須繼續進行任何裝修工程,因此雙方所簽訂之提供安全督導員服務合同的標的已完成,因此彼此的合同關係亦隨之失效,因而毋須被上訴人再為上訴人提供任何安全督導員之服務,而自2015年5月起,被上訴人所安排之安全督導員僅錄得極少之出入閘記錄,更自2015年8月起沒有任何員工出入閘記錄,因而亦可認定其被上訴人2015年5月起已沒有為被告提供已沒有為上訴人提供安全督導員服務。然而,上訴人在2014年9月至2015年2月間按照發票上所載的金額向被上訴人支付了合共港幣541,696.90元,因此被上訴人多收取了上訴人港幣224,583.90元,折合為澳門幣231,321.42元。
     十六、 在欠缺相反證據的情況下,原審法院對於上訴人所主張的事實情節作出 了完全相反的認定,即將調查基礎內容第4點裁定為獲證事實,而將調查基礎內容第8點、第10至15點裁定為不獲證實。
     十七、 根據《民法典》第335條之規定,上訴人認為其已履行應負的舉證責任, 就其主張之權利及相關事實提供適當和充足的證據;相反,被上訴人就其所陳述的,屬阻礙、變更或消滅上訴人權利之事實欠缺提供相應的證明措施,因此其不應成為在對事實事宜之裁判上佔有利之一方。
     十八、 綜上理由,上訴人認為應更正原審法院就調查基礎內容第1點至第6點所作的答覆內容,將調查基礎內容第1點視為不獲證實,而將調查基礎內容第2至第6點視為獲得證實,並根據經更正後的所有已證事實適用法律作出公正之裁判。
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    B (B), Recorrido, com os sinais identificativos nos autos, veio responder ao recurso com os fundamentos de fls. 1033 a 1050, tendo formulado as seguintes conclusões :
     A) Nenhuma censura merece a douta sentença recorrida, na parte decisória em que condenou a Ré, Recorrente;
     B) Com o recurso que interpôs, a Recorrente tenta, debalde, por em causa a livre convicção do tribunal a quo;
     C) A prova produzida em sede de audiência de julgamento, nomeadamente nas partes dos depoimentos transcritas pela Recorrente, só um sentido admite, qual seja, precisamente, o provimento dos pedidos do Autor, e, por conseguinte, a condenação da Ré, Recorrente,
     D) que, nas suas alegações, em ponto algum demonstrou verificar-se qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto, ou errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis.
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    Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

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II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
    Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
    O processo é o próprio e não há nulidades.
    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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  III – FACTOS ASSENTES:
    A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
     a) O A. é titular da empresa J Engineering & Safety Consultants, com endereço em Macau, na Avenida de ......, s/n, Edifício ......, Bloco ..., ...° andar “...”, Taipa, devidamente cadastrada em sede de contribuição industrial, - cfr. cópia do respectivo Modelo M/1, a qual se junta nas páginas 9/10 dos autos;
     b) A actividade da empresa do A. consiste na prestação de serviços de segurança no trabalho, nomeadamente na gestão, controlo e supervisão da segurança de operários em obras de construção;
     c) A Ré é uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada, cujo objecto consiste na decoração de obras e interiores;
     d) No âmbito das respectivas actividades empresariais, no ano de 2010, a Ré contratou os serviços do A., a prestar através da sua empresa, para a segurança na empreitada denominada “XX, Fase I”, integrada no complexo de hotel e casino denominado XX (“XX Entertainment Group”), sito na zona do aterro do “Cotai”, entre as ilhas da Taipa e Coloane;
     e) Nos termos do referido contrato, os serviços de segurança na referida obra foram prestados pelo A., e regularmente pagos pela Ré;
     f) Ulteriormente, a Ré contratou novamente os serviços do A., para a empreitada denominada Fase 2, no mesmo empreendimento supramencionado;
     g) A Ré e o Autor celebraram, a 16 de Maio de 2014, um contrato de prestação de serviços relativamente ao fornecimento de supervisores de segurança para as obras de decoração da empreitada “XX, Fase 2”. O contrato especificava que o Autor teria que proporcionar dois supervisores de segurança a tempo inteiro à Ré para exercerem as suas funções neste local das obras, sendo que o valor mensal pelo serviço prestado por cada um deles é de HKD28.000,00, trabalhando de segunda a sexta-feira e das 9 horas a 18 horas;
     h) Para cobrança dos serviços prestados, entre 28 de Fevereiro de 2015 e 29 de Fevereiro de 2016, o A. emitiu e apresentou para pagamento à Ré 13 facturas;
     i) O Autor colocou quatro supervisores da sua empresa “J Engineering & Safety Consultants” a trabalharem no estaleiro das obras da empreitada “XX, Fase 2” no sentido de, em nome da sua empresa, proporcionar os devidos serviços de consultadoria à Ré e às respectivas empresas subempreiteiras;
     j) Entre Setembro de 2014 e Fevereiro de 2015, a Ré efectuou o pagamento do valor descrito na factura, ao Autor, na quantia de HKD541.696,90;
     k) Até ao presente momento, a Ré já pagou ao Autor a quantia de HKD541.696,90;
     l) Conforme o contrato, o Autor é quem coloca os supervisores de segurança a trabalharem nas obras da empreitada “XX, Fase 2”;
     m) Segundo o definido no mesmo contrato, a Ré, além de estar obrigada a pagar o montante descrito no facto assente em g), teria ainda de responsabilizar-se pelo pagamento mensal das horas extraordinárias realizadas pelos supervisores de segurança;
     n) Os supervisores de segurança colocados pelo Autor nestas obras da “XX, Fase 2” trabalhavam em diferentes zonas da obra;
     o) Até Fevereiro de 2016, o Autor forneceu e colocou, ao longo do tempo, supervisores de segurança a prestarem os seus serviços nas obras da empreitada “XX, Fase 2”;
     p) Até Fevereiro de 2016, o Autor apresentou sempre, os respectivos relatórios semanais e mensais;
     q) No dia 4 de Fevereiro de 2016, a Ré comunicou ao Autor que, a partir desta data, deixaria de carecer dos seus serviços de fornecimento de supervisores de segurança;
     r) Conforme o estipulado no contrato, o Autor estava obrigado a colocar dois supervisores a exercerem as suas funções nas obras da empreitada adjudicada à Ré – “XX, Fase 2” - os quais precisavam de trabalhar de segunda a sábado das 9 às 18 horas.
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IV – FUNDAMENTAÇÃO
A Ré, na sequência de julgar improcedente o seu pedido reconvencional, veio atacar a matéria de facto, nomeadamente a constante dos quesitos 3º, 4º, 8º, 10º a 15º da Base Instrutória(BI), defendendo que:
- Deviam considerar-se provados os quesitos 3º, 4º, 8º, 10º a 15º da BI.
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Ora, a especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio delimitam o objecto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exacta das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de base para a reapreciação do Tribunal de recurso, ainda que a este incumba o poder inquisitório de tomar em consideração toda a prova produzida relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no artigo 629º do CPC.
É, pois, em vista dessa função delimitadora que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação da decisão de facto com a sanção máxima da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afectada, nos termos do artigo 599º/1 do CPC.
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No que respeita aos critérios da valoração probatória, nunca é demais sublinhar que se trata de um raciocínio problemático, argumentativamente fundado no húmus da razão prática, a desenvolver mediante análise crítica dos dados de facto veiculados pela actividade instrutória, em regra, por via de inferências indutivas ou analógicas pautadas pelas regras da experiência colhidas da normalidade social, que não pelo mero convencimento íntimo do julgador, não podendo a intuição deixar de passar pelo crivo de uma razoabilidade persuasiva e susceptível de objectivação, o que não exclui, de todo, a interferência de factores de índole intuitiva, compreensíveis ainda que porventura inexprimíveis. Ponto é que a motivação se norteie pelo princípio da completude racional, de forma a esconjurar o arbítrio1.
É, pois, nessa linha que se deve aferir a razoabilidade dos juízos de prova especificamente impugnados, mediante a análise crítica do material probatório constante dos autos, incluindo as gravações ou transcrições dos depoimentos, tendo em conta o respectivo teor, o seu nicho contextual histórico-narrativo, bem como as razões de ciência e a credibilidade dos testemunhos. Só assim se poderá satisfazer o critério da prudente convicção do julgador na apreciação da prova livre, em conformidade com o disposto, designadamente no artigo 390º do CCM, em conjugação com o anterior artigo 558º do CPC, com vista a obter uma decisão que se possa ter por justa e legítima.
Será com base na convicção desse modo formada pelo Tribunal de recurso que se concluirá ou não pelo acerto ou erro da decisão recorrida.
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Os quesitos em causa têm o seguinte teor e as respostas dadas pelo Colectivo são:
    3º
    Os supervisores de segurança colocados pelo Autor nestas obras da “XX, Fase 2” trabalhavam em diferentes zonas da obra, a tempo parcial?
    Provado apenas que os supervisores de segurança colocados pelo Autor nestas obras da “XX, Fase 2” trabalhavam em diferentes zonas da obra;
    4º
    Até Fevereiro de 2016, o Autor forneceu e colocou, ao longo do tempo, supervisores de segurança a prestarem os seus serviços nas obras da empreitada “XX, Fase 2”?
    Provado;
    
    (…)
    8º
    Os supervisores de segurança colocados pelo Autor nas obras da empreitada “XX, fase 2” eram trabalhadores com vários empregos ao longo do tempo, trabalhando para diversas empresas subempreiteiras?
    Não Provado;
    (…)
    
    10º
    Ao longo do tempo, o Autor colocava frequentemente apenas um supervisor de segurança a trabalhar neste estaleiro de obras da empreitada “XX, Fase 2”, adjudicada à Ré?
    Não Provado;
    11º
    Ao logo do tempo, acontecia frequentemente que apenas um supervisor de segurança trabalhava neste estaleiro de obras, o qual chegava constantemente atrasado, retirando-se dele antes da hora de saída e era ainda desconhecido o seu paradeiro durante o seu horário de trabalho?
    Não Provado;
    12°
    A Ré deixou de prestar os seus serviços nestas obras da empreitada “XX, Fase 2” desde Maio de 2015, e, deste modo, deixou de carecer dos serviços do Autor relativamente ao fornecimento de supervisores de segurança para trabalharem nesta localidade?
    Não Provado;
    13°
    A partir de Maio de 2015 não se verificou mais algum registo de entrada e saída dos trabalhadores da Ré nesta obra a ela adjudicada?
    Não Provado;
    14°
    Conforme os cálculos estipulados no contrato, o valor em que o Autor deveria receber pelo fornecimento de supervisores de segurança durante o período entre Maio de 2014 e Abril de 2015 é de HKD317.113,OO?
    Não Provado;
    15°
    O Autor recebeu a mais o montante de HKD224,583,90, o equivalente a MOP231,321,42?
    Não Provado.
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Questão suscitada: impugnar as respostas dadas aos quesitos 3º, 4º, 8º, 10º a 15º da Base Instrutória
Para tentar impugnar esta matéria, o Recorrente transcreveu para escrito a gravação sonora de algumas passagens de audiência de julgamento, constante de fls. 1012 a 1022.
Comecemos pelos aspectos mais simples.
Ora, lido com atenção o depoimento transcrito pela Recorrente, constante de fls. acima referidas, nenhuma testemunha chegou a falar dos valores indicados nos quesitos 14º e 15º, obviamente estes não podem receber uma resposta positiva.
No que toca ao quesito 3º, ficou ele provado no essencial, a parte não provada não tem interesse para a decisão da causa, pelo que, ficamos dispensados de tecer mais considerações neste aspecto.
Relativamente ao quesito 4º, este recebeu já uma resposta positiva, é também o que a Recorrente/Ré quer, motivo pelo qual não temos de analisar mais.
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Resta ver os quesitos 10º a 13º impugnados pela Recorrente/Ré.
Vejamos o que o Tribunal Colectivo disse na sua fundamentação a este propósito:
A convicção do tribunal resultou dos documentos juntos aos autos a fls. 18 – contrato celebrado entre o Autor e Ré – com base no que se respondeu à matéria dos itens 1º, 2º e 9º, documento a fls. 137 – e-mail enviado pela Ré ao Autor a terminar o contrato – com base no que se respondeu à matéria do item 7º, fls. 181 a 808 – relatórios semanais e mensais até Fevereiro de 2016 -, com base no que se respondeu ao item 5º, não se provando que tenham sido feitos todos os diários uma vez que nem todos foram juntos aos autos, fls. 892 a 916 – registo do sinistro ocorrido em Outubro de 2015 e que foi acompanhado pelo funcionário do Autor, o que serviu também de convicção à resposta dada à matéria dos item 4º.
A prova testemunhal produzida por banda do Autor consistiu em duas testemunhas (segunda e terceira a serem ouvidas), também eles funcionários do Autor ao tempo em que ocorreram os factos e que trabalharam na obra em causa exercendo as mesmas funções a que se reporta o contrato a que respeitam os autos mas para outros subempreiteiros, mas que já não exerciam funções nesta obra no período a que respeitam as facturas que fundamentam o pedido, sabendo contudo que após a inauguração ainda houve funcionários que lá continuaram uma vez que as obras prosseguem por mais um ano ou dois a corrigir defeitos e por causa das garantias. Estas testemunhas sabem que o aceso à obra era feito através de várias entradas com máquinas para ler a mão que normalmente funcionavam mas quando assim não acontecia era o funcionário que fazia um registo escrito o que aconteceu até à inauguração, desconhecendo o que aconteceu depois de Maio de 2015.
Por banda da Ré foram ouvidas oito testemunhas (1ª e 4ª a 10ª a serem ouvidas) das quais com interesse para a descoberta da verdade resulta que a primeira testemunha ouvida declarou que até Maio de 2015 quando acabaram os trabalhos estavam lá 2 funcionários do Autor mas que depois dessa data já não era legalmente exigível os inspectores de segurança e que se esqueceu de comunicar que já não precisavam dos serviços do Autor o que só fez em Fevereiro de 2016 com o e-mail cuja cópia de fls. 137 e que é de sua autoria, sendo que esta testemunha tinha como funções ser o responsável pelos contratos da Ré. (Sublinhado nosso) A quarta testemunha ouvida só esteve na obra até Maio de 2015, sabe que o sistema de registo de entradas dos funcionários por vezes não trabalhava e havia um registo alternativo reconhecendo que na obra estava sempre um funcionário do Autor G. A quinta testemunha ouvida começou por dizer primeiro que na obra como funcionários do Autor trabalhavam G e mais três funcionários cujo nome não recorda, mas que depois de Maio de 2015 e até Fevereiro de 2016 na obra não havia funcionário nenhum do Autor para depois acabar por reconhecer que nesse período e na zona onde a testemunha trabalhava havia sempre um funcionário do Autor com o nome de G desconhecendo o que se passava na outra zona de trabalho uma vez que os trabalhos da Ré se dividiam por duas zonas distintas em dois pisos separados. Esta testemunha trabalhou na obra até ao final do período de garantia em Maio de 2017. A sexta testemunha ouvida acaba também por dizer que trabalhava na obra mas estava sempre nas obras que se realizavam no 2º piso desconhecendo o que se passava nas obras que se realizavam no 3º piso onde também decorriam obras a cargo da Ré sendo que no seu piso estava o G. A séptima testemunha ouvida nada sabe do que se passava na obra.
Destas cinco testemunhas da Ré notou-se a pressa e a necessidade de dizer que os funcionários do Autor não estavam na obra para depois reconhecerem que afinal estava o G e que não sabiam o que se passava na outra zona onde também decorriam obras a cargo da Ré. (Sublinhado nosso)
As oitava, nona e décima testemunhas a ser ouvidas foram os funcionários do Autor que trabalharam na obra da Ré, o G durante toda a vigência do contrato e os outros dois tendo-se substituído um outro, vindo o G a dizer que trabalhava num dos dois locais onde decorriam as obras a cargo da Ré não vendo o que se passava no outro local e resultando do depoimento de todos que também usavam o escritório da Ré na obra para fazerem os relatórios, períodos em que não se encontravam no local da construção.
Da síntese destes depoimentos convenceu-se o tribunal pela veracidade da matéria do item 3º mas apenas na forma em que foi respondido e do item 4º.
Quanto à matéria dos itens 6º, 8º e 10º a 15º não foi produzida prova alguma, sendo que, quanto aos itens 8º e 10º a 13º o contrário resulta dos depoimentos das testemunhas sendo que os documentos juntos a fls. 47 a 63 e 67 a 89 para prova dos registos de entradas foram impugnados não tendo sido produzida prova alguma de que a matéria que pretendiam demonstrar corresponda à verdade – demonstrando-se antes o contrário – e não sendo os mesmos suficientes para o efeito uma vez que dos registos ali constantes resultam dúvidas. (Sublinhado nosso)
Cremos que a parte transcrita acima e devidamente assinalada por nós é bastante para negar a pretensão da Recorrente/Ré, no sentido de alterar as respostas dadas aos quesitos acima citados.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 558º do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.2
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.3
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 558º do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, O Tribunal ad quem procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.4
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.5
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal ad quem, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.6
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Recorrente/é, neste segmento recursório da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos

Neste recurso, lido e analisado o conteúdo de depoimento das testemunhas gravado, a conclusão a que chegamos é a de que as respostas dos quesitos são harmónicas com o depoimento das testemunhas e as provas juntas aos autos, e, entre a prova produzida e as respostas dadas pelo Colectivo não encontramos nem contradição, nem deficiência, nem obscuridade, muito menos erro na apreciação de provas.
É de ver que, o que verdadeiramente a Recorrente/Ré quer é que a “história” contada por ela fosse acreditada pelo Tribunal, mas não pode ser, porque ele está a atacar a convicção do Tribunal e as provas por ela carreadas não são suficientes para convencer o Tribunal.
Prova nítida disto é o conteúdo do ponto 18º da conclusão do recurso da Recorrente/Ré, em que esta veio a pedir:
綜上理由,上訴人認為應更正原審法院就調查基礎內容第1點至第6點所作的答覆內容,將調查基礎內容第1點視為不獲證實,而將調查基礎內容第2至第6點視為獲得證實,並根據經更正後的所有已證事實適用法律作出公正之裁判。
Como é que ela, Recorrente, podia vir a pedir que a resposta do quesito 1º fosse alterada para NÃO PROVADO, e fossem alteradas para PROVADOS os quesitos 2º a 6º da BI??? Sendo certo que ela só veio a atacar as respostas dos quesitos 3º, 4º, 8º, 10º a 15º da BI!

Pelo que, na ausência de elementos fundamentadores da pretensão da Recorrente, há-de ser julgado improcedente o recurso interposto pela mesma.
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Síntese conclusiva:
I - O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
II - De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 558º do CPC).
III – Se as respostas dos quesitos dadas pelo Colectivo são harmónicas com o depoimento das testemunhas e demais provas juntas aos autos, e, entre a prova produzida e as respostas dadas pelo Colectivo não encontramos nem contradição, nem deficiência, nem obscuridade, muito menos erro na apreciação de provas, não merece censura a decisão sobre a matéria de facto.
* * *
    Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V) - DECISÃO
    Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
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    Custas a cargo da Recorrente/Ré.
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    Registe e Notifique.
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RAEM, 10 de Janeiro de 2019.

(Relator)
Fong Man Chong

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng

(Segundo Juiz-Adjunto)
José Cândido de Pinho
1 Sobre o princípio da completude da motivação da decisão judicial ditado, pela necessidade da justificação cabal das razões em que se funda, com função legitimadora do poder judicial, vide acórdão do STJ, de 17-01-2012, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Gabriel Catarino, no processo n.º 1876/06.3TBGDM.P1 .S1, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj
2 De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
3 Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
4 Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
5 Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
6 Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
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