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Proc. nº 60/2018
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 17 de Janeiro de 2019
Descritores:
- Junção de documentos
- Prova testemunhal
- Livre convicção

SUMÁRIO:

1 - A junção de documentos com as alegações (art. 616º, do CPC) só em casos muito restritos é possível, e isso sucede nos casos a que se refere o art. 451º do mesmo Código, ou quando a sua junção for necessária em face do julgamento proferido na 1ª instância. Uma destas situações ocorre quando em audiência tiver sido apresentado algum elemento novo com que o recorrente não contasse, ou quando a sentença teve em consideração algum preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado, e sobre o qual apenas pudessem tomar posição com a junção de documento posteriormente obtido.

2 - A livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro, que facilmente seja detectável, pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.

3 - A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
Proc. nº 60/2018

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I - Relatório
B (B), de sexo masculino, titular do BIRM n.º 51*****(*) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 23 de Outubro de 2009, e sua cônjuge, --------------
C (C), de sexo feminino, titular do BIRM n.º 73*****(*) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 26 de Dezembro de 2013, --------------
Ambos de nacionalidade chinesa, com endereço de contacto na Rua da ......, n.º ..., ...... Toi, ...º andar ... (adiante designados por “Autores”), --------------
Intentaram no TJB (Proc. nº CV3-15-0051-CAO), acção declarativo sa a forme de processo ordinário contra: --------------
D (D), de sexo masculino, titular do BIRM n.º 73*****(*) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 27 de Junho de 2005, e sua cônjuge --------------
F (F), de sexo feminino, titular do BIRM n.º 74*****(*) emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação em 18 de Março de 2004, --------------
Pedindo a resolução de um “contrato provisório de compra e venda” e a consequente restituição do sinal bem como no imposto do selo por eles pago.
*
Na contestação, os RR deduziram reconvenção contra os AA.
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O tribunal “a quo” julgou a acção parcialmente procedente, declarando a resolução do contrato-promessa e condenou os RR a devolver aos AA o sinal no valor de um milhão de dólares de HK, e julgando improcedente o restante pedido. Julgou ainda improcedente o pedido de reconvenção.
*
Os RR, inconformados, recorrem jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“(i) Impugnação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto
1. Da fundamentação resulta que, o tribunal a quo formou a sua convicção principalmente com base no depoimento da 1ª testemunha dos Autores, e considerou pouco convencíveis os depoimentos das duas testemunhas dos Réus, razão pela qual deu por provados os factos dos quesitos 1º a 6º da base instrutória, e não provados os factos nos quesitos 10º a 14º.
2. Em relação ao quesito 1º da base instrutória, a 1ª testemunha dos Autores alegaram na audiência que tinha contactado diversos bancos para obter financiamento para os Autores, mas os bancos recusaram a concessão do empréstimo, e o único banco que concedeu o empréstimo foi o Banco da China, sendo o valor do empréstimo de HKD$6.000.000,00.
3. Porém, entenderam os recorrentes que o depoimento dessa testemunha não era crível, e contrariou a prática comercial do Banco da China.
4. Pelo que após a audiência de julgamento, ou seja no dia 12 de Agosto de 2017, os recorrentes enviaram uma carta ao Banco da China, perguntou se os Autores tinham pedido a concessão de empréstimo e se apenas tinham sido concedido um empréstimo de HKD$6.000.000,00 aos Autores, solicitando que o Banco da China desse uma resposta por escrito.
5. Posteriormente, o Banco da China respondeu aos recorrentes por telefone, dizendo que não existiu o assunto indicado na carta. Os recorrentes quiseram obter a resposta por escrito do Banco da China, pelo que no dia 25 de Agosto de 2017, enviaram, de novo, uma carta ao Banco da China.
6. Em 1 de Setembro de 2017, o Banco da China deu a seguinte resposta por escrito: “Recebemos as cartas enviadas pela V. Ex.ª nos dias 12 e 25 de Agosto de 2017. Após a verificação, não existe o assunto referido nas cartas.”
7. Por outra palavra, não é verdadeiro o facto alegado pela 1ª testemunha dos Autores na audiência, de que só o Banco da China aprovou a concessão de empréstimo de HKD6.000.000,00.
8. Por isso, em 27 de Setembro de 2017, os recorrentes denunciaram o respectivo facto à PJ.
9. A junção dos 4 documentos é indispensável. Isso porque, esses documentos são novos e supervenientes, não podendo os recorrentes prever como é que a testemunha iria responder às perguntas e que não é verdadeira a confissão anteriormente feita pelos recorridos, que se mostra desfavorável a eles.
10. Por isso, nos termos do art.º 451.º, n.º 1, aplicável por força do art.º 616.º do CPCM, deve o tribunal de recurso admitir os 4 documentos agora juntados pelos recorrentes.
11. Por outro lado, a 2ª testemunha dos réus, o gerente do BNU XXX, nas suas respostas dadas aos quesitos 6º e 7º da base instrutória, alegaram que quando tratou do requerimento da concessão de empréstimo indicado nos autos, ele trabalhava na sucursal na Rua da Barca.
12. Pode-se ver que um dos bancos a que os Autores pediram a concessão de empréstimo não foi a sucursal do BNU no Jardim da Flora alegado pela 1ª testemunha dos Autores, mas sim a na Rua da Barca.
13. Quer dizer, são, pelo menos, parcialmente contraditórios os depoimentos da 1ª testemunha e da 2ª testemunha dos Autores.
14. Entendem os recorrentes que por não ser completamente verdadeira a resposta dada pela 1ª testemunha dos Autores sobre um facto tão básico de requerimento de empréstimo bancário, é impossível que essa testemunha responda, com verdade, aos outros quesitos da base instrutória, especialmente a questão nuclear no caso vertente – para comprar a fracção autónoma ...... Court A23, os Autores intentaram pedir um empréstimo de pelo menos HKD$14.000.000,00 (ou seja metade do preço).
15. Por isso, os 4 documentos apresentados pelos recorrentes, e os depoimentos das testemunhas que conflituam entre si, são suficientes para abalar a credibilidade do depoimento da 1ª testemunha dos Autores, e destruir os factos dados por provados pelo Tribunal a quo nos quesitos 1º a 6º da base instrutória.
16. Por outro lado, relativamente ao quesito 2º da base instrutória, na sua resposta ao advogado dos Autores, a testemunha alegou que tinha explicado, claramente, a situação ao mediador imobiliário dos recorrentes G, e ambas as partes concordaram com o teor da cláusula em causa.
17. Porém, quando o advogado dos recorrentes perguntou a testemunha porque é que não foi escrito o valor de HKD$14.000.000,00 na cláusula em questão, a testemunha alegou que no momento da elaboração da cláusula, a sua técnica ainda não era madura, dizendo que os recorrentes só manifestaram a discordância com a indicação do valor de HKD$14.000.000,00 na cláusula na reunião realizada no dia 18 de Fevereiro de 2015. Mas trata-se, obviamente, de uma resposta evasiva da testemunha.
18. De facto, conforme as práticas do sector imobiliário, as regras de experiência da vida quotidiana e a lógica, se os recorrentes realmente concordassem com a inserção do valor de HKD$14.000.000,00 na respectiva cláusula, porque é que não permitiram aos recorridos escrever claramente tal valor no contrato por escrito?
19. As duas testemunhas dos recorrentes já disseram expressamente que os recorrentes não concordaram com a indicação de HKD$14.000.000,00, só que não se lembraram dos detalhes das negociações sobre a aplicação da cláusula em causa, por ter decorrido mais de 2 anos após os factos, mas isso não as impediu de dizer o sentido nuclear da cláusula, ou seja que os recorrentes, na qualidade de proprietários, não concordaram com a indicação de HKD$14.000.000,00.
20. Cfr. Gravação no arquivo Translator 2, nome: Recorded on 18-May-2017 at 10.18.38 (2)G(GU#G00811270), 1:10:05 ~ 1:13:27, 1:19:08 ~ 1:25:15 (parte da testemunha G); 1:38:08 ~ 1:43:16, 1:56:30 ~ 2:00:52 (parte da testemunha H).
21. Desta forma, os documentos objectivos e os depoimentos das duas testemunhas dos recorrentes são suficientes para destruir os factos dados por provados pelo Tribunal a quo nos quesitos 2º a 5º da base instrutória.
22. Além disso, como referiram os recorridos no art.º 14 da sua réplica, os recorridos não são novatos sem qualquer experiência no mercado de investimento imobiliário, mas sim muito experientes, então é difícil imaginar porque é que os recorrentes deram aos recorridos tantos benefícios e garantias, e ao contrário, colocaram-se numa condição desfavorável e assumiram mais riscos? Obviamente, isso não corresponde às regras de experiência comum ou à atitude normal de compradores.
23. Por isso, a verdade é que, desde o início, os recorrentes não concordaram que os recorridos escrevessem o valor de HKD$14.000.000,0 na cláusula, e não iriam restituir o sinal aos recorridos por estes não conseguirem obter o empréstimo de HKD$14.000.000,00.
24. De facto, conforme os dados constantes dos autos, os recorridos são ricos e financeiramente estáveis, e possuem numerários e bens suficientes, incluindo os dois imóveis mencionados na petição inicial, 1 lugar de estacionamento, depósitos de dezenas de milhões dólares de HK, o rendimento mensal de cerca de MOP$200.000,00.
25. Os recorridos são mais jovens do que os recorrentes, pelo que segundo o senso comum, deve ser mais fácil para eles obter empréstimo bancário, e não como alegaram as testemunhas, que os pedidos da concessão de empréstimo foram recusados por cada banco.
26. Também é de notar que se os recorridos realmente não tivessem fundos suficientes e não conseguissem obter empréstimo bancário para cumprir o contrato-promessa de compra e venda em causa, porque é que não teriam intentado directamente acção no tribunal, solicitando a restituição do sinal, mas em contrário, 2 meses depois da celebração do contrato, continuaram a pagar o imposto de selo no valor total de MOP$884.472.
27. Isso é impensável, porque de acordo com o entendimento dos recorridos sobre a cláusula em causa, desde que não conseguiram obter o empréstimo bancário, foi cancelada a transacção, e podiam eles recuperar directamente o sinal, então para que eles pagaram o imposto!
28. É duvidosa a veracidade do depoimento da 1ª testemunha dos Autores, e as gravações indicadas pelos recorrentes, os documentos constantes dos autos e os novos documentos apresentados são suficientes para reflectir o erro do Tribunal a quo na apreciação da prova, pelo que deve o tribunal de recurso dar como não provados os quesitos 1º a 6º da base instrutória.
29. Quanto aos quesitos 10º a 14º da base instrutória, entendem os recorrentes que o seguinte depoimento da sua 2ª testemunha H é suficiente para provar os respectivos factos.
30. Não se verifica a pouca credibilidade alegada pelo Tribunal a quo, mas em contrário, o depoimento revelou, claramente, o decurso do assunto.
31. Como acima referido, se os recorridos realmente não tivessem fundos suficientes, porque é que ainda pagaram à DSF o imposto de selo no valor de MOP$884.472, e não teriam intentado directamente acção no tribunal, resolvido o contrato e recuperado o sinal!
32. Além disso, é de conhecimento geral que em 2015, devido ao enfraquecimento do sector de jogos de fortuna e azar, começou a registar, a partir do 2º trimestre, quedas no mercado imobiliário, e no 4º trimestre, registou-se uma queda até 30%.
33. Daí que, os recorridos tinham fundos suficientes e eram financeiramente capazes de cumprir o contrato em causa, só que pretenderam prolongar o tempo para forçar os Réus a vender a fracção a preço reduzido.
34. Com base nisso, os recorrentes entendem que, de acordo com a gravação acima referida, é incorrecta a decisão do Tribunal a quo de dar por não provados os quesitos 10º a 14º da base instrutória, pedindo ao tribunal de recurso para dar por provados os mesmos.
35. O acórdão proferido pelo Tribunal a quo fundamentou-se nos factos provados e nos factos dados por provados na decisão sobre a matéria de facto, pelo que, se for julgado procedente o recurso dos recorrentes, será alterado o reconhecimento de factos na decisão sobre a matéria de facto, isto é, serão dados por não provados os quesitos 1º a 6º, e provados os quesitos 10º a 14º, então, deve-se revogar, por causa de perda dos fundamentos de facto, a decisão do Tribunal a quo de julgar parcialmente procedente a acção dos Autores, bem como a decisão de julgar improcedente a reconvenção dos Réus.
(ii) Ampliação da matéria de facto
36. Após a selecção da matéria de facto, os recorrentes deduziram a reclamação, indicando que deviam o art.º 20 da petição inicial e os art.ºs 24 a 35 e 42 a 45 da contestação ser integrados na matéria de facto.
37. Porém, entendeu o Tribunal a quo que, os respectivos factos fazem parte da impugnação, e o facto de terem os recorridos a capacidade económica para pagar o preço da fracção não é relevante para o conhecimento da causa, pelo que não aprovou o aditamento.
38. Na verdade, os recorrentes não têm obrigação de saber como é que os recorridos cumpriram a cláusula referida na Alínea G) dos factos assentes, mas quando os recorridos alegaram não ter sucesso em obter o empréstimo bancário, também deve ser relevante saber se os recorridos tinham ou não cumprido a respectiva cláusula com boa fé.
39. Para apurar se os recorridos recorreram a todas as maneiras física e legalmente viáveis para cumprir, com boa fé, o contrato e a cláusula adicional em causa, entendem os recorrentes que é imprescindível e adequado integrar na matéria de facto o art.º 20 da petição inicial e os art.ºs 24 a 35 e 42 a 45 da contestação.
40. Senão, não se pode reflectir plenamente se os recorridos fizeram tudo que puderam para cumprir a cláusula indicada na Alínea G) dos factos assentes.
41. Os factos apreciados pelo Tribunal a quo não são suficientes para o apuramento da verdade, pelo que deve o tribunal de recurso, nos termos do art.º 629.º, n.º 4 do CPCM, anular a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, e aditar o art.º 20 da petição inicial nos factos provados, e os art.ºs 24 a 35 e 42 a 45 da contestação no factum probandum, para que o Tribunal a quo aprecie os mesmos.
(iii) Erro na interpretação e aplicação do art.º 228.º, n.º 1 do Código Civil
42. In casu, entendem os recorrentes que, ao interpretar a respectiva cláusula, o Tribunal a quo ignorou que o contrato-promessa de compra e venda em causa também é um negócio jurídico formal.
43. De acordo com o art.º 404.º do Código Civil, o contrato-promessa em causa tem como objecto a compra e venda de um bem imóvel, pelo que é sujeito a forma escrita e só assim é válido. Sabemos que a cláusula indicada na Alínea G) dos factos assentes consta desse contrato-promessa de compra e venda escrito.
44. Quanto ao negócio jurídico formal, o art.º 230.º, n.º 1 do Código Civil tem a seguinte interpretação: “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.”
45. De acordo com a interpretação de MOTA PINTO, a doutrina da impressão do destinatário, sofre desvios quanto a certos negócios. E esses desvios traduzem-se no objectivismo, sendo isso o que sucede nos negócios formais.
46. Do texto de “caso os compradores não tenham sucesso em obter o empréstimo bancário, devem os proprietários restituir o sinal, não podendo ficar com o mesmo”, não se resulta que os promitentes-compradores (ou seja os recorridos) que exigiram a inserção desta cláusula nunca adicionar na mesma o sentido de intentar obter o empréstimo de HKD$14.000.000,00.
47. Por outra palavra, a intenção dos recorridos de pretender obter o empréstimo bancário de HKD$14.000.000,00, nunca foi reflectida na cláusula convencionada pelas partes. Mesmo que os recorridos tivessem informado, anteriormente, os recorrentes da sua dificuldade de obter empréstimo bancário, o valor de HKD$14.000.000,00 acabou por não constar da cláusula em causa.
48. A única explicação dessa situação é, na discussão da referida cláusula, os recorrentes já não concordaram com a inserção de qualquer montante do empréstimo por parte dos recorridos, e muito menos o de HKD$14.000.000,00.
49. De facto, para a aplicação do art.º 228.º do Código Civil aos negócios formais, é indispensável a restrição de correspondência no texto. Desta forma, se for reconhecida a validade duma declaração cujo sentido não possa ser deduzido do texto, será contrária à exigência de consenso das partes.
50. Por isso, nos negócios formais, o texto limita sempre o âmbito da interpretação. As exigências especiais devem ser claramente indicadas.
51. Como disse a 1ª testemunha dos recorridos no seu depoimento, durante a sua carreira de mediador imobiliário, nunca aditou a respectiva cláusula sem razão. Assim, tal testemunha, na qualidade de mediador imobiliário e representante dos Autores,sabia necessariamente que a respectiva cláusula devia ser redigida de forma muito clara, deixando ambas as partes compreender o seu sentido.
52. Se os recorridos, que exigiram a inserção da cláusula, não conseguissem exprimir bem e claramente a sua vontade real, deviam eles próprios, e não os recorrentes, sofrer as consequências desfavoráveis, não podendo fugir da responsabilidade a pretexto de imaturidade da técnica.
53. Por isso, o sentido da cláusula mencionada na Alínea G) dos factos assentes, não é garantir a restituição do sinal de HKD$1.000.000,00 aos recorridos quando eles não tenham sucesso em obter o empréstimo bancário de pelo menos HKD$14.000.000,00; mas é os recorrentes só precisam restituir o sinal se não seja concedido qualquer empréstimo bancário.
54. Por outro lado, pode-se ver no acórdão recorrido que, o Tribunal a quo, por um lado, entendeu que foi expressa na respectiva cláusula a definição de não ter sucesso em obter empréstimo bancário, pelo que procedeu à interpretação da cláusula. Mas após a interpretação, o Tribunal a quo continuou a dizer que o juízo de ter sucesso ou não em obter empréstimo, deve ser feita de forma flexível e razoável, e conforme as circunstâncias concretas.
55. Entendem os recorridos (sic.) que a interpretação feita pelo Tribunal a quo é tautológica, ou seja interpretar, com critério flexível, uma cláusula cujo sentido não é claro. Assim, não podemos saber com que montante do empréstimo é que se considera mal sucedido o mesmo!
56. Por isso, não concordamos com a interpretação da Alínea G) dos factos assentes feita pelo Tribunal a quo.
57. Com base nisso, entendem os recorrentes que o Tribunal a quo interpretou e aplicou, erradamente, o art.º 228.º, n.º 1 do Código Civil. Deve o tribunal de recurso julgar improcedente a acção dos recorridos.
Pelo exposto, pede-se ao MM.º Juiz para:
(1) Admitir a junção dos 4 documentos apresentados pelos recorrentes;
(2) Julgar procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e alterar a mesma, declarar que dar por não provados os quesitos 1º a 6º e provados os quesitos 10º a 14º. E ao mesmo tempo, revogar, por causa de perda dos fundamentos de facto, a decisão do Tribunal a quo de julgar parcialmente procedente a acção dos Autores, bem como a decisão de julgar improcedente a reconvenção dos Réus; ou
(3) Anular a decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, e aditar o art.º 20 da petição inicial nos factos provados, e os art.ºs 24 a 35 e 42 a 45 da contestação no factum probandum, para que o Tribunal a quo aprecie os mesmos; ou
(4) Julgar que o Tribunal a quo interpretou e aplicou, erradamente, o art.º 228.º, n.º 1 do Código Civil, e revogar a parte do acórdão recorrido que julgou parcialmente procedente a acção dos Autores.”
*
Os AA responderam ao recurso, apresentando a seguinte síntese alegatória:
“Da impugnação da matéria de facto:
1. No que concerne à admissibilidade da junção de documentos na fase do recurso, podem as partes pelas duas situações previstas no art.º 616.º, n.º 1 do CPC juntar os documentos com suas alegações.
2. Uma vez que os documentos a juntar cuja apresentação tenha sido possível até ao encerramento da discussão da matéria de facto, pelo que não se verifica o art.º 452.º, n.º 1 do CPC.
3. Também o presente caso não se verifica a segunda situação prevista no art.º 616.º, n.º 1 do CPC.
4. Pelos supra expostos, é inadmissível a junção requerida, ao abrigo do contrario sensu do art.º 616.º, n.º 1 do CPC.
5. Além disso, os Recorridos consideram que os documentos a juntar são manifestamente dispensáveis, porquanto, por tais documentos, deveria só o facto assente P) considerar-se como não provado, e não os quesitos n.ºs 1 a 6.
6. Também os Recorridos julgam que a resposta do BOC é duvidosa, já que a resposta não identifica bem o assunto que se considera não existente.
7. Quanto à discrepância entre o depoimento da 1ª testemunha e 2ª testemunha quanto ao sítio onde o banco fica não pode traduz-se ostensivamente a falsidade do depoimento da 1ª testemunha.
8. porque o facto essencial é que a 1ª testemunha ou/e os Recorridos foram ou não ao Banco Nacional Ultramarino (BNU) para pedir a concessão de crédito, concedendo ou não o empréstimo solicitado.
9. Por conseguinte, não se pode por um mero erro de lugar entender que o depoimento da 1ª testemunha é falso.
10. Além da falsidade do depoimento, os Recorrentes alegam que pelas seguintes razões não se pode logicamente entender que os quesitos 2 a 5 podem considerar-se como provados: o Autor é mais jovem do que o Réu; pagamento do imposto de selo; não aditamento de valor de HKD14.000.000,00 na cláusula em discussão; e, se os Recorrentes forem pessoas experientes como é que possível darem aos Recorrentes tantos benefícios e ao contrário assumem tantos riscos.
11. Relativamente à primeira razão, não faz sentido porque o deferimento da concessão de empréstimo é decidido por cada banco e, os quais têm decisões comerciais e critérios de concessão diferentes.
12. E, é importante que 2ª testemunha dos Recorridos deu ao Tribunal o depoimento de que o pedido da concessão de empréstimo dos Recorridos foi logo rejeitado por os mesmos não poderem passar manifestamente as exigências do BNU.
13. Quanto à segunda, como a 1ª testemunha dos Recorrentes se disse, os Recorridos tinham dito que se as partes contrárias não lhes devolverem o sinal, pagarão o imposto de selo e instaurarão a acção contra os Recorrentes.
14. Em virtude de não quererem ser participados pelo Tribunal de não pagar o imposto de selo no prazo legal, escolheram os Recorridos instaurar a presente acção resolutiva após o pagamento do imposto devido.
15. Por isso, o pagamento do imposto de selo não significa que os Recorridos obtiveram o fundo suficiente para adimplir a obrigação de comprar.
16. No tocante às restantes razões, também não faz sentido a tese dos Recorrentes, uma vez que se não fosse assim, não devia ser inserta a cláusula em discussão no contrato relatado no facto assente A).
17. Pelo prisma lógico, os vendedores só podem concordar com o aditamento daquele tipo da cláusula quando tomarem o conhecimento com precisão o valor que os compradores pretenderam pedir emprestar.
18. Por outro lado, as 1ª e 2ª testemunhas dos Recorrentes reconheceram que os Recorridos chegaram a exigir o aditamento da cláusula de que o contrato depende de os Autores obterem o empréstimo bancário no valor de HKD14.000.000,00.
19. Pelos supra expostos, deverá manter-se os quesitos 1.ºa 6.º por provados.
20. Relativamente aos quesitos 10 a 14, também o Tribunal a quo explicou que “a prova que poderá suportar a tese dos Réus é apenas o depoimento das duas testemunhas dos Réus, considerando a pouca credibilidade dessas testemunhas, e perante as declarações contra da testemunha dos Autores, não permite o Tribunal formar a convicção segura sobre a veracidade dos factos”.
21. Aliás, perante a questão do mandatário dos Recorrentes sobre por que motivo a 2ª testemunha se lembrava tão bem de cada assunto em causa, a mesma respondeu que “porque os proprietários fazem notas de cada vez e enviam-me, notas essas ainda não foram canceladas”.
22. Se tivessem essas notas que podem comprovar os factos de os Recorridos exigiram aos Recorrentes a redução do preço, então porque é que os Recorrentes ou/e aquela testemunha não os forneceram ao Tribunal?
23. É óbvio que não existem tais notas verdadeiramente.
24. Por derradeiro, quanto ao último quesito, uma vez que não podem ser comprovados os quesitos 10.º a 13.º e, por isso, também o quesito 14.º não pode considerar-se como provado, por ter o nexo da causalidade entre eles.
25. Por todo o expendido acima, deverá identicamente manter-se os quesitos 10.º a 14.º por não provados.
* Da ampliação da matéria de factos:
26. Dado que os Recorrentes na sua contestação apenas defenderam-se por impugnação e deduziram a reconvenção contra os Recorridos.
27. pelo que as questões de direito que o Tribunal cabe a resolver são as seguintes: 1) será verificada a condição resolutiva; e 2) será a relação contratual em causa resolvida por não cumprimento dos Recorridos.
28. Antes de mais, quanto ao art.º 24 da petição, facto esse pode dividir-se por duas partes, uma das partes é da finança e a outra é da estrutura da família dos Recorrentes. Não há dúvida que a primeira parte é uma conclusão dos art.ºs 18 e 19.º da mesma peça processual, pelo que não pode ser a primeira parte integrada a base instrutória, por ser um facto conclusivo; por outro, a segunda parte também não pode ser seleccionado como quesito porquanto tal facto não é relevante para o mérito da nossa causa.
29. No que diz respeito aos restantes factos, a capacidade financeira dos Recorrentes não é um ponto da vista relevante para o mérito da nossa causa.
30. É importante saber se os Recorrentes prometeram ou não restituir o sinal caso os Recorridos não consigam obter o empréstimo bancário de HKD14.000.000,00.
31. É, portanto, desnecessário adicionar-se os art.ºs 24.º a 35.º e 42.º a 45.º, todas da contestação ao questionário.
* Do erro na interpretação e aplicação do art.º 228.º, n.º 1 do CódigoCivil:
32. No caso subjudice, o contrato consagra expressamente a cláusula referida no facto assente G), a qual mostra-se que os contraentes estipularam uma cláusula pela qual o contrato-promessa seria resolvido caso a condição seja verificada.
33. Todavia, como é sabido, parece a expressão de tal condição ser imperfeita ou inexacta, mas não objectivamente inexistente. Neste caso, surge a dúvida sobre a divergência entre o sentido correspondente à impressão do declaratário e o sentido objectivo possível do documento.
34. Com Mota Pinto nos ensina “tal dúvida desfaz-se imediatamente, desde que se não olvide que a doutrina da impressão do destinatário, jogando embora com a hipótese de um declaratário normal, figura-o colocado na posição do declaratário concreto e considera, como circunstâncias atendíveis na pesquisa do sentido negocial, certos elementos, já aludidos exemplificativamente, exteriores ao documento”.
35. Assim, não restam dúvidas de que devemos continuar a aplicar o disposto no art.º 228.º do CCiv ao presente caso para interpretar a declaração negocial dos pactuantes.
36. Por isso, o Tribunal a quo não interpretou nem aplicou erradamente o art.º 228.º ao presente caso.
37. Por outro lado, conforme as respostas dos quesitos 2.º a 5.º, os Recorrentes souberam bem que os Recorridos precisavam de obter o empréstimo bancário até metade de preço, ou seja, de HKD14.000.000,00 e tinham dificuldade em obter o empréstimo bancário, assim, a inserção da cláusula adicional já pode implicar que a vontade real dos contraentes seja a de que se os Recorridos não conseguirem obter o empréstimo a cerca de HKD14.000.000,00 terão os Recorrentes de devolver-lhes o sinal, mesmo que não expressamente conste do montante do empréstimo.
38. Assim, não há dúvida de que o sentido corresponde à vontade real e concordantes das partes.
39. Por outro lado, tendo em conta que a menção do montante do empréstimo não prejudica a forma do negócio, isto é, a falta ou o aditamento do montante do empréstimo não afecta a validade da forma do contrato-promissória.
40. Pelo que, ao abrigo do art.º 230.º, n.º 2 do CCiv, vale o sentido de que se os Recorridos não conseguirem obter o empréstimo a cerca de HKD14.000.000,00 terão os Recorrentes de devolver-lhes o sinal.
*
Termos em que e com o douto suprimento de V. Ex.ªs, deverá o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida.”.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
“Da Matéria de Facto Assente:
- Em 2 de Janeiro de 2015, os autores e os réus celebraram um acordo designado por “contrato provisório de compra e venda” (adiante designado por “contrato”) (vide as fls. 6 a 7 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os efeitos legais). (Alínea a) dos factos assentes)
- O referido contrato refere-se à fracção autónoma “A23” destinada à habitação (adiante designada por “...... Court A23”), situada na Rua do ......, n.º ..., ...... Court, 23º andar A, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 9***, e inscrita na matriz predial sob o n.º 73***, cuja propriedade é inscrita a favor dos réus sob o n.º ***215G. (Alínea B) dos factos assentes)
- Por contrato acima referido, os autores prometeram comprar e os réus prometeram vender a aludida fracção autónoma. (Alínea C) dos factos assentes)
- Os autores e os réus concordaram no preço de HKD$29.000.000,00, equivalente a MOP$29.870.000,00 (cálculo efectuado à taxa de câmbio de HKD$1 por MOP$1,03). (Alínea D) dos factos assentes)
- Na data da celebração do aludido contrato, os autores entregaram aos réus, a título de sinal, um cheque do Banco da China, n.º HJ49****, no montante de HKD$1.000.000,00. (Alínea E) dos factos assentes)
- Conforme o contrato (cláusula 2ª), o remanescente do preço será pago nas datas e das formas a seguir indicadas
* O montante de HKD$9.000.000,00, a título de remanescente da primeira prestação, tem de ser pago na celebração do contrato prometido, ou seja até ao dia 18 de Fevereiro de 2015;
* O montante de HKD$9.000.000,00, a título de remanescente da primeira prestação, tem de ser pago na celebração do contrato prometido, ou seja até ao dia 18 de Fevereiro de 2015;O montante de HKD$9.000.000,00, a título de remanescente da primeira prestação, tem de ser pago na celebração do contrato prometido, ou seja até ao dia 18 de Fevereiro de 2015;
- Além disso, os autores e os réus também chegaram ao acordo sobre as outras condições adicionais, uma das quais se transcreve: “Caso os compradores não tenham sucesso em obter o empréstimo bancário, devem os proprietários restituir o sinal, não podendo ficar com o mesmo”. (Alínea G) dos factos assentes)
- Ambos os autores são bate-fichas. (Alínea H) dos factos assentes)
- No momento em que pretenderam adquirir a fracção ...... Court A23, os autores detiveram juntos outras duas fracções autónomas oneradas por hipotecas. (Alínea I) dos factos assentes)
- Uma fracção autónoma situa-se na Rua da ......, n.º ..., ...... Toi, ...º andar ..., é destinada para habitação e designada por “A17” (adiante designada por “...... Toi A17”), é descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 20***, e encontra-se inscrita na matriz predial sob o n.º 73***, cuja propriedade é inscrita a favor dos autores sob o n.º ***859G. (Alínea J) dos factos assentes)
- Os autores adquiriram juntos a fracção ...... Toi A17 no dia 14 de Novembro de 2012, e hipotecaram, ao mesmo tempo, a fracção a favor do “Banco da China, Limitada” (adiante designado por “Banco da China”), por um montante de HKD$1.277.000,00. (Alínea K) dos factos assentes)
- A outra fracção autónoma situa-se na Avenida do ......, ...... Center, 13º andar A, é destinada para habitação e designada por “A13” (adiante designada por “...... Center A13”), e é descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22***, cuja propriedade é inscrita a favor dos autores sob o n.º ***813G. (Alínea L) dos factos assentes)
- Os autores adquiriram juntos a fracção ...... Center A13 no dia 15 de Agosto de 2014, e hipotecaram, no dia 26 de Setembro de 2014, a fracção a favor do “Banco da China”, por um montante de HKD$4.600.000,00. (Alínea M) dos factos assentes)
- Na altura da celebração do contrato referido na Alínea A), os autores possuíram numerários de cerca de HKD$15.000.000,00, incluindo depósitos no Clube VIP dos casinos e nos bancos. (Alínea N) dos factos assentes)
- Na altura, os autores auferiram, nos últimos 4 meses, HKD$200.000,00 por mês. (Alínea O) dos factos assentes)
- O único banco que admitiu o pedido da concessão de empréstimo foi também o Banco da China, mas apenas aprovou a concessão dum empréstimo até ao montante de HKD$6.000.000,00. (Alínea P) dos factos assentes)
- Os autores, através do seu mediador imobiliário, solicitaram que os réus restituíssem, conforme o contrato, o sinal que tinham entregado no montante de HKD$1.000.000,00, equivalente a MOP$1.030.000,00 (cálculo efectuado à taxa de câmbio de HKD$1 por MOP$1,03). (Alínea Q) dos factos assentes)
- O mediador imobiliário dos autores foi informado pelo mediador imobiliário dos réus de que por os autores não conseguirem exibir documentos comprovativos da rejeição do pedido da concessão de empréstimo, os réus não iriam restituir o sinal que tinham recebido. (Alínea R) dos factos assentes)
- Os réus notificaram os autores de que prorrogaram o prazo da celebração da escritura de compra e venda para o dia 15 de Maio de 2015. (Alínea S) dos factos assentes)
- Os autores não se apresentaram à celebração da respectiva escritura de compra e venda na data indicada na Alínea S). (Alínea T) dos factos assentes)
- Através da carta de 16 de Maio de 2015, os réus responderam aos autores que estes não conseguiram fornecer documentos comprovativos da rejeição, por parte dos bancos, da concessão de empréstimo, pelo que acusaram os autores de incumprimento no prazo prolongado, e em consequência, confiscaram o sinal de HKD$1.000.000,00 dos autores. (Alínea U) dos factos assentes)
- Em 2 de Março de 2015, os autores pagaram o imposto de selo sobre a transmissão da fracção em causa no valor de MOP$884.472,00. (Alínea V) dos factos assentes)
- Em 10 de Abril de 2015, os autores não pagaram aos réus o remanescente do preço no montante de HKD$19.000.000,00, nem celebraram a escritura de compra e venda da fracção em causa conforme a cláusula 2ª, n.º (D) do contrato envolvido. (Alínea X) dos factos assentes)
- Os réus pretenderam vender a fracção em causa pela urgência da circulação de fundos. (Alínea Y) dos factos assentes)
- Em 18 de Setembro de 2015, os réus celebraram com I e J a escritura de compra e venda da fracção em causa. (Alínea Z) dos factos assentes)
- A fracção em causa foi vendida a preço de MOP$24.768.000,00, equivalente a HKD$24.000.000,00. (Alínea AA) dos factos assentes)

Da Base Instrutória:
- Logo após a celebração do supracitado contrato, os autores contactaram de imediato diversos bancos e solicitaram financiamento para concluir a referida transacção. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Para comprar a fracção autónoma ...... Court A23, os autores intentaram pedir um empréstimo de pelo menos HKD$14.000.000,00 (ou seja metade do preço). (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- Antes da celebração do contrato, os réus já tinham conhecimento da profissão dos autores e da sua dificuldade em obter o financiamento bancário. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Na altura da celebração do contrato indicado no ponto A) da matéria de facto assente, os réus já tinham conhecimento da intenção dos autores de obter um empréstimo bancário no valor correspondente a metade do preço da fracção (resposta ao quesito 3º da base instrutória)1
- Face a dificuldade de financiamento acima referida, os autores e os réus concordaram em aditar a condição adicional indicada na Alínea G) dos factos assentes. (resposta ao quesito 5º da base instrutória)
- Após os autores contactarem, através do seu mediador imobiliário, diversas instituições bancárias locais (incluindo Banco Nacional Ultramarino, Banco Hang Sang, Banco Weng Hang/Banco OCBC Weng Hang, Banco Tai Fung), tendo os seus pedidos de concessão de empréstimo sido recusados. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- Segundo a prática da indústria bancária, os bancos não emitem qualquer certidão ou documento semelhante para a rejeição do pedido da concessão de empréstimo. (resposta ao quesito 7º da base instrutória)
- Com o consentimento dos autores, o mediador imobiliário deles exibiu ao mediador imobiliário dos réus os documentos necessários para pedido da concessão de empréstimo dos autores, exigindo que os réus e o seu mediador imobiliário deslocassem-se juntos aos bancos de modo a provar que os autores não tiveram sucesso em obter o financiamento necessário. (resposta ao quesito 8º da base instrutória)
- Tal solução foi rejeitada pelos réus e pelo mediador imobiliário deles. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)”
***
III – O Direito
Questão prévia
Com as alegações do recurso que interpuseram, e com fundamento nos arts. 451º, nº1 e 616º do CPC, os RR juntaram 4 documentos que pretensamente serviriam para acudir à sua posição recursória, com vista, portanto, à impugnação da matéria de facto. Fizeram-no com a invocação de serem documentos que não puderam ser juntos anteriormente.
Os recorridos opuseram-se à sua junção, por considerarem não estarem reunidos os requisitos legais para o efeito.
Têm razão os recorridos. A junção dos documentos após a discussão só é admitida, em caso de recurso, se não puderem ter sido juntos antes (art. 451º, nº1, do CPC). E tal não era o caso. E por outro lado, a junção de documentos com as alegações só em casos muito restritos é possível, e isso sucede nos casos do art. 451º referido, ou quando a sua junção for necessária em face do julgamento proferido na 1ª instância. Uma dessas situações ocorre quando em audiência tiver sido apresentado algum elemento novo com que o recorrente não contasse, ou quando a sentença teve em consideração algum preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado, e sobre o qual apenas pudesse tomar posição com a junção de documento posteriormente obtido. É este o sentido, por exemplo, do Ac. do TUI, de 30/04/2003, Proc. nº 2/2003 (ver tb. Acs. do TSI, de 16/05/2013, Proc. nº 175/2013; de 23/05/2013, Proc. nº 223/2012; de 18/07/2013, Proc. nº 50/2013).
Com efeito, estes documentos deveriam ter sido juntos durante a instrução do processo porque tinham em vista a impugnação da matéria alegada pelos AA. Só os obtiveram agora, dizem os RR! Mas só agora os obtiveram porque não foram diligentes em os terem obtido e juntado anteriormente. Por exemplo, por que motivo só pediram ao Banco da China informação sobre o pedido de empréstimo dos AA após a audiência de julgamento? Podiam e deviam tê-lo feito antes, porque essa matéria já fazia parte da B.I., os RR conheciam-na e tinham toda a possibilidade de, com tempo, fazer a contra-prova dos respectivos factos. Tiveram tempo suficiente para o fazerem anteriormente. Lembramos que o tribunal quando faz o julgamento da matéria de facto, actua com base nos elementos que as partes livremente lhe fornecem. Não pode ele, nem o tribunal “ad quem”, ficar à espera de “melhor prova”, porque um e outro apenas podem operar, isto é, fazer o seu juízo acerca da realidade dos factos de acordo com os ónus que recaem sobre as partes, no respeito dos arts. 335º e 336º do Código Civil.
Sendo assim, não se admite a junção daqueles documentos.
*
Do recurso
1 – As questões decidendas
No presente recurso, os RR/recorrentes insurgem-se contra a sentença em três pontos:
- Em primeiro lugar, impugnam a matéria de facto referente aos arts. 1º a 6º (dados por provados) e 10º a 14º (dados por não provados) da Base Instrutória;
- Em segundo lugar, pugnam pela ampliação da matéria de facto, devendo ser anulada a decisão impugnada de modo a que sejam apurados os factos constantes do art. 20º da p.i. e 24º a 35º e 42º a 45º da contestação.
- Em terceiro lugar, defendem que o tribunal “a quo” andou mal na análise do art. 228º, nº1, do Código Civil.
São estas as questões a apreciar.
*
2 – Da impugnação da matéria de facto
Acham os recorrentes RR que os artigos 1º a 6º da BI não deveria ter sido dados como provados e que os arts. 10º a 14º da BI deveriam ter sido dados como provados.
E isto por, alegadamente, o tribunal se ter servido basicamente da 1ª testemunha dos AA, cujo depoimento se mostra destruído pelos documentos juntos.
Sucede que os documentos não podem ser admitidos, tal como já acima decidimos. E de resto, nenhum deles teriam (nem tem) a capacidade de destruir a prova alcançada na 1ª instância a partir da convicção dos julgadores, com base nos elementos dos autos e, consequentemente, também com base no depoimento da testemunha dos AA. Aliás, o tribunal “a quo” não se ateve somente ao depoimento dessa testemunha, mas também teve em consideração as declarações das testemunhas dos próprios RR, tal como se pode ver da fundamentação do respectivo acórdão.
Acresce dizer, que a livre convicção do julgador da 1ª instância é soberana e só em caso de erro que facilmente seja detectável pode o tribunal do recurso censurar o modo como a apreciação dos factos foi feita. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. A decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu. (Ac. do TSI, de 8/03/2018, Proc. nº 311/2017).
Daí que reapreciada e valorada a prova de acordo com o princípio da livre convicção, se não conseguir chegar à conclusão de que houve erro na apreciação da prova que permita a alteração da resposta dada à matéria de facto controvertida, improcede o recurso nesta parte. (Ac. do TSI, de 11/01/2018, Proc. nº 635/2017).
Ora, lida com toda a atenção a transcrição que os RR fizeram nas suas alegações e confrontando-a com a fundamentação do julgador e com a forma como foram dadas as respostas, não vemos qualquer discrepância, obscuridade ou incoerência no julgamento efectuado sobre a matéria de facto.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
*
3 – Da ampliação da matéria de facto
Entendem os RR/recorrentes que deveria a matéria do art. 20º da p.i. e dos arts. 24º a 35º e 42º a 45º da contestação ser incluída na base instrutória, para se fazer uma apreciação global sobre o caso.
Mas não têm razão. A matéria do art. 20º da p.i. é despicienda ao desfecho da causa, pois não interessa saber se a razão pela qual pensaram adquirir outra casa. Isso é completamente indiferente à causa de pedir e à análise do mérito da causa. Não esqueçamos que o tribunal só deve proceder à selecção dos factos, provados e probandos, de acordo com as diversas soluções plausíveis de direito (art. 430º, nº1, do CPC).
E quanto à matéria referida da contestação, também pensamos que ela não apresenta a menor relevância, nem sequer indiciária, para solucionar o conflito, o qual, recorde-se, assenta numa alegada causa de resolução do contrato de promessa.
*
4 – Do art. 228º, nº1, do CC
Neste passo, os RR/recorrentes advogam que o tribunal “a quo” interpretou mal a disposição legal, por não terem tido em conta o disposto no art. 230º, do CC.
Não têm razão, salvo o devido respeito.
As partes acordaram, devido à dificuldade de os AA conseguirem o financiamento bancário para a aquisição da fracção prometida vender, na introdução da cláusula mencionada no ponto G) da matéria da especificação (factualidade assente). Ora, segundo este facto (al. G)), “caso os compradores não consigam obter a concessão do empréstimo junto de instituição bancária, os proprietários devolverão o sinal, não sendo considerado desistência do sinal”.
É verdade que os recorridos conseguiram uma resposta positiva junto do Banco da China, no montante de seis milhões de dólares de HK (al. P)). Contudo, esta importância não era suficiente, pois precisavam de um empréstimo bancário em valor não inferior a 14 milhões de dólares de HK (resposta ao quesito 2º).
Entendem os recorrentes que a cláusula adicional da devolução do valor do sinal não podia operar, uma vez que os AA sempre tiveram sucesso na obtenção de uma resposta favorável ao empréstimo, sendo certo que a cláusula não fazia qualquer referência a valor mínimo de 14 milhões de dólares de HK.
É verdade que a referida cláusula estabelece uma condição resolutiva, que bem se pode interpretar da seguinte maneira “se os promitentes compradores não obtiverem empréstimo bancário, o contrato fica sem efeito e os promitentes vendedores devolvem, o sinal recebido no valor de um milhão de dólares de HK.
Contudo, é preciso interpretar aquela cláusula, não isolada ou autonomamente, mas sim em função do circunstancialismo envolvente e que os recorrentes conheciam bem. Realmente, os RR tinham conhecimento de que os AA precisavam de um mútuo bancário no valor de metade do preço acordado de HKD $29.000.000,00 (logo, 14,5 milhões: alínea d)). Esta matéria foi dada como provada e, como vimos, não vemos como alterá-la (cfr resposta ao quesito 4º).
Portanto, se os RR/recorrentes conheciam este circunstancialismo, parece claro que, independentemente do valor de que necessitavam, a cláusula era para funcionar no caso de os requerentes não conseguirem junto dos bancos o capital necessário à aquisição definitiva. Isso é o que está latente ou implícito no seu conteúdo.
E nesta medida a interpretação da referida condição foi bem efectuada (art. 228º do CC), não só atendendo ao seu teor expresso, como ainda em função da vontade das partes manifestada e reciprocamente conhecida, o que significa que também se não pode dar por violado, nem esse preceito, nem o art. 230º do mesmo diploma.
Pensamos, em suma, que a sentença não andou mal no exercício intelectivo que efectuou quanto a esta questão.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, conformando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
T.S.I., 17 de Janeiro de 2019
(Relator)
José Cândido de Pinho

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Tong Hio Fong

(Segundo Juiz-Adjunto)
Lai Kin Hong
1 Introduzimos aqui este facto, não obstante ele não fazer parte dos factos assentes incluídos na sentença (certamente por lapso), já que esse facto foi julgado “provado”, conforme acórdão de fls. 281 verso).
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60/2018 1