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Processo nº 1141/2018 Data: 21.02.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Acidente de viação.
Crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
Culpa.
Absolvição.


SUMÁRIO

  Se da matéria de facto dada como provada não se puder concluir que o arguido é o culpado pelo acidente de viação do qual resultaram lesões para o ofendido, imperativa é a sua absolvição da imputada prática de um crime de “ofensa à integridade física por negligência”.
O relator,

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José Maria Dias Azedo

Processo nº 1141/2018
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de MOP$120,00, perfazendo a multa de MOP$14.400,00 ou 80 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 4 meses; (cfr., fls. 104 a 111 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o arguido recorreu, considerando que a sua conduta não integra o crime pelo qual foi condenado, pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 142 a 147).

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Respondendo, pugna o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 150 a 152).

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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetido a julgamento no processo CR3-18-0271-PCS, foi o ora recorrente A condenado na pena de multa de 120 dias, à razão diária de MOP $120.00, com a alternativa de 80 dias de prisão, e na inibição de condução pelo período de 4 meses, pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punível pelos artigos 142.°, n.° 1, do Código Penal, e 93.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário.
Inconformado, vem interpor recurso da decisão condenatória, apresentando a peça de motivação que consta de fls. 143 e seguintes, onde se bate pela inexistência de violação do dever de prudência que possa ser considerado causa adequada das lesões produzidas no ofendido e, subsidiariamente, pela violação do princípio do acusatório.
Em resposta, pronuncia-se o Ministério Público pela improcedência do recurso.
Parece-nos que assiste razão ao recorrente, face à materialidade tida por provada, e considerando nomeadamente que não se provou que o arguido tenha efectuado uma travagem brusca com redução repentina de velocidade.
Vejamos.
O arguido, por motivos exactamente não apurados, mas que podem dever-se a distracção, deficiente sinalização, etc., colocou-se numa situação de transgressão, ao transitar, por engano, com um veículo automóvel ligeiro, pela faixa que, transitória e experimentalmente, as autoridades de trânsito, decidiram reservar a veículos de duas rodas. Estando em transgressão, impunha-se-lhe que pusesse termo a essa situação logo que lhe fosse possível fazê-lo sem colocar o restante tráfego em risco. Foi o que fez o arguido, abrandando a velocidade até cerca de 20 km/h e saindo por uma escapatória para a faixa contígua destinada aos carros. Provado que ficou, como se disse, que o arguido não diminuiu bruscamente a velocidade, a queda do ofendido, que seguia atrás do veículo do arguido aos comandos de um motociclo, não pode ser imputada ao arguido. Pelo contrário, toda a culpa na produção do sinistro cabe em exclusivo ao ofendido, que não adequou a velocidade às circunstâncias concretas que se lhe deparavam, por forma a guardar uma distância de segurança do veículo que o precedia e conseguir parar em segurança no espaço disponível e visível à sua frente, violando manifestamente o comando do artigo 30.°, n.° 1, da Lei do Trânsito Rodoviário. Aliás, nas circunstâncias que se lhe deparavam, de ter à sua frente um carro que seguia indevidamente numa faixa destinada a motociclos, deveria o ofendido ter usado de especial prudência e ter guardado a distância que, em caso de necessidade, lhe permitisse parar no espaço livre e visível à sua frente.
Não o fez, pelo que o acidente é-lhe imputável em exclusivo. A conduta do arguido, de abrandar e sinalizar a saída para a faixa de rodagem destinada aos automóveis, não evidencia imprudência, descuido, imperícia, nem substancia transgressão causal do acidente e queda do motociclo. Por isso, a conclusão a que chegou o tribunal, após ter afastado expressamente a hipótese de redução rápida de velocidade por parte do arguido, não se compagina com uma situação de negligência que tenha dado causa adequada ao sinistro e às lesões sofridas pelo ofendido.
Não estão, assim, preenchidos todos os elementos do tipo, pelo que, salvo melhor juízo, impunha-se uma decisão absolutória.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se o recorrente”; (cfr., fls. 213 a 214).

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Cumpre decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Deu o T.J.B. como “provada” a seguinte matéria de facto:

“ I.
Em 10 de Setembro de 2017, pelas 8h07 da noite, o arguido A conduziu o automóvel ligeiro de matrícula MK-XX-XX e entrou, por engano, na via reservada a motociclos e ciclomotores na Ponte de Sai Van, em direcção a Macau.
II.
O limite de velocidade mínima na Ponte de Sai Van é de 40 Km/h.
III.
Ao aproximar-se do poste de iluminação n.º 773B07, o arguido descobriu uma abertura à sua esquerda que permitiu a saída da via reservada, pelo que reduziu a velocidade a cerca de 20 Km/h. Na altura, circulava atrás do arguido um motociclo de matrícula MN-XX-XX, e para evitar o embate, o condutor do motociclo (ofendido B) fez a manobra de travagem brusca, caiu no chão e ficou ferido (vide o relatório de vista de gravação vídeo constante das fls. 30, e os trechos de gravação vídeo constantes das fls. 31 a 32 dos autos).
IV.
O ofendido foi transportado para o Hospital Kiang Wu para receber tratamento médico.
V.
O supracitado embate causou directamente ao ofendido várias contusões e escoriações no seu corpo, que necessitou de 1 mês para recuperação. As lesões referidas provocaram ao ofendido ofensas simples à integridade física (vide o parecer clínico médico-legal constante das fls. 38 dos autos).
VI.
O acidente ocorreu na noite e na altura, as luzes da rua estavam ligadas, o tempo estava bom e o pavimento estava seco com tráfego suave.
VII.
O arguido agiu de forma livre e consciente ao praticar as condutas acima referidas.
VIII.
O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou:
As despesas de reparação do motociclo de matrícula MN-XX-XX do ofendido são de MOP$4.300,00.
De acordo com o CRC, o arguido não tem antecedente criminal.
O arguido alegou ter como habilitação literária o ensino universitário, trabalha como treinador de taekwondo e aufere mensalmente cerca de MOP$15.000,00, tendo a seu cargo a esposa”.

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Seguidamente, em sede de “factos não provados”, consignou que não se tinha provado que “O arguido reduziu, de repente, a velocidade a cerca de 20 Km/h”; (cfr., fls. 105 a 105-v).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M., e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de MOP$120,00, perfazendo a multa de MOP$14.400,00 ou 80 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 4 meses.

É de opinião que a “matéria de facto dada como provada” não permite considerar que a sua conduta integra o crime pelo qual foi condenado, pedindo a sua absolvição.

E, em nossa opinião, tem razão.

Aliás, no douto Parecer do Ministério Público vem já explicitadas as razões pelas quais se nos apresenta que se deve reconhecer razão ao ora recorrente, pouco havendo a acrescentar.

Com efeito, “provado” não tendo ficado o que da acusação constava – que “O arguido reduziu, de repente, a velocidade a cerca de 20 Km/h” – e neste ponto assentando a imputada “falta de cuidado” do arguido ora recorrente, possível não nos parece que se continue a considerar o mesmo, (ainda que mero), “co-responsável” pelo acidente.

Não se quer com isto dizer que a conduta do ora recorrente, introduzindo-se e circulando na faixa de rodagem reservada a motociclos ou ciclomotores não constitua uma (eventual) infracção às normas que regulam o tráfego rodoviário.

Todavia, e independentemente do que se acabou de consignar, importa é atentar que tal facto, (por si), não constitui a “causa do acidente” dos autos e da colisão ocorrida entre o motociclo do ofendido e o veículo conduzido pelo arguido.

E, nesta conformidade, provado não estando que o recorrente “reduziu, de forma súbita, a velocidade em que circulava”, cremos que adequado não é assacar-lhe qualquer culpa, afigurando-se-nos que a única conclusão lógica e possível a extrair é a de que o ofendido, condutor do motociclo, estava “desatento”, (não se tendo apercebido do abrandamento de velocidade do veículo do arguido), ou então, que circulava a uma velocidade que não lhe permitiu evitar a colisão, (sendo assim de constatar que circulava em “excesso de velocidade”, cfr., art. 31°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007), podendo ainda suceder que ocorreram ambas as circunstâncias, ou seja, de o ofendido circular “desatento” e em “velocidade excessiva”, sendo, então, o único culpado pelo acidente dos autos.

In casu, e como se referiu o Tribunal a quo não deixou de considerar o ofendido “co-responsável” pelo acidente.

Porém, e pelos motivos que se deixaram expostos, cremos que não terá interpretado adequadamente a factualidade dada como “provada” (e “não provada”), que, em nossa opinião, não permite a decisão condenatória proferida, havendo que se decidir pela sua revogação e consequente absolvição do arguido.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso, ficando o arguido absolvido do crime pelo qual foi condenado.

Sem custas.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 21 de Fevereiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 1141/2018 Pág. 12

Proc. 1141/2018 Pág. 13