Proc. nº 578/2018
Recurso contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 21 de Março de 2019
Descritores:
- Caducidade preclusiva
- Prorrogação do prazo da concessão
- Actividade vinculada
- Lei Básica (arts. 7º, 103º da Lei Básica)
- Abuso de direito
SUMÁRIO:
I - A caducidade-preclusiva pelo decurso do prazo geral máximo da concessão impõe-se, inevitavelmente, à entidade administrativa competente. É, pois, um acto vinculado, por ter a sua raiz mergulhada na circunstância de esse efeito caducitário decorrer directamente ope legis, sem qualquer interferência do papel da vontade do administrador. É da lei que advém fatalmente a caducidade.
II - Os princípios gerais de direito administrativo constituem limites intrínsecos da actividade administrativa discricionária e não vinculada.
III - Os artigos 6º, 7º e 103º da Lei Básica não apresentam qualquer relevância para os casos em que é declarada administrativamente a caducidade de uma concessão e em que, consequentemente, não está em causa a propriedade privada da concessionária.
IV - O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a lei e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões.
Proc. nº 578/2018
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM
I – Relatório
A Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A., em chinês, 澄景灣建築置業股份有限公司, sociedade comercial anónima, com sede em Macau, XXX, registada na Conservatória dos Registos Comerciais e Bens Móveis sob o n.º XXX, interpõe neste TSI recurso contencioso -----
Do despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado público pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 17/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018,----
Que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 233 m2, designado por lote 1 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 22 513, a fls. 165 do livro B-47K.
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Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“a) Vem o presente recurso interposto do Despacho do Chefe do Executivo, de 3 de Maio de 2018, tornado púbico pelo Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.º 17/2018, publicado no Boletim Oficial n.º 20, II Série, de 16 de Maio de 2018, que declarou a caducidade da concessão do terreno com a área de 1 233 m2, designado por lote 1 da zona C do empreendimento denominado “Fecho da Baía da Praia Grande”, situado na península de Macau, descrito na Conservatória do registo Predial sob o n.º 22 513, a fls. 165 do livro B-47K;
b) A Recorrente é titular de uma concessão por arrendamento do Terreno, destinado à construção de um edifício, em regime de propriedade horizontal, destinado a habitação e estacionamento, a qual originalmente concedida à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L. (“Nam Van”) por escritura de 30 de Julho de 1991 e sucessivamente alterada em vários Despachos.
c) Os lotes de terreno concedidos por esses despachos compõem o empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande” e fazem parte de um projecto integrado que se manteve íntegro e uno até ao presente, assim tratado pelo Governo, pela Nam Van e por cada concessionária de cada um dos terrenos, incluindo a Recorrente;
d) À data da concessão (1991), os terrenos a explorar pela Nam Van não existiam ainda, eram ainda “terrenos a conquistar ao mar”;
e) De acordo com cada um desses contratos, o arrendamento do Terreno era válido por 25 anos, contados desde 1991, até 30 de Julho de 2016, podendo ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049;
f) Não obstante, o Terreno só veio a ser concedido em 1994, sendo, até então, considerado nos contratos como “áreas” ou “terrenos a conceder”;
g) A Nam Van passou os 10 anos seguintes - os primeiros 10 anos do contrato - a construir as zonas de aterro dos “terrenos a conceder” (cláusula 6.º do Desp. 73/SATOP/92 relativa ao prazo do aproveitamento), entre eles o Terreno, e a construir infraestruturas que constituíam os encargos especiais de especial interesse público (a Nam Van que todos conhecemos hoje) previstas no contrato, como incluíam a concepção e construção dos dois lagos artificias da Nam Van e a ilha artificial, o sistema de tratamento de águas residuais desde a Barra até ao Porto Exterior, rede geral de distribuição de água e energia destas zonas, arruamentos, estacionamentos e outros acima melhor descritos, terreno e infraestruturas que só vêm a ser definitivamente recebidas pela Administração em Dezembro de 2001 e homologadas pelo STOP em Janeiro de 2003!
h) O Terreno é transmitido à Recorrente em 2001, que manteve por muitos anos a maioria do seu capital social detido pela Nam Van que, por sua vez, vinha do enorme esforço financeiro de construção de todos os encargos e infraestruturas do contrato de concessão de terras; os terrenos e áreas concedidos abrangiam toda a área desde o actual NAPE até à Torre de Macau;
i) O fim dos trabalhos de insfraestrutura coincide com o pleno efeito da recessão imobiliária que se havia feito sentir nesses anos em Macau, que por sua vez se enquadrava já num mau momento dos mercados asiáticos ao qual vem a acrescer a SARS e a limitação na circulação de pessoas, que determinou uma queda dramática no mercado de compra e venda e na realização de contratos, com forte repercussão no mercado da construção, com uma quebra acentuada e inesperada no lado da compra e um aumento inesperado dos custos de construção (da ordem dos 40%), de que é exemplo a dificuldade na venda das fracções do Edifício Lake View, no Lote A8 e no NAPE;
j) A repercussão desta crise nas dificuldades de construção e desenvolvimento dos projectos, em concreto no cumprimento dos prazos de aproveito que terminavam naqueles anos, como era o caso do Terreno, foi reconhecida pela Administração conforme acima se mencionou (vide Doc.s 6 e 7);
k) Os sinais de crise começam a abrandar em 2004, com a abertura do Sands Macau, e a Recorrente legitimamente contava com duas práticas reiteradas e inegáveis da administração: (i) a aprovação dos projectos fora do prazo do aproveitamento, ou eja, não era o decurso do prazo de aproveitamento que impedia a aprovação do projecto e a realização das obras de construção, e (ii) e a renovação sucessiva da concessão após o decurso do prazo de arrendamento;
l) A Recorrente e a Nam Van contavam com a colaboração do Giverno, assim como colaboraram com tudo o que o Governo lhe solicitou, em particular, com a “desistência” de 25.920m2 correspondentes a quatro lotes de terreno, os lotes B/b, B/f, B/g e B/l, de 4 concessionárias da Nam Van;
m) Essa entrega concretizou-se em 2004 e está plasmada nos Despachos do STOP n.º 33/2004, n.º 34/2004, 35/2004 e 36/2004, tendo nesses mesmos terrenos vindo a nascer os actuais empreendimentos dos hotéis Wynn e MGM, o que aliás consta dos considerando 3. de cada despacho, sem qualquer outra contrapartida para as concessionárias que titulavam as concessões que não a promessa que se pode ler nos despachos que a titularam: “O primeiro outorgante promete conceder a favor do segundo outorgante um ou mais terrenos localizados nas C e D do Plano da Baía da Praia Grande ou em Zona com uma área de construção e capacidade aedificandi equivalente” (artigo 1.º, n.º 4 dos Despachos);
n) A entrega destes lotes no NAPE determinou uma revisão e um reordenamento geral do Plano das Zonas C e D que, mais do que uma promessa do Governo, foi falado, acordado, revisto, detalhado, confirmado e concretizado em reuniões com a Nam Van, a Recorrente, as restantes concessionárias dos terrenos da Nam Van e altos representantes do Governo, regulado em pormenor, ao ponto de terem sido emitidas várias Plantas de Alinhamento Oficial para os vários lotes, com o desenho e altimetria que viriam a ter após a revisão do Plano, de forma a permitir às concessionárias das Zonas C e D avançar com os estudos e projectos e obter licenças de obras;
o) De acordo com esse Plano revisto, o Terreno aqui em causa fazia parte de um conjunto de lotes, juntamente com os lotes C3 e C4, para ser entregues ao Governo e compensados noutras áreas da mesma zona C ou D e num destes lotes chegou a estar projectada a nova sede da Polícia Judiciária;
p) Sabendo que iam ser revistas todas as áreas da Zona C e D, e nalgum casos revertidas áreas, e numa altura inicial tão adversa do mercado, a Requerente entendeu prudente esperar que o Governo revisse primeiro os planos da Zona C/D antes de submeter projectos;
q) Na ausência de acção do Governo, a partir de 2005 algumas concessionárias da Zona C começaram a preparar e a submeter os seus projectos, sempre em consonância com a ideia do que havia sido discutido anteriormente com o Governo e da redistribuição dos lotes que havia sido gizada em função das discussões sobre os projectos, de forma a evitar elevados custos desnecessários com a preparação de projectos que viessem a ser desnecessários ou a ter que ser revistos após a publicação do novo plano;
r) O Governo assumiu diversas vezes o compromisso de rever o plano de aproveitamento dos terrenos das Zonas C e D, de que é exemplo a carta junta como Doc. 9, e outros documentos preparados pela administração que se juntam neste recurso, como os Docs. 10 e 11, o que condicionou determinantemente a atitude da Recorrente em relação ao Terreno, porquanto acreditou no projecto delineado pelo Governo e nas garantias de revisão;
s) Surpreendentemente, em 21 Agosto de 2006 é publicado o Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006, que vem revogar a Portaria 69/91/M, que havia aprovado o Plano de Reordenamento da Zona da Baía da Praia Grande;
t) Ora, o plano de aproveitamento do Terreno estava condicionado ao cumprimento do Plano de Pormenor e respectivo Regulamento aprovados por esta Portaria, nos termos da cláusula terceira do contrato de concessão (fls. 167v. do PA).
u) E as concessionárias dos terrenos da Nam Vam que se encontravam já a executar projectos são notificadas da suspensão dos mesmos (Doc. 11).
v) Dada a importância do seu conteúdo e a gravidade das consequências que iria suportar, os representantes da Recorrente e da Nam Van imediatamente tentaram clarificar o contexto e a razão destas instruções e foi com surpresa que tomaram conhecimento que estas instruções tinham aplicação a todos os lotes da Zona C e D da Nam Vam, incluindo à Recorrente, o que veio a ser confirmado pelo conteúdo do Doc. 12 e mais tarde da Comunicação Interna de Serviço n.º 446/DPU/2015, de 28 de Abril de 2015 que se encontra junta ao PA a fls. 277 do Vol. 1;
w) Em 30 de Junho de 2016, a Nam Van e as várias concessionárias dos lotes da Nam Van, entre elas a Recorrente, dirigiram uma carta ao Chefe do Executivo (fls. 206 do Vol. 1 do PA) contendo os seguintes pedidos alternativos: (i) suspensão do prazo de aproveitamento dos terrenos e de prorrogação dos mesmos por dez anos (contados a partir do fim da suspensão), bem como a renovação da concessão provisória por 10 anos; (ii) nova concessão dos terrenos da Zona C e D, com dispensa de concurso público, a favor de cada concessionária, após 30 de Julho de 2016; ou (iii) troca por terrenos situados em zonas adjacentes, conforme já aconteceu em outras situações que são citadas na carta, o que foi negado pela Entidade Recorrida;
x) Em 16 de Maio de 2018, a Recorrente viu declarada a caducidade do arrendamento do Terreno, acto de que agora se recorre;
y) Na Proposta 366/DSODEP/2016, de 12 de Setembro de 2016 (fls. 279 do Vol. 1), a Administração contextualiza a revogação da Portaria 69/91/M na inscrição do Centro Histórico de Macau” como património mundial e a localização das zonas C e D da Baía da Praia Grande a Sul desse património. Mais refere que “Desde a vigilância do Comité do Património Mundial, o Governo da RAEM suspendeu os processos de autorização de todos os empreendimentos de desenvolvimento das zonas C e D da Baía da Praia Grande.”
z) A Recorrente não encontra qualquer restrição que seja pública à zona Sul do Centro Histórico de Macau, nem a Administração a invoca, nem tão pouco a sustenta em qualquer decisão administrativa ou do Comité do Património Mundial ou sugerida por este. Tal restrição não consta da classificação dos documentos da classificação da UNESCO (que podem ser consultados no site oficial da organização acima indicado e nos mapas por esta elaborados que se juntam) nem de documento oficial do Governo da RAEM que tenha sido apresentado à Recorrente ou a alguma das concessionárias da Nam Van.
aa) as Zonas C e D estão livres de quaisquer restrições: nenhum monumento classificado se encontra nas Zonas C e D e as Zonas C e D não fazem parte de nenhuma “buffer zone”, nem estão abrangidas Despacho do Chefe do Executivo n.º 202/2006, que determina os limites da definição gráfica e e respectivas zonas de protecção dos monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sítios classificados do “Centro Histórico de Macau”;
bb) Até à presente data, o Governo não reviu o Plano das Zonas C e D, nem concretizou as promessas contidas nos Despachos do STOP n.º 33/2004, n.º 34/2004, 35/2004 e 36/2004, em violação do princípio da eficiência consagrado no artigo 12.º do CP A;
cc) Em 2007, quando o Governo divulga a suspensão dos projectos da Nam Van, a Recorrente tinha 9 anos de contrato de concessão pela frente, Tempo bastante para concretizar os seus planos, fazê-los aprovar, com quaisquer alterações que a Administração entendesse necessárias, e converter a concessão em definitiva, e renová-la sem restrições;
dd) A decisão da Administração de suspender o desenvolvimento dos terrenos das Zonas C e D do Empreendimento da Baía da Praia Grande é arbitrária e não tem fundamento e, como tal, é ilegal, é altamente lesiva dos direitos e dos interesses legalmente protegidos da titular de um contrato de concessão, configura erro manifesto nos pressupostos de facto e viola o princípio da igualdade;
ee) O acto recorrido assenta num único argumento jurídico: a concessão é provisória e “não pode ser renovada, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei 10/2013 (Lei de Terras), aplicável por força dos seus artigos 212.º e 215.º”. Deste modo a concessão encontra-se caducada pelo termo do respectivo prazo de arrendamento (caducidade preclusiva) (...)” (parecer do SATOP de 4 de Novembro de 2016); o Parecer n.º 123/2016 do Proc. 60/2016 da Comissão, referido neste parecer acrescenta apenas qua a declaração de caducidade dever ser emitida nos termos do artigo 167.º da Lei de Terras;
ff) A Recorrente não ignora a jurisprudência dos ilustres Tribunais superiores da RAEM mas, salvo o devido respeito, que é muito, não concorda nem se conforma com esta interpretação e aplicação da lei à presente situação;
gg) Desde logo porque se trata de uma relação contratual, administrativa, regulada em lei especial - a Lei de Terras, seja a antiga, seja a nova - a qual elenca detalhadamente as obrigações e prerrogativas da administração e das concessionárias e trata exaustivamente a forma de terminar as concessões, entre elas a caducidade (artigos 52.º e 166.º);
hh) A caducidade a declarar pela Entidade Recorrida tem que necessariamente caber dentro das normas previstas da lei de terras, na forma prevista na lei de terras ou nalguma das normas subsidiárias aplicáveis nos termos da própria Lei 10/2013, que determina no artigo 220.º (entre elas, precisamente, o regime geral das infracções administrativas);
ii) Mas a entidade recorrida não fundamenta a sua decisão nem no artigo artigos 52.º, nem no artigo 166.º da Lei de Terras, nem em nenhum dos diplomas subsididiariamente aplicáveis nos termos do seu artigo 220.º, porqunato não cita nenhum deles, o que desde já redunda num erro nos pressupostos de direito do acto recorrido;
jj) E não poderia deitar mão do artigo 166.º da Lei de Terras que não pode ser aplicado às concessões pretéritas, porquanto não houve culpa da Recorrente, o que a própria Administração não nega ou tão pouco invoca, e este preceito pressupõe a inércia da concessionária do terreno;
kk) E o artigo 215.º da Lei 10/2013 dispõe que esta lei se aplica às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor - o caso do Terreno - com ressalvas, entre elas a da alínea 3), isto é, “quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.”
ll) Ora, como aqui demonstrámos, num contrato de 25 anos, a concessionária passou 10 anos a aterrar o próprio terreno e quando finalmente podia construir, a Administração suspendeu o desenvolvimento do Terreno exactamente dez anos! E vem agora declarar a caducidade de um tempo que não deixou correr!
mm) Por outro lado, o artigo 52.º não pode ser aplicado sem a devida avaliação do comportamento da Administração, aqui se remetendo para as doutas conclusões do parecer dos Profs. Fernando Alves Correia e Licínio Lopes, já citado pela Recorrente no Proc. n.º 354/2017, que corre termos nesse Tribunal, segundo as quais na relação entre a Administração e o particular não há lugar à verificação de uma caducidade-preclusiva, automática.
nn) Pelo contrário, no direito administrativo, a Administração está vinculada a verificar e avaliar as causas da caducidade, só podendo esta ser declarada se o incumprimento for imputável ao particular, uma vez que tem sempre a natureza sancionatória.
oo) Na situação em análise, não pode ser declarada a caducidade porquanto a Recorrente não só não a causou como, pelo contrário, o decurso do tempo que penaliza o incumprimento é causado pela própria Administração!
pp) A Administração reconheceu várias vezes, nos documentos já juntos e acima citados, que o direito de construção das concessionárias dos terrenos do Empreendimento da Nam Van, entre elas a Recorrente e o Terreno, se encontrava suspenso, prejudicado e parado por culpa exclusiva do Governo;
qq) No próprio acto de suspensão, a Administração reconhece o direito-dever das concessionárias em desenvolverem os terrenos da Zona C, direitos que lhes advém dos contratos de concessão e, não obstante, num acto discricionário, entende, simultaneamente suspender esse desenvolvimento, provocando o efeito impeditivo da caducidade, previsto artigo 323.º, n.º 2 do Código Civil, o que impossibilita agora de vir declarar a caducidade pelo acto recorrido;
rr) Com a sua conduta, a Administração violou o princípio da proporcionalidade, da boa-fé, da decisão e da eficiência.
ss) Na cana de 30 de Junho de 2016 , a Recorrente solicitou ao Chefe da Executivo, juntamente com outras concessionárias, uma nova concessão do Terreno após o decurso do prazo de arrendamento, ou seja, após 30 de Julho de 2016, dos mesmos lotes de terreno ou outros lotes na Zonas C e D ou em outras zonas com áreas de construção e capacidade aedificandi equivalentes, com dispensa de concurso público, pretensão que foi negada com o único fundamento descrito no ponto 5 da Proposta n.º 013/080/2017, de 21 de Fevereiro (fls. 501 do Vol. 2 do PA), que acima se cita;
tt) Não obstante, pode a Recorrente constatar que a mesma solução é reiteradamente usada em outras concessões de terrenos ao longo dos anos, nas quais o aproveitamento não se completou antes do fim do prazo do arrendamento, sendo certo que nestas situações a Administração aprecia a culpa para justificar, precisamente, a nova concessão, situações que acima concretizamos e em que a vigência da lei anterior e da nova lei de terras não faz, neste caso, diferença;
uu) As situações que identificadas pela Recorrente são juridicamente legítimas, não se lhes reconhece nenhum vício ou ilegalidade, sendo apenas exemplos entre outros e semelhante solução podia ter sido encontrada para os lotes da Baía da Praia Grande;
vv) Ao declarar a caducidade sem conceder nova concessão sobre o Terreno, a Administração viola o princípio da igualdade uma vez adoptou comportamento diferente noutras concessões, o que resultou num tratamento desigual, com prejuízo relevante para a Recorrente, proibido nos termos do artigo 5.º do CPA, e em violação do artigo 25.º da Lei Básica;
ww) Muitos dos considerandos dos despachos mencionados a este propósito podiam aplicar-se à situação da Recorrente mas a Entidade Recorrida entendeu aplicar critérios diferentes para situações idênticas, apreciando a culpa, e verificando a sua falta noutras concessões, para agora entender, no presente caso, que a caducidade opera independentemente da falta de culpa da Recorrente;
xx) A aplicação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico determinava ainda que a Entidade Recorrida tivesse outra solução, que não a caducidade, inclusivamente dentro do pedido efectuado pela Recorrente em 30 de Junho de 2016;
yy) A actuação da Administração, a sua escolha dos critérios, e a aplicação da lei em toda esta situação constitui claro exercício de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, proibido nos termos do artigo 326.º do Código Civil.
zz) Por tudo o acima exposto, o acto recorrido incorre em vício de forma, por falta de fundamentação (também o artigo 115.º/2 CPA), nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, al. c) do CPAC e viola a lei, nos termos previstos no artigo 21.º, n.º 1, al. d), do CPAC, e, em particular:
- Lesa direitos e interesses legalmente protegidos;
- Incorre no erro de interpretação e aplicação de lei;
- Viola os princípios da igualdade, boa-fé, na sua vertente da tutela da confiança, da decisão e da eficiência da Administração, cfr. os artigos 5.º, 8.º, 11.º e 12.º do CPA;
- Padece de erro manifesto nos pressupostos de facto e de direito, incluindo erro na fundamentação;
- Manifesta total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários;
- Viola o artigo 323.º, n.º 2 e o artigo 326.º do Código Civil; e
- Viola o artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico e os artigos 7.º, 25.º e 103.º da Lei Básica da RAEM;
Devendo, por isso, ser anulado de acordo com o artigo 124.º do CPA.
Termos em que, e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por o acto recorrido estar ferido de ilegalidade, devendo por isso ser anulado, com as consequências legais.”
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Contestou a entidade recorrida, pugnando pela improcedência do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Não houve lugar a produção de prova testemunhal, mas do despacho do relator de fls. 227 que a julgou desnecessária foi deduzida reclamação para a conferência, cujo conhecimento foi relegado para o acórdão final.
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Ambas as partes apresentaram alegações facultativas, reiterando no essencial as posições anteriormente assumidas nos autos.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“I. Quanto à reclamação para a conferência:
A recorrente, ora reclamante, defende o entendimento de que o acto recorrido, que declarou a caducidade pelo decurso do prazo contratual, não podia ater-se somente à constatação do termo do prazo contratual e à falta de aproveitamento, estando também obrigado a apreciar as causas do não aproveitamento e respectivas incidências, nomeadamente a responsabilização culposa do não aproveitamento nos moldes contratualmente convencionados. Daí que sustente a utilidade da prova testemunhal que ofereceu, cuja produção o despacho reclamado rejeitou.
Como dissemos a fls. 226 verso, a questão não é nova, vindo o Tribunal de Última Instância a firmar doutrina segundo a qual, na declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem aproveitamento do terreno, não há que apurar, em sede de recurso contencioso, se houve culpa e quem por ela é responsabilizável.
Atendendo a que o caso em escrutínio nos presentes autos configura uma declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão sem aproveitamento do terreno, e dado que a matéria fáctica sobre a qual se pretendia produzir prova radica essencialmente na questão da culpa, não terá interesse para os fins do recurso, à luz daquela perspectiva adoptada pelo Tribunal de Última Instância, a produção da requerida prova, tal como então afirmámos.
Reiteramos esse posicionamento, a partir do qual ora nos pronunciamos pela improcedência da reclamação.
II. Quanto ao recurso contencioso:
Constitui objecto do presente recurso contencioso o despacho de 30 de Maio de 2018, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno com a área de 1.233 m2, situado na península de Macau, designado por lote Cl do “Fecho da Baía da Praia Grande”.
Na sua petição de recurso e nas alegações facultativas, a recorrente, “Sociedade de Investimento Imobiliário Cheng Keng Van, S.A.”, atribui ao acto diversos vícios, nomeadamente o de falta de fundamentação, erro nos pressupostos de facto e de direito, errada interpretação da natureza legal da caducidade na Lei de Terras, violação dos artigos 323.º, n.º 2, do Código Civil, abuso de direito, violação do princípio da igualdade e violação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico, violação dos princípios da boa-fé, proporcionalidade, decisão e eficiência e violação da Lei Básica.
Por seu turno, a autoridade recorrida refuta tais vícios, asseverando a legalidade do acto.
Vejamos quanto à alegada falta de fundamentação.
Tal como diz a entidade recorrida, a recorrente limitou-se a invocar a falta de fundamentação, não traduzindo em factos esse suposto vício do acto, e não explicitando minimamente o porquê dessa invocação, o que quer dizer que, nessa parte, não há causa de pedir.
Improcede, por isso, este fundamento do recurso.
Vem também invocado erro nos pressupostos de facto e de direito.
Erro nos pressupostos de facto porque o acto partiu do princípio de que a concessão durou 25 anos, quando é certo que a recorrente só dispôs do terreno a partir de 2002; erro nos pressupostos de direito porque a caducidade não vem alicerçada em qualquer dos artigos da Lei de Terras que a prevêem, seja o 52.º seja o 166.º.
Não divisamos qualquer erro nos pressupostos.
É inegável que o prazo fixado à concessão foi de 25 anos. Não obstante as revisões e a transmissão a que houve lugar, é esse o prazo contratual que ab initio foi fixado para o desenvolvimento dos terrenos, e que incluía a realização dos próprios aterros. Foi a isso que a concessionária original se obrigou no primitivo contrato, e isso mesmo foi mantido por ocasião das transmissões, sempre tendo ficado exarado, quer nos contratos, quer nos Despachos do Secretário Adjunto para os Transportes e Obras Públicas que aprovaram os respectivos clausulados, que o prazo de 25 anos da concessão terminava em 30 de Julho de 2016, tal como sucedeu.
Quanto aos pressupostos de direito, a recorrente labora na suposição, errada, de que a não indicação de uma norma que se tem por aplicável à decisão substanciada num acto administrativo acarreta erro nos seus pressupostos de direito. Mas não é assim. Os pressupostos de direito são constituídos pelo regime legal ou pelo bloco de legalidade aplicável a uma determinada hipótese que reclama uma decisão administrativa. O que interessa é que a entidade decidente se mova adentro desse quadro jurídico aplicável; não que mencione exaustivamente as normas tidas por pertinentes na abordagem e decisão do caso. Independentemente de ter havido ou não menção ao artigo 52.º da Lei de Terras, certo é que o acto administrativo impugnado convocou as normas e princípios aplicáveis à resolução da situação de caducidade do contrato que, em seu critério, se verificava. Claudica, pois, o alegado erro nos pressupostos de facto e de direito.
Sustenta também a recorrente que o acto adopta uma errada interpretação da natureza legal da caducidade nas relações contratuais, afirmando, escorada em parecer dos Profs. Fernando Alves Correia e Licínio Lopes, que a caducidade preclusiva não ocorre nas relações entre a Administração e os particulares, onde a caducidade tem sempre natureza sancionatória e apenas será declarada quando houver culpa dos particulares.
Não cremos que assim seja, continuando a entender, na esteira da jurisprudência do Tribunal de Última Instância e da jurisprudência largamente maioritária do Tribunal de Segunda Instância, que tanto a caducidade sanção como a caducidade preclusiva podem ocorrer no âmbito das relações contratuais criadas ao abrigo da Lei de Terras. Casos há em que o legislador não abstrai da culpa para que possa ser declarada a caducidade, como sucede nas hipóteses abrangidas pelo artigo 166.º da Lei de Terras. Mas quando esteja em causa o decurso do prazo inicial da concessão, sem que esta se tenha convertido em definitiva por via do aproveitamento, crê-se que opera a caducidade preclusão, independentemente dos motivos que estiveram na base do não aproveitamento, estando o Chefe do Executivo vinculado a proferir o inerente despacho a declará-la.
Improcede também este fundamento do recurso.
Vem igualmente invocada a violação do artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil, porquanto a Administração teria reconhecido o direito da concessionária ao desenvolvimento do terreno, o que constitui impedimento à verificação da caducidade.
O direito ao desenvolvimento ou aproveitamento do terreno é um direito resultante do contrato e que, naturalmente, está presente no normal relacionamento que as partes contratuais vão mantendo ao longo da duração do contrato. Isso não significa que a circunstância de a Administração actuar tomando por base aquele direito do particular ao aproveitamento e tentando proporcionar-lhe a possibilidade de aproveitar o terreno, respondendo aos requerimentos deste e prevendo a conjugação futura de condições para aprovação dos projectos, isso não significa, dizíamos, que a Administração reconheça o direito ao aproveitamento para além do normal prazo de caducidade. É este o reconhecimento que o artigo em causa pressupõe, e que, como é óbvio, não ocorreu nem resulta da matéria alegada pela recorrente. Duvida-se, aliás, que um hipotético reconhecimento nesse sentido pudesse ser validamente outorgado pela Administração, dado o regime e a finalidade das concessões.
Improcede também este vício de violação de lei.
Seguidamente, a recorrente invoca um conjunto de vícios de violação de lei, por ofensa do princípio da igualdade, por abuso de direito e por violação do artigo 55.º da Lei do Planeamento Urbanístico.
Porém, atentando na sua alegação, constata-se que, em bom rigor, tais vícios não são assacados ao acto aqui impugnado, nem a etapas do procedimento de declaração de caducidade, mas sim a um acto anterior, datado de 30 de Março de 2017, que lhe indeferiu um concreto pedido de atribuição de nova concessão.
Soçobram, pois, estes vícios.
Depois, vem suscitada a violação dos princípios da decisão e eficiência.
Esta alegação reporta-se à falta de aprovação dos planos de pormenor que deviam substituir os planos criados pelas Portarias 68/91/M e 69/91/M revogadas pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 248/2006.
Trata-se, como é bom de ver, de vicissitudes relativas a uma actividade regulamentar, diversa da actividade de decisão administrativa casuística que ora está em causa e que nesta não interferem. Improcedem estes vícios.
Suscita também a recorrente a violação dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé e a falta de razoabilidade no exercício de poderes discricionários.
Estão em causa princípios cuja acuidade releva no exercício de poderes discricionários. Ora, como vem sendo repetidamente afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores de Macau, verificados os pressupostos falta de aproveitamento e decurso do prazo da concessão provisória, a Administração está estritamente vinculada a declarar a caducidade dos contratos de concessão. Foi o que sucedeu no presente caso. Estando em causa, como estava, o exercício de poder vinculado, aqueles princípios mostram-se inoperantes em termos de poderem influir na validade do acto.
Também este fundamento do recurso improcede.
Vem ainda invocada a violação dos artigos 7.º e 103.º da Lei Básica.
Trata-se de normas respeitantes aos solos e sua gestão e ao direito de propriedade e compensação em caso de expropriação legal, não se divisando como podem sair violadas através do recorrido acto de declaração de caducidade.
A Lei Básica manda proteger o direito à propriedade privada, impõe o reconhecimento e protecção dos contratos de concessão de terras celebrados antes do estabelecimento da RAEM e que se prolonguem para além da data de transferência de soberania e garante a compensação em caso de expropriação legal. Mas relega, para a lei, a forma e as condições que moldam essa protecção e garantia, como melhor se vê das normas pertinentes (artigos 6.º, 7.º, 103.º e 120.º). Pois bem, no que respeita aos terrenos pertença do antigo Território de Macau e da actual RAEM - terrenos do Estado -, não há concessões por tempo indeterminado. Há prazos de concessão e há regras para o aproveitamento dos terrenos. Esses prazos e regras estão disciplinados por lei e, na maioria dos casos, até são vertidos para os contratos de concessão. Portanto, a protecção conferida pela Lei Básica é uma protecção subordinada aos prazos e regras legalmente instituídos, os quais têm como pano de fundo a finalidade social dos direitos associados ao uso da terra, o que demanda o seu efectivo aproveitamento nos prazos que o legislador teve por razoáveis, adentro do seu poder de conformação. Daí que a impossibilidade de renovação das concessões provisórias, que resulta da nova Lei de Terras, como já resultava da antiga lei de Terras, em nada afronte os princípios vertidos naqueles artigos da Lei Básica, que não resulta violada pela circunstância da existência da modalidade de caducidade preclusiva.
Soçobra também este vício.
Ante o exposto, o nosso parecer vai no sentido de ser recusado provimento ao recurso.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão bem representadas.
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III – Os Factos
Julgamos assente a seguinte factualidade:
1 - A concessão do terreno em discussão foi originalmente concedida à Sociedade de Empreendimentos Nam Van, S.A.R.L. (“Nam Van”) por escritura de 30 de Julho de 1991, na sequência do Despacho 203/GM/89, publicado no 4.º Suplemento do Boletim Oficial n.º 52, de 29 de Dezembro de 1989, contrato de concessão que veio a ser posteriormente alterado pelos Despachos (i) 73/SATOP/92, publicado no B.O. n.º 27, de 6.7.1992, (ii) 57/SATOP/93, publicado no B.O. n.º 17, de 26.4.1993 e (iii) 56/SATOP/94, publicado no B.O. n.º 22, de 1.6.1994.
2 - Pelo Despacho 80/2001, do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, publicada no Boletim Oficial n.º 37, II Série, de 12 de Setembro de 2001, foi autorizada a transmissão onerosa, a favor da Recorrente, dos direitos resultantes da concessão por arrendamento do Terreno (doc. 4 junto com a p.i.).
3 - A cláusula segunda do contrato anexo ao Despacho n.º 80/2001 do STOP determina que o arrendamento seria válido até 30 de Julho de 2016, podendo ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049 (vide cit. doc. 4).
4 - Os lotes de terreno que compõem o empreendimento “Fecho da Baía da Praia Grande”, assim denominado nos despachos de concessão acima citados, foram concedidos à Nam Van em 1991 como parte de um projecto integrado como resulta dos despachos mencionados no artigo 3.º.
5 - À data da concessão (1991), os terrenos a explorar pela Nam Van não existiam ainda, eram, como melhor explica a escritura de concessão (fls. 268 do PA), “terrenos a conquistar ao mar”.
6 - A Nam Van passou os 10 anos seguintes a construir as zonas de aterro dos “terrenos a conceder” (cláusula 6.º do Desp. 73/SATOP/92 relativa ao prazo do aproveitamento) e a construir infra-estruturas que constituíam os encargos especiais do contrato:
1. Sistema de reciclagem de água dos lagos, que incluíam a concepção e construção dos dois lagos artificiais da Nam Van e da ilha artificial;
2. Sistema de tratamento de águas residuais desde a Barra até ao Porto Exterior, incluindo as estações elevatórias de águas residuais;
3. A rede geral de distribuição de água destas zonas e ligação à rede existente;
4. A rede de distribuição de rede eléctrica:
5. Os arruamentos de toda área e zonas limítrofes, que incluiu a construção de importantes redes de circulação rodoviária;
6. As circulações pedonais;
7. Os estacionamentos públicos;
8. Os arranjos paisagísticos e os arranjos exteriores, conforme se menciona, com mais pormenor, na cláusula 7.ª do Desp. 73/SATOP/92 relativa aos encargos especiais.
7 - A Administração recebeu provisoriamente estas estruturas entre Julho e Novembro de 1999, conforme consta das recepções provisórias das Infra-estruturas das Zonas B, C, D e E, e dos Lagos que integram o Plano de Pormenor do Reordenamento da Zona da Baía da Praia Grande, cujos autos se encontram de fls. 80 a 85 do PA.
8 - A recepção definitiva das infra-estruturas só vem a acontecer em Dezembro de 2001.
9 - O auto de vistoria para recepção definitiva, de 4 de Dezembro de 2001, certifica que as infra-estruturas da Zona C, nomeadamente o pavimento, “oferecem toda a garantia de solidez e conservação”.
10 - O auto de vistoria para recepção definitiva foi homologado pelo STOP em 20 de Janeiro de 2003.
11 - Teve lugar em 1999 mais uma revisão da concessão e do prazo de aproveitamento - cfr. artigo 3.º do Desp. 71/SATOP/99 (fls. 236 do Vol. 1 do PA) - tendo-se prorrogado o prazo de aproveitamento da Zona C/D por mais 72 meses (6 anos) a contar da data de publicação no Boletim Oficial desta revisão (18.8.1999).
12 - Com a autorização da Administração, os direitos resultantes de cada uma das concessões da Zona C desse empreendimento foram divididos e transmitidos para maior facilidade na obtenção de financiamentos, como melhor é explicado na primeira carta que solicita a transmissão, datada de 28 de Outubro de 1994 (vide fls. 62 do Vol.1 do PA), tendo a Nam Van mantido, por longos anos, a maioria do capital social de cada uma destas subsidiárias detentoras dos lotes da zona C da Nam Van.
13 - A transmissão ocorreu em Setembro de 2001.
14 - De qualquer forma, em 2004 a Recorrente tinha ainda 12 anos para completar o projecto antes de atingir o prazo de arrendamento e havia duas práticas da administração com as quais contava:
a) Os projectos (desde que passíveis de aprovação técnica) eram sempre aprovados ainda que fora do prazo de aproveitamento (o que aconteceu com várias concessionárias da Nam Van) ou por outras palavras, não era o decurso do prazo de aproveitamento que impedia a aprovação do projecto e a realização das obras de construção: e
b) As concessões eram sucessivamente renovadas após o decurso do prazo de arrendamento.
15 - Ora, desde 2002 que o Governo vinha oferecendo à Nam Van e às várias sociedades concessionárias da Zona C e D, entre as quais a Recorrente, a promessa de uma revisão geral do Plano Geral da Zona C e D de forma a nele incluir, senão todo, pelo menos uma parte das áreas destes quatro lotes entregues ao Governo.
16 - Reunida em sessão de 27 de Outubro de 2016, a Comissão de Terras exarou no seu Parecer n.º 123/2016, o seguinte: «De acordo com o disposto na cláusula segunda do contrato de concessão inicial, titulado pela escritura pública de 30 de Julho de 1991, o arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, contados a partir da data da sua outorga, ou seja, o prazo terminou em 30 de Julho de 2016. Uma vez que o terreno ainda não foi aproveitado e a respectiva concessão é provisória, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 48.º da Lei de terras, a mesma não pode ser renovada.
Nestas circunstâncias, o Departamento de Gestão de Solos (DSO) da DSSOPT procedeu à análise da situação e, através da proposta n.º 366/DSODEP/2016, de 12 de Setembro, propôs que seja autorizado o seguimento do procedimento relativo à declaração da caducidade da concessão por decurso do prazo de arrendamento e o envio do processo à Comissão de Terras para efeitos de parecer e tramitações ulteriores sobre a declaração da caducidade da concessão provisória, nos termos do artigo 167.º da Lei de terras, proposta esta que mereceu a concordância do Secretário para os Transportes e Obras Públicas por despacho de 19 de Setembro de 2016.
Face ao exposto, esta Comissão, após ter analisado o processo, considera que a concessão provisória em apreço se encontra já caducada pelo facto de ter expirado em 30 de Julho de 2016 o prazo de arrendamento, de 25 anos, fixado na cláusula segunda do respectivo contrato (caducidade preclusiva).
Com efeito, de acordo com o artigo 44.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de terras), aplicável ao caso vertente por força do disposto nos seus artigos 212.º e 215.º, a concessão por arrendamento é inicialmente dada a título provisório e só se converte em definitiva se, no decurso do prazo fixado, forem cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas e o terreno estiver demarcado definitivamente (vide ainda artigos 130.º e 131.º).
Findo o seu prazo de vigência, as concessões provisórias não podem ser renovadas, a não ser no caso previsto no n.º 2 do artigo 48.º da Lei de terras, conforme estabelece o n.º 1 do mesmo preceito legal, operando-se a caducidade por força da verificação daquele facto (decurso do prazo de arrendamento).
De igual modo, resultava da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho (Lei de terras anterior) que, no caso da concessão revestir natureza provisória em virtude do terreno não se encontrar aproveitado (cf. artigos 49.º, 132.º e 133.º), não era possível operar a sua renovação por períodos sucessivos de dez anos porquanto a figura da renovação prevista no n.º 1 do artigo 55.º era aplicável apenas às concessões definitivas.
Apesar da caducidade operar de forma automática e directa, para tomar a situação jurídica certa e incontestada e, portanto, eliminar a insegurança jurídica sobre a extinção ou não do direito resultante da concessão, deve a mesma (caducidade) ser declarada, conforme decorre do disposto no corpo do artigo 167.º da Lei n.º 10/2013.
Nestas circunstâncias, esta Comissão nada tem a opor à declaração de caducidade da concessão do terreno em epígrafe pelo decurso do prazo de arrendamento, perdendo a favor da RAEM todas as prestações do prémio e os respectivos juros já pagos, nos termos do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.» (fls. 95-96, do p.a. “60-2016-C.T.)
17 - O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 4/11/2016, emitiu parecer no sentido de concordar com a proposta da Comissão de Terras em que fosse declarada a caducidade da concessão (fls. 101-102, do p.a., nº “60-2016-C.T.)
18 - O Chefe do Executivo, por despacho de 3/05/2018, proferiu a seguinte decisão (a.a.):
“Concordo, pelo que declaro a caducidade da concessão, por arrendamento, a que se refere o Processo nº 60/2016 da Comissão de Terras, nos termos e com os fundamentos do Parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 4 de Novembro de 2016, os quais fazem parte integrante do presente despacho” (fls. 103 do p.a. “60-2016-C.T.”)
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IV – O Direito
1 - Da Reclamação
A fls. 227 o relator do processo proferiu o seguinte despacho:
“Como temos decidido em casos similares, estando em causa um acto administrativo que declare a caducidade da concessão por efeito do decurso do prazo desta sem aproveitamento (caducidade preclusiva), não se vê necessária a produção de prova testemunhal (o TUI também assim pensa) para apuramento da culpa pelo atraso.
Como assim, notifique para alegações facultativas”.
Não há que fazer censura a este despacho.
Com efeito, está em causa a apreciação da validade do acto que declara a caducidade da concessão pelo decurso do prazo geral desta. Isto é, o fundamento para a prática do acto é a objectividade do tempo, sem interferência de qualquer carga subjectiva traduzida em juízos de imputabilidade de culpa. Estamos, pois, em sede de uma caducidade preclusiva em que o que releva é somente o facto objectivo do decurso do prazo, é o que a jurisprudência da RAEM tem por adquirido (v.g., Acs. do TUI, de 6/06/2018, Proc. nº 43/2018 e de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017; Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016; de 1/02/2018, Proc. nº 26/2017 e de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016; Ac. de 18/10/2018, Proc. nº 419/2017).
Ora, para se apurar da validade da decisão administrativa não são mais precisos elementos de prova do que aqueles que a própria recorrente aportou ao processo e os que o processo administrativo apenso contém. Aliás, sempre se acrescenta que a maior parte dos factos aos quais as testemunhas deporiam, como se pode ver do rol de fls. 60, acabaram por ser vertidos na factualidade assente acima transcrita, face à não impugnação pela entidade recorrida, omissão que se compreende pela circunstância de serem factos com suporte documental no p.a.
Face ao exposto, é de indeferir a reclamação.
Pelo incidente, taxa de justiça em 4 UCs.
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2 - Do Recurso Contencioso
2.1 - Da falta de fundamentação
Na parte final das conclusões da petição a recorrente invocou o vício de forma por falta de fundamentação, que acabou por reiterar nas alegações facultativas.
Cremos que o fez apenas porque, na sua óptica, o acto não referiu, nem autonomamente, nem por remissão, as disposições dos arts. 52º e 166º da Lei de Terras para declarar a caducidade da concessão.
Resulta, no entanto, muito bem do acto e do parecer da Comissão de Terras que a caducidade foi declarada, ao abrigo do art. 167º da Lei de Terras, em virtude de se estar em presença de uma concessão provisória e, por isso mesmo, não renovável, face ao art. 48º, nº1 do citado diploma.
A circunstância de um ou outro preceito da Lei de Terras não ter sido invocado não afasta a percepção da razão ou motivo da decisão administrativa. Quer isto dizer que a fundamentação utilizada dá perfeitamente para entender que foi o decurso do prazo sem aproveitamento que levou a Administração a declarar a caducidade. A recorrente percebeu muito bem, pela fundamentação utilizada, as causas e o motivo da decisão que aqui vem impugnar e não se vê que a omissão de algum fundamento no acto tenha causado constrangimento ou limitação à sua impugnação, estando assim cumprido o dever previsto nos arts. 114º e 115º do CPA
Improcede, pois, o vício.
*
2.2 - Do erro nos pressupostos
2.2.1 – (…) de facto
Na parte final das conclusões da petição inicial e da alegação facultativa, a recorrente elegeu o vício em epígrafe como causa de pedir anulatória.
Porém, o vício não está densificado com factos que contrariem ou demonstrem a inverdade da factualidade invocada no despacho.
O que é certo e indiscutível é que decorreu o prazo geral da concessão (25 anos) sem que o aproveitamento do terreno fosse feito. E isto é suficiente para suportar a factualidade relevante em que o acto se apoia.
O que a recorrente alega é um conjunto de argumentos que, no seu entendimento, servem para provar que o acto errou na aplicação da Lei de Terras ou fez um mau uso das suas disposições quando invoca a caducidade “preclusiva”, quando para si se trata de uma “caducidade sancionatória”.
Só que essa divergência de ponto de vista não representa erro nos pressupostos de facto, mas sim um eventual vício de violação de lei, que adiante conheceremos nessa perspectiva.
Para finalizar, se a recorrente acha que não procedeu ao aproveitamento por culpa da actuação da Administração, isso, ainda que possa ser verdade, não altera a realidade dos factos: o terreno não foi aproveitado durante o prazo da concessão estabelecido no contrato em posterior revisão.
Improcede, pois, o recurso quanto a este vício.
*
2.2.2 – (…) de direito
Entende a recorrente que não estão reunidos os requisitos legais para a declaração de caducidade preclusiva, nomeadamente os previstos nos arts. 52º e 166º da Lei de Terras, os quais, até, nem sequer teriam sido invocados.
Mas, como é evidente, não tem razão.
Tal como opina o digno Magistrado do MP, e cujos fundamentos fazemos nossos, “…a recorrente labora na suposição, errada, de que a não indicação de uma norma que se tem por aplicável à decisão substanciada num acto administrativo acarreta erro nos seus pressupostos de direito. Mas não é assim. Os pressupostos de direito são constituídos pelo regime legal ou pelo bloco de legalidade aplicável a uma determinada hipótese que reclama uma decisão administrativa. O que interessa é que a entidade decidente se mova adentro desse quadro jurídico aplicável; não que mencione exaustivamente as normas tidas por pertinentes na abordagem e decisão do caso. Independentemente de ter havido ou não menção ao artigo 52.º da Lei de Terras, certo é que o acto administrativo impugnado convocou as normas e princípios aplicáveis à resolução da situação de caducidade do contrato que, em seu critério, se verificava. (…).
Sustenta também a recorrente que o acto adopta uma errada interpretação da natureza legal da caducidade nas relações contratuais, afirmando, escorada em parecer dos Profs. Fernando Alves Correia e Licínio Lopes, que a caducidade preclusiva não ocorre nas relações entre a Administração e os particulares, onde a caducidade tem sempre natureza sancionatória e apenas será declarada quando houver culpa dos particulares.
Não cremos que assim seja, continuando a entender, na esteira da jurisprudência do Tribunal de Última Instância e da jurisprudência largamente maioritária do Tribunal de Segunda Instância, que tanto a caducidade sanção como a caducidade preclusiva podem ocorrer no âmbito das relações contratuais criadas ao abrigo da Lei de Terras. Casos há em que o legislador não abstrai da culpa para que possa ser declarada a caducidade, como sucede nas hipóteses abrangidas pelo artigo 166.º da Lei de Terras. Mas quando esteja em causa o decurso do prazo inicial da concessão, sem que esta se tenha convertido em definitiva por via do aproveitamento, crê-se que opera a caducidade preclusão, independentemente dos motivos que estiveram na base do não aproveitamento, estando o Chefe do Executivo vinculado a proferir o inerente despacho a declará-la.”
Improcede, pois, o vício.
*
2.3 - Da caducidade
Acha a recorrente que a situação fáctica dos autos não podia ter levado à declaração de caducidade.
Mas não tem razão. Como ela própria reconhece, a jurisprudência da RAEM, nos seus muitos arestos em que se pronunciou sobre este tema, tem sido peremptória ao afirmar que o quadro de facto em que a concessionária não chega a efectuar as obras, para as quais o terreno fora concedido, configura uma caducidade preclusiva.
Estamos em presença de uma concessão que, por não terem sido cumpridas as cláusulas de aproveitamento previamente estabelecidas, é provisória e que nunca se converteu em definitiva (art. 44º). Por ser assim, e sem prejuízo do art. 48º, nºs 2 e 3, que aqui não têm qualquer préstimo, por se não verificarem os respectivos pressupostos, esta concessão não podia ser renovada (art. 48º, nº1). A concessão não podia manter-se por mais tempo, tal como este TSI tem vindo a afirmar sistematicamente em casos similares a este.
Bem se esforça a recorrente por imputar à Administração a culpa pelo não aproveitamento. Só que essa matéria não pode ser dilucidada, nem no âmbito da análise deste vício, nem no quadro do presente processo impugnatório. Como já se disse, o acto em crise assenta no mero decurso do prazo de caducidade. É, repetimos, a caducidade preclusiva que nele está invocada com alicerce nos arts. 167º e 212º e 215º, da Lei de Terras.
E, como é jurisprudência firme da RAEM, a culpa, nesse caso, é indiferente à solução do recurso, já que a declaração administrativa da caducidade não tem que ver com razoes impeditivas do aproveitamento. O que releva é somente o facto objectivo do decurso do prazo, tal como a jurisprudência da RAEM tem repetidamente afirmado.
Só para citar alguns, vejam-se os seguintes:
- Ac. do TUI, de 6/06/2018, Proc. nº 43/2018;
- Ac. do TUI, de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016;
- Ac. de 1/02/2018, Proc. nº 26/2017;
- Ac. de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016;
- Ac. de 18/10/2018, Proc. nº 419/2017;
- Ac. do TSI, de 18/10/2018, Proc. nº 370/2016.
Não vemos motivo para alterar a nossa posição. Ocorreu, sim, a caducidade preclusiva e a Administração não tinha possibilidade de agir diferentemente por estar vinculada a declará-la.
Razão por que improcede o vício invocado a este respeito.
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2.3.1 – Do erro sobre o prazo da caducidade (art. 323º, do C.C.)
Invoca a recorrente a circunstância de não ter podido executar as obras por culpa que imputa à Administração, em termos que aqui damos por reproduzidos, e que, por tal motivo, mais ainda pelo disposto no art. 323º, nº 2 do Código Civil, havia motivo para suspender o decurso do prazo de caducidade.
Todavia, entendemos que lhe falta razão.
Em primeiro lugar, nem o contrato, nem a Lei de Terras (Lei nº 10/2013) estabelecem qualquer norma que contemple situações a que possa ser atribuída eficácia suspensiva ou interruptiva do decurso do prazo (neste sentido, também, o Ac. do TUI, de 23/05/2018, Proc. nº 7/2018; de 6/06/2018, Proc. nº 43/2018).
Em segundo lugar, e como este TSI teve já oportunidade de referir por mais do que uma vez, estamos em matéria de direito público, de natureza vinculada, imperativa e de carácter indisponível (v.g., Ac. de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015).
Ver, ainda, neste sentido, entre outros:
- Ac. do TUI, de 11/10/2017, Proc. nº 28/2017;
- Ac. do TSI, de 24/11/2016, Proc. nº 1074/2015;
- Ac. do TSI, de 2/03/2017, Proc. nº 432/2015;
- Ac. do TSI, de 25/05/2017, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 13/07/2017, Proc. nº 743/2016;
- Ac. do TSI, de 21/09/2017, Proc. nº 672/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016;
- Ac. do TSI, de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016;
- Ac. do TSI, de 18/10/2018, Proc. nº 419/2017.
Por conseguinte, entendemos que o art. 323º do Código Civil não presta qualquer apoio à recorrente quanto a esta questão.
*
2.4 - Da violação dos princípios gerais de direito administrativo
Invocou a recorrente a violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, da boa fé, na vertente da tutela da confiança, da eficiência administrativa. Tudo, face ao disposto nos arts. 5º, 8º, 11º, 12º do CPA e 25º da Lei Básica.
Especificamente em relação ao princípio da igualdade, ainda que alguma situação de facto possa assemelhar-se a esta, e que tenha tido uma solução administrativa porventura diferente, não podemos censurar neste processo outra qualquer actuação administrativa que possa ter sido eventualmente inválida. Mesmo que isso fosse verdade, o que importa sublinhar é que se a Administração tem que agir conforme a lei, é de todo inoperante que a recorrente invoque casos pretensamente iguais com decisão diferente da do seu caso, porque não se pode exigir que ela volte a agir ilegalmente mais uma vez, agora a favor da recorrente. O princípio da igualdade não funciona na ilegalidade.
Também não vemos em que medida os princípios da eficiência e da decisão aqui relevem.
Aliás, todos os princípios invocados, como se sabe, são privativos da actividade discricionária da Administração. Neste sentido, entre vários outros:
- Ac. do TUI, de 8/06/2016, Proc. nº 9/2016;
- Ac. do TUI, de 22/06/2016, Proc. nº 32/2016;
- Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/2015;
- Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016;
- Ac. do TSI, de 15/03/2018, Proc. nº 299/2013;
- Ac. do TSI, de 26/04/2018, Proc. nº 767/2016
- Ac. do TSI, de 14/06/2018, Proc. nº 16/2017;
- Ac. do TSI, de 5/07/2018, Proc. nº 633/2017;
- Ac. do TSI, de 18/10/2018, Proc. nº 370/2016.
Ora, a actividade em apreço é vinculada ope legis, portanto, sem qualquer relevância do papel da vontade do administrador. É da lei que advém, fatalmente, a vinculatividade e imperiosidade da declaração de caducidade.
Isto é, têm entendido os tribunais de Macau, e com razão, que, decorrido o prazo da concessão sem que o aproveitamento tenha sido efectuado tal como contratualmente convencionado, à contraente pública outra solução não resta senão declarar a caducidade (ver arestos citados), sem interferência de regras e princípios privativos da discricionariedade.
Desta maneira, sem mais considerandos, somos a dar por improcedentes estes fundamentos do recurso.
*
2.5 - Do abuso de direito
Advoga a recorrente que estamos perante um caso revelador de abuso de direito.
Quanto a nós, é patente que a figura do abuso (art. 326º do CC) não presta ao caso qualquer auxílio, visto que a Administração, repetimos, se limitou a aplicar a lei imperativa (daí a vinculação a que nos referimos) e a cumprir o contrato e a lei no que à duração do mesmo diz respeito (Ac. do TUI, de 23/05/2018, Proc. nº 7/2018).
Dito por outras palavras, “O abuso de direito, para vingar no recurso contencioso, impõe a prova de um exercício ilícito de direito, implica a demonstração de que o titular do direito o exerceu em termos clamorosamente ofensivos da justiça e que excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art. 334º, do CC). E não preenche estes requisitos a actuação administrativa que se limita, como no caso vertente, a cumprir as cláusulas do contrato e a acatar as normas imperativas de direito público sobre o regime legal das concessões” (Ac. do TSI, de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016).
Neste sentido, ainda, o Ac. do TSI, de 18/10/2018, Proc. nº 370/2016.
Improcede, pois, o vício.
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2.6 - Da violação dos arts. 55º da Lei do Planeamento Urbanístico e 7º e 103º da Lei Básica
Não tem razão, uma vez mais.
O preceito do Planeamento Urbanístico citado é o seguinte:
Artigo 55.º
Revisão de contratos de concessão de terrenos do Estado, desistência da concessão e indemnização
1. Quando a execução de um plano urbanístico colida com a finalidade da concessão ou com o aproveitamento ou reaproveitamento de um terreno do Estado concedido, o concessionário tem direito, nos termos da Lei de terras, a requerer a revisão do contrato de concessão, a desistência da concessão ou, tratando-se de concessão onerosa, a transmissão das situações resultantes da concessão.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de concessões onerosas, os concessionários de terrenos do Estado lesados pela execução inicial ou pela alteração de um plano urbanístico têm direito a ser indemnizados, nos termos da Lei de terras, pelos danos que comprovadamente tenham sofrido, sendo aplicável à prescrição do direito e à fixação do valor da indemnização o disposto no n.º 2 do artigo 53.º e no artigo anterior, com as necessárias adaptações.
Como se constata, ele não acode minimamente à pretensão anulatória manifestada no âmbito dos presentes autos, pois apenas prevê a “revisão” do contrato, a “desistência” da concessão, ou a “transmissão onerosa das situações resultantes da concessão”.
Quanto aos preceitos da Lei Básica, somos a dizer o seguinte:
O art. 7º, que nos dispensamos de transcrever, trata da natureza dos solos em Macau, que reconhece serem propriedade do Estado, sem prejuízo de terem sido reconhecidos como propriedade privada antes do estabelecimento da RAEM (1ª parte). De resto, reconhece a responsabilidade ao Governo da RAEM pela gestão, uso e desenvolvimento desses terrenos, nomeadamente através de arrendamento ou de concessão (2ª parte).
Portanto, em nada acode à recorrente.
O 103º também não. Ele reitera, de algum modo, o princípio consagrado no art. 6º, ao referir que a RAEM protege o direito das pessoas à aquisição, uso, disposição e sucessão da propriedade. Ora, mais uma vez a recorrente não dispõe de nenhum título de propriedade privada sobre o terreno em apreço.
E se o art. 120º da mesma Lei manda proteger os contratos de concessão, daí também não resulta nenhum aporte de benefício decisivo ao interesse aqui manifestado, porquanto o despacho em crise não atentou contra a existência válida da concessão convencionada antes de Dezembro de 1999.
Tal como este TSI teve ensejo de dizer no Ac. de 19/10/2017, Proc. nº 179/2016: «É correcto afirmar que a Lei Básica, no corpo do artigo, reconhece e protege os contratos de concessão de terras celebrados, e os direitos deles decorrentes, antes do estabelecimento da RAEM que se prolonguem para depois de 19/12/1999. Mas tal segmento normativo apenas pode ser utilizado para consagrar o respeito que a RAEM deve reconhecer aos direitos emergentes dos contratos que se encontrem em vigor após 19/12/1999. Ora, quanto a este aspecto, e como já tivemos ocasião de observar, o contrato celebrado em nada impedia a prática do acto administrativo que aqui está em apreciação, por em nada ter afrontado o clausulado inicial do contrato e das suas revisões.
E mesmo quanto ao seu parágrafo único1, igualmente não encontramos no acto nenhuma ofensa à força imperativa deste inciso legal, se pensarmos que ele se limita a mandar aplicar às novas concessões e às renovações (quando possíveis, obviamente) o regime legal e as “políticas” que vierem a ser produzidos já no âmbito da RAEM. A imposição que brota deste parágrafo está, de resto, em sintonia com o art. 11º do Código Civil e com o princípio tempus regit actum.» (no mesmo sentido, Ac. do TSI, 26/04/2018, Proc. nº 767/2016 acima citado).
Improcede, pois, o vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça em 20 Ucs.
T.S.I., 21 de Março de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Mai Man Ieng Lai Kin Hong
1 “As concessões de terras feitas ou renovadas após o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau são tratadas em conformidade com as leis e políticas respeitantes a terras da Região Administrativa Especial de Macau”.
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578/2018 38