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Processo nº 61/2019 Data: 28.02.2019
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla”.
Juízo conclusivo.
Conceito de direito.
Elementos do crime.
Suspensão da execução da pena.



SUMÁRIO

1. Uma “conclusão” implica um juízo sobre factos, e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo.

Há uma “questão de facto” quando se procura reconstituir uma situação concreta ou um evento do mundo real, e há uma “questão de direito”, quando se submete a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída.

O “facto” não pode incluir elementos que, a priori, contenham, (ainda que implicitamente), a resolução da questão concreta de direito que há a decidir.

2. Porém, ainda que em causa estejam “expressões com sentido jurídico” (ou mesmo “conceitos jurídicos”), constituindo expressões de frequente utilização no quotidiano, podem ser entendidos como “factos”.

Com efeito, há expressões de direito que em virtude da sua frequente utilização e vulgarização, (e daí, não havendo dúvidas sobre o seu sentido e alcance), equivalem a “factos”.

3. A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).

Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.

O que efectivamente caracteriza o crime de “burla” é a acção do agente que, astuciosamente, provoca no sujeito passivo erro ou engano sobre quaisquer factos, e assim determina que o mesmo pratique actos que causem prejuízo a ele ou a outra pessoa.

4. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado.

Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.

O relator,

______________________
José Maria Dias Azedo

Processo nº 61/2019
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor material de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão, e no pagamento da quantia de HKD$200.000,00 e juros à ofendida dos autos; (cfr., fls. 266 a 273 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, veio o arguido recorrer, apresentando em sede da sua motivação de recurso as conclusões seguintes:

“A. Do expurgo das conclusões de direito da matéria de facto provada – Era preciso que da matéria de facto descrita na acusação pública e provada em julgamento estivessem os factos (concretos) demonstrativos da comissão do crime de burla, o que, no caso, não sucedeu.
B. Isto porque as expressões “e de seguida pensou num plano com intuito de burlar dinheiro à B”, e “O arguido com o intuito de obter vantagem ilícita, planeou de forma que a B e C saissem burlados, causando prejuízos de valor consideravelmente elevado.” que surgem nos factos provados (pontos 4 e 12 dos Factos Assentes) se apresentam como (manifestamente) “conclusivas”, não podendo ser assim objecto de ponderação, (muito menos, em prejuízo do arguido). [Ac. TSI de 9.07.2003, Proc. n.° 11/2003]
C. Sucede que os factos provados não podem incluir elementos que, a priori, contenham, (ainda que implicitamente), a resolução da questão concreta de direito que há a decidir. [A. M. ALMEIDA COSTA, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 275 a 277].
D. Deverão, pois, as expressões supra referidas por não se tratarem de factos mas de conclusões de direito, ser agora expurgadas da matéria de facto provada, com as legais consequências.
E. Da falta de verificação dos elementos do tipo – A factualidade dado como provada na sentença ora recorrida não preenche o elemento “ilegitimidade” do enriquecimento, porquanto o “enriquecimento” se encontra justificado perante a relação jurídica civil material resultante do acordado entre o Arguido A e a Ofendida B (ponto 5 dos Factos Provados na sentença).
F. Sendo certo que o crime de burla constitui um crime de resultado cortado, a sua consumação depende da ocorrência de um efectivo prejuízo patrimonial, o qual só existiria se o Arguido A não se tivesse comprometido a devolver o dinheiro à Ofendida B e a pagar-lhe mais HKD10,000.00 como compensação no mesmo dia pelas 15:00 (depoimento de fls. 6v e 7).
G. Ora, tal devolução dos HKD200,000.00 acrescida de indemnização de HKD10,000.00 só não aconteceu no mesmo dia pelas 15:00 porque a Ofendida B fez com que o Arguido A fosse detido (fls. 6v e 7) e os HKD200,000.00 fossem apreendidos (fls. 45).
H. Da distinção entre fraude civil e burla – Os factos provados não demonstram que o Arguido tenha agido de forma intencional, no sentido de astuciosamente induzir a Ofendida em erro ou engano sobre quaisquer factos, a fim de obter enriquecimento ilegítimo, e causar-lhe prejuízo patrimonial.
I. Para se estar perante uma burla, não basta que o agente não cumpra o que prometeu ou mesmo que, minta, mostrando-se necessário que tal mentira seja acompanhada da realização de actos exteriores destinados a dar-lhe uma maior credibilidade e, assim, de uma encenação dirigida a facilitar o convencimento do sujeito passivo.
J. Caso contrário, toda e qualquer situação de dolo civil, designadamente a mera reserva mental seria reconduzível ao crime de burla.
K. Deixaria de fazer sentido a distinção entre fraude civil e burla e os tribunais criminais passariam também a ter que dirimir os conflitos emergentes do incumprimento dos contratos civis em que as partes tivessem mentido, exagerado ou mal representado a realidade.
L. Ora, sabemos que não pode ser assim, dado que o dolo in contrahendo só é criminalizável se se verificarem os demais elementos estruturais do crime de burla.
M. Ora, nenhum dos diversos índices indicados pela Doutrina e pela Jurisprudência para distinguir a fraude, constitutiva da burla, do simples ilícito civil se verifica no caso sub judice.
N. E mesmo que o Arguido tivesse actuado com reserva mental ao propor o negócio a que se refere o ponto 5 do Factos Provados na sentença recorrida, tal não seria suficiente para criminalizar a sua conduta por lhe faltar o elemento instrumental da astúcia.
O. Do elemento instrumental da astúcia – No caso, estamos perante uma errada suposição do Arguido de que o negócio proposto era realizável ou, não o sendo, de uma simples mentira para, na prática, levar a Ofendida B a emprestar-lhe dinheiro (cfr, depoimento de fls. 6v e 7), mentira essa do Arguido A que foi desacompanhada de quaisquer outros actos exteriores para dar uma maior credibilidade às suas afirmações.
P. O comportamento do Recorrente não foi, portanto, minimamente astucioso, e o mesmo é dizer apto, a fazer com que a Ofendida B (ou qualquer pessoa) nele acreditasse ao ponto de lhe entregar uma avultada quantia de dinheiro sem o conhecer de lado nenhum e sem lhe exigir qualquer garantia!
Q. O acordo descrito no ponto 5 dos Factos Assentes na sentença recorrida insere-se, assim, no quadro da autonomia da vontade das partes, nos termos do artigo 399/1 do CCV, já que mesmo que – sem conceder – o Arguido tenha agido com reserva mental (artigo 237.°, n.° 1 do CCV), susceptível de gerar responsabilidade civil contratual (artigos 787.° e segs. do CCV), ou responsabilidade précontratual (artigo 219.°, n.° 1 do CCV), tal não integraria o artifício fraudulento indispensável à verificação da burla.
R. Isto porque a Ofendida B entregou o dinheiro ao ora Recorrente não por erro ou engano sobre factos que ele astuciosamente tivesse provocado, mas para se aproveita do seu vício de jogo problemático, encontrando-se a Ofendida bem ciente do enorme risco que corria ao entregar dinheiro a um estranho, sem quaisquer garantias que ele cumprisse ou conseguisse cumprir o com ela acordado.
S. Não houve, portanto, erro ou engano sobre factos astuciosamente provocado pelo Arguido, isto é, falta o artifício fraudulento para a obtenção desse acordo, não preenchendo tal requisito do crime de burla, a mera reserva mental, sob pena de violação do artigo 29.° da Lei Básica por ampliação dos elementos objectivos do tipo do crime.
T. Pelo exposto, e por não estarem preenchidos todos os requisitos exigidos para a condenação pelo crime de burla, há que absolver o ora Recorrente, sem prejuízo de o dinheiro apreendido ser restituído a quem de direito, ou seja, à Ofendida B, por esse dinheiro lhe pertencer, conforme reconheceu o Arguido na audiência de discussão e julgamento.
U. Do arrependimento – Caso assim não se entenda, sempre teria havido desistência ou arrependimento por, não obstante a sua consumação, o Arguido se ter proposto impedir verificação do resultado não compreendido no tipo de crime.
V. Isto porque:
- do auto de apreensão de fls. 45, resulta que o dinheiro obtido da Ofendida foi apreendido ao Arguido na sequência da sua deslocação voluntária à Polícia Judiciária, pelo que não se verificou qualquer enriquecimento do Arguido à custa de ninguém.
- do primeiro e segundo parágrafos do relatório final da investigação de fls. 93 e ss. resulta que na sequência do telefonema da Ofendida B ao ora Recorrente, ele regressou voluntariamente ao Cotai Sands para esclarecer a situação, tendo depois sido encaminhado para a secção competente da Polícia Judiciária para prestar declarações;
- das declarações da ofendida de fls. 4/5 e de fls. 6/7 resulta que o ora Recorrente lhe pediu o dinheiro emprestado, comprometendo-se a pagar mais HKD10,000.00 como compensação no mesmo dia pelas 15:00, o que revela que ele se arrependera ou desistira de ficar indevidamente com o dinheiro que lhe fora entregue pela Ofendida.
- das declarações do marido (C) da ofendida de fls. 14/15 resulta que o Arguido pediu emprestado o dinheiro à Ofendida, prometendo-lhe que o devolveria em momento posterior.
O que demonstra que o Arguido não obstante a consumação, quis impedir a verificação do resultado (o seu enriquecimento ilegítimo) não compreendido no tipo de crime (artigo 23.°, n.° 1 do CP).
W. Da determinação da medida concreta da pena – Não foram devidamente ponderados os seguintes aspectos:
- que o Arguido tem profissão e rendimentos estáveis, tendo a seu cargo os seus pais e um filho menor;
- o Arguido não retirou qualquer beneficio do crime pelo qual foi condenado;
- o Arguido é primário neste tipo de crime.
- a conduta do Arguido posterior ao facto, designadamente o facto de ele ter regressado ao caso logo que a Ofendida lhe telefonou e de se ter se ter oferecido para lhe devolver o dinheiro apreendido a fls. 45, acrescido de mais HKD10,000.00 como compensação (depoimento de fls. 6v e 7), pelo que que se mostra inobservado o disposto no artigo 65.°, n.° 2, alínea d) do Código Penal.
X. Da suspensão da execução da pena – No caso concreto, a colaboração relevante prestada pelo Arguido, durante o julgamento, máxime a confissão parcial no julgamento de que o dinheiro apreendido a fls. 45 pertencia à Ofendida, as suas condições pessoais e situação económica, o modo não astucioso de execução do facto ilícito, a inocuidade das consequências e o seu comportamento (destinado a reparar as consequências do crime) posterior aos factos que lhe foram imputados, em especial, o ter-se oferecido para devolver o dinheiro acrescido de compensação, acompanhado da ausência de anteriores condenações por crimes desta natureza, constituem razões sérias para crer que a simples censura do facto e a ameaça da prisão bastarão para prevenir a possibilidade de reincidência.
Y. Afigura-se ser esta a melhor solução até por nada obstar no caso “sub judice” a que a eventual suspensão seja subordinada ou condicionada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, nos termos dos artigos 49.° e 50.° do CP.
Z. Assim, no caso concreto, dado que a execução da pena de prisão não se mostra indispensável à necessária tutela dos bens jurídicos em causa e a satisfação das expectativas comunitárias, e o Recorrente consente em sujeitar-se a tratamento de comportamentos de jogo problemático em instituição adequada (artigo 50.°, n.° 3 do CP), não repugna que lhe seja dada uma derradeira oportunidade de se manter integrado na sociedade mediante a suspensão da execução da pena subordinada ao dever previsto no artigo 49.°, n.° 1, alínea a) do CP e às regras de conduta previstas no artigo 50.°, n.° 2, alínea b) e n.° 3, do mesmo diploma
AA. Afigura-se, pois, que a subordinação da execução da pena de prisão à condição de o Arguido não frequentar casinos (como já lhe fora imposto pelo Juiz de Instrução Criminal a fls. 208) e de se sujeitar a tratamento do vício de jogo problemático em instituição adequada, fará com que seja alcançada de forma suficiente e adequada as finalidades de punição.
BB. Da titularidade do dinheiro apreendido a fls. 45 – Por último, face à confissão prestada pelo ora Recorrente na audiência de julgamento de que o dinheiro apreendido a fls. 45 pertencia à Ofendida B, deverá o mesmo ser-lhe restituído (a ela, não ao ora Recorrente) por força do disposto no artigo 171/1 do CPP”; (cfr., fls. 287 a 320).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 323 a 326-v).

*

Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:

“Submetido a julgamento em processo comum perante tribunal colectivo, foi o recorrente A condenado, por acórdão de 23 de Novembro de 2018, na pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punível pelo artigo 211.°, n.°s 1 e 4, alínea a), com referência ao artigo 196.°, alínea b), do Código Penal.
Inconformado, vem atacar o acórdão com os fundamentos que ressumam das conclusões da sua motivação de recurso, onde pontuam a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (dado o não preenchimento de todos os elementos típicos do crime de burla), a desconsideração de algumas circunstâncias favoráveis, cujo efeito redundaria no abaixamento da medida concreta da pena, e, por fim, a não suspensão da execução da pena.
Sobre os vícios e argumentos invocados na motivação do recurso, pronunciou-se o Ministério Público em primeira instância, pela forma expressa na sua minuta de fls. 323 e seguintes, onde vêm abordados e rebatidos todos os fundamentos do recurso, em virtude do que resulta demonstrada, cremos, a falta de razão do recorrente, do mesmo passo que fica salvaguardada a bondade do acórdão condenatório recorrido.
Daí que tenhamos por bem acompanhar a aludida resposta do Ministério Público, onde, como se disse, estão contemplados e tratados os blocos de questões que o recorrente entendeu suscitar em sede recursiva.
Pois bem, quanto à alegada insuficiência, por falta de preenchimento dos elementos do tipo, temos por certo que todos esses elementos resultaram demonstrados, tal como a Exm.a colega consignou.
A tanto não obsta a circunstância de se poderem surpreender expressões conclusivas nos pontos 4 e 12 da matéria dada como provada. No ponto 4 refere-se o contexto em que nasce a resolução dirigida a enganar a ofendida, para dela obter dinheiro ardilosamente, não estando compreendida em tal ponto a descrição factual dos passos e elementos de actuação que caracterizam a conduta burlona imputada ao recorrente, pelo as expressões aí contidas em nada abalam a demonstração dos elementos típicos da burla. No ponto 12 anuncia-se a intenção que presidiu à actuação enganosa, ou seja, dá-se por assente o dolo específico (intenção de enriquecimento ilegítimo), que, embora seja elemento do tipo e conceito de direito, constitui, hoje em dia, uma expressão vulgarizada na linguagem comum, onde assume basicamente o mesmo significado que lhe é assinalado em direito, ou seja, o de engrandecimento patrimonial indevido, pelo que daí também não resulta abalado o preenchimento dos elementos típicos do crime de burla.
E quanto às questões suscitadas a propósito da suposta inexistência de artifício fraudulento, da falta de enriquecimento ilegítimo e das fronteiras entre a fraude civil e o crime de burla, sendo embora notável a roupagem e a interpretação que o recorrente agora tenta dar a actuações e gestos seus, no intuito de se distanciar de qualquer acção burlona, não podemos acolher essa roupagem e interpretação, já que tal atenta contra as máximas da experiência e da razão.
O erro ou engano, ardilosamente provocados, resultam da forma como o recorrente se apresentou perante a ofendida, como relações públicas de um club VIP, do negócio de fichas mortas que encenou e da forma de as tornar disponíveis, mobilizando um valor de HKD $700.000 através do depósito de HKD $200.000 numa determinada conta, o que deu causa adequada a que a ofendida abrisse mão da importância de HKD $200.000 para o recorrente depositar nessa tal conta, que, em bom rigor, não existia nem ele criou, optando o recorrente por fugir com o referido montante.
E não é que o recorrente pretende convencer de que a sua posterior promessa de devolução dos HKD $200.000 com que fugira, acrescidos de uma compensação de HKD $10.000, é louvável e demonstra que ele não enriqueceu nem quis enriquecer ilegitimamente, quando é certo que tal sucede após ele ter fugido com aquele montante e a ofendida ter manifestado o intuito de apresentar queixa? É óbvio que chegou a haver enriquecimento ilegítimo, o que nem era necessário à consumação do crime, bastando para tal a intenção de enriquecimento ilegítimo, esta comprovada.
Todos os elementos do tipo se mostram preenchidos, sendo irrelevante que o caso caia também na alçada do ilícito civil.
Improcede este primeiro conjunto de argumentos ligados à insuficiência da matéria de facto, por alegada indemonstração do preenchimento dos elementos do tipo.
Sustenta ainda o recorrente que foram desconsideradas algumas circunstâncias que lhe eram favoráveis, o que poderia importar um abaixamento da pena concreta, nos termos das alíneas d) e e) do artigo 65.° do Código Penal.
Pois bem, no que toca a condições pessoais e situação económica do recorrente, o tribunal valorou aquelas que resultaram do seu interrogatório em audiência sobre a sua situação individual, familiar e económica, como se vê da acta de audiência e do próprio acórdão. Outras que porventura pudessem ter sido objecto de ponderação, caso fossem conhecidas, não as levou o recorrente ao conhecimento do tribunal, como poderia ter feito nomeadamente em sede de contestação.
E quanto ao relevo da conduta posterior ao facto, volta o recorrente a pôr em destaque a sua anunciada intenção de devolver o dinheiro com que se pusera em fuga e de compensar a ofendida por se haver apoderado indevidamente desse dinheiro. O recorrente vê aí uma confissão e uma atitude colaborante, demonstrativa da resolução de não reincidir e destinada a reparar as consequências do crime. É a sua leitura dos acontecimentos, com a qual não podemos concordar. O que se nos depara, apreciada a conduta à luz das regras da experiência e de critérios de normalidade, é uma tentativa ensaiada pelo recorrente para protelar a denúncia da sua actuação, perante a descoberta, por parte da ofendida, do logro em que caíra. Não vemos que o episódio substancie qualquer tentativa de reparar as consequências do crime.
Nenhuma razão se divisa, pois, para caucionar uma diminuição da pena, pelo que também este fundamento do recurso soçobra.
Por fim, no que toca à pretendida suspensão, o artigo 48.° do Código Penal postula que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Trata-se de um poder-dever, que alguns autores denominam de discricionariedade vinculada, sujeito à verificação dos requisitos formal e material previstos na norma.
No caso, está preenchido o pressuposto formal, mas não o está o pressuposto material, conforme o tribunal recorrido bem ponderou.
Na verdade, tomando em conta os aspectos a considerar nos termos do referido artigo 48.°, não é possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do recorrente no futuro. Os seus antecedentes criminais e a sua personalidade – desde logo manifestada no facto e na forma como foi engendrado, com a tentativa subsequente de lhe amenizar a carga de desvalor, através do anúncio da intenção de devolução do dinheiro, mas também na circunstância de haver cometido o ilícito escassos dias após haver sido julgado e condenado também por burla, dessa feita com suspensão da execução da pena – são reveladores de uma insensibilidade aos valores e, simultaneamente, de uma incapacidade para aceitar e reconhecer o desvalor da conduta, que não aconselha a que o tribunal, mesmo com a margem de risco que sempre tem que correr nos casos de suspensão da execução da pena, possa apostar na simples censura do facto e ameaça da prisão para ter por satisfeitas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. E, sabido que uma das finalidades da pena é justamente a protecção dos bens jurídicos violados, poderia a suspensão colocar este desiderato em xeque e fazer abalar a confiança da comunidade na tutela da norma violada.
Improcede também este fundamento do recurso.
Nestes termos, o nosso parecer vai no sentido de ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 369 a 371-v).

*

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Pelo Colectivo do T.J.B. foram dados como provados os factos seguintes:

“ 1.
Em data não apurada, o arguido A conheceu B no Casino X. B e C são um casal, e ambos são bate-fichas. O arguido alegou a B que exerceu funções de relações públicas no Clube VIP X no casino do Hotel X
2.
Na madrugada de 1 de Março de 2017, o arguido jogou no casino do Hotel X de Macau e perdeu todo o dinheiro. Depois, o arguido deslocou-se à Ourivesaria X, sita na…, e exibiu ao empregado D um cartão UnionPay do Banco da X n.º … em nome da sua esposa X, pretendendo usar tal cartão para levantar numerário de HKD$90.000,00. D tratou da transacção e o arguido assinou um talão de venda com valor nominal de MOP$98.100,00 (vide a cópia do talão da loja constante das fls. 32 dos autos).
3.
Depois de obter a supracitada quantia, o arguido deslocou-se, de imediato, ao Casino X e continuou a jogar. Até às 4 horas da madrugada do mesmo dia, o arguido perdeu toda a referida quantia.
4.
Após a perda da grande quantidade de dinheiro, o arguido encontrou B no Casino X, e veio a ter a ideia de enganar astuciosamente B para obter dinheiro dela.
5.
Na altura, o arguido alegou falsamente a B que tinha ganhado fichas mortas no valor de HKD$700.000,00 para um cliente, que saiu de Macau com pressa e entregou a respectiva quantia a um gerente da tesouraria na Sala de Hong Kong do Clube X do Casino X. O arguido disse a B que conheceu esse gerente e só precisou abrir uma conta de troca de fichas na referida sala e depositar uma quantia de HKD$200.000,00 para levantar as fichas mortas em causa, e depois de obter as fichas, iria jogar no Casino X junto com B, podendo esta ganhar a comissão. Para tornar mais convincente o plano, o arguido disse que iria abrir a conta em nome de B. B, por sua vez, acreditou no plano do arguido e voltou imediatamente ao domicílio para discutir com C.
6.
Após a discussão, ambos consideraram proveitoso o plano do arguido, pelo que levantaram as fichas de numerários do Casino X no valor de HKD$200.000,00 e trocaram as mesmas em dinheiro nesse casino (vide o auto de vista de discos vídeo constante das fls. 51 a 54 dos autos).
7.
Posteriormente, os dois indivíduos, junto com o arguido, deslocaram-se ao Casino X, e fora o Clube VIP Hong Kong, os dois entregaram a quantia de HKD$200.000,00 em numerário ao arguido para tratar das formalidades correspondentes.
8.
Depois de obter a referida quantia, o arguido aproveitou uma oportunidade para fugir (vide o auto de vista de discos vídeo constante das fls. 55 a 59 dos autos).
9.
B descobriu que o arguido fugiu, pelo que telefonou ao arguido, que, por sua vez, exigiu que B emprestasse-lhe a respectiva quantia, o que foi rejeitado por B.
10.
De facto, o respectivo plano foi inventado pelo próprio arguido e não era verdadeiro.
11.
Através da investigação, a Polícia encontrou na posse do arguido a quantia de HKD$200.000,00 em numerário (vide o ponto 1 do auto de revista e apreensão constante das fls. 45 dos autos).
12.
Para obter benefício ilegítimo, o arguido enganou astuciosamente B e C, causando-lhes prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado.
13.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente ao praticar dolosamente as supracitadas condutas.
14.
O arguido sabia bem que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
De acordo com o CRC, o arguido tem antecedente criminal. Em 26 de Fevereiro de 2016, o TJB condenou o arguido, no âmbito do Processo n.º CR5-15-0092-PCC (originalmente n.º CR3-15-0129-PCC), pela prática de 1 crime de burla, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses. O acórdão foi transitado em julgado no dia 17 de Março de 2017, e já decorreu o prazo de suspensão da execução da pena.
O arguido alegou ser vendedor de mercadorias e entregador de comida, aufere mensalmente MOP$16.000,00 e tem como habilitação literária o ensino secundário geral, tendo a seu cargo os pais e um filho”.

Seguidamente, consignou-se que:

“Não foram dados como provados outros factos constantes da acusação que não correspondem aos factos provados, designadamente:
Não provado: o arguido, sabendo bem que não era titular do supracitado cartão UnionPay, ainda assinou o talão de venda, a fim de obter benefício ilegítimo para si.
Não provado: o dinheiro em numerário encontrado na posse do arguido é produto directo do crime”; (cfr., fls. 267-v a 269 e 344 a 348).

*

E, explicitando a “convicção do tribunal”, fez-se constar que:

“Tendo analisado, de forma rigorosa, objectiva, sintética e crítica, as provas obtidas na audiência de julgamento, designadamente as declarações prestadas pelo arguido e pelas testemunhas, conjugadas com as provas documentais, os objectos apreendidos e as demais provas apreciadas na audiência, este Tribunal Colectivo reconhece os factos acima expostos, em particular:
O arguido prestou declaração na audiência de julgamento e alegou que: o respectivo cartão UnionPay é da sua esposa, que por sua vez, consentiu que o arguido usasse tal cartão, e ademais, ao usar o cartão, o empregado da ourivesaria, sabendo que o cartão não pertenceu ao arguido, exigiu que este assinasse com o nome constante do cartão. O arguido ainda declarou que não enganou B, e em contrário, B esteve demasiado ansiosa e preocupada.
A testemunha B prestou declaração na audiência de julgamento e contou o decurso dos factos. Segundo a declaração da testemunha, esta entregou o dinheiro ao arguido e depois, a testemunha, o seu marido e o arguido deslocaram-se juntos ao Clube VIP envolvido. O arguido disse que o gerente não podia ver a testemunha, entrou sozinho no Clube VIP, e depois, saiu do Clube VIP, alegando que o gerente disse-lhes para esperar por meia hora. Durante a espera, a testemunha descobriu que o arguido desapareceu, pelo que telefonou ao arguido, mas o arguido exigiu que a testemunha emprestasse-lhe o dinheiro e esperasse até às 3 horas da tarde. A testemunha não consentiu e participou o caso à Polícia. É normal a abertura de conta indicada pelo arguido, e a própria testemunha tem conta no Casino X.
A testemunha C prestou declaração na audiência de julgamento e alegou que: o arguido deambulou no Clube VIP e deixou a testemunha esperar na porta do clube, e depois, o arguido saiu da porta traseira. A testemunha entendeu que foi mentida, pelo que participou o caso à Polícia.
O agente da PJ X prestou declaração na audiência de julgamento, contando objectivamente o decurso da investigação do caso. A testemunha alegou que o arguido não tinha requerido a abertura de conta no Clube VIP envolvido.
A testemunha X (primo do arguido) e a testemunha X prestaram declarações na audiência de julgamento sobre a personalidade do arguido.
Face às provas constantes dos autos, tendo em consideração que o cartão bancário envolvido pertence à esposa do arguido, e atendendo à falta de prova de que esta proibiu o arguido de usar o seu cartão, este Colectivo entende que as provas nos autos não demonstram suficientemente que o arguido usou, sem autorização, o referido cartão UnionPay, e não ficou provado que o arguido tinha a intenção de obter para si benefício ilegítimo quando assinou o talão de venda em causa.
Embora o arguido negasse que tinha enganado a ofendida B, de acordo com as provas constantes dos autos, nomeadamente as declarações das testemunhas, a investigação sobre a abertura de conta, as circunstâncias de o arguido jogar nos casinos e contactar com B e C, mostradas nos discos vídeos, este Colectivo, com base nas regras da experiência, entende que são provados os factos enganosos imputados ao arguido”; (cfr., fls. 269 a 269-v e 348 a 350).

Do direito

3. Vem o arguido recorrer do Acórdão que o condenou como autor material de 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) e 196°, al. b) do C.P.M., na pena de 3 anos de prisão, e no pagamento da quantia de HKD$200.000,00 e juros à ofendida dos autos.

E, perante as “questões” pelo mesmo colocadas e trazidas à apreciação deste T.S.I., cremos que não se lhe pode reconhecer razão.

Vejamos.

–– Diz o arguido ora recorrente que a “decisão a matéria de facto” contém “juízos ou expressões conclusivas” e/ou “conceitos de direito”.

Refere-se, concretamente, aos pontos 4° e 12° da referida decisão da matéria de facto cuja tradução se deixou transcrita, (sendo que na sua versão original, em língua chinesa, consta o seguinte:
- “嫌犯輸掉大量金錢後在X娛樂場遇見B,遂萌生貪念使用詭計騙取B的金錢。”;
- “嫌犯為了獲取不正當利益,以詭計使B及C受騙,從而令二人作出造成相當巨額之財產損失。”).

E atento o que da aludida decisão consta, cremos haver equívoco.

Como em sede do Ac. de 12.02.2015, Proc. n.° 847/2014, já teve este T.S.I. oportunidade de consignar:

“Uma “conclusão” implica um juízo sobre factos, e estes, quando em si mesmos considerados, revelam uma realidade, compreensível e detectável sem necessidade de qualquer acréscimo dedutivo.
Há uma “questão de facto” quando se procura reconstituir uma situação concreta ou um evento do mundo real, e há uma “questão de direito”, quando se submete a tratamento jurídico a situação concreta reconstituída.
O “facto” não pode incluir elementos que, a priori, contenham, (ainda que implicitamente), a resolução da questão concreta de direito que há a decidir”.

No caso, ainda que nos aludidos pontos (4° e 12°) da decisão em questão – e, aqui, importa dar revelo à “versão original” – se tenha incluído “expressões como sentido jurídico”, (podendo integrar “conceitos de direito”), as mesmas não deixam de ser também expressões (vulgarmente) utilizadas no quotidiano, e, por isso, perceptíveis por qualquer homem médio, deixando os termos de se dever considerar “jurídicos” e sujeitos ao regime que lhes é reservado; (v.g., “lucro”, “renda”, “arrendamento”; sobre a questão, cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 12.02.2015 e de 19.01.2017, Proc. n.° 847/2014 e 585/2016, e Barbosa de Magalhães in Rev. da Ord. dos Advogados, 8°-304 e Castro Mendes, in “Conceito de Prova”, pág. 570).

Outra poderia também ser a solução se, com exclusão dos já aludidos “conceitos”, nada mais houvesse na decisão da matéria de facto em questão que descrevesse a conduta do arguido ora recorrente.

Porém, e como da transcrita decisão se constata, não é o caso dos autos.

Assim sendo, nada há a censurar ao decidido.

–– Diz também o recorrente que verificados não estão os “elementos típicos” do crime de “burla” pelo qual foi condenado.

Pois bem, nos termos do art. 211° do C.P.M.:

“1. Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2. A tentativa é punível.
3. Se o prejuízo patrimonial resultante da burla for de valor elevado, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
4. A pena é a de prisão de 2 a 10 anos se:
a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;
b) O agente fizer da burla modo de vida; ou
c) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica”.

E como em relação aos elementos típicos do crime de “burla”, temos considerado:

“A construção do crime de “burla” supõe a concorrência de vários elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).
Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 27.09.2012, Proc. n.° 681/2012 e de 27.04.2017, Proc. n.° 275/2017, a Decisão Sumária de 27.10.2017, Proc. n.° 809/2017, de 22.03.2018, Proc. n.° 226/2018 e de 11.04.2018, Proc. n.° 204/2018, e o Ac. do Vdo T.U.I. de 02.03.2017, Proc. n.° 73/2015).

O que efectivamente caracteriza o crime de “burla” é a acção do agente que, astuciosamente, provoca no sujeito passivo erro ou engano sobre quaisquer factos, e assim determina que o mesmo pratique actos que causem prejuízo a ele ou a outra pessoa.

Por “erro” deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima.
É usada “astúcia” quando os factos invocados dão a uma falsidade a aparência de verdade, ou quando o burlão altera ou dissimula factos verdadeiros, e (actuando com astúcia e/ou destreza) pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado, de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro.

A astúcia é, materialmente, algo mais que mentira; é um plus que lhe acresce e que lhe empresta, sob a forma de cenário criado, uma mise-en-scène, que tem por fim dar crédito à mentira e enganar.
As regras da experiência comum e os ditames da boa fé constituem elementos de suma importância para se concluir pela tipicidade e ilicitude da “burla”; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. do S.T.J. de 17.01.2007, Proc. n.° 3152, in “www.dgsi.pt”).

Perante isto, e como sem esforço se mostra de concluir, claro se apresenta que a factualidade dada como provada contém todos os elementos típicos – objectivos e subjectivos – do dito crime.

Com efeito, da mencionada factualidade resulta, (claramente), que o arguido, depois de perder o dinheiro que tinha no jogo, e de se decidir a arranjar dinheiro à custa da ofendida, a pretexto de se poder obter a (vantajosa) quantia de HKD$700.000,00 em “fichas mortas” a troco do pagamento de (apenas) HKD$200.000,00, fez com que aquela lhe entregasse esta quantia para tal efeito, acabando por se apoderar dela, tendo agido livre, voluntária e intencionalmente, e com consciência da ilicitude da sua conduta.

E, perante isto, mais não é preciso dizer sobre o ponto em questão, necessidade também já não havendo de se apreciar da questão quanto à “distinção entre fraude civil e burla”, (cfr., conclusão H e segs.), pois que, como se viu, confirmada está a “qualificação jurídico-penal” da conduta do arguido ora recorrente como a prática, como autor material, de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M., (prejudicada estando, desta forma, a referida questão).

–– Diz ainda o recorrente que se devia dar como verificado o seu “arrependimento”.

Tal como em relação às anteriores questões colocadas, também aqui não nos parece que se possa ir ao encontro da sua pretensão.

Na verdade, a dita “circunstância” não resulta da “factualidade” dada como provada, sendo de notar que apenas esta pode revelar para a decisão (agora) em questão, apresentando-se de consignar também que, em nossa opinião, nenhum “erro notório na apreciação da prova” existe, (ou foi sequer invocado).

Nesta conformidade, vista está a solução para a questão.

–– Por fim, quanto à pretendida “suspensão da execução da pena”.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Sobre esta matéria já teve este T.S.I. oportunidade de dizer que:

“O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 11.01.2018, Proc. n.° 1157/2017, de 26.04.2018, Proc. n.° 228/2018 e de 25.10.2018, Proc. n.° 570/2018).

Como temos também entendido, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado.
Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo, posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 09.11.2017, Proc. n.° 853/2017, de 18.01.2018, Proc. n.° 1/2018 e de 12.07.2018, Proc. n.° 534/2018).

In casu, e como se viu, o arguido não é “primário”, tendo sido condenado por um idêntico crime de “burla” cerca de 1 ano antes do cometimento do crime dos autos, certo sendo que este último foi cometido no período da suspensão da execução da pena de prisão (antes) aplicada, inviável se apresentando, desta forma, nova suspensão da execução da pena (agora) decretada, pois que possível não se mostra novo juízo de prognose favorável ao ora recorrente.

Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.

Pagará o arguido a taxa de justiça de 8 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 28 de Fevereiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 61/2019 Pág. 40

Proc. 61/2019 Pág. 41