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Processo nº 971/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 28 de Fevereiro de 2019

ASSUNTO:
- Aval
- Livrança

SUMÁRIO:
- Um homem médio, ao assinar no verso da livrança (já não dizemos para uma livrança de valor HKD$48.000.000,00), deve procurar saber, o que significa a sua assinatura, pois, o aval, ainda que não contenha a expressão “bom para aval” ou outras expressões equivalentes, considera-se como feito pela simples assinatura do dador aposta na fase anterior da livrança, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador (cfr. nº 3 do artº 1164º, ex vi do nº 3 artº 1210, todos do C. Com.).
- Como título de crédito, a livrança é autónoma e abstracta, daí que o nº 2 do artº 1165º do C. Com., ex vi do nº 3 do artº 1211º, todos do C. Com., prevê expressamente que a obrigação do dador de aval mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garante ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
O Relator,
Ho Wai Neng

Processo nº 971/2018
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 28 de Fevereiro de 2019
Recorrente: A (Embargante)
Recorrida: B Casino S.A. (Embargada)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 27/04/2018, julgou-se parcialmente procedentes os embargos deduzidos pelo Embargante A contra a Embargada B Casino S.A. e, consequentemente, determina-se:
- julgam-se procedentes os embargados quanto à execução quanto às despesas de protesto e aos impostos de selos sobre os juros, declarando extinta a execução em relação a essa parte, prosseguindo a execução em relação aos restantes pedidos;
- julga-se improcedente a litigância de má fé formulada pelo Embargante.
Dessa decisão vem recorrer o Embargante, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- Foi julgado como facto assente que na Livrança dada à execução constava a expressão, inserida pela exequente, "Good for Aval" na língua inglesa e 擔保na língua chinesa. (cfr. alínea F) dos factos assentes).
- O Recorrente não pode concordar que, com base neste facto, o Tribunal recorrido tenha concluído que "a palavra "aval" corresponde aos caracteres chineses 保證, na redacção chinesa do Código Comercial. Na língua chinesa 擔保e 保證 têm sentido semelhante. Por outro lado, consta, expressamente, que, na versão inglês, a palavra "Aval". A correcta interpretação, considerando em global a livrança, não poderá ser outra senão o embargante apostou a sua assinatura no sentido de dar como aval."
- O Recorrente considera que o Tribunal a quo laborou em erro quando analisou a matéria provada e quando formou a sua conclusão que imediatamente antes se citou.
- Pois que, na versão em língua chinesa da livrança, a garantia prestada pelo Recorrente não consubstancia um aval, mas apenas simples garantia, devendo aplicar-se as disposições previstas para a fiança nos artigos 623º e seguintes do Código Civil.
- O Recorrente desconhece o que significa um aval (palavra portuguesa inserida na versão em língua inglesa da livrança), e não tem obrigação de conhecer, na medida em que não domina a língua portuguesa.
- O Recorrente, quando assinou o referido documento, considerou que estava a actuar como simples garante da Concessão de crédito em causa, não como avalista.
- Importa reiterar que não foi inserida qualquer palavra em inglês equivalente ao termo aval na versão em língua inglesa do Contrato de Concessão de Crédito.
- Os caracteres chineses 擔保 apostos pela Recorrida antes da assinatura do Recorrente não significam "bom para aval" ("與保證同"), nem qualquer forma equivalente, tal como exigido pelo n.º 2 do artigo 1164° do Código Comercial.
- O Tribunal recorrido considera que os caracteres chineses 擔保 têm um sentido semelhante aos caracteres 保證que vêm redigidos na versão chinesa do Código Comercial.
- O Recorrente não pode concordar que o Tribunal tenha concluído que o sentido semelhante seja suficiente para vincular o Recorrente.
- O Requerente não assinou o documento tendo consciência dessa semelhança, muito menos que essa semelhança importaria a assunção de uma responsabilidade acrescida.
- A aplicação, por mera semelhança de expressões, do instituto jurídico do aval importa para o Recorrente uma situação mais onerosa.
- Pelo que esta tese jamais poderá prevalecer, sob pena de estar a impor-se ao Recorrente uma posição jurídica que o mesmo não quis assumir (e que, conscientemente, não assumiu).
- Ora, não se aplicando as disposições relativas ao aval, incluindo os artigos 1165° e 1180° do Código Comercial, a responsabilidade do Recorrente, enquanto simples garante da obrigação cartular, é subsidiária relativamente à obrigação do 1.° Executado, e não solidária para com este.
- Na Sentença em crise, o Tribunal a quo concluiu no que respeita ao montante em dívida e à responsabilidade da Recorrida que "independentemente da verificação das questões alegadas pelo embargante quanto à relação subjacente à emissão da livrança, sendo certo que não poderá proceder a pretensão do embargante de não pagar a quantia reclamada pela embargada contra ele por ser avalista da livrança".
- O Recorrente não pode concordar com a posição tomada pelo Tribunal recorrido.
- Relativamente ao montante em dívida, o Tribunal recorrido considerou provado que, do conjunto de fichas que foram entregues ao 1.º Executado, a Recorrida não logrou provar quantas é que foram efectivamente apostadas em mesas de jogo da sala do promotor,
- Valor que teria sido essencial apurar, na medida em que, tendo em conta que as fichas que terão sido entregues ao 1.° Executado nos termos do Contrato de Concessão de Crédito eram fichas "não negociáveis" ou "não remíveis" (como ficou provado - vide quesito 3)), quaisquer fichas que não tenham sido utilizadas não importam qualquer custo para a Concessionária, excepção feita para o custo do seu fabrico ou produção.
- Na prova produzida em audiência, ficou demonstrado, designadamente pelo depoimento da Testemunha Sr. C, que cada "sala VIP" tem as suas próprias fichas, diferentes das fichas das outras "salas VIP", de tal sorte que as fichas de urna sala só poderão ser jogadas naquela sala e não podem ser trocadas por dinheiro ou por "fichas vivas" que possam ser jogadas nas mesas comuns do casino.
- Ficou também demonstrado pela mesma testemunha que as fichas não negociáveis que não são jogadas não dão origem a custos para a concessionária, in casu a Recorrida, nomeadamente em sede de imposto especial sobre o jogo.
- Resultou ainda da referida prova testemunhal que, se o promotor não conseguir que alguém jogue as fichas não negociáveis, não receberá comissões.
- Donde se conclui que a concessionária só deve ser reembolsada sobre os montantes que efectivamente despendeu, ou seja, sobre as fichas que foram efectivamente jogadas e sobre as quais aquela pagou imposto especial sobre o jogo e outros custos, nomeadamente comissões ao promotor, sob pena de, de outro modo, haver enriquecimento sem causa, que, como se sabe, é censurado pela lei civil.
- Assim, se as fichas de jogo alegadamente transmitidas pela Recorrida ao 1.º Executado não foram apostadas, então não é legítimo à Recorrida cobrar o seu pagamento, já que, sobre as mesmas, a Recorrida não teve qualquer custo - incluindo, o pagamento do imposto especial sobre o jogo - nem sofreu qualquer prejuízo.
- A Recorrida agiu com manifesta má fé, uma vez que os actos praticados pela mesma configuram uma situação de enriquecimento ilícito.
- Mesmo que o Tribunal conclua que o Recorrente responde solidariamente para com o 1º Executado, e bem assim, tenha direito de regresso sobre o que pagou solidariamente à Recorrida no lugar do 1° Executado, o facto é que o Recorrente é obrigado a despender um valor superior àquele que a Recorrida poderia exigir.
- Valor esse que, como referido supra, não é admissível cobrar.
- O Recorrente discorda da conclusão do Tribunal a quo de que a responsabilidade da Recorrida se trata também de um problema intrínseco à relação entre a Recorrida e o 1º Executado.
- Motivo pelo qual, de acordo com Sentença em crise, não pode ser invocada pelo Recorrente.
- Nos termos do n.º 1 do artigo 9° da Lei n.º 5/2004, os concedentes de crédito devem, no âmbito da actividade de concessão de crédito, exercer as suas funções de forma prudente e criteriosa.
- O Recorrente ficou absolutamente surpreendido pela existência da alegada dívida em análise nos presentes autos de execução ordinária, porquanto desconhecia como estava a correr a operação da sala do promotor, e como estava a mesma a funcionar e a ser gerida.
- Nunca lhe foram dadas a conhecer as enormes dificuldades pelas quais a operação daquela sala estaria a passar.
- Acresce que, por referência ao quesito 6), ficou provado que em 11 de Junho de 2015 - data da assinatura do Contrato de Concessão de Crédito e das respectivas garantias - a Recorrida já sabia que a sala operada pelo 1.º Executado estava a dar prejuízos.
- No entanto, tal conhecimento não a impediu de celebrar um novo contrato de concessão de crédito para jogo, no montante de HKD48.000.000,00 (quarenta e oito milhões de Dólares de Hong Kong) para aquela mesma sala.
- O comportamento da Recorrida merece censura, na medida em que, no mês de Junho de 2015, a Recorrida e o 1.° Executado pediram ao Recorrente que prestasse novas garantias a um novo contrato de concessão de crédito para jogo (que, como ficou provado, foi assinado em 11 de Junho de 2015) e, menos de dois meses depois, ou seja em 6 de Agosto de 2015, a Recorrida enviou uma carta ao 1.º Executado, informando-o de que, considerando a quebra registada das receitas de jogo, incluindo as da sala por aquele operada, que causava prejuízos à Recorrida, a mesma decidiu cessar a operação daquela sala de jogo, com efeitos a partir do dia 31 de Agosto de 2015.
- Na carta datada de 6 de Agosto de 2015, a Recorrida invoca apenas alegadas quebras nas receitas de jogo, dando a entender que essa quebra a legitimava, nos termos do contrato celebrado, a cessar a operação da sala de jogo.
- Terminando a operação da sala de jogo, necessariamente também terminaria o Contrato de Concessão de Crédito, por impossibilidade superveniente do objecto do Contrato de Concessão de Crédito,
- Não tendo aplicabilidade o direito previsto na cláusula 6.2 de resolver imediatamente o contrato uma vez que não houve qualquer incumprimento do mesmo nem tal foi alegado pela Recorrida.
- A carta de resolução contratual datada de 6 de Agosto de 2015 não tem fundamento legal ou contratual, não encontrando suporte em qualquer cláusula do Contrato de Promoção de Jogo.
- O Recorrente reitera que a conduta da Recorrida violou a cláusula 6.4 do Contrato de Concessão de Crédito, que previa a obrigação de dar um aviso não inferior a 30 (trinta) dias antes da data da resolução do Contrato de Concessão de Crédito.
- Ainda que o Recorrente nada tenha a ver com o incumprimento da cláusula do contrato, serve, porém, este incumprimento por parte da Recorrida para, uma vez mais, demonstrar a sua actuação em má fé durante a vigência do referido contrato.
- Apesar de, no dia 6 de Agosto de 2015, a Recorrida ter enviado ao 1.° Executado a carta já referida, a verdade é que todos os levantamentos de fichas correspondentes à divida peticionada pela Recorrida tiveram lugar entre os dias 2 e 10 de Agosto de 2015, conforme ficou provado pelas testemunhas e documentos apresentados pela própria Recorrida.
- A Recorrida já havia tomado a decisão de encerrar aquela sala de jogo quando possibilitou o levantamento das referidas fichas.
- A Recorrida não exerceu as suas funções de forma prudente e criteriosa quando concedeu aquele crédito para jogo ao 1.º Executado.
- Os deveres a que a Recorrida está adstrita coincidem com os deveres que as instituições financeiras devem respeitar enquanto concessionárias de crédito.
- As instituições financeiras devem actuar de forma prudente e de acordo com as informações (privilegiadas) que têm ou deveriam ter.
- O mesmo se esperava relativamente à actuação da Recorrida enquanto concessionária de crédito para jogo.
- A tarefa de estabelecer os limites entre licitude e a ilicitude da actividade creditícia bancária é sensível, pois apenas o financiamento abusivo pode configurar um acto ilícito.
- Desse modo, considerada a caracterização abusiva do financiamento, por ter sido realizado sem observância da principal obrigação do banqueiro - a prudência -, é viável falar-se em responsabilidade.
- A concessão de crédito é feita de forma "imprudente", na medida em que quem concedeu o crédito conhecia ou poderia ter conhecido as condições de graves dificuldades económicas do financiado e a concessão desse crédito veio causar danos aos credores do financiado, sejam anteriores ou posteriores à concessão, por efeito da aparente solvabilidade que foi criada pelo crédito irregularmente concedido e, consequentemente, atrasou a manifestação das efectivas condições patrimoniais do financiado.
- O banco - e, pela mesma razão, a concessionária de jogo - estará isento de qualquer responsabilidade quando avalia correcta e positivamente os riscos económicos, a actuação da empresa, a sua solidez e a possibilidade concreta de vencer os desafios.
- Há um princípio geral, que impõe ao banqueiro o dever de agir diligentemente - não segundo os parâmetros normais empresariais, quais sejam os de maximização dos lucros, mas tendo, antes disto, de atender ao interesse público dos serviços que presta e ao dever de não causar danos, impõe-se evidenciar as condições em que a indevida concessão de crédito acarreta, por falta de diligência funcional, a responsabilidade civil e o dever de reparar o dano
- Note-se que a actividade da Recorrida não é também uma mera actividade comercial. É, antes, uma actividade de interesse público, emergente de um contrato administrativo celebrado com a RAEM e especialmente previsto no artigo 165º n.º 2 d) do Código de Procedimento Administrativo.
- Ao concederem crédito aos particulares sem a devida cautela, as instituições financeiras cometem um ilícito gerador de danos, os quais deverão ser reparados.
- Os deveres anexos de informação, cooperação e lealdade, advindos da boa-fé objectiva, servem como mecanismos de controlo de abusos na oferta na e contratação de crédito que não pode ser irreflectida e temerária. Conceder crédito de forma temerária.
- Conceder crédito de forma temerária e lesiva configura abuso de direito.
- A garantia dada pelo Recorrente foi dada para o bom funcionamento de uma actividade comercial, que gera (ou deveria gerar) lucro.
- A Recorrida e o 1.° Executado tinham perfeito conhecimento de que isso não estava a suceder, i.e., que a operação daquela sala não estava a gerar lucro; muito pelo contrário, estava a gerar prejuízo!
- Pelo que foi com manifesta má fé que aqueles exigiram do Recorrente as garantias já mencionadas.
- Como referido, mesmo depois da decisão de encerrar a sala de jogo, a Recorrida continuou a ceder fichas ao 1.º Executado ao abrigo do Contrato de Concessão de Crédito, em manifesta contradição com o espírito do contrato e com as práticas do sector do jogo,
- A cláusula 1.4 do Contrato de Concessão de Crédito prevê o seguinte: "drawdown of the loan shall be available up to 30 (thirty) days before the end of the Agreement Period, after which date the Lender's commitement to adnance the Loan shall lapse", o que, numa tradução livre para Português, significa: "o levantamento do empréstimo deve estar disponível até 30 (trinta) dias antes do término do Período do Contrato, data a partir da qual o compromisso do Concedente de Crédito de adiantar o empréstimo caduca".
- De facto, a Recorrida incluiu no Contrato de Concessão de Crédito uma cláusula que, para sua própria protecção, a isenta da obrigação de conceder crédito nos últimos 30 dias de vigência do contrato, pois sabia que o crédito concedido durante esse período dificilmente poderia ser recuperado.
- A actuação da Recorrida não respeitou o espírito do Contrato de Concessão de Crédito - pois que, se nos 30 dias anteriores ao término do período contratual não há concessão de crédito/disponibilização de fichas, então, por maioria de razão, nos 30 dias antes da resolução antecipada do contrato, o mesmo deveria acontecer, para evitar que - precisamente como terá acontecido - se concedesse crédito que difícil ou impossivelmente viria a ser recuperado.
- A Recorrida sabia que o 1.° Executado não teria hipótese de recuperar o crédito das fichas que lhe foram concedidas se encerrasse a sala em 31 de Agosto de 2015, como fez.
- Como muito bem referiu a testemunha C na audiência de julgamento, se a Recorrida atribuiu as fichas de jogo, tinha obrigação de criar ambiente para que estas pudessem ser jogadas.
- Caso contrário, estaria a prejudicar a sala e a causar prejuízo ao promotor de jogo.
- A Recorrida sabia que o 1.º Executado poderia não conseguir encontrar clientes em tão curto espaço de tempo que lhe comprassem as fichas concedidas (entre 10 e 31 de Agosto, o 1.º Executado teria apenas 21 dias para fazer circular as fichas que lhe haviam sido concedidas);
- E a Recorrida sabia que, caso o 1.° Executado ficasse com fichas após o encerramento da sala de jogo, não mais as poderia utilizar, atenta a sua natureza não remível,
- No entanto, a Recorrida não se preocupou com esse facto pois sabia que o 1.º Executado e o Recorrente ficariam obrigados a pagar à Recorrida a totalidade das fichas cedidas, independentemente de as mesmas terem sido, ou não, jogadas, o que configura, naturalmente, um enriquecimento sem causa.
- Duas das testemunhas arroladas pela Recorrida e ouvidas nos presentes autos afirmaram que, no final de Julho e início de Agosto de 2015, o 1.º Executado pagou à Recorrida o montante que vinha em dívida desde o ano anterior, ou seja, 2014, por mor de um outro contrato de concessão de crédito idêntico ao contrato em apreço.
- Duas conclusões resultam deste facto: A primeira é a de que o 1.º Executado demorou vários meses a conseguir pagar uma dívida, também no montante de HKD36,000.000.000 (trinta e seis milhões de Dólares de Hong Kong) relativa a crédito para jogo concedido, pelo que dificilmente aquele iria conseguir pagar o montante que lhe foi cedido em Agosto de 2015, sobretudo tendo em conta os prejuízos que a sala vinha registando e a impossibilidade de recuperar esses montantes após 31 de Agosto de 2015; e a segunda é a de que a Recorrida, também nesta perspectiva, não concedeu o crédito de forma prudente e criteriosa, como lhe era exigido, pois o que a mesma deveria ter feito, em Agosto de 2015, era receber os pagamentos feitos pelo 1.° Executado relativos a créditos anteriores e não ceder mais fichas àquele promotor, bem sabendo que o mesmo não teria possibilidade de as pagar, assim prejudicando, em especial, o Recorrente, garante daquela dívida, que sempre ficaria obrigado a pagar o crédito concedido, ainda que as respectivas fichas não fossem utilizadas.
- A actuação da Recorrida, em manifesta contradição com os ditames da boa fé contratual, merece reparo.
- Trata-se de responsabilidade delitual, aquiliana ou extra-obrigacional que emerge, não do contrato, mas, outrossim, da actuação da Recorrida que, no exercício da sua actividade, actuou com consciência de que estava a lesar interesses alheios, violando direitos de tráfego e abusando do Direito de cumprir.
- Ainda que se entendesse estar contratualmente autorizada a conceder crédito para jogo ao 1.º Executado durante o mês de Agosto de 2015, a verdade é que os princípios e valores supra referidos impunham uma actuação prudente e cautelosa à Recorrida.
- Ainda mais sabendo-se que a Recorrida "é responsável pela actividade desenvolvida nos casinos e demais zonas de jogos pelos promotores de jogo junto a si registados, bem como dos administradores e colaboradores destes, devendo para o efeito proceder à supervisão da sua actividade", nos termos da Cláusula octogésima oitava do Contrato De Concessão para a Exploração de Jogos de Fortuna ou Azar ou Outros Jogos Em Casino na Região Administrativa Especial De Macau.
- No exercício da sua actividade comercial, a Recorrida está vinculada a determinados deveres que ultrapassam em muito o sentido literal dos contratos de que é parte.
- A actividade da Recorrida não é uma mera actividade comercial, mas sim uma actividade de interesse público.
- A actividade da Recorrida é uma actividade exclusiva e que importa regras muito especiais e obrigações acrescidas, nomeadamente a obrigação de supervisão.
- No caso em análise, sabendo a Recorrida, como ficou provado, que a sala de jogo explorada pelo 1.º Executado estava a registar quebras acentuadas nas receitas, de tal importância que levaram a Recorrida a decidir fechar abruptamente a referida sala,
- Tendo a mesma fixado um prazo muito curto para o encerramento da exploração da sala,
- A Recorrida jamais deveria ter continuado a disponibilizar crédito para jogo durante esse curto período de antecipação do encerramento do negócio, pois que tudo levava a crer que esse crédito jamais viria a ser recuperado - por impossibilidade objectiva - e, inversamente, iria prejudicar o 1.º Executado e, em especial, o Recorrente, que, alheio a toda essa factualidade, assinou em 11 de Junho de 2015 determinados documentos em garantia de um crédito que jamais deveria ter sido disponibilizado entre os dias 2 e 10 de Agosto de 2015, como parece ter sucedido.
- A actuação da Recorrida e do 1.º Executado durante esse período, ao disponibilizarem e utilizarem o crédito para jogo numa sala cuja operação se veio a verificar ruinosa, prejudicaram incomensuravelmente o Recorrente.
- O crédito para jogo alegadamente titulado pelos recibos juntos aos autos sob os documentos n.ºs 4 a 49 foi cedido e utilizado em manifesta contradição com as regras do comércio, com má fé reprovável,
- Tendo as partes consciência, com a qual se conformaram, de que, com isso, estariam a prejudicar o Recorrente.
- Em conclusão, a Recorrida, ao conceder o crédito em Agosto de 2015, no montante de HKD36,000.000.000 (trinta e seis milhões de Dólares de Hong Kong), actuou em manifesta má-fé ou em abuso de direito, por contrariedade aos bons costumes e usos honestos do comércio (artigo 326º do Código Civil), com consciência de que estava a lesar interesses alheios.
- Tal comportamento impede a Recorrida de vir agora peticionar o pagamento do crédito alegadamente concedido, mormente ao Recorrente,
- O que deverá ser, também, considerado um abuso de direito que se pode tipicar como venire contra factum proprium.
- Acresce que, nos termos do artigo 29° do Regulamento Administrativo n.º 6/2002, de 1 de Abril, republicado pelo Regulamento Administrativo n.º 27/2009, de 10 de Agosto, "as concessionárias são responsáveis solidariamente mm os promotores de jogo pela actividade desenvolvida nos casinos pelos promotores de jogo e administradores e colaboradores destes, bem como pelo cumprimento, por parte dos mesmos, das normas legais e regularmente aplicáveis".
- Daqui resultando, nomeadamente, que a Recorrida é solidariamente responsável, com o 1.º Executado, pelas actividades desenvolvidas pelo 1.º Executado na sala por si operada, incluindo pelas actividades por este desenvolvidas ao abrigo da Lei n.º 5/2004, de 14 de Junho.
- Dito por outras palavras, a Recorrida é solidariamente responsável pela actividade de concessão de crédito para jogo ou aposta operada pelo 1.º Executado, na qualidade de concedente, perante os seus jogadores ou apostadores, na qualidade de concedidos.
- A Recorrida não exerceu devidamente os seus deveres de fiscalização e de actuação prudente e criteriosa, não tendo vigiado o funcionamento da sala operada pelo 1.º Executado, operação essa que aparentemente se mostrou ruinosa,
- Tendo concedido crédito para jogo numa sala que já se havia revelado danosa, pois que já nessa altura registaria prejuízo, conforme ficou provado.
- Caso as informações (privilegiadas!) tivessem sido dadas a conhecer ao Recorrente, o Recorrente nunca teria assinado o documento como garante.
- Não parece razoável que os deveres do garante devam prevalecer face à responsabilidade incorrida pela Recorrida, já que, tendo esta actuado com manifesta má fé e abuso de direito, e sendo o princípio da boa-fé um dos princípios, se não, o princípio basilar das relações jurídicas, deve considerar-se que a inobservância deste princípio tem quer ser tida em conta para a efectivação da responsabilidade civil.
- Assim, a responsabilidade da Recorrida, conjugada com a responsabilidade do 1.º Executado, que também não podia deixar de saber que a operação da sua sala estava a gerar prejuízo, e que a concessão de um novo crédito para jogo só iria agudizar a situação já negativa, excluem ou, pelo menos, reduzem qualquer responsabilidade assacada ao Recorrente.
- No caso de decidir-se pela redução, deve a mesma ser feita de acordo com a equidade.
*
A Embargada respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 460 a 476 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A sociedade B Casino, S.A., ora Exequente, é uma concessionária autorizada a explorar Jogos de Fortuna e Azar e Outros Jogos em Casino na Região Administrativa Especial de Macau, conforme Despacho do Chefe do Executivo n.º 143/2002, de 21 de Junho de 2002, publicado no Boletim Oficial n.º 26, II Série, de 26 de Junho de 2002 e escritura outorgada em 26 de Junho de 2002, cujo extracto foi publicado em Suplemento Boletim Oficial n.º 27, II Série, de 03 de Julho de 2002. (alínea A) dos factos assentes)
- De acordo com o artigo 3º, n.ºs 1 e 6, da Lei n.º 5/2004, a Exequente está habilitada a conceder crédito para jogo aos promotores de jogo. (alínea B) dos factos assentes)
- A Exequente celebrou com os executados o contrato (contrato de concessão de crédito) junto a fls. 43 e ss. e 121 e ss. destes embargos e cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea C) dos factos assentes)
- Nos termos desse contrato de concessão de crédito para jogo celebrado entre os ora Exequente e 1º executado – o Contrato, foi estipulado que uma das condições prévias para o levamento de quaisquer montantes no âmbito do Contrato era a existência de uma livrança assinada pelo devedor e pelo garante, “em que as assinaturas do Devedor e do Garante deverão ser reconhecidas presencialmente por Notário” – cfr. cláusula 3.4 (ii). (alínea D) dos factos assentes)
- A Exequente deu à execução um doc. datado de 01 de Janeiro de 2015 (na parte superior esquerda), com outra data na parte inferior direita de 11/06/2015, conjuntamente com a assinatura e carimbo de Ho Kam Meng, advogado, e com data de vencimento de 25/05/2016, documento esse subscrito pelos Executados e Exequente mas sem reconhecimento presencial das assinaturas, tudo conforme fls. 9 dos autos de execução e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea E) dos factos assentes)
- Nesse documento consta, inserido pela Exequente, além do mais, a expressão “sem despesas”, o montante de HK$48.000.000,00, equivalente a MOP$49.440.000,00, e a seguinte expressão: “Good for Aval” em inglês e “擔保” em caracteres chineses. (alínea F) dos factos assentes)
- Relativamente ao documento dado à execução foi lavrado protesto a 06 de Junho de 2016, tudo conforme doc. n.º 2 junto coma execução e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os legais e devidos efeitos. (alínea G) dos factos assentes)
- Para garantia do “Promoter’s Credit Agreement” id. supra, o ora Embargante outorgou o doc. referido em E) e um cheque, no valor de HK$50.000.000,00, sacado sobre o banco X Bank, Limited, Main Branch, de Hong Kong (actualmente X Bank), cheque este apresentado a pagamento pela Exequente no dia 19/04/2016 e sem obtenção da consequente liquidação. (alínea H) dos factos assentes)
- Foi ainda subscrito pela Exequente e Executados o pacto de preenchimento junto como doc. 4 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (alínea I) dos factos assentes)
- Em 06 de Agosto de 2015, a Exequente enviou uma carta ao 1º executado, informando-o de que, considerando a quebra registada das receitas de jogo, incluindo as das sala por aquele operada, que causa prejuízos à Exequente, a mesma decidiu cessar a operação daquela sala de jogo, com efeitos a partir de 31 de Agosto de 2015, tudo conforme doc. n.º 5 e que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os efeitos legais. (alínea J) dos factos assentes)
- No âmbito do contrato assinalado em C) o 1º Executado utilizou a quantia de HK$36.000.000,00. (resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- A esse montante foi deduzido pela Exequente de HK$2.137.787,00. (resposta ao quesito 2º da base instrutória)
- A quantia utilizada pelo 1º Executado foi sob a forma de fichas de jogo não negociáveis. (resposta ao quesito 3º da base instrutória)
- Não obstante os documentos id. em C), e) e I) referirem a data de 01 de Janeiro de 2015, os mesmos só foram assinados no dia 11 de Junho de 2015. (resposta ao quesito 4º da base instrutória)
- A 11 de Junho de 2015 a Exequente sabia que a sala de jogo operada pelo 1º Executado dava prejuízos. (resposta ao quesito 6º da base instrutória)
- A Exequente entregou o contrato, o documento dado à execução e o pacto de preenchimento assinalado em I) aos Executados para estes os assinarem e, uma vez assinados, devolverem à Exequente. (resposta ao quesito 9º da base instrutória)
- Depois de assinados foram devolvidos à Exequente e por esta também assinados. (resposta ao quesito 10º da base instrutória)
- O Embargante apesar do não reconhecimento id. E), ainda assim pretendeu a manutenção dos efeitos jurídicos que derivavam dos documentos assinalados. (resposta ao quesito 11º da base instrutória)
*
III – Fundamentação:
A sentença recorrida tem o seguinte teor:
“…
   Cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
   Considerando as posições expendidas pelo embargante e pela embargada nos seus articulados, são as seguintes questões que relevam para o conhecimento do presente litígio colocado pelas partes:
   Da inexistência/inexequibilidade do título executivo
- Dos vícios da livrança
1) Falta da forma convencional das assinaturas e abuso de direito da embargante;
2) Datas da livrança;
3) Abuso de preenchimento;
4) Qualidade do avalista ou fiador do embargante – benefício de excussão;
5) Inexistência do título executivo como documento particular;
- Da relação subjacente à emissão da livrança
6) Responsabilidade da embargada pela dívida - fichas efectivamente jogadas nas mesas de jogo / direito de resolução do contrato pela embargada;
7) Liquidação - despesas de protesto e imposto de selos
8) Litigância de má fé da embargada;
   No que diz respeito ao abuso de preenchimento referido no ponto 3), feito o julgamento, não vem comprovado que o valor inserido na livrança foi preenchido depois das assinaturas dos executados. Assim, sem a base fáctica, é de julgar improcedente essa argumentação.
Falta da forma convencional das assinaturas e abuso de direito da embargante
   O embargante invocou que, segundo o acordo entre a embargada e o 1° executado, as assinaturas apostas pelos devedor e garante na livrança deveriam ser reconhecidas notarialmente, a inobservância dessa forma determina a invalidade da livrança.
   A livrança dada à execução foi subscrita pelo embargante no âmbito do contrato de concessão de crédito celebrado entre a embargada, o 1° executado e a embargante.
   Nos termos da cláusula 3.4, desse contrato, foi estipulado que uma das condições prévias para o levantamento de quaisquer montantes no âmbito do contrato era a existência de uma livrança assinada pelo devedor e pelo garante, “em que as assinaturas do devedor e do garante deverão ser reconhecidas presencialmente pelo notário.
   Vem comprovado que a livrança dada à execução foi subscrita pelos executados e exequente mas sem reconhecimento notarial das assinaturas.
   Os requisitos da livrança são rezados pelo disposto do art°1208° do Código Comercial, onde na sua alínea g), exige a assinatura de quem passa a livrança (subscritor). A falta dos requisitos legais a que se refere o art°1208° conduz a consequência de não produzir efeito como livrança, salvo nos casos determinados nos n°2 a 4° do art°1209°, também do Código Comercial.
   Perante à lei, a simples assinatura do subscritor é suficiente para o escrito produzir o efeito como livrança, se contiverem outros requisitos legais.
   Diz o embargante que as partes estipularam uma forma especial, que é o reconhecimento notarial, a sua falta implica que o escrito não poderá vincular as partes, nos termos do art°215°, n°1 do C.C..
   Dispõe-se o art°215° do C.C. o seguinte:
   “1. Podem as partes estipular uma forma especial para a declaração, presume-se, neste caso, que as partes se não querem vincular senão pela forma convencionada.
   2. Se, porém, a forma só for convencionada depois de o negócio estar concluído ou no momento da sua conclusão, e houver fundamento para admitir que as partes se quiseram vincular desde logo, presume-se que a convenção teve em vista a consolidação do negócio, ou qualquer outro efeito, mas não a sua substituição.”
   Conforme os factos dados por provados, foi convencionada uma forma especial da livrança subscrita pelos executados. Mas, se olhar com atenção o teor das cláusulas contratuais, essa é uma forma especial exigida somente aos executados. A exequente só querer vincular-se com a obrigação de concessão crédito aos executados se estes tiveram emitido a livrança na forma exigida.
   Ao abrigo do disposto do n°1 do art°215° C.C., com a forma convencional, cria-se a presunção de que as partes não querem vincular senão pela forma convencional.
   Não obstante da presunção, em relação aos executados, não se afigura que com a forma estipulada, eles têm a intenção de não quer vincular-se sem essa forma. A livrança subscrita pelos executados com reconhecimento notarial das assinaturas é uma condição prévia de levantamento do crédito concedido, exigida pela embargada aos executados. Pois a livrança aqui é uma declaração unilateral prestada pelos executados dirigidos à exequente. Se os executados pretenderem obter o crédito que a exequente prometeu conceder, eles têm que apresentar a livrança com assinaturas reconhecidas notarialmente.
   Outrossim, a presunção também deverá ser considerada ilidida com os factos provados.
   Segundo a factualidade apurada, a livrança e o pacto de preenchimento foram entregues pela exequente aos executados para o assinarem, depois de assinados pelos executados, foram devolvidos à exequente. O embargante apesar do não reconhecimento notarial, ainda assim pretendeu a manutenção dos efeitos jurídicos que derivavam dos documentos assinalados.
   A exequente deixou à liberdade dos executados para assinarem os documentos entregues, incluindo a livrança. Os executados, particularmente, o ora embargante, depois de os assinaram, devolveram-nos à exequente. A falta de observância da forma convencional é devida, como é óbvio, à própria conduta dos executados, mesmo assim, o embargante pretendeu a manutenção dos efeitos jurídicos derivados dos próprios documentos, isto é, a concessão dos créditos pela exequente ao 1° executado, que foi efectivamente concedido. Da conduta dos executados e da exequente, outra interpretação não poderá deduzir senão que tanto os executados e a exequente quiseram vincular-se um com outro, apesar de inobservância da forma convencional. Assim, o reconhecimento notarial das assinaturas não funciona como substituição da forma exigida pela lei, ao abrigo do disposto do n°2 do art°215° do C.C..
   Portanto, a inobservância da forma convencional da assinatura da livrança não poderá conduzir a consequência de não produzir efeito como livrança.
   Ademais, não se olvide o facto de que, decorre dos factos provados, a falta da observância da forma resulta-se da própria conduta dos executados. Pois, a livrança foi entregue pela exequente a eles para os assinarem, seja por negligência seja por outro motivo, eles não tinham feito o reconhecimento notarial das suas assinaturas e devolveram a livrança à exequente com as simples assinaturas.
   “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” ( Art°326° do C.C.)
   A entrega da livrança subscrita pelos executados como condição prévia de levantamento do crédito, é, fora das dúvidas, mais a garantia a favor da exequente com a certeza de quem a assinaram, para melhor protecção da posição da credora. Foi o embargante, por sua própria decisão, não cumpriu a forma exigida pela outra parte enquanto a exequente, confiada na livrança devolvida, entregou o crédito ao executado, mesmo que a livrança foi devolvida com a assinatura dos subscritores sem o reconhecimento notarial. Mas, depois de obter o crédito, o embargante invocou a falta da observância da forma, falta essa criada por ele próprio, para não se vincular dos efeitos jurídicos provenientes da livrança assinada.
   A conduta do embargante ultrapassa, claramente, os ditames de boa fé. Mesmo que não se entendesse ilidida a presunção, está, igualmente, o embargante inibido de exercer o seu direito por abuso de direito.
   Assim, apesar de falta de reconhecimento notarial da assinatura aposta na livrança, a mesma continua a produzir efeito como livrança, não há lugar a alegada invalidade da livrança.
   Datas da livrança
   O embargante põe em causa a exequibilidade da livrança ainda com o fundamento de que existem duas datas diferentes na livrança dada à execução.
   Conforme o disposto da alínea f) do art°1208°, conjugado com o n°1 do art°1209° do Código Comercial, a indicação da data em que e do lugar onde a livrança é passada é requisito essencial da livrança, a sua falta determina a não produção do efeito como livrança.
   Segundo os factos assentes, a exequente deu à execução um documento datado de 1 de Janeiro de 2015 (na parte superior esquerda), com outra data na parte inferior direita de 11.6.2015, conjuntamente com a assinatura e carimbo de Ho Kam Meng, advogado, e com data de vencimento de 25.5.2016.
   Fica provado também que não obstante a livrança referiu-se a data de 1 de Janeiro de 2015, a livrança só foi assinada no dia 11/06/2015.
   Aparentemente, a livrança contem duas datas diferentes. Mas, ao invés do que pretendeu dizer o embargante, não há confusão dessas duas datas nem confusão da data é que a livrança foi passada.
   Basta um olho para a própria livrança junta aos autos de execução, nota-se claramente que a data de 1 de Janeiro de 2015, que fixa na parte superior esquerda, é a data da livrança, pois a livrança foi passada de modelo formato, apenas a época do pagamento, das assinaturas dos seus subscritores e da assinatura do advogado Ho Kam Meng, conjuntamente com a data de 11 de Junho de 2015 foram preenchidos pela mão.
   Para qualquer homem médio, vê-se que na parte inferior da livrança, o advogado Ho Kam Meng assinou na livrança, na qualidade de testemunho, e abaixo da sua assinatura, foi manuscrito também uma data. A maneira como foi aposta a assinatura e escrita a data não permite deixar qualquer dúvida que essa data (11/06/2015) é e apenas a data manuscrita pelo próprio advogado aquando assinou na livrança, tal como acontece quando qualquer pessoa assinar um documento.
   De facto, os subscritores apostaram a assinatura nas datas posteriores da data indicada na livrança, mas, antes de assinarem eles souberam a livrança estar imprimida com data de 01/01/2015, ao subscreveram na livrança, aceitaram-na, actuando em conformidade com o teor da mesma. Portanto, essa data é a data que foi passada a livrança.
   A própria livrança ilustra claramente a data em que foi passada a livrança.
   Julga-se improcedente a argumentação da invalidade da livrança.
   Avalista – fiador- benefício de excussão
   Diz ainda o embargante que a livrança não consta a expressão «bom para aval, pelo que, apesar de a ter assinado, a garantia que ele prestou não é aval mas a fiança. Não sendo ele avalista mas simples fiador, assim, as obrigações que ele assume não estão sujeitas à execução imediata.
   Dispõe-se o art°1164°, aplicável à livrança, por força do art°1210, n°3, ambos do Código Comercial:
   “1. O aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa.
   2. Exprime-se pelas palavras «bom par aval ou por qualquer fórmula equivalente; é assinado pelo dador do aval.
   3. O aval considera-se como resultando da simples assinatura do dador aposta na face anterior da letra, salva se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador.
   4…..”
   Entende o embargante que a sua assinatura na livrança dada à execução não poderá ser considerada como aval, por que não consta do escrito a expressão «bom para o aval», em português, ou «與保證同», em chinês.
   Flui do preceito acima transcrito que a forma geral do aval é através das palavras “bom para o aval”, mas essa não é a única forma. A lei não só permite outra expressão equivalente mas também aceita como aval a mera assinatura aposta na face anterior da livrança.
   No caso em apreço, a livrança é redigida em duas línguas: chinesa e inglesa. Na parte respeitante ao embargante, consta na parte anterior aos elementos de identificação do embargante as palavras chinesa “擔保” e inglesas “Good as Aval”.
   A palavra “aval” corresponde aos caracteres chineses “保證”, na redacção chinesa do Código Comercial. Na língua chinesa “擔保” e “保證” têm sentido semelhante. Por outro lado, consta, expressamente, que, na versão inglês, a palavra “Aval”. A correcta interpretação, considerando em global a livrança, não poderá ser outra senão o embargante apostou a sua assinatura no sentido de dar como aval. Acrescenta que na parte imediatamente anterior à assinatura do embargante, constata que ele assinou na qualidade de “保證人簽名”, ou na inglês “Guarantor’s signature”. Tudo indica claramente que o embargante assinou na qualidade do avalista. Ademais, mesmo sem qualquer expressão, a mera assinatura do dador na face anterior da livrança será entendida com a prestação do aval.
   Pelo que, sem necessidade de demais considerações, faleceu a argumentação do embargante de que ele não é avalista e, consequentemente, improcede a alegação de que a sua obrigação não sujeita à execução imediata.
   Inexistência do título executivo como documento particular
   De acordo com o que se deixa acima exposto, o documento dado à execução contêm os requisitos da livrança, não existe fundamento da invalidade da mesma, assim, o escrito poderá produzir efeito como livrança.
   O documento dado à execução é a letra de câmbio, possuem as características da obrigação cambiária, assim, a responsabilidade do embargante é responsável pelo pagamento da obrigação que garantiu nos termos do n°1 do art°1165° do Código Comercial.
   Sendo assim, cai por terra toda a argumentação tecida pelo embargante à volta de que o documento dado à execução é considerado como documento particular e que ele próprio é alheio à relação subjacente da emissão do título executivo, e por isso, não existe título executivo
   Da relação subjacente à emissão da livrança
   Responsabilidade da embargada pela dívida- fichas efectivamente jogadas nas mesas de jogo/ direito de resolução do contrato pela embargada
   Teceu o embargante várias argumentações à volta da relação material celebrada entre a embargada e o 1° executado, nomeadamente, a questão do desconhecimento do valor das fichas efectivamente apostadas nas mesas de jogo; de não ter direito a embargada de resolver o contrato de concessão de jogo celebrado com o 1° executado; dos comportamentos culposos e contrários aos bons costumes por parte da embargada, ao continuar conceder crédito ao 1° executado apesar de saber que este apostou, por si próprio, com o crédito concedido nas mesas de jogo, etc.
   Com a alegações desses factos, pretende o embargante dizer que a embargada não tem legitimidade para pedir a restituição do crédito concedido ao 1° executado, até ela própria é co-responsável pela dívida e, indirectamente, não tem o embargante a responsabilidade no pagamento da quantia reclamada na acção executiva.
   Feito o julgamento, não logrou o embargante provar que o 1° executado apostava nas mesas de jogo, utilizando o crédito concedido pela embargada nem que ele tinha conhecimento do facto pelo 1° executado.
   Mas, independentemente da provação dos factos alegados pelo embargante, a pretensão do embargante não poderá proceder.
   E que, na acção executiva, o embargante é accionado pela embargada pelo pagamento da quantia exequenda por ser subscritor da livrança, na qualidade de avalista.
   Dispõe-se o n°2 do artº 1165º, do C.Com, “A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.”
   Quanto à natureza jurídica da responsabilidade do avalista, ensina Ferrer Correia, (in “Lições de Directo Comercial”, vol. III, Coimbra 1956, pág 197 e segs), que a responsabilidade do avalista não ser subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do benefício excussão prévia. A obrigação do avalista é uma obrigação materialmente autónoma, ainda que formalmente dependente da obrigação do avalizado.
   Mas, a sua (do avalista) obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu for nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. (art°1165°, n°2 do C.Com)
   Como se decide o Acórdão do S.T.J., “O aval representa um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo – princípio da independência do aval” (Processo 04B3453, de 11/11/2004)
   No mesmo sentido, “Sem embargo de deverem ser qualificadas como de 《imediatas》 as relações entre o avalista do aceitante e o sacador ou entre o avalista do subscritor e o beneficiário – visto que as suas obrigações, independentes das dos avalizados, têm como primeiro credor o interveniente cambiário que assim se lhes opõe – mesmo nesse domínio das 《relações imediatas》a obrigação cambiária continua a ser literal e abstracta, embora a relação subjacente possa fundar excepções que funcionam como uma contraprestação, compensando-a ou anulando-a”. (Acórdão do S.T.J. de 3-7-00, in CJSTJ, Ano VIII, Tomo II, pág 139 e ss
   Portanto, a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica, pois, à do avalista, sendo que a este assistirá, se pagar o título, o direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado.
   A relação de concessão de crédito para jogo foi celebrada entre a embargada e o 1° executado, não sendo o embargante sujeito material dessa relação. A obrigação do embargante no pagamento da quantia reclamada pela embargada emerge directamente da obrigação assumida pelo aval que deu na livrança dada à execução.
   Pelo que, mesmo que haja, realmente, razão da nulidade da relação material da emissão da livrança por vícios não formais, oponível à embargada pelo subscritor da livrança, nunca poderá o embargante, como mero avalista, e não sujeito de tal relação, tal como ele próprio admitiu que é estranho à relação estabelecida entre a embargada e o 1° executado, arguir tais vícios contra o portador.
   Portanto, independentemente da verificação das questões alegadas pelo embargante quanto à relação subjacente à emissão da livrança, sendo certo que não poderá proceder a pretensão do embargante de não pagar a quantia reclamada pela embargada contra ele por ser avalista da livrança, por força do preceito acima transcrito.
   Liquidação – despesas de protesto e impostos de selos
   O embargante impugnou ainda a liquidação feita pela embargada no que diz respeito às despesas de protesto e aos impostos de selo em 1% sobre os juros.
   Nos termos do disposto da alínea b) e c) do n°1 do art°1181°, ex vi art° 1210° do C.Com, o portador pode reclamar daquele contra quem exerce o seu direito de acção os juros à taxa de 6%, desde a data de vencimento e as despesas do protesto, as dos avisos dados e as outras despesas.
   De acordo com o n °1 do art°1177° do mesmo código, a recusa de aceite ou de pagamento deve ser comprovada por um acto formal (protesto por falta de aceite ou falta de pagamento). Mas, o protesto pode ser dispensado com a inserção da cláusula «sem despesas», «sem protesto», ou outra cláusula equivalente pelo sacador, endossante ou avalista, ao abrigo do disposto do art°1179° do C.Com.
   No caso em apreço, fica provado que no documento dado à execução consta a expressão “sem despesas”. Portanto, para exercer o direito da acção contra o sacador ou avalista, é dispensado o portador de fazer o protesto.
   Dispõe-se o n°3 do art°1179° do C.Com, apesar da cláusula escrita, o portador fez o protesto, as respectivas despesas serão da conta dele.
   Por isso, a embargada não tem direito de ser pago das despesas de protesto no montante de MOP$125.00.
*
   No que diz respeito aos impostos de selo de 1% incidente sobre os juros que a embargada alegou ter que cobrar por força do art° 40° do Regulamento do Imposto de Selos.
   O art°40° do Regulamento do Imposto de Selos prevê-se a cobrança dos impostos de selos pelas operações bancárias pelas instituições de crédito.
   De acordo com o requerimento do executivo, os juros pretendidos pela embargada não são juros provenientes dos contratos da cessação de crédito para jogo, mas aos juros da obrigação cambiária, calculados por força do art°1181° do Código Comercial. É patente que os juros reclamados pela embargada não são juros de operações bancárias.
   Assim, não se entende que são devidos os impostos de selos sobre os juros alegados pela embargada.
   Nestes termos, a quantia exequenda peticionada não deverá incluir as despesas de MOP$125.00 e os impostos de selo sobre os juros.
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   Litigância de má fé
   Por último, alegou o embargante que a embargada terá litigado com má fé ao actuar a acção executiva contra ele, com o fundamento de a quantia exequenda é inferior ao montante indicado no cheque e na livrança apresentados a pagamento, por apresentação simultânea do cheque e a livrança, todos subscritos pelo embargante, para o pagamento e por ter instaurado, simultaneamente, um processo criminal e o presente processo executivo contra o embargante.
   Conforme os factos tidos por assentes, o cheque e a livrança dada à execução foram apresentados com datas diferentes, tendo o cheque apresentado em primeiro lugar, em 19/04/2016, sem obtenção da liquidação. Só depois, a livrança foi apresentada a livrança para pagamento, tendo o protesto de falta de pagamento lavrada em 6 de Junho de 2016.
   Perante à falta de pagamento do cheque e da livrança, a embargada tem o direito de actuar por meios legais e próprios contra esse acto, quer por meio do processo criminal quer através do processo civil. A instauração das acções judiciais trata-se do legítimo exercício do direito permitido por lei pela embargada como beneficiador do cheque e da livrança para a tutela dos próprios interesses, não se afigura que a embargada está a formular pretensão sem fundamento, nem está a actuar em contrário aos ditames de boa fé.
   Nestes termos, não se entende que a embargada está a litigar com má fé, improcedendo o pedido de condenação da litigância de mé fé e das consequência pretendidas pelo embargante.
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IV) DECISÃO
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julgam-se, parcialmente, procedentes os embargos deduzidos pelo embargante A contra a embargada B Casino S.A e, consequentemente, determina-se:
   - Julgam-se procedentes os embargados quanto à execução quanto às despesas de protesto e aos impostos de selos sobre os juros, declarando extinta a execução em relação a essa parte, prosseguindo a execução em relação aos restantes pedidos;
   - Julga-se improcedente a litigância de má fé formulada pelo embargante.
*
   Custas dos embargos pelo embargante e embargada no respectivo decaimento e do incidente de litigância de má fé em 5 Uc pelo embargante.
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   Registe e Notifique….”.
Trata-se duma decisão que aponta para a boa solução do caso e com a qual concordamos na sua íntegra.
Assim, ao abrigo do nº 5 do artº 631º do CPCM, negamos o recurso nesta parte com os fundamentos invocados na sentença impugnada.
Na realidade, um homem médio, ao assinar no verso da livrança (já não dizemos para uma livrança de valor HKD$48.000.000,00), deve procurar saber, o que significa a sua assinatura, pois, o aval, ainda que não contenha a expressão “bom para aval” ou outras expressões equivalentes, considera-se como feito pela simples assinatura do dador aposta na fase anterior da livrança, salvo se se trata das assinaturas do sacado ou do sacador (cfr. nº 3 do artº 1164º, ex vi do nº 3 artº 1210, todos do C. Com.).
No caso em apreço, o ora Embargante tem perfeito conhecimento de que tipo de garantia assumiu, pois assinou o contrato de concessão crédito (Promoter’s Credit Agreement) nos seguintes termos:
   “…
2. 保證
2. Guarantee
2.1. 保證人對借款人在任何時間因本合同而欠下款項負有連帶及各自的責任。保證人無條件及不可廢止地向貸款人擔保支付任何貸款及承擔借款人在本貸款合同下之一切欠款、責任及義務(“本保證”)。
2.1. The Guarantor is jointly and severally liable for any amount due at any time under this Agreement by the Borrower. The Guarantor unconditionally and irrevocably, guarantees, in favour of the Lender, the payment of any amount loaned and assumes all the debts, liabilities and obligations of the Borrower under this Agreement (“Guarantee”).
2.2. a. 若借款人未能在任何“提款通知”列明的還款日或由貸款人同意的其他還款日期歸還任何欠下貸款人的款項,保證人需立刻繳付欠款,以及任何本合同下的利息或到期款項;及
b. 倘若出現任一違約事件,保證人同意貸款人可向保證人收取借款人欠下的款項,或採取任何法律手段針對保證人而不取決於對借款人盡索。保證人現根據《民法典》第636條的規定及效力,明示放棄檢索抗辯權。
2.2. a. If the Borrower fails to repay any amount owed to the Lender by the date prescribed in any “Drawdown Notice” or on any other repayment date agreed with the Lender, the Guarantor shall immediately pay the debt, as well as any applicable interests or costs due under this Agreement; and
b. If an Event of Default occurs, the Guarantor agrees that the Lender may collect from the Guarantor the amounts owed by the Borrower or commence any legal proceedings against the Guarantor without the need of exhausting its collection efforts against the Borrower. The Guarantor hereby expressly renounces to the benefit of discussion, in accordance and for the purposes of article 636 of the Civil Code...”.
Como se vê, as cláusulas contratuais acima transcritas evidenciam, sem qualquer margem de dúvida, que o ora Embargante assumiu o papel de avalista.
O ora Embargante, ao invocar o benefício da excussão previsto no artº 634º do C.C. tanto nos embargos como no presente recurso, se não estar a agir de má-fé, certamente esqueceu o que tinha assumido na al. b) do ponto 2.2 do referido contrato de concessão de crédito perante a ora Embargada!
No que respeita à relação material subjacente à emissão da livrança, cumpre-nos dizer que como título de crédito, a livrança é autónoma e abstracta, daí que o nº 2 do artº 1165º do C. Com., ex vi do nº 3 do artº 1211º, todos do C. Com., prevê expressamente que a obrigação do dador de aval mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garante ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pelo Embargante.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 28 de Fevereiro de 2019.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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971/2018