Processo nº 111/2019 Data: 28.02.2019
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Acidente de viação.
Danos não patrimoniais.
Indemnização.
SUMÁRIO
1. A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu, sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
2. Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
3. Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 111/2019
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por Acórdão do T.J.B. de 03.10.2018 decidiu-se:
- condenar o arguido A, como autor material da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. c) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos; e,
- condenar a demandada civil “X INSURANCE COMPANY, LIMITED”, (X保險有限公司), a pagar à demandante B a quantia total de MOP$612.588,00 e juros; (cfr., fls. 197 a 205-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a demandada seguradora recorreu para – em conclusões e em síntese – imputar ao Acórdão recorrido o vício de “excesso de quantum na indemnização por danos não patrimoniais” da demandante; (cfr., fls. 214 a 229).
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Oportunamente, veio também a ofendida demandante interpor “recurso subordinado”, pedindo um aumento da referida indemnização por “danos não patrimoniais” para MOP$700.000,00; (cfr., fls. 239 a 244).
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Nada obstando, cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 199 a 201, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como resulta do que se deixou relatado, vem a demandada seguradora já identificada recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B., insurgindo-se tão só contra o segmento decisório que fixou em MOP$500.000,00 o quantum indemnizatório pelos “danos não patrimoniais” da demandante.
Por sua vez, no “recurso subordinado”, considera a ofendida demandante que se deve aumentar para MOP$700.000,00 a dita indemnização pelos seus “danos não patrimoniais”.
Estas sendo as questões trazidas à apreciação deste T.S.I., vejamos.
Pois bem, em sede de “danos não patrimoniais”, firme tem sido o entendimento deste T.S.I. no sentido de que “A indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 20.04.2017, Proc. n.° 264/2017 e de 26.07.2018, Proc. n.° 649/2018), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 23.03.2017, Proc. n.° 250/2017 e de 08.02.2018, Proc. n.° 64/2018), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.
Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).
Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.
Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016, de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017 e de 22.06.2017, Proc. n.° 515/2017).
Ou, como no recente Ac. da Relação de Évora se consignou, “Em matéria de danos não patrimoniais, haverá que ter na sua justa consideração as lesões sofridas pela vítima, que determinaram um longo período de incapacidade, com demorado internamento, as dores e angústia sentidos aquando do acidente, dores sofridas, quantificadas de grau 5 numa escala progressiva até 7, a ansiedade provocada por saber o marido só e incapacitado, a perda de auto-estima, insónias e ansiedade de que continua a padecer e lhe causam sofrimento, tendo perdido a alegria de viver, sendo hoje uma “pessoa sofrida, triste e isolada””; (cfr., o Ac. de 31.01.2019, Proc. n.° 1069/14).
Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).
Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.
Outrossim, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, importa ter em conta que como igualmente temos entendido, “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto””; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016, de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016, de 04.04.2018, Proc. n.° 53/2018 e de 24.01.2019, Proc. n.° 327/2018, podendo-se, sobre a questão, ver também os Acs. do S.T.J. e da Rel. de Coimbra de 22.02.2017 e 17.05.2017, Proc. n.° 5808/12 e Proc. n.° 310/13, respectivamente e da Rel. do Porto de 07.12.2018, Proc. n.° 23088/15).
Não se pode pois olvidar que (na ausência de uma definição legal) o “julgamento pela equidade” é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição; (cfr., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272 e o Ac. da Rel. do Porto de 21.02.2017, Proc. n.° 2115/04, in “www.dgsi.pt”).
Por sua vez, e como recentemente decidiu a Rel. de Guimarães, importa ponderar também que “Na fixação da compensação por danos não patrimoniais, há que ter presentes os valores habitualmente atribuídos pela jurisprudência e em especial os atribuídos a situações de gravidade próxima nas decisões mais recentes e paradigmáticas, de forma a harmonizar os valores a arbitrar “com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, vêm sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis””; (cfr., o Ac. de 07.12.2017, Proc. n.° 70/14, in “www.dgsi.pt”).
Dito isto, vejamos.
No caso, com o acidente, sofreu a ofendida, (nascida em 28.01.1988), uma queda para o chão, da qual resultaram escoriações e contusões várias e uma fractura da 12ª vértebra torácica, o que implicou o seu internamento hospitalar de 26.04.2017 a 08.05.2017, tendo necessitado de 110 dias para se recuperar, padecendo de uma Incapacidade Parcial Permanente de 15%, provado estando também que, em virtude do acidente, e das lesões pelo mesmo causadas, teve de suportar dores, angústias e inconvenientes, certo sendo, igualmente, que em consequência da referida I.P.P. de 15% que sofre, com as limitações físicas que esta acarreta, diferente virá a ser o seu dia a dia…
E, em face do que se expôs, ponderando nas lesões, dores, angústias, sofrimentos e inconvenientes que teve e que irá a ofendida padecer, (agora, com cerca de 31 anos de idade), cremos que excessivo não é o quantum de MOP$500.000,00 pelo Tribunal a quo fixado, sendo assim de se julgar improcedente o recurso da demandada seguradora.
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Por sua vez, e ponderando nas ditas lesões, e em espacial, no sofrimento que a demandante terá que suportar ao longo da sua vida em consequência da referida I.P.P., considera-se justificado um aumento do montante arbitrado, fixando-se agora o quantum de MOP$600.000,00, assim se concedendo parcial provimento ao recurso subordinado pela demandante interposto.
Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso de demandada seguradora, concedendo-se parcial provimento ao recurso subordinado da demandante.
Custas pelos respectivos decaimentos dos recursos pelos recorrentes demandada seguradora e demandante, com a taxa de justiça individual de 5 UCs e 2 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 28 de Fevereiro de 2019
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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