Reclamação nº 11/2018
Director dos Serviços de Saúde, entidade recorrida nos autos de recurso contencioso de anulação nº 2504/17-ADM que corre os seus termos no Tribunal Administrativo, no âmbito desses autos interpôs recurso do despacho que julgou improcedente a excepção da irrecorribilidade do acto recorrido, suscitada pelo Ministério Público.
Por douto despacho do Mmº Juiz a quo, foi admitido o recurso com subida diferida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
E porque o recurso lhe tivesse sido admitido com subida diferida, veio formular a presente reclamação nos seguintes termos:
EXMO. SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1.º
O Ministério Público, no parecer emitido nestes autos, defende a irrecorribilidade do acto administrativo do Director dos Serviços de Saúde, de 31 de Maio de 2017, que aplicou a A a pena disciplinar de multa de 30 dias, por entender que daquele acto cabe recurso tutelar necessário para o Chefe do Executivo, de acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 341.º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, doravante designado por ETAPM.
2.º
Em 9 de Outubro de 2018 o Tribunal Administrativo proferiu decisão que julgou improcedente a excepção de irrecorribilidade do acto administrativo em causa.
3.º
Não se conformando com esta decisão, a Entidade Recorrida, ora Reclamante, interpôs recurso ordinário para o Tribunal de Segunda Instância, referindo expressamente que o mesmo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 601.° do Código de Processo Civil, doravante designado por CPC, aplivável ex vi do n.º 1 do artigo 149.º do CPAC, em conjugação com o disposto no n.º 1 do 155.° artigo deste Código, deveria subir imediatamente e com efeito suspensivo, uma vez que a retenção do presente recurso torná-lo-ia absolutamente inútil.
4.º
Acontece que, o Tribunal a quo admitiu o recurso, mas com subida diferida nos próprios autos e efeito devolutivo, nos termos dos artigos 148.º do CPAC, artigo 602.º, n.º 1 do CPC aplivável ex vi do artigo 149.°, n.º l e dos artigos 151.º e 155.º (a contrario sensu), todos do CPAC.
5.º
Tal significa que neste momento há dois processos judiciais a correr simultaneamente, um no Tribunal Administrativo, para decisão do mérito do recurso interposto por A, e outro no Tribunal de Segunda Instância, para decidir a excepção de irrecorribilidade do acto administrativo objecto daquele recurso contencioso.
6.º
Ora, se o Tribunal de Segunda Instância decidir a favor da irrecorribilidade do acto, como já aconteceu nos doutos Acórdãos proferidos no Processo n.º 318/2006 e no Processo n.º 683/2017, a decisão do Tribunal Administrativo tornar-se-á inútil.
7.º
Assim, e por economia processual, o recurso interposto pelo ora Reclamante sobre a excepção de irrecorribilidade do acto deve subir imediatamente e com efeito suspensivo, só assim se evitando a ocorrência simultânea de dois recursos, cuja decisão do Tribunal de Segunda Instância poderá prejudicar o conhecimento pelo Tribunal Administrativo do mérito do recurso interposto por A.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSA EXCELÊNCIA, DEVE A PRESENTE RECLAMAÇÃO SER CONSIDERADA PROCEDENTE.
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA
JUSTIÇA.
Passemos pois a apreciar a reclamação.
Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o recurso em causa deve subir imediatamente.
Está em causa a retenção de um recurso jurisdicional interposto no âmbito do recurso contencioso de anulação.
Na matéria de recurso jurisdicional do contencioso, o CPAC manda que o recurso ordinário seja admitido e processado como o correspondente recurso para o Tribunal de Segunda Instância em processo civil, sem prejuízo do previsto na Secção II do capítulo IX – artº 149º/1 do CPAC.
Quanto ao modo de subida, o artº 155º no capítulo IX do CPAC reza especificamente que:
1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o recurso que suba imediatamente tem efeito suspensivo da decisão.
2. O recurso da decisão de suspensão da eficácia de actos administrativos ou de normas e de aplicação de medida compulsória tem efeito meramente devolutivo.
3. Nos processos urgentes, o recurso sobe imediatamente nos próprios autos, quando estejam findos no tribunal recorrido, ou em separado, na hipótese contrária
Ao passo que o artº 601º do CPC dispõe:
1. Sobem imediatamente ao Tribunal de Segunda Instância os recursos interpostos:
a) Da decisão que ponha termo ao processo;
b) Do despacho que aprecie a competência do tribunal;
c) Dos despachos proferidos depois da decisão final.
2. Sobem também imediatamente os recursos cuja retenção os tornasse absolutamente inúteis.
Atendendo ao que foi alegado pelo reclamante, a boa decisão da presente reclamação deve ser encontrada com a correcta interpretação do disposto no artº 601º/2, pois in casu obviamente não estamos perante qualquer das situações previstas no artº 155º do CPAC e nas alíneas do artº 601º/1 do CPC.
A redacção dessa norma do número dois é bem demonstrativa de que a inutilidade absoluta diz respeito ao recurso em si e não aos actos processuais entretanto praticados na pendência do recurso retido.
Considerando o objecto do recurso em causa, a eventual procedência do recurso implica a revogação do despacho recorrido e a anulação de todo o processado posterior e dele dependente, e em substituição a rejeição do recurso e a consequente absolvição da entidade recorrida do recurso, o que é justamente a utilidade que poderá advir da eventual procedência do recurso. E tendo em conta a tramitação e o fim de um recurso contencioso de anulação, dificilmente podemos configurar a eventual anulação do processado e a consequente rejeição do recurso como algo absolutamente impossível.
Daí, a retenção do recurso nunca conduzirá à inutilidade absoluta do recurso.
Pois isto só se verifica quando seja qual for a decisão que o tribunal de recurso lhe der, ele, o recurso, já é absolutamente inútil no seu reflexo sobre processo.
O que obviamente não é o caso em apreço.
Nestes termos expostos e sem necessidade de mais considerações, indefiro a reclamação confirmando o despacho reclamado que fixou a subida diferida.
Sem custas, por isenção subjectiva – artº 2º/1-b) do RCT.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 149º/1 do CPAC.
R.A.E.M., 27FEV2019
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
Recl.11/2018-5