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Processo n.º 634/2017
(Autos de recurso em matéria cível)

Data: 21 de Fevereiro de 2019

ASSUNTOS:

- Impugnar matéria de facto nos termos do artigo 599º do CPC

SUMÁRIO:

I – Quando a Recorrente pretende impugnar a mtéria de facto nos termos do artigo 599º do CPC, devia indicar os pontos concretos que, no seu entender, foram incorrectamente aprecidos pelo Tribunal a quo, e não fez um resumo das gravações de depoimento de algumas testemunhas ouvidas em audiência.

II – Quando a Recorrente não conseguiu impugnar, mediante provas convincentes, a decisão sobre os factos fixados pelo Tribunal a quo, nem os elementos constantes dos autos permitem sustentar uma outra versão fáctica, é de julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
O Relator,

________________
Fong Man Chong
Processo n.º 634/2017
(Recurso em matéria cível)
Data : 21/Fevereiro/2019

Recorrente : A (Autora)

Recorridos : B Sociedade Limitada (B有限公司)
      C
      D
      E
      F
*
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA RAEM:

    I - RELATÓRIO
A, Recorrente/Autora, devidamente identificada nos autos, propôs em 14/01/2014 junto do TJB acção declarativa sob forma ordinária contra os Réus acima mencionados, tendo formulado os seguintes pedidos:
      1) – Que fossem os Réus condenados a restituir a título definitivo à Autora a posse do rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX, na qual se encontra já reinvestida por força da decisão de decretamento adoptada em sede cautelar; e
      2) – Que fossem os Réus condenados a absterem-se de praticar quaisquer actos de esbulho, turbação ou impedimento da posse da Autora, sob cominação de não o fazendo, cometerem o crime de desobediência qualificada.
Por sentença de 23 de Janeiro de 2017 (fls 935 a 947), os pedidos da Autora foram julgados improcedentes.
Com este decidido não se conformando, veio a Autora em 19/04/2017 interpor o competente recurso para este TSI, com os fundamentos constantes de fls. 956 a 1008 dos autos, tendo formulado as seguintes conclusões :
1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal Judicial de Base (T.J.B.) em 23 JAN 2017.
2. Tal discordância respeita, por um lado, à matéria de facto - cujos concretos pontos a impugnar irá abaixo indicar especificadamente - que, muito respeitosamente, reputa terem sido incorrectamente julgados e que, assim sendo, teriam imposto decisão diversa da aqui colocada em crise e, por outro lado, ao sentido da interpretação e aplicação das relevantes normas jurídicas - que igualmente indicará infra - que a recorrente sustentará teriam imposto a procedência da presente acção.
3. A questão da oficialização ou do reconhecimento judicial de que a posse mantida pela recorrente por longos anos é hábil à respectiva convolação em direito de propriedade tem a sua sede própria e natural nos autos de usucapião n.º CV3-12-0087-CAO por si já intentados.
4. A recorrente nunca foi inquilina de quem quer que seja em relação aos mencionados prédios urbanos n.ºs 67 e 65 da Rua da XXX e 13, 15 e 17 do Pátio da XXX.
5. Nada se provou quanto a que os réus possam receber rendas ou dar de arrendamento o rés-do-chão do n.° 65 ou qualquer outro dos imóveis objecto dos autos de usucapião, ou, por maioria de razão, que o possam fazer em nome dos respectivos proprietários inscritos no Registo Predial, cabendo, aliás, perguntar-se por que razão não juntaram os réus uma certidão predial da qual conste os seus nomes como proprietários.
6. Perguntava-se no Quesito n.º 42 da Base Instrutória se «(...) Até ao ano 2007, a Autora sempre pagou uma renda mensal pela ocupação à Associação B e, depois, à B., a título de arrendatária, do n.º 67 da Rua da XXX? (...)».
7. Perguntava-se no Quesito n.º 46 da Base Instrutória se «(...) A Autora, tal como os seus antepassados, sendo arrendatários do primeiro andar do n.º 67 da Rua da XXX, ocuparam também os n.º 65 e 65/A da Rua da XXX e, ao longo do tempo, facultaram o uso dos mesmos a terceiros, que considerava serem seus subarrendatários? (...)».
8. O Tribunal ofereceu uma resposta conjunta a ambos os Quesitos 42 e 46, julgando PROVADO que «(...) até ao ano 2007, a Autora sempre entregou uma quantia mensal pela ocupação e uso dos prédios n.ºs 65 e 67 da Rua da XXX primeiro à Associação B e, depois, à 1ª Ré e continuou a autorizar o avô materno do G ou a mãe do G a ocupar o rés-do-chão do n.º 65 mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida tendo posteriormente autorizado o G a ocupar o rés-do-chão do n.º 65 nos mesmos termos (...)».
9. Quanto aos Quesitos n.º 42 e 46, a sua resposta deveria ter sido dada separada e individualizadamente e não de uma forma global como fez o Tribunal recorrido pois não existe um nexo ou relação necessários entre a resposta que se dê a um quesito e ao outro, ambos devendo ser respondidos em sentido divergente.
10. As quantias mensais pagas pela recorrente não o foram nunca pela ocupação do n.º 67 da Rua da XXX, não existindo nunca qualquer nexo sinalagmático entre pagar ou não pagar tal quantia e poder ou não poder ocupar e usar o n.º 67 da Rua da XXX.
11. O uso dos n.ºs 65, 65-A e 67 da Rua da XXX nunca dependeram ou estiveram condicionados a que a recorrente procedesse a qualquer pagamento a quem quer que fosse, nem tais pagamentos assumiram, pois, qualquer cariz obrigatório para a autora (e, antes dela, dos seus antepassados) nem, simetricamente, de exigibilidade por parte de quem quer que fosse relativamente à autora.
12. Nunca esteve em causa um uso e ocupação a título oneroso de tais imóveis em termos de ser sua estrita contrapartida simétrica qualquer pagamento mensal que a recorrente devesse fazer fosse a favor de quem fosse, designadamente uma "renda" sendo que, muito diferentemente, esses pagamentos sempre foram efectuados pela autora (e, antes dela, pelos seus antepassados) de uma forma espontânea, voluntária e livre e sempre tendo subjacente um fim de seguro, fundo de reserva e de apoio mútuo e entreajuda entre os todos os vizinhos ao longo de sucessivas gerações.
13. O pagamento de uma contribuição pela autora ao fundo não impede que se qualifique que o gozo desta sobre o prédio n.º 65 não seria pleno e exclusivo e que, pelo contrário, fosse limitado e condicionado.
14. Isto porque tal voluntária e livre contribuição para um fundo com os fins de entreajuda acima referidos pressupõe na autora, muito diferentemente, o animus de proprietária quanto ao n.º 65 como aos demais imóveis pois apenas proprietários, possuidores com animus possidendi e vizinhos da zona da Rua da XXX tinham um interesse plausível em se entreajudarem ao longo de décadas a fim de todos colherem vantagens e prestações que, só unidos e com todos contribuindo para um fundo comum, poderiam lograr obter.
15. Os pagamentos sempre foram feitos espontânea e voluntariamente a propósito da circunstância de a recorrente (e, antes dela, os seus antepassados) serem habitantes da Rua da XXX, rua inserida num Bairro que, desde os anos 20 do século passado, era conhecido como Bairro B.
16. Tais pagamentos eram feitos espontânea e livremente e eram-no desde sempre em prol de um fundo informal organizado espontaneamente pelos moradores da área - daí o uso do nome "B" - com um intuito de entre ajuda, a fim de serem prestados serviços de utilidade comum a todos.
17. Esse fundo inorgânico e informal, que foi persistindo até sensivelmente ao início do presente século, era uma agremiação espontânea de vizinhos e moradores que cooperavam entre si tendo em vista a satisfação de necessidades e utilidades comuns a todos os moradores, sendo designadamente um desses fins a gestão e manutenção das ruas, muito em especial a limpeza das ruas e a recolha dos lixos e, durante décadas - antes de se generalizar o saneamento básico em Macau -, procedendo à recolha dos dejectos humanos provenientes das habitações do Bairro.
18. Ao longo do século XX, com o avanço e progresso do nível das prestações públicas - designadamente com a infra-estruturação ao nível dos esgotos e da recolha municipal de lixos - o tipo de necessidades e utilidades satisfeitas por esse fundo foi-se deslocando para outras finalidades, de entre as quais se destacou a capitalização e recolha das contribuições dos moradores para em caso de alguma calamidade ou evento imprevisto, se poder prestar-lhes auxílio financeiro e material, passando a assumir, pois, uma missão de quase "seguro-social" (ou "mútuo auxílio"), circunscrito àquele Bairro e aos seus moradores.
19. Tal fundo inorgânico para o qual os moradores da Rua da XXX e artérias adjacentes comparticiparam regularmente durante décadas, tendo em vista a satisfação dessas necessidades e utilidades comuns a todos os moradores, passou, a partir de 2001, a ser usurpado pela 1ª ré, de que são seus administradores os 2.°, 3.° e 4.° réus.
20. Após 2001 - data da constituição da Sociedade Comercial, aqui 1ª ré -, julgando estar ainda em face do anterior fundo orgânico, muitos dos moradores da Rua da XXX e artérias adjacentes continuaram a contribuir para o que, segundo em consciência acreditaram, julgavam ser ainda esse mencionado fundo e apenas quando a aqui 1.ª ré finalmente revelou a sua real natureza e os seus intuitos é que muitos dos moradores se aperceberam do logro de que foram vítimas.
21. Isto é, que a Sociedade comercial B, afinal, havia usurpado aquele nome e identidade do anterior fundo e que, à sua sombra, conseguira arrecadar para si avultadas quantias, sem qualquer intenção de, com o recebimento das mesmas, alguma vez vir a acorrer a quaisquer necessidades dos seus, entretanto, "involuntários" e "desconhecedores" contribuintes.
22. A determinado momento, a dita Sociedade B passou mesmo a invocar-se como locadora/proprietária de muitos dos moradores do bairro e respectivos imóveis, incluindo da recorrente e dos próprios inquilinos desta, inclusive do rés-do-chão do n.º 65.
23. Tudo quanto antecede foi explicado em audiência com bastante detalhe pelas seguintes testemunhas tanto da recorrente como dos réus, pelo que se indicam, nos termos e para os efeitos do n.° 2 do artigo 599.° do CPC, as respectivas passagens da gravação audio:

TESTEMUNHA H
15.11.18 CV2-14-0003-CAO# 13:
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 15.02.28, segmento iniciado no minuto 01:21.10 até ao minuto 01.23.24
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 16.26.22, segmento iniciado no minuto 01:09 até ao minuto 03.15 e segmento iniciado no minuto 01:09 até ao minuto 03.15
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 16.26.22, segmento iniciado no minuto 46.09 até ao minuto 47.10
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 17.13.45, segmento iniciado no minuto 00.00 até ao minuto 00.22
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 17.14.22, segmento iniciado no minuto 00.00 até ao minuto 00.03
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 17.14.36, segmento iniciado no minuto 00.00 até ao minuto 03.19
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 17.18.08, segmento iniciado no minuto 00.00 até ao minuto 00.31
(origem na família da autora das propriedades do n.º 65, n.º 65-A e 67 da Rua da XXX e dos n.º 13, 15 e 17 do Pátio da XXX, através de dotes de casamento e heranças feitas aos seus antepassados)
TESTEMUNHA H
15.11.18 CV2-14-0003-CAO#13:
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 16.26.22, segmento do minuto 30.10 até ao minuto 37.10
• Translator 1. Recorded on 18.,.Nov-2015 at 16.26.22, segmento iniciado no minuto 44.40 até ao minuto 46.15
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 10.57.54, segmento iniciado no minuto 01:20.18 até ao minuto 01.26.10
(antiga B, as suas origens, funções de fundo de reserva, de seguro, de administração predial, obras, limpeza das ruas, saneamento, segurança de noite, culto aos antepassados, distribuição de comida aos pobres; o seu financiamento através de "contribuições para despesas de condomínio"; o momento e o motivo pelos quais a autora deixou de contribuir para o que julgava ser ainda a antiga B: o incêndio de 2006)
TESTEMUNHA I
15.12.18 CV2-14-0003-CAO#17:
• Translator 1. Recorded on 01-Nov-2015 at 16.58.03, segmento do minuto 20.34 até ao minuto 23.04
(antiga B; quando a autora se apercebeu da sua mudança de natureza e de atitude) TESTEMUNHA J 15.11.18 CV2-14-0003-CAO#17:
• Translator 1. Recorded on 01-Nov-2015 at 18.07.11, segmentos do minuto 02.06 até ao minuto 04.09 e do minuto 19.04 ao minuto 20.45
• Translator 1. Recorded on 01-Nov-2015 at 18.38.17, segmento do minuto 09.38 até ao minuto 12.08
(ia receber as rendas cobradas pela senhoria, aqui recorrente, a cada dia 28 ao estabelecimento sito no n.º 65, explorado pelo inquilino G e seus antepassados)
TESTEMUNHA J
15.11.18 CV2-14-0003-CAO#17:
• Translator 1. Recorded on 01-Nov-2015 at 18.38.17, segmento do minuto 12.23 até ao minuto 13.15
(pagamento das "contribuições para despesas de condomínio" feitas à antiga B) TESTEMUNHA K
15.12.10 CV2-14-0003-CAO#13:
• Translator 1. Recorded on 10-Dec-2015 at 10.08.13, segmento do minuto 12.08 até ao minuto 15.42
(a B Limitada e os seus representantes apresentaram-se como estando encarregados de dar de arrendamento o n.’ 65 à testemunha mas sem exibir qualquer prova de propriedade, poderes de representação ou procuração de ninguém)
TESTEMUNHA L
15.11.18 CV2-14-0003-CAO#13:
• Translator 1. Recorded on 1O-Dec-2015 at 10.44.13, segmentos do minuto 29.01 ao minuto 30.42, do minuto 45.53 ao minuto 49.17, do minuto 50.32 ao minuto 57.39 e do minuto 01.58.16 a 01.58.53
(a B não é proprietária do n.º 65 nem de outros imóveis na Rua da XXX; a sua função é, designadamente, a de administrar prédios; mas tem também outras funções: manutenções exteriores, obras no interior, ajuda em situações de grandes dificuldades, designadamente a ajuda a pessoas idosas ou aquando da passagem de tufões; foi sempre através de contribuições de todos que os serviços e ajudas foram prestados)
TESTEMUNHA H
15.11.18 CV2-14-0003-CAO#13:
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 10.57.54, segmento iniciado no minuto 01:04.36 até ao minuto 01.20.16
(origem do arrendamento dado pela autora ao G; titularidade da autora quanto aos n.º 65, n.º 65-A e 67 da Rua da XXX e dos n.º 13, 15 e 17 do Pátio da XXX; posse há mais de 80 anos, de boa fé, pública e pacífica; incêndio de 2006 e dever de ajuda do antigo fundo B)
TESTEMUNHA H
15.11.18 CV2-14-0003-CAO#13:
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 15.02.28, segmento do minuto 01:15.53 até ao minuto 01:20.01
(só as obras de grande envergadura deveriam ter o auxílio do fundo que era a antiga B; as de menor dimensão, era a autora que as deveria fazer)
TESTEMUNHA G
15.11.18 CV2-14-0003-CAO#16:
• Translator 1. Recorded on 18-Nov-2015 at 10.57.54, segmento do minuto 03:14 até ao minuto 05.30, segmento do minuto 34:28 até ao minuto 34.35
(é inquilino e paga renda à recorrente; esta fazia obras no locado)

24. Identicamente constam dos autos - sejam do processo principal seja do preliminar procedimento cautelar - inúmeros documentos que atestam que a recorrente não era arrendatária de quem quer que fosse e que o Sr. G era seu inquilino.
25. Em sede de providência cautelar, a recorrente havia junto em 18/02/2014 os seguintes documentos acerca dos n.º 65, 65-A e 67 da Rua da XXX: Certidão n.º 25722 de 31/10/2012; Certidão n.º 25848 de 01/11/2012; Recurso Hierárquico Necessário de 27/08/2013; Requerimento ao Exm.? Secretário para a Economia e Finanças de 10 JAN 2014; e Requerimento ao Exm." Chefe das Finanças de 13/01/2014.
26. Com tal junção a recorrente provou que as Finanças de Macau têm reiteradamente produzido certidões e informação com efeitos externos em total derrogação do que consta, designadamente, a nível de registo predial e, mais, mesmo em frontal oposição ao que o seu departamento de investigação concluiu na investigação por si promovida, ou seja, uma "incerteza conclusiva".
27. Tudo sem prejuízo de se saber que as certidões matriciais, que resultam de meras declarações dos particulares junto da repartição de finanças competente, apenas relevam para efeitos fiscais, nomeadamente para determinação dos devedores e do rendimento colectável da contribuição autárquica.
28. Por outro lado, os réus juntaram aos autos, a fim de, como disseram, corroborar o que disse a testemunha por eles arrolada, Sr. L, diversos documentos relativamente aos quais afirmaram que as verbas aí descritas nos documentos correspondiam ao que chamam "dividendos/rendas", mas sem apresentarem quaisquer provas para apoiar tal alegação.
29. Efectivamente, não há descrição, nem informação nem provas a respeito de a quem as propriedades alegadamente pertenceriam nem se faz qualquer distinção entre os chamados "dividendos" e as chamadas "rendas" e, por outro lado, inexiste qualquer informação e provas que evidenciem e provem a identidade das 40 pessoas mencionadas, igualmente nada existindo sequer alegado que ligue quais as "propriedades" - quais e onde - a quais "rendas/dividendos".
30. Mais ainda, não há quaisquer provas que mostrem que a Ré B Ltd. possa ter sido autorizada por qualquer pessoa a recolher quaisquer assim designadas "rendas" em nome de quaisquer assim designados 'proprietários'!
31. De igual modo, em local algum se pode apreender a que se referem as percentagens invocadas (no doc. 4), se, pretensamente, às percentagens de participação na B Ltd. ou se o são de determinadas "propriedades" mas, nesse caso, de quais?!
32. Sobretudo e acima de tudo o mais, não há qualquer relação entre tais meros 40 nomes e o espaço em discussão nos presentes autos, o rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX!
33.Atento o exposto, o Quesito n.º 42 deveria ter sido julgado parcialmente provado, pois não deveria ter sido julgado provado que tais pagamentos foram pelo uso e ocupação.
34. Deveria ter sido, assim, respondido o Quesito 42 em termos similares aos seguintes: até ao ano de 2007, a Autora, a propósito da posse em nome próprio que desde há décadas exercia e, antes dela, os seus antepassados, sobre o n.º 67 da Rua da XXX contribuía voluntariamente para um fundo criado pelos demais vizinhos e moradores denominado como B.
35. O Quesito n.º 46 deveria ter sido julgado apenas parcialmente provado, devendo ter sido respondido em termos similares aos seguintes: a Autora, possuindo em nome próprio desde há décadas e antes dela, os seus antepassados, os n.ºs 65 e 65/A da Rua da XXX, deram ambos estes imóveis de arrendamento a terceiros, incluindo ao Sr. G e, antes dele, aos seus antepassados.
36. Assim, nos termos e para os efeitos das aIíneas a) e b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 599.° e da primeira parte da al. a) do n.º 1 do artigo 629.°, ambos do CPC, e tendo, designadamente, por base os meios probatórios consistentes nas gravações feitas em julgamento (cfr. passagens das gravações atrás descriminadas), a recorrente impugna a decisão de facto do Tribunal a quo quanto aos quesitos 42 e 46 e requerem que o T.S.I. modifique tal decisão nos termos acima apresentados pela recorrente (ou noutros, equivalentes).
37. Consequentemente, após ser modificada nos termos agora requeridos a decisão de facto, deverá ser considerado que a autora não era inquilina de quem quer que fosse em relação aos n.ºs 65, 65/A e 67 da Rua da XXX - imóveis que possui com animus domini - e, por outro lado, era senhoria do mesmo n.º 65, tendo-o dado de arrendamento ao Sr. G e, antes dele, aos seus antepassados.
38. Tratem-se de 41 ou de 42 anos, dúvidas não podem existir que em 2012 ou em 2013 cessou, por acto hostil à recorrente e contrário à sua vontade, uma sua longuíssima actuação de possuidora com animus de proprietária, tal como, aliás, na sua sede própria - a acção de usucapião n.º CV3-12-0087-CAO -, será objecto de produção de prova.
39. Assim, desde 2012 ou 2013, a recorrente passou a estar privada do poder de exercer quaisquer actos de gestão ou disposição fáctica sobre o mesmo rés-do-chão do n.º 65, com excepção do período de 18 meses, compreendido entre DEZ 2013 (data em que no Apenso "A" lhe foi restituída a posse sobre o n.º 65) e 30 JUL 2015, em que, por força de uma decisão do T.U.I. de pura forma, que não de fundo, o n.º 65 foi entregue à 1ª (B LTD. CO.) e ao 3.° Réus (D).
40. É sabido, por força dos documentos autênticos juntos aos autos, que só a partir de 05/06/2012 o Réu D ficou inscrito no registo predial como titular de 1/120 dos prédios urbanos n.º 67 e 65 e a Ré B LTD. CO. não está inscrita nem nunca esteve inscrita no registo predial como titular de qualquer um dos prédios urbanos n.ºs 67, 65, 13, 15 ou 17.
41. Mais, os Réus não representam quaisquer dos proprietários (sendo que o Réu D tem, apenas desde 05/06/2012, 1/120 dos prédios urbanos n.º 67 e 65), qualidade essa que, não obstante, amiúde invocaram ao longo dos autos.
42. Assim sendo, não há nenhuma razão legítima e justificativa para que tais Réus - ou os demais - sejam mantidos numa posse para a qual não têm qualquer mínimo título.
43. Bem vistas as coisas, apenas durante alguns meses antes de DEZ 2013 e desde 30/07/2014 até ao presente é que a 1ª e o 3ª Réus detêm o poder fáctico relativamente ao rés-do-chão do n.º 65.
44. Trata-se, na pura objectividade dos números, de uma posse de 41 (ou 42) anos contraposta a uma posse intervalada que soma no seu conjunto apenas um ano e alguns poucos meses.
45. Ou seja, nos termos gerais, qualquer "disputa de posses" sempre se deveria ter resolvido a favor de quem tenha melhor posse, in casu, àquela que não foi constituída com violência, é a mais antiga, foi exercida de forma continuada, à vista de todos, com o conhecimento de vizinhos e terceiros e sem resistência ou reserva de nenhuma autoridade ou terceiros, isto é, a favor da recorrente.
46. Antes de tais datas, sempre foi a recorrente, ou os seus antepassados, quem tinha o poder de disposição empírica sobre o local, decidindo exercê-lo com animus possidendi e domini mediante a autorização de uso e ocupação oneroso concedida aos antepassados do G e, posteriormente, a este mesmo.
47. Sendo que, uma vez negada contra a recorrente a faculdade de exercício da sua posse, os factos apurados nestes autos permitiram entrever nitidamente que a recorrente procedeu à defesa activa da sua posição de possuidora com animus de proprietária do domínio útil do rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX, seja mediante uma como que imediata acção directa material, seja ainda por recurso às autoridades policiais, às autoridades administrativas e às autoridades judiciais.
48. Com efeito, o que fez a recorrente pedir a restituição judicial (cautelar e a título principal) da sua posse sobre o rés-do-chão do n.º 65 foi a circunstância de, após o abandono fáctico do locado pelo G, ter esse espaço sido fechado a cadeado e correntes, num primeiro momento, e, seguidamente, acedido ao longo de meses por variadas pessoas que a recorrente desconhece e que, sem qualquer autorização da recorrente ou das entidades públicas respectivas, começaram a entrar e sair do espaço e a fazer obras ilegais no seu interior tal como se provou!
49. A reacção contra esse estado anárquico de actuações ilegais sobre o rés-do-chão do n.º 65 foi o que impulsionou a recorrente a agir a fim de as travar o quanto antes, activamente promovendo a defesa judicial dos seus direitos enquanto possuidora com animus domini!
50. Resulta, pois, patente, que a posse longuíssima da recorrente, sempre com animus possidendi e domini, foi interrompida e atacada de modo hostil, muito em especial pela 1ª Ré e pelo 3° Réu, e que a recorrente reagiu em defesa da sua posse.
51. Isto porque ao terem tais Réus induzido o G a assinar em 07/06/2012 um pretenso acordo de utilização do rés-do-chão do n.º 65, percebe-se que tenha sido este, posteriormente, já em 2013, quem se interpôs entre a recorrente e a La Ré, como que (ilegitimamente) investindo esta e dando-lhe acesso a um espaço de que não poderia dispor e que, muito pelo contrário, deveria ter devolvido à recorrente.
52. Os Réus não são proprietários nem possuidores e não representam qualquer dono ou possuidor do rés-do-chão do n.º 65.
53. Congruentemente com tal, nunca os Réus solicitaram em juízo qualquer providência cautelar quanto ao rés-do-chão do n.º 65 nem intentaram qualquer acção judicial (verbi gratia, de reivindicação) para que tal espaço lhes fosse entregue.
54. Antes do Apenso A e da presente acção, quem possuía o rés-do-chão do n.º 65 era a recorrente pelo que nunca uma decisão proferida nestes autos principais poderia ter tido por resultado ou efeito a reposição de um status quo ante que nunca existiu e que, aliás, nunca foi pedido, autónoma ou mesmo como que a título reconvencional pelos Réus!
55. Consequentemente, em sede de aplicação do direito aos factos, deveria ter procedido in totum a presente acção, devendo a recorrente ter sido reinvestida na sua posse.
56. Ao não ter adoptado a ora propugnada interpretação e aplicação das normas jurídicas constantes dos artigos 1202.° e 1203.°, ambos do CC, o Tribunal a quo procedeu à violação das mesmas normas jurídicas, o que se invoca nos termos e para os efeitos das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 598.° do CPC.
* * *
B Sociedade Limitada (B有限公司), C, D, E e F, Réus identificados nos autos, juntaram oportunamente as contra-alegações do recurso, tendo concluido da seguinte forma:
A. Considerando os diversos elementos de prova juntos aos autos, maxime os Docs. n.ºS 2, 3, 11, 13, 14 e 15 juntos com a oposição à providência cautelar apensa a estes autos e os depoimentos de L e G, nos excertos assinalados supra, o douto Acórdão do douto Tribunal a quo quanto à matéria de facto afigura-se acertada, improcedendo, salvo o respeito devido, a alegação da Autora em contrário.
B. A Autora nunca teve a posse do Imóvel dos Autos, mas apenas e quando muito a mera detenção do mesmo, que cessou quando os respectivos proprietários deixaram de receber uma contrapartida pela ocupação do mesmo e não mais toleraram a ocupação do mesmo.
C. A posse, especialmente a conducente à usucapião, que a Autora alega, reveste dois elementos: o corpus e o animus, sendo que possuidor é apenas aquele que, além do corpus possessório, tem também o animus possidendi, ou seja, a intenção de exercer sobre a coisa um direito real próprio (cfr. o artigo 1175.º do CC). Quando falha o animus, como é o caso dos autos, qualquer poder de domínio exercido em relação à coisa é uma mera detenção ou posse precária (cfr. o artigo 1177.º do CC).
D. Devendo então considerar-se, salvo o respeito devido, que a Autora não é titular de direito que mereça tutela da presente acção judicial, por não ter logrado provar a posse que alegou.
No caso de o Tribunal ad quem entender de modo diverso, o que, sem conceder, apenas se admite a benefício do raciocínio, sempre se diria a título meramente subsidiário e ao abrigo do n.º 1 do artigo 590.º do CPC, que:
E. Ainda que se entendesse que a Autora é titular de direito merecedor da tutela possessória que reclama, o que não se concede e se equaciona por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que está impedida de beneficiar da mesma.
F. Na verdade, caducou em Setembro de 2012 o alegado direito que a Autora pretende ver tutelado na presente acção, pelo que, também por com esse fundamento, deve a mesma ser julgada improcedente.
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Foram colhidos os vistos legais, cumpre analisar e decidir.
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    II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
    
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    III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes, conforme o que está consignado na sentença Recorrida:
1. A Autora requereu em 22 de Novembro de 2013, a título preliminar da acção principal ora intentada, uma providência cautelar de restituição provisória da posse relativamente ao rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX, que tramita pelo 2.º Juízo Cível sob o n.º CV2-13-0016-CPV (alínea A) dos factos assentes).
2. Tal providência veio a ser decretada em 12 de Dezembro de 2013, tendo sido executada em 17 de Dezembro de 2013, conforme AUTO DE RESTITUIÇÃO DE POSSE da mesma data (alínea B) dos factos assentes).
3. A autora encontra-se, por conseguinte, já reinvestida materialmente na sua posse relativamente ao indicado rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX desde 17 de Dezembro de 2013 (alínea C) dos factos assentes).
4. A aqui autora intentou uma acção de usucapião em 5 de Novembro de 2012, que corres os seus termos sob o n.º CV3-12-0087-CAO junto do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, em sede da qual pediu o reconhecimento judicial da aquisição, a título originário e com efeitos retroactivos, entre outros, do direito sobre 85,276% do domínio útil referente ao prédio urbano n.º 65, descrito sob o n.º 7084, bem como ainda, desde logo, o reconhecimento da mera posse em relação ao domínio útil dos prédios urbanos n.ºs 65 e 67 no que respeita aos aí 1.º a 6.º RR. e ainda em relação ao domínio útil dos prédio urbanos n.ºs 13, 15 e 17 no quer respeita aos aí 2-º a 6.º RR (alínea D) dos factos assentes).
5. Tal acção – que foi registada na Conservatória do Registo Predial sob a inscrição n.º XXXXXF à descrição n.º 7084 – foi intentada contra 42 Réus, de entre os quais se encontram a 1ª Ré e o ora 3º Réu, Sr. D (alínea E) dos factos assentes).
6. O domínio útil referente ao referido prédio n.º 65, sito na Rua da XXX, está descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 7084 do livro B24 e inscrito na matriz predial sob o artigo 1826, tendo o respectivo terreno sido concedido por aforamento (alínea F) dos factos assentes).
7. O prédio urbano n.º 65 está fisicamente dividido em 2 prédios urbanos, tendo cada um, respectivamente, a denominação policial n.º 65 e n.º 65A (alínea G) dos factos assentes).
8. Tal divisão meramente física do prédio urbano n.º 65 nunca foi registada na respectiva Conservatória do registo Predial (alínea H) dos factos assentes).
9. A 1ª Ré e o 3º Réu, Sr. D, juntamente com Cai Aijia, intentaram em 28 de Setembro de 2012 contra a aqui autora a acção de despejo n.º CV1-12-0197-CPE (alínea I) dos factos assentes).
10. A Ré é uma sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e Bens Móveis sob o n.º XXXXX, com sede em Macau, na澳門XXXXXX, cujo objecto social é a administração de imóveis (alínea J) dos factos assentes).
11. Conforme inscrição n.º AP.50/25052012 do registo comercial, os 2º a 4º Réus são sócios e administradores da 1ª Ré (alínea K) dos factos assentes).
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Da Base Instrutória :
     - Em o rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX, foi, até alguns meses antes da interposição da presente acção, ocupado por uma loja, explorada por G a quem a Autora autorizou ocupá-la para este efeito mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
     - Nos pisos superiores do referido n.º 65 e dos n.ºs 65-A e 67 da Rua da XXX encontra-se instalado o Hotel San Va explorado pela Autora e de que é dona e titular (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
     - Ao longo destes anos, no espaço referido na resposta aos quesitos 1º e 2º, a Autora e os seus antepassados praticavam os seguintes actos: hospedar pessoas a troco de dinheiro, obter a necessária autorização perante as entidades administrativas para a exploração do Hotel, suportar despesas de funcionamento, pagar salários e autorizar G ocupar o rés-do-chão do nº 65 mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
     - Em data não concretamente apurada mas necessariamente anterior a 1971, o pai da Autora autorizou o avô materno do G a ocupar o rés-do-chão do nº 65 mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida, a fim de este explorar um Café de nome M (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
     - Após a morte do avô materno do G, a quantia mensal passou a ser entregue directamente ao Hotel San Va pela mãe do G e, após o óbito desta, a entrega passou a ser feita pelo G (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
     - Em data não apurada de 2013, o G decidiu deixar de explorar a loja instalada no rés-do-chão sito no nº 65 da Rua da XXX (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
     - Nessa conformidade, começou a esvaziar o locado e deixou de pagar quaisquer contas de água e luz (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
     - O G nunca entregou o rés-do-chão do n.º 65 à Autora (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
     - O que consta da resposta ao quesito 8º (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
     - O G manteve a porta do rés-do-chão do n.º 65 fechada e não entregou qualquer cópia das chaves à Autora (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
     - Em data anterior a 28 de Setembro de 2013, a Autora colocou um cadeado na porta do rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
     - Em simultâneo, a Autora colocou no lado interior da porta do rés-do-chão do n.º 65 um papel com o seu contacto e atou à porta um aviso escrito em língua chinesa com o seguinte teor; “Propriedade privada. Proibido o acesso. Os infractores serão responsabilizados” (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
     - Em 28 de Setembro de 2013, pelas 17:42, um individuo não identificado dirigiu-se ao rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
     - Posteriormente, em 19 de Outubro de 2013, pelas 16:00, o 5º Réu e o G dirigiram-se ao rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
     - Aí chegados, foi aberto o cadeado que a Autora havia colocado na porta do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
     - Seguidamente, G colocou um outro cadeado na porta do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX, impedindo e vedando o acesso ao mesmo (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
     - Em 4 de Novembro de 2013, pelas 20:02, três indivíduos não identificados deslocaram-se ao rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
     - Seguidamente, os três individuo não identificados entraram para dentro do n.º 65, entrando posteriormente um outro individuo não identificado e permanecendo todos no interior do rés-do-chão do n.º 65 por cerca de 10 minutos (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
     - À saída dos mesmos, a porta foi fechada permanecendo impedido e vedado o acesso ao n.º 65 (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
     - Em 7 de Novembro de 2013, por voltas 18:00, alguns indivíduos não identificados deslocaram-se ao rés-do-chão do n.º 65, tendo aberto a respectiva porta e entrado no espaço (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
     - Em 12 de Novembro de 2013, pelas 15:00, dois indivíduos não identificados entraram no rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
     - Alguns indivíduos não identificados desenvolveram trabalhos e obras de construção civil dos quais resultaram grande volume de entulho, detritos, madeiras e lixo variado, tudo transportado por um camião, pelas 16:27 e 17:58 (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
     - Entretanto, chegaram e entraram também outros indivíduos não identificados no rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
     - Em 13 de Novembro de 2013, entre as 08:47 e 12:39, pelo menos, duas pessoas entraram no rés-do-chão do n.º 65 (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
     - Relativamente a tais trabalhos e obras de construção civil dentro do rés-do-chão do n.º 65, a Autora alegando ter promovido em 12 de Novembro de 2013, através dos seus advogados, o embargo de obra nova extrajudicial, pediu a respectiva ratificação judicial (resposta ao quesito 37º da base instrutória).
     - Com o decretamento da providência de restituição provisória da posse nos termos referidos em B) dos factos assentes, a Autora pediu, e foi nessa conformidade reconhecido pelo Tribunal, a inutilidade superveniente daquele procedimento cautelar de embargo de obra nova (resposta ao quesito 38º da base instrutória).
     - Em 15 de Novembro de 2013, a Autora participou a realização das obras que estavam a ser feitas no rés-do-chão do n.º 65 junto da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e do Instituto Cultural, com fundamento na falta da respectiva licença de obras, tendo a DSSOPT determinado a suspensão das obras (resposta ao quesito 39º da base instrutória).
     - A autorização de ocupação referida nas respostas aos quesitos 1º e 4º era continuada, à vista de todos, com o conhecimento de vizinhos e terceiros (resposta ao quesito 41ºA da base instrutória).
     - A autorização de ocupação referida nas respostas aos quesitos 1º e 4º foi dada sem violência e sem resistência ou reserva de nenhuma autoridade ou terceiros (resposta ao quesito 41ºC da base instrutória).
     - Até ao ano 2007, a Autora sempre entregou uma quantia mensal pela ocupação e uso dos prédios n.ºs 65 e 67 da Rua da XXX primeiro à Associação B e, depois, à 1ª Ré e continuou a autorizar o avô materno do G ou a mãe do G a ocupar o rés-do-chão do nº 65 mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida tendo posteriormente autorizado o G a ocupar o rés-do-chão do nº 65 nos mesmos termos (resposta aos quesitos 42º e 46º da base instrutória).
     - A Autora deixou de entregar a quantia mensal de Agosto de 2006 a Abril de 2007 (resposta ao quesito 48º da base instrutória).
     - Depois de notificada para entregar as quantias acima referida, a Autora fez o último entregue em 26 de Abril de 2007 (resposta ao quesito 49º da base instrutória).
     - Em 7 de Junho de 2012, G e a 1ª Ré celebraram o acordo cuja cópia está junto a fls 354 a 356 (resposta ao quesito 51º da base instrutória).
     - Desde 7 de Junho de 2012, G começou a entregar à 1ª Ré contrapartidas monetárias pela utilização no rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX (resposta ao quesito 52º da base instrutória).
     - Em 4 de Novembro de 2013, G e a 1ª Ré acordaram revogar o acordo referido na resposta ao quesito 51º (resposta ao quesito 53º da base instrutória).
     - G restituiu o rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX à 1ª Ré (resposta ao quesito 54º da base instrutória).
     - Desde 7 de Junho de 2012, a Autora não recebe qualquer quantia pela ocupação e uso que G fazia no rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX (resposta ao quesito 55º da base instrutória).
     - Pelo menos, desde 22 de Agosto de 2013, a Autora sabe que G entregava quantias à 1ª Ré como contrapartida da ocupação do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX (resposta ao quesito 56º da base instrutória).
     - Por carta de 3 de Dezembro de 2012, a Autora contactou G para lhe exigir a entrega das quantias devidas pela ocupação e uso do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX (resposta ao quesito 57º da base instrutória).
     - O que consta da resposta ao quesito 56º (resposta ao quesito 60º da base instrutória).
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Como o recurso tem por objecto a sentença proferida pelo tribunal de 1ª instância, importa ver o que o tribunal a quo decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
“(…) Vem a Autora pedir que os Réus fossem condenados a restituir-lhe a título definitivo a posse que alega ter sobre o rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX e a absterem-se de praticar quaisquer actos de esbulho, turbação ou impedimento desta posse da Autora.
Para o efeito, alega que intentou uma acção de usucapião (processo n.º CV3-12-0087-CAO) em 5 de Novembro de 2012 e pediu o reconhecimento judicial da aquisição, a título originário, do domínio útil referente ao prédio urbano n.º 65 da Rua da XXX, bem como o reconhecimento da mera posse em relação ao domínio útil dos prédios urbanos n.ºs 65 e 67 da Rua da XXX e ainda em relação ao domínio útil dos prédios urbanos n.ºs 13, 15, 17; que o rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX foi, até alguns meses antes da interposição da presente acção, ocupado por uma loja sendo sua senhoria a Autora e seu inquilino o N; que o arrendamento foi celebrado na década de 50 entre o avô materno do G e o pai da Autora, a fim de aquele explorar um café no rés-do-chão n.º 65 da Rua da XXX; que, em 2013, G decidiu deixar de explorar a loja aí instalada, facto que comunicou verbalmente à Autora; que G, apesar de ter desocupado e abandonado a loja, não entregou do referido rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX à Autora; que, depois disso, o 5º Réu cortou o cadeado que a Autora colocara na porta rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX num certo dia e fechou as portas do mesmo num outro dia; que o 4º Réu chegou a entrar no rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX com alguns indivíduos tendo então começado obras de decoração no mesmo; que os 3º e 4º Réus bem como um empregado da 1ª Ré chegaram a acorrer à esquadra para onde se deslocaram três indivíduos encontrados dentro do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX; que a 1ª Ré pretendeu tomar posição à força e através de violência, mediante uma variada série de sucessivos expedientes ilegais, tentar usurpar a seu favor as posições assumidas e consolidadas ao longo de décadas por parte da Autora e, antes dela, por parte dos antepassados desta, em relação a todo o bloco urbano sito na Rua da XXX.
Contestando a acção, os Réus negam o alegado pela Autora de que é possuidora do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX bem como deduzem a excepção de caducidade da presente acção com fundamento no disposto no artigo 1207º do CC.
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Do acima exposto vê-se que a pretensão da Autora tem por base a posse que alega ter sobre o rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX (adiante simplesmente imóvel) e os actos alegadamente praticados pelos Réus sobre o imóvel.
Tendo em conta o disposto nos artigos 1201º a 1203º, nº 1, do CC, a pretensão da Autora só procede se a mesma lograr demonstrar que é tem a posse do citado imóvel e a sua posse foi esbulhada pelos Réus.
Como flui da exposição anterior os Réus também deduziram a excepção de caducidade da presente acção com fundamento no artigo 1207º do CC. Segundo essa norma, “1. A acção de manutenção, bem como as de restituição da posse, caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da turbação ou do esbulho. 2. Tendo o esbulho sido praticado com violência ou às ocultas, o prazo de 1 ano só se conta a partir da data em que, em face do esbulhado, cesse a violência ou a posse se torne pública.”
Por força disso, a verificação dos dois pressupostos referidos no antepenúltimo parágrafo não é suficiente para a procedência da presente acção. Pois, para o efeito, exige-se ainda a não verificação de um pressuposto negativo: caducidade da presente acção.
Trata-se de pressupostos cumulativos sendo a não verificação de qualquer um dos primeiros e a verificação do último motivo de improcedência dos pedidos da Autora. Assim, a apreciação do pedido da Autora passa pela análise desses três pressupostos nos termos a seguir indicados:
1. Se a Autora é possuidora;
2. No caso e só no caso afirmativo, se houve esbulho nos termos descritos na petição inicial; e
3. Também no caso e só no caso afirmativo, se a presente acção se encontra caducada.
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Posse
Bem interpretada a petição inicial, a posse que a Autora alegar exercer sobre o imóvel manifesta-se na fruição do mesmo a partir do seu arredamento, iniciado na década de 50 do século passado pelo pai da Autora, primeiro ao avô materno de G, depois à mãe de G e finalmente ao próprio G.
Reconhecendo que a Autora vinha permitindo que terceiros ocupassem o imóvel mediante o pagamento de uma certa retribuição, refutam os Réus a qualificação da cedência assim feita como actos possessórios. Com efeito, alegam os Réus que a Autora é arrendatária do prédio nº 67 da Rua da XXX, pertencente a vários proprietários em regime de compropriedade, mas, por incumbência destes mesmos proprietários, administrado pela Associação B até 2001 e pela 1ª Ré a partir de 2001; que o prédio nº 65 da Rua da XXX, também pertencente a vários proprietários em regime de compropriedade, é, da mesma forma, administrado primeiro pela Associação B e depois pela 1ª Ré também, por incumbência dos proprietários; que a Autora, apesar de sem autorização e consentimento dos proprietários do 2º prédio, vinha ocupando o respectivo espaço cedendo até parte do mesmo a terceiros mediante certa retribuição; que tanto a Associação B como a 1ª Ré foram tolerando essa ocupação e cedência por causa das boas relações que mantinham com Autora.
Além disso e também para negar a posse invocada pela Autora, os Réus alegam que, em 7 de Junho de 2012, o terceiro que ocupava o imóvel celebrou um contrato de arrendamento com a 1ª Ré a fim de regularizar a situação perante os verdadeiros proprietários do imóvel o qual veio a ser revogado por acordo deste terceiro e a 1ª Ré em 11 de Novembro de 2013; que, por esse terceiro ter então entregue as chaves do imóvel à 1ª Ré, a ter havido posse na esfera jurídica da Autora, esta posse extinguiu-se com a restituição do imóvel à 1ª Ré.
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“Posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.” – artigo 1175º do CC.
Conforme Álvaro Moreira e Carlos Fraga, in Direitos Reais, Livraria Almedina, Coimbra, pgs 181, 189 a 190, “Dos artºs 1251º e 1253º do CC (a que correspondem aos artigos 1175º e 1177º do CC de Macau), verifica-se que a posse exige o “corpus” e o “animus” identificando-se o corpus “... como os actos materiais praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa” e traduzindo o animus “... na intenção de se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados.”.
Por sua vez, preceitua o artigo 1177º, b), do CC, que “São havidos como detentores os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito.”
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Feito o julgamento da matéria de facto, está assente que a Autora explora o Hotel San Va nos pisos superiores do prédio nº 65, 65-A e 67 da Rua da XXX; em data necessariamente anterior a 1971, o pai da Autora autorizou o avô materno de G a ocupar o rés-do-chão mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida para explorar um certo estabelecimento comercial; que, depois da morte do avô materno de G, a quantia mensal passou a ser entregue pela mãe de G, directamente ao Hotel San Va; que, depois da morte da mãe de G, a entrega da quantia mensal passou a ser feita por G até 7 de Junho de 2012.
Mais está provado que essas autorizações de ocupação eram continuadas, à vista de todos e com conhecimento dos vizinhos e terceiros e foram dadas sem violência e sem resistência ou reserva de nenhuma autoridade ou terceiros.
Nos termos do artigo 1229º do CC, “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”
Dos factos acima elencados, vê-se que os pisos superiores do prédio nº 65 da Rua da XXX estão a ser ocupados pela Autora para o exercício da sua actividade comercial e o rés-do-chão esteve ocupado sucessivamente por diferentes membros de família de G porque a Autora assim permitiu mediante o pagamento de uma certa quantia mensal.
No que se refere à ocupação feita pela própria Autora nos pisos superiores do nº 65 da Rua da XXX, não há qualquer dúvida que a mesma corresponde ao gozo de parte deste prédio. Em abstracto, nada obsta a que essa ocupação seja qualificada como como um acto de gozo do imóvel, faculdade secundária típica do direito de propriedade.
Por sua vez, a cedência do gozo do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX a terceiros pela Autora é inequivocamente um acto de fruição do imóvel. Também em abstracto, essa cedência pode ser perspectivada como uma faculdade secundária típica do direito de propriedade.
No contexto acima descrito, em que a Autora goza parte de um prédio e cede o gozo de outra parte, pode mesmo enquadrar a cedência como um acto possessório exercida sobre a parte cedida. E isso não obstante não estar acompanhada de mais nenhum outro acto revelador da qualidade de proprietário e do convencimento de o ser. É que, amiúdes vezes o proprietário limita-se a dar de arrendamento o seu imóvel e a receber a respectiva renda sem qualquer outro contacto com o imóvel, designadamente os relacionados com a manutenção e reparação do imóvel ou com a assunção do encargo relativo às despesas inerentes à titularidade do imóvel. É que, nada obsta a que os contraentes do arrendamento acordassem expressamente na isenção do proprietário dessas obrigações. A isso acresce a possibilidade de não exercício, por parte do arrendatário, do direito exigir ao senhorio o cumprimento da obrigação de manutenção e reparação do imóvel. Trata-se de casos não raros de senhorios “ausentes”.
A isso acresce que os Réus não lograram demonstrar que essa cedência foi feita sem o consentimento ou reconhecimento dos proprietários do prédio nº 65 os quais apenas toleravam a ocupação e a cedência acima referidas.
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Numa primeira aproximação e tendo em conta as considerações acima feitas, em especial, o facto de a Autora ocupar efectivamente os pisos superiores do prédio nº 65 da Rua da XXX e ter cedido o rés-do-chão deste prédio a terceiros durante vários anos, dir-se-ia que a Autora é possuidora do imóvel.
Contudo, constam dos factos assentes, outros que demonstram que a Autora tem sido mera detentora do prédio n 65 da Rua da XXX. É que, está provado que, até 26 de Abril de 2007, a Autora sempre entregou uma quantia mensal pela ocupação dos prédios nºs 65 e 67 da Rua da XXX, primeiro à Associação B e, depois, à 1ª Ré.
Nessas circunstâncias, a cedência feita pela Autora nunca poder ser perspectivada como um acto de fruição que um proprietário praticaria sobre as suas coisas. Com efeito, o pagamento da quantia mensal pela Autora ao longo dos anos até 26 de Abril de 2007 pela ocupação impede que se qualifique o gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX tido pela Autora como sendo pleno e exclusivo, faculdade secundária característica do direito de propriedade. Ora, isso afasta a possibilidade de a cedência de parte deste mesmo prédio ser qualificada como sendo actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Vistas as coisas sob o ângulo da relação que intercede entre as duas cedências (a cedência feita pelos proprietários do prédio nº 65 da Rua da XXX à Autora e a feita por esta à família de G), que coexistiram em simultaneidade, constata-se que nada indica que a fruição conseguida pela Autora com a 2ª cedência (cedência de parte do prédio nº 65 da Rua da XXX) se funda na sua qualidade de proprietária ou possuidora deixada pelos seus antepassados, como alega a Autora. Antes, da articulação dos factos conclui-se que a 2ª cedência teve lugar apenas porque a 1ª cedência facultou à Autora o gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX. Ora, se se tiver presente os artigos 969º e 1007º do CC, dá-se conta de que se está perante uma situação de subarrendamento parcial feito pelo arrendatário ainda que provavelmente não consentida pelo senhorio.
A isso acresce que, por força da existência da 1ª cedência, a Autora nunca pode ter o animus possidendi, enquanto intenção de se comportar como titular de um certo direito real. É que, o pagamento feito pela Autora em troca do gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX obsta a que a Autora se convencesse que o próprio gozo deste prédio e a subsequente autorização do gozo de parte do mesmo dada a terceiro tivesse por fundamento num alegado direito de propriedade ou numa alegada qualidade de possuidora.
Não sendo a cedência de gozo do imóvel qualificável como acto possessório, nenhuma posse se verifica na esfera jurídica da Autora.
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Afastada a posse como vem alegada pela Autora porque está assente que esta vinha pagamento uma retribuição mensal pelo gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX, poder-se-á equacionar se a Autora adquiriu a posse sobre este prédio a partir do momento em que deixou de pagar esta retribuição em 2007 à 1ª Ré. É que está provado que a Autora fez o último pagamento em 26 de Abril de 2007.
Ora, nos termos do artigo 1187º, e), do CC “A posse adquire-se: Por inversão do título da posse.”
Por sua vez, dispõe o artigo 1190º do CC que “A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro abstractamente idóneo para atribuir ao detentor o direito real nos termos do qual, e em virtude do qual, passe a possuir”
Trata-se, portanto, da eventual inversão do título da posse do prédio nº 65 da Rua da XXX.
Ensina Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pgs 30 a 31, “A inversão pode dar-se por dois meios: por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía, ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse. O caso mais corrente é o do arrendatário que, em certo momento, se recusa a pagar as rendas com o fundamento de que o prédio é seu.
Torna-se necessário um acto de oposição contra a pessoa em cujo nome o opoente possuía. Nesse sentido pode dizer-se que ainda se mantém a regra nemo sibi causam possessionis mutare potest. Não basta sequer que a detenção se prolongue para além do termo do título (depósito, mandato, usufruto a termo, etc.) que lhe servia de base. O detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía (quer judicial, quer extrajudicialmente) a sua intenção de actuar como titular do direito.

A inversão por facto de terceiro há-de resultar de um acto capaz de transferir a posse. Assim, se o arrendatário comprar o prédio, não ao seu senhorio, mas a um terceiro, ele passa a gozar de um título que lhe confere a posse em nome próprio. O acto de compra, capaz de transferir a posse, inverte, pois, o título precário de arrendatário, desde que este, bem entendido, passe a comportar-se como possuidor, deixando, designadamente, de pagar a renda ao senhorio.” (sublinhado nosso)
*
Desses ensinamentos resulta que o mero não pagamento espontâneo da renda não é suficiente para a verificação da inversão do título da posse. De facto, quantas vezes não ocorre o não pagamento de renda por parte do inquilino o qual não passa de mero incumprimento contratual porque o inquilino relapso não pretende manifestar nenhuma intenção possessória com a sua omissão. Algo mais é necessário para demonstrar a passagem de uma situação de mero detentor para a condição de possuidor por parte de quem sempre praticou actos sobre determinada coisa.
Ora, nada dos factos assentes indicam que a Autora passou a arrogar-se da qualidade de proprietária perante os proprietários do prédio nº 65 da Rua da XXX ou perante a 1ª Ré, alegada administradora deste prédio. Falta, portanto, qualquer acto de oposição previsto na primeira parte do supramencionado artigo 1190º do CC.
Apesar de, G ter continuado a pagar a retribuição mensal pelo uso e ocupação do imóvel à Autora até 7 de Junho de 2012, este pagamento não pode ser visto como um acto de terceiro abstractamente capaz de atribuir à Autora o direito de propriedade sobre o imóvel. É que, o pagamento em questão tem sido feito ao longo dos anos muito antes de a Autora deixar de pagar a retribuição mensal à 1ª Ré e nada consta dos factos assentes a indicar que G, com os pagamentos à Autora feitos depois de 26 de Abril de 2007 quis conferir a esta qualquer direito real, ainda que apenas abstractamente idóneo para o efeito.
Novamente chama-se à colação o exemplo do não pagamento de renda pelo inquilino mas desta feita com a achega de haver um subarrendamento feito com base no arrendamento. O facto de o subarrendatário continuar a pagar renda ao seu senhorio, inquilino do proprietário, em princípio, em nada altera a condição de detentor deste último. Daí que também aqui se exige algo mais para poder concluir que os pagamentos feitos por G durante os últimos 5 anos da sua ocupação têm o valor indicado na segunda parte do artigo 1190º do CC.
Pelo que, não é por força do não pagamento da retribuição mensal à 1ª Ré que a Autora acedeu ao estatuto de possuidora em 2007.
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Tendo acima concluído que a Autora não logrou demonstrar que é titular da posse do imóvel ou a adquiriu em 2007 através da inversão do título da posse, nunca se coloca a questão aventada pelos Réus de que a posse se extinguiu em 11 de Novembro de 2013 quando G entregou as chaves do imóvel à 1ª Ré.
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Esbulho e caducidade
Conforme a exposição feita mais acima, se se vier a confirmar que a Autora é possuidora do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX, carece ainda apurar se os Réus praticaram os actos indicados na petição inicial e se a presente acção está caducada porque a procedência da pretensão da Autora depende da verificação dos pressupostos positivos da posse e do esbulho e da não verificação do pressuposto negativo da caducidade.
Uma vez que se concluiu pela não verificação da posse alegada pela Autora, fica precludida a necessidade de se debruçar sobre os demais pressupostos, devendo, por isso, os pedidos da Autora serem julgados improcedentes.
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IV – Decisão (裁 決):
Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e, em consequência, absolve os Réus, B - Sociedade Limitada, C, D, E, F, dos pedidos formulados pela Autora, A.
Custas pela Autora.
Registe e Notifique.”
Quid Juris?
Questão prévia: excepção da caducidade do direito de intentar a acção em causa, questão levantada pelos Recorridos.
Por despacho do ex-colega, titular deste processo, foi relegado pra a final o conhecimento da questão em vista (fls. 1122).
Ora, o Recorrente defende a sua posição nos seguintes termos:
Com efeito, o Tribunal julgou que «(...) não considera que o direito de posse da Requerente tenha vencido em Junho de 2012. Na realidade, embora N e a “B” tenham assinado outra relação de arrendamento, a Requerente não foi informada, nem sabia que N pagava as rendas à “B”. Portanto, o facto de N não pagar as rendas à Requerente só pode ser considerado incumprimento do contrato de arrendamento por parte de N, e não invasão por parte de outrem do direito de posse da Requerente relativamente ao imóvel nº 65 (...)» (tradução para português efectuada pela Autora).
Em suma, refere o Tribunal, «(...) para o acordo entre N e a “B”, o período de nulidade não foi calculado inicialmente, e só poderiam ser consideradas à luz do art.º 1186º e do nº2 do art.º 1207º, do Código Civil, quando a Requerente veio a saber que o seu arrendatário inicial lhe negou o direito de posse do imóvel e que optou por admitir que essa posse pertencia a outros (...)» (tradução para português efectuada pela Autora).
Em face do exposto, tem razão o Recorrente, subscrevemos a argumentação acima citada, isto por um lado, por outro, efectivamente não há factos provados que permitem sustentar uma decisão positiva da alegada caducidade, ocorrida em 2012!
Pelo que, é de julgar improcedente a excepção deduzida pelos Recorridos.
Custas incidentais pelos Recorridos que se fixam em 3 UCs.
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Prosseguindo, passemos a ver outras questões suscitadas, nomeadamente a de impugnação de matéria de factos.
Ora, o artigo 599º/1 e 2 do CPC dispõe :
Artigo 599.º
(Ónus do recorrente que impugne a decisão de facto)
1. Quando impugne a decisão de facto, cabe ao recorrente especificar, sob pena de rejeição do recurso:
a) Quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo nele realizado, que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar as passagens da gravação em que se funda.

Ao atacar a decisão da 1ª instância, a Recorrente/Autora veio colocar a este TSI essencialmente 2 questões:
1) Erro no julgamento da matéria de facto, sobretudo no que se refere às respostas dos quesitos 42º e 46º (artigos 30 a 40 das alegações); impugnando assim a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 599º do CPC;
2) Erro na aplicação de direito, a decisão ora recorrida vida o disposto no artigo 1202º e 1203º do CCM, impugna assim a matéria de direito nos termos do disposto no artigo 598º/2-a, e b) do CPC (artigo 56º das alegações do recurso).
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Comecemos pela primeira questão levantada.
Em bom rigor, a Recorrente (ou seja, o ilustre mandatário do Recorrente) não está a cumprir religiosamente o artigo 599º/1 e 2 já acima citado, pois o que o legislador manda é indicar os concretos pontos de matéria de facto e as passagens da gravação para impugnar a decisão, e não com ela fez, tendo feito um resumo de agravações.
Não adoptando uma posição rígida neste ponto, porque depois de ouvir a gravação e conjugar os elementos juntos aos autos, o ataque nesta matéria feito pela Recorrente não tem sucesso, visto que:
Nas alegações, concretamente nos artigos 29º a 35º, a Recorrente afirmou:
“29. Efectivamente, não há descrição, nem informação nem provas a respeito de a quem as propriedades alegadamente pertenceriam nem se faz qualquer distinção entre os chamados "dividendos" e as chamadas "rendas" e, por outro lado, inexiste qualquer informação e provas que evidenciem e provem a identidade das 40 pessoas mencionadas, igualmente nada existindo sequer alegado que ligue quais as "propriedades" - quais e onde - a quais "rendas/dividendos".
30. Mais ainda, não há quaisquer provas que mostrem que a Ré B Ltd. possa ter sido autorizada por qualquer pessoa a recolher quaisquer assim designadas "rendas" em nome de quaisquer assim designados 'proprietários'!
31. De igual modo, em local algum se pode apreender a que se referem as percentagens invocadas (no doc. 4), se, pretensamente, às percentagens de participação na B Ltd. ou se o são de determinadas "propriedades" mas, nesse caso, de quais?!
32. Sobretudo e acima de tudo o mais, não há qualquer relação entre tais meros 40 nomes e o espaço em discussão nos presentes autos, o rés-do-chão do n.º 65 da Rua da XXX!
33.Atento o exposto, o Quesito n.º 42 deveria ter sido julgado parcialmente provado, pois não deveria ter sido julgado provado que tais pagamentos foram pelo uso e ocupação.
34. Deveria ter sido, assim, respondido o Quesito 42 em termos similares aos seguintes: até ao ano de 2007, a Autora, a propósito da posse em nome próprio que desde há décadas exercia e, antes dela, os seus antepassados, sobre o n.º 67 da Rua da XXX contribuía voluntariamente para um fundo criado pelos demais vizinhos e moradores denominado como B.
35. O Quesito n.º 46 deveria ter sido julgado apenas parcialmente provado, devendo ter sido respondido em termos similares aos seguintes: a Autora, possuindo em nome próprio desde há décadas e antes dela, os seus antepassados, os n.ºs 65 e 65/A da Rua da XXX, deram ambos estes imóveis de arrendamento a terceiros, incluindo ao Sr. G e, antes dele, aos seus antepassados.”

Os quesitos 42º a 46º têm o seguinte conteúdo:
“42.
Até ao ano 2007, a Autora sempre pagou uma renda mensal pela ocupação à Associação B e, depois, à B, a título de arrendatária, do n.º 67 da Rua da XXX?
43.
Todas as quantias que vários dos moradores da Rua da XXX, incluindo a Autora e os seus antepassados, entregaram à Associação B e, actualmente, entregam à Ré B, constituem rendas devidas aos proprietários dos imóveis que ocupam?
44.
A B cobra as rendas devidas aos proprietários dos imóveis que gere, distribuindo-as posteriormente por todos esses proprietários?
45.
E fá-lo com o conhecimento e consentimento e em nome e por conta dos associados da Associação B, entre os quais os proprietários do Imóvel dos Autos?
46.
A Autora, tal como os seus antepassados, sendo arrendatários do primeiro andar do n.º 67 da Rua da XXX, ocuparam também os n.ºs 65 e 65-A da Rua da XXX e, ao longo do tempo, facultaram o uso dos mesmos a terceiros, que considerava serem seus subarrendatários?”

A Resposta do Colectivo é o seguinte:
“QUESITOS 42º e 46º
PROVADO que até ao anos 2007, a Autora sempre entregou uma quantia mensal pela ocupação e uso dos prédios nºs 65 e 67 da Rua da XXX primeiro à Associação B e, depois, à 1ª Ré e continuou a autorizar o avô materno do G ou a mãe do G a ocupar o rés-do-chão do n.º 65 mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida tendo posteriormente autorizado o G a ocupar o rés-do-chão do n.º 65 nos mesmos termos.”

Pela forma do quesito 46º está formulado e pelo ser conteúdo, nunca pode ter uma resposta que a Recorrente quer, por ser manifestamente excessiva do âmbito do quesito em causa.
O que a Recorrente quer neste ponto é o seguinte:
34. Deveria ter sido, assim, respondido o Quesito 42 em termos similares aos seguintes: até ao ano de 2007, a Autora, a propósito da posse em nome próprio que desde há décadas exercia e, antes dela, os seus antepassados, sobre o n.º 67 da Rua da XXX contribuía voluntariamente para um fundo criado pelos demais vizinhos e moradores denominado como B.
35. O Quesito n.º 46 deveria ter sido julgado apenas parcialmente provado, devendo ter sido respondido em termos similares aos seguintes: a Autora, possuindo em nome próprio desde há décadas e antes dela, os seus antepassados, os n.ºs 65 e 65/A da Rua da XXX, deram ambos estes imóveis de arrendamento a terceiros, incluindo ao Sr. G e, antes dele, aos seus antepassados.
Não há nenhum elemento probatório que aponta para a conclusão que a Recorrente/Autora pretende, para além de ela estar a atacar a convicção do Tribunal. Pois, uma coisa é a versão fática que a Recorrente quer, outra é a conclusão tirada pelo Tribunal de harmonia com as provas nos autos.
Depois, foi junta aos autos uma certidão N.º 25848/2012, passada pela DSF (fls. 509) que tem o seguinte teor:
“Certidão N.º 25848/2012
O, Chefe da Repartição de Finanças de Macau, Substituto.
CERTIFICO, por me ter sido pedido pelo advogado Rui Carvalho, em seu requerimento de vinte e seis de Outubro do corrente ano, registado nesta Repartição sob o número sessenta mil e quatrocentos e cinquenta e nove, o qual fica aqui arquivado, que, revendo o registo da Matriz Predial, existente nesta Repartição, dele consta que o prédio com os números sessenta e cinco, sessenta e sete e sessenta e sete A da Rua da XXX, se acha inscrito sob o artigo matricial número vinte e um mil e oitocentos e vinte e seis, encontrava-se inscrito a favor de B, tendo sido posteriormente transferidos as suas quotas de propriedade a P aliás P1, com dois vírgula mil cento e dezasseis por cento (2,1116%), Q aliás Q1, com dois vírgula mil cento e dezasseis por cento (2,1116%), R aliás R1, com dois vírgula mil cento e dezasseis por cento (2,1116%), S, com dois vírgula mil cento e dezasseis por cento (2,1116%) e T, com dois vírgula mil cento e dezasseis por cento (2,1116%), em três de Março de mil novecentos e noventa e cinco, participado em seis de Abril de dois mil e um através da Participação do Segundo Juízo do Tribunal Judicial de Base de Macau nos termos dos autos de Inventário Facultativo número duzentos e oitenta e quatro barra noventa e cinco (284/95) e D, com zero vírgula oito mil trezentos e trinta e três por cento (0.8333%) de quota de propriedade, U, com zero vírgula oito mil trezentos e trinta e três por cento (0.8333%) de quota de propriedade, U, com zero vírgula oito mil trezentos e trinta e três por cento (0.8333%) de quota de propriedade em nove de Outubro do ano de dois mil e nove, participado em vinte e sete de Outubro de dois mil e dez através do impresso modelo M barra três (transferência de propriedade) e da certidão do processo número CV três traço zero seis traço zero zero sessenta e um traço CIV (CV3-06-0061-CIV) do Terceiro Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base.
MAIS CERTIFICO, que B actualmente possui oitenta e seis vírgula nove mil e quatrocentos e vinte por cento (86,9420%) de quota de propriedade.
Por ser verdade, mandei passar a presente certidão, que vai ser por mim assinada e autenticada com o selo branco em uso nesta Repartição.”
Este documento é bastante ilustrativo para esclarecer a situação do bem imóvel em causa, não se deve esquecer que, não obstante tal certidão não ter sido passada pela conservatória de registo predial, ele não deixa de ser um documento oficial, emitida pelo funcionário competente no exercício das suas funções e como tal é um documento autêntico, cuja força probatória merece toda a credibilidade.
*
Quanto ao mérito da decisão, a douta sentença fundamentou e bem a nosso ver a sua decisão nos seguintes termos:
Feito o julgamento da matéria de facto, está assente que a Autora explora o Hotel San Va nos pisos superiores do prédio nº 65, 65-A e 67 da Rua da XXX; em data necessariamente anterior a 1971, o pai da Autora autorizou o avô materno de G a ocupar o rés-do-chão mediante a entrega de uma quantia mensal como contrapartida para explorar um certo estabelecimento comercial; que, depois da morte do avô materno de G, a quantia mensal passou a ser entregue pela mãe de G, directamente ao Hotel San Va; que, depois da morte da mãe de G, a entrega da quantia mensal passou a ser feita por G até 7 de Junho de 2012.
Mais está provado que essas autorizações de ocupação eram continuadas, à vista de todos e com conhecimento dos vizinhos e terceiros e foram dadas sem violência e sem resistência ou reserva de nenhuma autoridade ou terceiros.
Nos termos do artigo 1229º do CC, “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”
Dos factos acima elencados, vê-se que os pisos superiores do prédio nº 65 da Rua da XXX estão a ser ocupados pela Autora para o exercício da sua actividade comercial e o rés-do-chão esteve ocupado sucessivamente por diferentes membros de família de G porque a Autora assim permitiu mediante o pagamento de uma certa quantia mensal.
No que se refere à ocupação feita pela própria Autora nos pisos superiores do nº 65 da Rua da XXX, não há qualquer dúvida que a mesma corresponde ao gozo de parte deste prédio. Em abstracto, nada obsta a que essa ocupação seja qualificada como como um acto de gozo do imóvel, faculdade secundária típica do direito de propriedade.
Por sua vez, a cedência do gozo do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX a terceiros pela Autora é inequivocamente um acto de fruição do imóvel. Também em abstracto, essa cedência pode ser perspectivada como uma faculdade secundária típica do direito de propriedade.
No contexto acima descrito, em que a Autora goza parte de um prédio e cede o gozo de outra parte, pode mesmo enquadrar a cedência como um acto possessório exercida sobre a parte cedida. E isso não obstante não estar acompanhada de mais nenhum outro acto revelador da qualidade de proprietário e do convencimento de o ser. É que, amiúdes vezes o proprietário limita-se a dar de arrendamento o seu imóvel e a receber a respectiva renda sem qualquer outro contacto com o imóvel, designadamente os relacionados com a manutenção e reparação do imóvel ou com a assunção do encargo relativo às despesas inerentes à titularidade do imóvel. É que, nada obsta a que os contraentes do arrendamento acordassem expressamente na isenção do proprietário dessas obrigações. A isso acresce a possibilidade de não exercício, por parte do arrendatário, do direito exigir ao senhorio o cumprimento da obrigação de manutenção e reparação do imóvel. Trata-se de casos não raros de senhorios “ausentes”.
A isso acresce que os Réus não lograram demonstrar que essa cedência foi feita sem o consentimento ou reconhecimento dos proprietários do prédio nº 65 os quais apenas toleravam a ocupação e a cedência acima referidas.
*
Numa primeira aproximação e tendo em conta as considerações acima feitas, em especial, o facto de a Autora ocupar efectivamente os pisos superiores do prédio nº 65 da Rua da XXX e ter cedido o rés-do-chão deste prédio a terceiros durante vários anos, dir-se-ia que a Autora é possuidora do imóvel.
Contudo, constam dos factos assentes, outros que demonstram que a Autora tem sido mera detentora do prédio n 65 da Rua da XXX. É que, está provado que, até 26 de Abril de 2007, a Autora sempre entregou uma quantia mensal pela ocupação dos prédios nºs 65 e 67 da Rua da XXX, primeiro à Associação B e, depois, à 1ª Ré.
Nessas circunstâncias, a cedência feita pela Autora nunca poder ser perspectivada como um acto de fruição que um proprietário praticaria sobre as suas coisas. Com efeito, o pagamento da quantia mensal pela Autora ao longo dos anos até 26 de Abril de 2007 pela ocupação impede que se qualifique o gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX tido pela Autora como sendo pleno e exclusivo, faculdade secundária característica do direito de propriedade. Ora, isso afasta a possibilidade de a cedência de parte deste mesmo prédio ser qualificada como sendo actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Vistas as coisas sob o ângulo da relação que intercede entre as duas cedências (a cedência feita pelos proprietários do prédio nº 65 da Rua da XXX à Autora e a feita por esta à família de G), que coexistiram em simultaneidade, constata-se que nada indica que a fruição conseguida pela Autora com a 2ª cedência (cedência de parte do prédio nº 65 da Rua da XXX) se funda na sua qualidade de proprietária ou possuidora deixada pelos seus antepassados, como alega a Autora. Antes, da articulação dos factos conclui-se que a 2ª cedência teve lugar apenas porque a 1ª cedência facultou à Autora o gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX. Ora, se se tiver presente os artigos 969º e 1007º do CC, dá-se conta de que se está perante uma situação de subarrendamento parcial feito pelo arrendatário ainda que provavelmente não consentida pelo senhorio.
A isso acresce que, por força da existência da 1ª cedência, a Autora nunca pode ter o animus possidendi, enquanto intenção de se comportar como titular de um certo direito real. É que, o pagamento feito pela Autora em troca do gozo do prédio nº 65 da Rua da XXX obsta a que a Autora se convencesse que o próprio gozo deste prédio e a subsequente autorização do gozo de parte do mesmo dada a terceiro tivesse por fundamento num alegado direito de propriedade ou numa alegada qualidade de possuidora.
Não sendo a cedência de gozo do imóvel qualificável como acto possessório, nenhuma posse se verifica na esfera jurídica da Autora.
(…)
Esbulho e caducidade
Conforme a exposição feita mais acima, se se vier a confirmar que a Autora é possuidora do rés-do-chão do nº 65 da Rua da XXX, carece ainda apurar se os Réus praticaram os actos indicados na petição inicial e se a presente acção está caducada porque a procedência da pretensão da Autora depende da verificação dos pressupostos positivos da posse e do esbulho e da não verificação do pressuposto negativo da caducidade.
Uma vez que se concluiu pela não verificação da posse alegada pela Autora, fica precludida a necessidade de se debruçar sobre os demais pressupostos, devendo, por isso, os pedidos da Autora serem julgados improcedentes.

Ora, como a Recorrente/Autora não conseguiu impugnar com sucesso a matéria de facto nos termos do disposto no artigo 599º do CPC, consequentemente não temos matéria fáctica sufuciente para alterar a decisão da primeira instância, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão recorrida.
Tudo visto, resta decidir

* * *
    V - DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão da primeira instância.
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Custas pela Recorrente (Autora).
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Registe e Notifique.
                 RAEM, 21 de Fevereiro de 2019.
                 Fong Man Chong
                 Ho Wai Neng
                 José Cândido de Pinho
    

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