Processo n.º 244/2018
(Autos de recurso em matéria cível)
Data: 21 de Fevereiro de 2019
ASSUNTOS:
- Conhecimento de pedidos no saneador
- Legitimidade para pedir a dissolução de uma sociedade comercial
- Incompatibilidade entre os factos alegados, os autores de dano e os pedidos formulados
SUMÁRIO:
I – Como causa de pedir o Recorrente/Autor invocou, entre outros, os seguintes factos:
- Transferir pela 1ª Ré, A (Macau) S.A. (A(澳門)股份有限公司), dados pessoais para fora da RAEM em transgressão à legislação vigente na RAEM;
- Pagar injustificadamente uma quantia em avultado valor a uma companhia comercial identificada nos autos, B, LIMITADA (para obter a concessão de um terreno) ;
- Fazer uma doação em valor igualmente elevado para a Universidade de Macau.
Concluindo pela ideia de que a 1ª Ré, para além de praticar actos fora do objecto social, estava a exercer actividades contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes, pediu que fosse decretada a dissolução da 1ª Ré, tendo alegado como fundamento legal o artigo 315º do Código Comercial de Macau (CCOM).
II – Porém, nos autos não foram alegados elementos comprovativos de que o Recorrente/Autor é credor da 1ª Ré (artigo 315º/2 do CCOM), nem elementos demonstrativos de que o Recorrente/Autor está numa situação de carência de tutela judicial, como tal não se justifica a produção de mais provas nesse sentido, por a acção estar condenada ao fracasso, circunstâncias estas que levaram o Tribunal a quo a conhecer dos pedidos no saneador, julgando improcedentes todos os pedidos formulados pelos Autores (deles fazia parte o ora Recorrente), com base no artigo 429º/3 do CPC.
III – Com base no facto de que, ao formularem o pedido de dissolução da 1ª Ré, os Autores (incluindo o ora Recorrente) sabiam que não podiam assim fazer por lhes faltarem legitimidade e interesse processual, o Tribunal a quo condenou os Autores em litigância de má-fé ao abrigo do disposto no artigo 385º do CPC, por estarem reunidos os pressupostos subjectivos e objectivos exigidos pela figura de má-fé, enunciada no preceito legal citado.
IV – Igualmente improcederá a pretensão de indemnização por dano não patrimonial, formulada pelos Autores, quando estes invocaram, a título de causa de pedir, a publicação pela imprensa dos EUA dos dados pessoais ilegítima e ilegalmente transferidos para fora de Macau pela 1ª Ré, lhes lesava o bom nome, honorabilidade, imagem e reputação, e também um relatório elaborado pela J que, para além de incorporar tais dados pessoais, imputa aos Autores diversas “acusações”, entre as quais a existência de pagamentos ilegais, a título de suborno, a favor de funcionários da I, para a obtenção de contrapartidas no âmbito dos investimentos nas Filipinas promovidos pela 2.ª Autora e suas empresas subsidiárias, e pelo 3.º Autor. A improcedência do pedido em causa reside no facto de se verificarem incompatibilidades entre os factos alegados, os seus autores (de dano) e os pedidos formulados, porque, em bom rigor, não foi o facto de transferência (ilegal) de tais dados pessoais que ao Recorrente causou danos, mas sim a publicação dos dados pessoais e de imputação de certos factos.
V - Em sede de recurso, o Recorrente veio a rebater os seus pontos de vista, não tendo apresentado elementos novos suficientes para abalar a decisão do Tribunal recorrido, é de julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
O Relator,
________________
Fong Man Chong
Processo nº 244/2018
(Autos de recurso em matéria cível)
Data : 21 de Fevereiro de 2019
Recorrente : - H
Recorridos : - A (Macau) S.A. (A(澳門)股份有限公司) (1ª Ré)
- C (2º Réu)
- D (3º Réu)
- E (4ª Ré)
*
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I - RELATÓRIO
Nota prévia:
Inicialmente, F, INC., G CORP. e H (Autores), e os Recorridos(Réus) acima identificados, vieram a interpor recursos para este TSI, despois, os primeiros dois Autores vieram desistir dos mesmos (fls. 1614, 1617), tendo os Recorridos desistido do pedido reconvencional (fls. 1642), à excepção da reconvenção contra o Autor H, resta, por isso, o terceiro Autor/Recorrente que pretende prosseguir o recurso, sendo este objecto dos presentes autos.
Tais desistências foram objecto de homologação do despacho de fls. 165, que transitou em julgado.
*
H, Recorrente, devidamente identificado nos autos, discordando do despacho (sentença) proferido pelo Tribunal de primeira instância, datada de 11/07/2017 (fls. 1529 a 1530), dela veio, em 16/10/2017, recorrer para este TSI com os fundamentos constantes de fls. 1395 a 1480, tendo formulado as seguintes conclusões :
I. O presente recurso tem por objecto o douto despacho saneador-sentença de fls. 1353 e seguintes dos autos proferido pelo Mmo. Juiz do Tribunal Judicial de Base que conheceu do mérito do presente pleito, sendo que, na parte respeitante ao 1º pedido formulado pelos Autores, ora recorrentes, julgou procedente a excepção dilatória de falta de interesse processual suscitada pelos Réus, ora recorridos, em sede de contestação, e absolveu ainda os Réus do mesmo pedido por considerar a mesma pretensão totalmente improcedente, e, na parte respeitante aos 2ºs (pedido principal e pedido subsidiário), 3º, 4º e 5º pedidos igualmente peticionados pelos Autores, absolveu ainda os Réus de todos estes pedidos por também os considerar totalmente improcedentes.
II. Condenando ainda os Autores em litigância de má-fé.
III. É, pois, desta decisão de que se recorre em toda a linha em virtude dos Autores não se conformarem minimamente com a mesma sentença, assentando as presentes alegações de recurso, basicamente, em oito argumentos nucleares.
IV. O primeiro argumento assenta na premissa de que a actividade desenvolvida pela 1ª Ré é manifestamente contrária à lei, ordem pública e aos bons costumes.
V. Os Autores requereram a dissolução da 1ª Ré nos presentes autos, assentando o mesmo pedido numa causa de pedir complexa e diferenciada que vem vertida na petição inicial (cfr., artigos 123º a 335º deste articulado).
VI. Ora, a 1ª Ré encontra-se desfuncionalizada pelo 2º Réu, o qual utiliza a mesma sociedade para prosseguir os seus desígnios, em desrespeito expresso das normas legais vigentes na RAEM e, particularmente, do contrato de concessão de exploração de jogo que aquela assinou com o Governo da RAEM.
VII. A actividade prosseguida pela 1.ª Ré é, essencialmente, o de proteger os interesses do 2.º Réu, em claro prejuízo da referida sociedade (1ª Ré) e essencialmente dos próprios Autores.
VIII. Uma das actividades ilícitas por parte da 1.ª Ré tem a ver com a utilização e transmissão que levou a cabo, de forma consciente e indevida, de dados pessoais de terceiros para o exterior de Macau, sem a autorização ou consentimento destes, de forma a sustentar uma acusação falsa e infundada contra os Autores, com vista a retirar a idoneidade de que gozavam o 3.º Autor e, bem assim, as 1ª e 2ª Autoras e, em última instância, a proceder, de forma totalmente ilegal e injustificada, à amortização forçada das acções da A, LIMITED que eram tituladas pela 1ª Autora.
IX. Actos ilícitos esses praticados pela 1ª Ré (em conjunto com os restantes Réus) que se inseriram num contexto de disputa pelo controlo da A, LIMITED, sociedade-mãe da 1.ª Ré, que foi iniciada pelo 2º Réu contra o seu maior accionista, a F, INC., representada na pessoa de H, e reflexamente, sobre a G CORP. e o próprio 3º Autor, na sequência do divórcio do 2ª Réu e do acordo e se seguiu de divisão das acções que detinha na referida sociedade (A, LIMITED), ficando assim este com menos de metade do número de acções detidas pela F, INC. naquela sociedade e de ser, consequentemente, o accionista de referência da mesma sociedade.
X. No âmbito de um plano orquestrado pelos Réus, a 1.ª Ré, em conluio com os restantes Réus, decidiu utilizar e transmitir todos os dados pessoais, fotografias e ainda diversos documentos relativos a diversos funcionários da I CORPORATION (I) e seus familiares, sem a autorização ou consentimento dos respectivos titulares, com referência às suas estadias no Hotel A, em Macau, incluindo, sem limitar, os seus nomes, fotografias, consumos e despesas realizados pelos mesmos, para a A, LIMITED e para a sociedade J, LLP (J), com o único objectivo de sustentar um relatório totalmente infundado e coberto de falsidades que servisse os intentos próprios do 2.º Réu em eliminar a 1ª Autora (e, reflexamente, a 2.ª Autora e o 3.º Autor) enquanto accionista da A, LIMITED.
XI. Relatório esse em que são imputadas às ora Autoras e, particularmente, ao 3.º Autor diversas acusações totalmente falsas e infundadas tendo como base aqueles dados pessoais fornecidos pela 2ª Ré.
XII. Com base nas conclusões falsas nesse relatório, a A, LIMITED, através do seu Conselho de Administração, decidiu, de forma injustificada, proceder à amortização a forçada (“redemption”) das acções daquela sociedade tituladas pela 1ª Autora.
XIII. Nenhuma das acusações insinuadas no Relatório J (retiradas na sua essência dos dados pessoais que foram utilizados e transmitidos pela 1ª Ré) foram minimamente comprovadas por qualquer instância judicial de qualquer jurisdição, fosse nos Estados Unidos de América, nas Filipinas, em Macau ou em qualquer outro lugar.
XIV. A única entidade que foi punida foi a 1.ª Ré, pelo Gabinete de Protecção de Dados Pessoais da RAEM (GPDP), em virtude do tratamento e transmissão indevidos que levou a cabo dos dados pessoais daqueles cidadãos e seus familiares, com duas penas de multa no valor de MOP10,000.00 (dez mil patacas), no âmbito do Processo de Investigação n.º 0013/2012/IP, por violação dos Artigos 7º, 19º, 20º da Lei 8/2005 (Lei de Protecção de Dados Pessoais).
XV. Resulta assim evidente que a conduta da 1ª Ré violou a Lei de Protecção de Dados Pessoais, designadamente os artigos 7º, 14º, 19º, 20º da mesma Lei, desviando-se aquela sociedade da sua finalidade e do seu objecto social, em prol exclusivo dos interesses do 2º Réu e em claro prejuízo dos Autores.
XVI. No âmbito do procedimento administrativo de concessão de um terreno no Cotai para construção de um complexo hoteleiro com casino, a 1.ª Ré celebrou um contrato, em 25 de Agosto de 2005, através do qual entraria numa “joint venture” com uma sociedade local, denominada B, LIMITADA, constituída cerca de 3 meses antes e cujo sócio maioritário (Ho Ho) era (e é) um verdadeiro desconhecido em Macau, assumindo a 1ª Ré todos os custos com o aproveitamento e desenvolvimento do projecto no terreno que, eventualmente, viesse a ser concedido pelo Governo de Macau a essa “joint venture”.
XVII. Por sua vez, a B, LIMITADA iria auferir USD 35,000,000.00 (trinta e cinco milhões de dólares americanos) no momento da concessão do Terreno, sem que tivesse que investir o que quer que fosse no seu aproveitamento.
XVIII. A “joint venture” destinada para aquele efeito acabou por não envolver a 1ª Ré (e, pelos vistos, também não envolveu aquela outra sociedade que outorgou o referido contrato de Agosto de 2005), mas antes outras duas sociedades representadas pelo 2º Réu (A COTAI e CP PARTNER [CP]) e uma outra sociedade de Macau, denominada K LIMITED, conforme acordo outorgado em 19 de Abril de 2006, mantendo-se as restantes cláusulas em termos similares ao acordo de 25 de Agosto de 2005.
XIX. A COTAI LAND DEVELOPMENT que era, ao fim ao cabo, a sociedade “joint venture” em causa e que foi parte nesse acordo, só veio a ser constituída em 11 de Maio de 2006, ou seja, 22 dias após a outorga desse acordo...
XX. Nos considerandos deste Acordo de Abril de 2006, consta que a COTAI LAND DEVELOPMENT tinha já apresentado um pedido de concessão de um terreno no Cotai, com uma área de, aproximadamente, duzentos e dezoito mil metros quadrados, quando, na verdade, essa sociedade só foi constituída no dia 11 de Maio de 2006, i.e., em data posterior ao contrato de 19 de Abril de 2006 e ao próprio pedido de concessão do terreno em causa que foi apresentado na DSSOPT em Fevereiro daquele ano.
XXI. Nos termos do referido acordo de 2006, a 1ª Ré (ou uma sua afiliada) teria de pagar USD 35,000,000.00 (trinta e cinco milhões de dólares americanos) à K, a título de “finder's fee”, pelo esforço na obtenção de “direitos” sobre o Terreno cuja concessão fora requerida em Fevereiro desse mesmo ano.
XXII. A K, sem qualquer histórico na RAEM e detida por dois sócios-administradores sem qualquer ligação a Macau, foi constituída em 7 de Outubro de 2005, i.e., cerca de seis meses antes do acordo de 19 de Abril de 2006 e cerca de apenas quatro meses antes da data da apresentação do pedido de concessão do mesmo terreno na DSSOPT.
XXIII. Após a desistência daquela sociedade (COTAI LAND DEVELOPMENT) no respectivo procedimento administrativo e a sua substituição pela M em 2007, a K recebeu um pagamento de USD 50,000,000.00 (cinquenta milhões de dólares de dólares americanos), tudo assim o indica, da 1ª Ré, pela participação social de 12.5% que detinha na referida sociedade “joint venture”, à luz de um acordo outorgado em 1 de Agosto de 2008.
XXIV. Valor extremamente elevado (e totalmente injustificado) por uma participação social de uma sociedade (COTAI LAND DEVELOPMENT) sem qualquer actividade, património ou actividade económica relevante e que já tinha sido substituída, em 2007, por uma outra sociedade no tocante ao procedimento de concessão iniciado em 2006.
XXV. A 1ª Ré comprometeu-se, a largo prazo, a doar anualmente à FUNDAÇÃO L (L) cerca de oitenta milhões de patacas desde 2012 até 2022, para além do donativo de USD25,000,000.00 entregue a esta entidade em 2011, sem que ficasse clara a forma como a L iria utilizar aquele dinheiro e a razão da necessidade de tanto dinheiro durante todos esses anos, num momento em que decorria o procedimento administrativo para a concessão de um terreno no COTAI a favor da 1ª Ré (ou, em rigor, a favor da sua subsidiária, M LIMITED).
XXVI. A L não tinha qualquer vínculo jurídico com a Universidade de Macau, não estando as suas actividades ou o aproveitamento dos donativos que recebe sujeitos minimamente a qualquer espécie de controlo ou fiscalização por parte da suposta beneficiária, a Universidade de Macau (UM).
XXVII. O Comissariado da Auditoria da RAEM elaborou um relatório no qual se observa que o modelo de fundação adoptado não permite à UM gerir, fiscalizar e controlar a L, não podendo, assim, intervir em matéria de donativos a si destinados, para além de que, promove a entrega de donativos que são destinados ao seu desenvolvimento a uma fundação de direito privado com a qual não mantém qualquer relação jurídica.
XXVIII. Praticou assim a 1ª Ré no 1º caso apontado diversos actos jurídicos ilícitos, em claro desrespeito pela lei, servindo aquela actividade essencialmente os interesses e desígnios pessoais do 2.º Réu e prejudicar os interesses dos accionistas (directos e indirectos) da 1ª Ré, entre os quais a 1ª Autora.
XXIX. Nos 2º e 3º casos apontados, conclui-se que os praticados pela 1.ª Ré não tinham nem têm qualquer ratio em termos empresariais e sem que dos mesmos obtivesse aquela sociedade qualquer benefício, mais não sendo que uma forma camuflada da mesma Ré se obrigar a pagar avultados pagamentos, completamente injustificados, infundados e sem qualquer contrapartida, a favor de terceiros, no interesse exclusivo do 2º Réu.
XXX. Concluindo-se, por conseguinte, que a actividade que vem sendo desenvolvida pela 1ª Ré é totalmente desviante do seu objecto social (ou contratual) e ainda contrária à lei, ordem pública e aos bons costumes, infringindo claramente a ética dos negócios, envolvendo-se aquela sociedade em “negócios” que se mostram lesivos para a imagem, reputação e actividade comercial da mesma sociedade.
XXXI. Sendo, pois, aquela actividade manifestamente ilícita, o que justifica e determina, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 315.º do Código Comercial, a sua dissolução imediata.
XXXII. O comportamento da 1.ª Ré, por iniciativa do 2.º Réu, ao envolver-se em negócios pouco claros bordeja as próprias fronteiras da responsabilidade criminal.
XXXIII. Comportamento da 1.ª Ré que deve ser qualificado como contrário aos mais elementares princípios que devem reger as relações contratuais, a vida empresarial e a condução de negócios na RAEM e, nessa medida, merecer a forte censura do direito e dos tribunais, sobretudo se atentarmos que aquela sociedade apartou-se, desviou-se, de forma evidente, dos seus objectivos e das suas finalidades contratuais e estatutárias.
XXXIV. O 2º argumento nuclear das presentes alegações prende-se com o interesse processual dos Autores no que concerne ao 1º pedido, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo.
XXXV. Salvo o devido respeito, o Tribunal confunde dois conceitos jurídicos, i.e., dois pressupostos processuais totalmente distintos: Um é a legitimidade processual que, como é sabido, constitui um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo autor (ou pelos autores); o outro é o interesse processual dos autores no que se refere à interposição da presente acção, particularmente no que se refere ao 1º pedido.
XXXVI. O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais; exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção – mas não mais do que isso.
XXXVII. O artigo 72º do Código de Processo Civil fornece o conceito de interesse processual, estabelecendo que “Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.”.
XXXVIII. Os Autores pretendem alcançar, pela única via ao seu alcance - a judicial - a dissolução da 1ª Ré porquanto, conforme factos alegados, entre outros, nos artigos 64º a 263º da sua petição inicial, a 1ª Ré tem vindo a ser utilizada ilegitimamente para a prática de graves ilícitos que obstam a que possa continuar a sua actividade, designadamente no mercado de jogo de fortuna e azar em Macau.
XXXIX. Na verdade, a conduta da 1ª Ré, em conluio com os restantes Réus, no sentido de afastar a 1ª Autora (e reflexamente a 2ª e o 3º Autores) da participação social que tinha (e que se entende continuar a ter) na empresa mãe da 1ª Ré, a A, LIMITED, correspondem a comportamentos claramente contrários à lei, ordem pública e bons costumes, com violação gravosa da ética dos negócios e inclusivamente das leis de Macau, designadamente da Lei de Protecção de Dados Pessoais.
XL. Assim como todo o negócio relativo ao Terreno do Cotai, que veio a ser concessionado, por fim, a uma empresa filiada da 1ª Ré, o qual teve inquestionavelmente configurações e comportamentos por parte da 1ª Ré absolutamente contrários à ética dos negócios, com parcerias profundamente suspeitas que foram acompanhadas de pagamentos de elevado montante a favor de terceiros, completamente injustificados e infundados, em proveito claro dos interesses do 2º Réu.
XLI. Tal-qualmente se verificou relativamente às doações feitas pela 1ª Ré a favor da L, nas circunstâncias claramente duvidosas da sua legitimação e de elevadíssimo montante, também claramente denunciadoras de comportamentos contrários à lei, ordem pública e aos bons costumes, e ainda contrários ao objecto social da 1ª Ré, e que, por isso, se revelam também altamente lesivos para a imagem, reputação e actividade comercial da mesma sociedade.
XLII. Estes comportamentos ilícitos, imputáveis aos Réus, importaram também uma clara violação do “Código de Conduta da A” bem como uma quebra dos deveres fiduciários e de lealdade por parte dos Réus, afectando a reputação e o prestígio comercial das Autoras sociedades e do Autor pessoa individual, e mesmo das empresas mães da 1ª Ré (A, LIMITED e A MACAU, LIMITED), com reflexos nefastos na prossecução, quanto aos primeiros (ora Autores), da sua actividade comercial.
XLIII. Em conclusão, os Autores são parte interessada até porque são destinatários de muitos dos actos ilícitos acima referidos entretanto praticados pela 1ª Ré (e pelos 2º e restantes Réus).
XLIV. É assim manifesto o interesse processual dos Autores em accionar o presente mecanismo judicial para alcançar a declaração por parte do Douto Tribunal da dissolução da 1ª Ré, ao contrário do que decorre da sentença recorrida.
XLV. Também neste segmento desta decisão confunde o Tribunal a quo as alegações pelos Autores na sua petição inicial porquanto jamais alegaram estes ser ilícito o objecto social da sociedade 1ª Ré.
XLVI. Sendo por mais evidente que os Autores pretenderam, isso sim, invocar a ilicitude no que respeita à prática de negócios jurídicos por parte da 1ª Ré, e não ao objecto social da mesma sociedade, não tendo os Autores, por isso, que alegar factos respeitantes a esta última questão para sustentar o seu pedido de dissolução da 1ª Ré.
XLVII. Violou assim a decisão recorrida o artigo 72º do Código de Processo Civil.
XLVIII. Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida nessa parte, reconhecendo-se assim que os Autores têm manifesto interesse processual no que diz respeito à dedução do 1º pedido (dissolução da 1ª Ré) nos presentes autos.
XLIX. Como 3º argumento nuclear das presentes alegações, cumpre dizer que a actividade ilícita exercida pela 1ª Ré, não compreendida no respectivo objecto social (ou contratual) e inclusivamente colidente com o mesmo objecto, constitui causa do pedido de dissolução da mesma sociedade formulado pelos Autores nos presentes autos.
L. A dissolução da sociedade é a modificação da relação jurídica constituída pelo contrato de sociedade que consiste, em regra, em ela entrar em liquidação.
LI. Entre as causas de dissolução surgem as circunstâncias ligadas ao objecto da sociedade, umas vezes relacionadas com o objecto social ou contratual e outras vezes referentes ao objecto de facto.
LII. O objecto social ou contratual é, pois, a actividade que os sócios se propõem exercer em comum, a coberto da sociedade, ou seja, a sociedade deve ter um objecto contratual definido como a actividade ou as actividades que os sócios se propõem exercer em comum tal como vem indicado no próprio contrato de sociedade.
LIII. Por sua vez, o objecto de facto é a denominação que é empregue à actividade que a sociedade exerce, em certo momento, a qual pode estar em confronto (ou não) com o objecto social ou contratual da mesma sociedade.
LIV. Ora, o n.º 1 do artigo 315º do Código Comercial enuncia algumas das causas de dissolução de uma sociedade.
LV. Relativamente às circunstâncias ligadas ao objecto social ou contratual conducentes à dissolução da sociedade, conclui-se que são as que vêm previstas nas alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 315º do Código Comercial.
LVI. Relativamente às circunstâncias ligadas ao objecto de facto que podem conduzir à dissolução da sociedade, verifica-se que o artigo 315º, n.º 1 do mesmo Código não refere expressamente nenhuma causa de dissolução nesse sentido, o que não significa, de modo algum, que o exercício de uma actividade por parte de uma sociedade, não compreendida no seu objecto social (ou contratual), não constitui, à luz do regime legal aplicável em Macau, um caso dissolução da mesma sociedade, bem pelo contrário.
LVII. Conclui-se assim que as causas de dissolução de sociedade não estão elencadas de forma taxativa nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 315º do Código Comercial.
LVIII. E quando a lei refere, na alínea i) do n.º 1 daquele artigo (que se intitula “Causas de dissolução e seu registo”) que as sociedades dissolvem-se, entre outras causas de dissolução, por sentença judicial, o que o legislador pretende dizer é que, em sede judicial, são admitidas outras causas de dissolução para além daquelas que vêm descritas nas restantes alíneas do n.º1 do mesmo artigo, entre as quais, naturalmente, a circunstância da sociedade exercer de facto uma actividade não compreendida no objecto social (ou contratual).
LIX. Daí que é perfeitamente pacífico o entendimento de que, em Macau, qualquer sociedade pode ser dissolvida, por sentença judicial, quando exerça efectivamente uma actividade ilícita que, consequentemente, não está minimamente compreendida no seu objecto social (ou contratual), ainda que não conste essa mesma circunstância nas diversas alíneas do nº1 do artigo 315º daquele Código.
LX. Na verdade, na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, terão que intervir naturalmente elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica e, inclusivamente, de integração de lacunas da própria lei.
LXI. E, nesse prisma, haverá que concluir necessariamente que a actividade ilícita acima descrita que foi desenvolvida pela 1ª Ré não só não tem cobertura na cláusula de objecto contratual, designadamente no âmbito do respectivo contrato de constituição, como ainda colide com o seu objecto social, com a própria lei e com o contrato de concessão celebrado entre o Governo de Macau e aquela sociedade.
LXII. Não podendo esta circunstância deixar de ser considerada como causa legítima de dissolução da 1ª Ré que, salvo melhor opinião, poderia e deveria ter sido acolhida pelo Tribunal a quo ao ponto de poder ser decretada a sua dissolução, por sentença judicial, nos presentes autos.
LXIII. Não nos podemos esquecer que a sociedade nasce em resultado de um acto constitutivo em que o objecto social (ou contratual) deve ser indicado de modo que se dê a conhecer as actividades que a mesma sociedade se propõe exercer e que constituem aquele (cfr.,artigos 179º e 180 do Código Comercial), estando assim a actividade da mesma cingida, de forma escrupulosa, ao respectivo objecto social (ou contratual).
LXIV. Em conclusão, a sociedade individualiza-se pelo seu objecto social (ou contratual) e não pode, sob pena de ser dissolvida, exercer qualquer actividade totalmente desligada do seu objecto social, ainda para mais ilícita, como sucede com a 1ª Ré.
LXV. Acresce que a circunstância da 1ª Ré também exercer a actividade contratualmente estabelecida, esta sim lícita, não nos leva à conclusão, bem pelo contrário, de que pode a mesma sociedade exercer, de facto, outras actividades desviantes, colidentes e incompatíveis com aquele objecto, tais como os comportamentos ilícitos acima descritos que foram levados a cabo 1ª Ré que justificam a sua dissolução.
LXVI. Por outro lado, a actividade ilícita desenvolvida pela 1ª Ré acima descrita e que, consequentemente, não está compreendida no seu objecto social (ou contratual), perpetuou-se ainda no tempo, assumindo uma natureza duradoura ou, se quisermos, permanente.
LXVII. Para além de que a mesma continua a ser exercida ainda hoje, como é exemplo o caso dos donativos que a 1ª Ré continua a entregar à L sem que se perceba qual a razão da entrega desses dinheiros a essa entidade.
LXVIII. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, incorreu num perfeito equívoco, indo, aliás, na linha de pensamento totalmente destorcida dos Réus que vem expressa na sua contestação, ao considerar que a causa de dissolução desta sociedade invocada pelos Autores na sua petição inicial teria sido a ilicitude do objecto social da 1ª Ré.
LXIX. Os Autores invocaram na sua petição a ilicitude no que respeita à prática de negócios jurídicos por parte da 2ª Ré, ou seja, à sua actividade que se mostra fora do seu objecto social (ou contratual), e não obviamente qualquer ilicitude quanto ao objecto social da mesma sociedade, conforme se alcança da vasta matéria plasmada nos articulados dos Autores e pela própria menção das disposições normativas aí feitas, como é o caso dos artigos 273º e 274º do Código Civil que se faz no artigo 277º da petição inicial, normativos que se referem à nulidade do negócio jurídico (e não ao objecto social da sociedade).
LXX. Temos assim que a decisão recorrida assenta num pressuposto totalmente errado na parte em que absolve a 1ª Ré do 1º pedido, incorrendo num claro erro de julgamento com as necessárias consequências legais daí decorrentes, impondo-se assim que seja revogada em toda a sua linha.
LXXI. O 4º argumento nuclear das presentes alegações prende-se com a conclusão de que os factos relevantes alegados pelos autores na sua petição inicial que servem de causa de pedir ao 1º pedido mostram-se adequados e suficientes, no caso de se provarem na sua essência em sede própria, para a prolação de uma decisão favorável do mesmo pedido, não estando assim o Tribunal habilitado, neste estado do processo, a proferir uma decisão de mérito desfavorável sobre a mesma pretensão
LXXII. A 1ª Ré desviou-se claramente dos fins que determinaram a sua constituição, essencialmente em razão da actuação conjugada dos restantes Réus de utilizarem a mesma sociedade de forma a alcançar finalidade diversa do objectivo societário, conduta da 1ª Ré que tem em vista, como se viu, beneficiar particularmente os interesses pessoais do 2º Réu e, concomitantemente, prejudicar de forma ilegítima os interesses dos Autores,
LXXIII. É assim, por demais, notório que a 1ª Ré, por força da actuação dos restantes Réus, faz um perverso uso da finalidade social daquela sociedade, sendo que a sua conduta, desviante e inclusivamente confrontadora com a sua finalidade social (ou contratual), revela-se ao ponto de acentuar um desvirtuamento da pessoa jurídica da própria sociedade.
LXXIV. Nestes termos, os Autores têm naturalmente toda a legitimidade jurídica para suscitar a questão da desconsideração da personalidade jurídica da 1ª Ré perante os tribunais de Macau, com base na vasta matéria factual que foi alegada na petição inicial e na correlativa prova material que foi apresentada nessa sede (sustentada em vasta documentação) e que aqueles ainda se propunham (e se propõem) apresentar no decurso dos presentes autos, com o objectivo de inibir a prática daquele comportamento ilícito por parte da mesma sociedade, por forma a não causar mais prejuízos a terceiros, designadamente aos próprios Autores.
LXXV. Sendo os requisitos para a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade, pelo menos na formulação subjectiva, a fraude e o abuso de direito, dúvidas não restam que a actuação da 1ª Ré configura uma manifestação clara de abuso de direito definido, como se sabe, como o exercício irregular, anormal, de um direito que exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou que esteja em desconformidade com a finalidade económica ou social para a qual ele foi criado (v., artigo 326º do Código Civil).
LXXVI. São, por conseguinte, manifestamente ilícitos e nulos os negócios jurídicos daí decorrentes, nos termos dos artigos 273.º e 274.º do Código Civil.
LXXVII. A actividade desenvolvida pela 1ª Ré aparta-se claramente do seu objecto social (ou contratual) que, como é do domínio público, consiste unicamente na “exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino”, actividade comercial essa que se encontra regulamentada ao abrigo de vários diplomas em vigor na RAEM, particularmente por força da Lei n.º 16/2001, de 30 de Agosto, que define o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.
LXXVIII. A actividade exercida pela 1ª Ré não está assim minimamente compreendida no seu objecto social, colidindo com as suas normas estatutárias e colidindo ainda com a própria Lei n.º 16/2001 e com o próprio contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino que foi assinado, em 24 de Junho de 2001, entre o Governo Macau, na qualidade de concedente, e a mesma sociedade, na qualidade de concessionária.
LXXIX. A Lei n.º 16/2001 estabelece no artigo 7º, n.º 1 que a exploração de jogos de fortuna ou azar só pode ser exercida por sociedades às quais haja sido atribuída uma concessão mediante contrato administrativo, sendo que resulta ainda do artigo 10º, n.ºs 1 e 6 do mesmo diploma que o objecto social dessas sociedades concessionárias é exclusivamente a exploração dessa actividade de jogo.
LXXX. Por outro lado, ficou expressamente consignado nos termos do referido contrato de concessão celebrado entre o Governo de Macau e a 1ª Ré que esta, enquanto concessionária, obrigou-se a ter como objecto social exclusivo a exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino (vide, cláusula 14ª, n.º 1 do referido contrato de concessão).
LXXXI. A actividade desenvolvida pela 1ª Ré infringiu ainda outras disposições do mesmo contrato de concessão, designadamente o artigo 33º que obriga a 1ª Ré a comunicar ao Governo de Macau sobre a existência de acordos parassociais.
LXXXII. Acresce que a 1ª Ré é concessionária de jogos de fortuna e azar na RAEM, sendo subsidiária da A, LIMITED e da A MACAU, LIMITED, sociedades essas que, como se sabe, encontram-se cotadas nas Bolsas de Valores de Nova Iorque e de Hong Kong, respectivamente, tendo a 1ª Ré, por conseguinte, acrescidos deveres de transparência, de cumprimento da lei e dos regulamentos que vinculam a sua actividade, de prestação de informação relevante ao mercado e de cumprimento das regras da ética e da boa-fé no modo como conduz os seus negócios.
LXXXIII. A 1.ª Ré é, por conseguinte, detentora de uma licença de jogos de fortuna e azar e, como tal, deveria naturalmente assumir um comportamento ético irrepreensível e uma postura negocial absolutamente transparente, correcta e totalmente conforme aos ditames da boa-fé e dos bons costumes.
LXXXIV. Perante um manifesto comportamento ilícito e de abuso de direito por parte da 1ª Ré e totalmente desviante do seu objecto social ou contratual, assiste assim aos Autores o legítimo direito de se socorrer dos Tribunais para pedir judicialmente a dissolução da mesma sociedade, em função, aliás, do regime prescrito no artigo 334º do Código Civil que estipula que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”.
LXXXV. A actividade desenvolvida pela 1ª Ré não compreendida no seu objecto social, violadora das suas normas estatutárias, da lei que regula a exploração do jogo e do próprio contrato de concessão, ainda para mais ilícita, determina, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 315.º do Código Comercial (que não na alínea j) desta disposição normativa como, por lapso, consta no petitório), a dissolução imediata da 1.ª Ré por sentença judicial.
LXXXVI. Sendo, pois, inteiramente legítimo aos Autores que requeiram a dissolução judicial da mesma sociedade, não só com o fundamento de que esta exerce de facto uma actividade claramente desviante e conflituante com a sua finalidade social, como ainda com o fundamento da natureza claramente ilícita dessa mesma conduta.
LXXXVII. Dissolução essa que, como se viu, só pode ser judicialmente declarada, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 315.º do Código Comercial.
LXXXVIII. Em conclusão, os factos relevantes alegados pelos autores na sua petição inicial que servem de causa de pedir ao 1º pedido mostram-se adequados e suficientes, no caso de se provarem na sua essência em sede própria, para a prolação de uma decisão favorável do mesmo pedido, não estando assim o Tribunal habilitado, neste estado do processo, a proferir uma decisão de mérito desfavorável sobre a mesma pretensão
LXXXIX. Violou assim a decisão recorrida o artigo 315º do Código Comercial, os artigos 273º e 274º do Código Civil e o artigo 429º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.
XC. Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada na parte em que absolveu os Réus do 1º pedido por considerar a mesma pretensão totalmente improcedente, na medida em que não estava o Tribunal minimamente habilitado, neste estado do processo, a proferir uma decisão de mérito naquele sentido.
XCI. Devem, pois, os presentes autos prosseguir os seus trâmites processuais, impondo-se assim ao Tribunal recorrido cumprir o disposto no artigo 430º do CPC no sentido de seleccionar a matéria de facto relevante em função dos pedidos formulados pelos Autores, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, indicando, a propósito, os factos que considera assentes e os factos que, por serem controvertidos, devem integrar a base instrutória.
XCII. Como 5º argumento nuclear importa frisar que decisão recorrida encerra uma desconformidade entre a causa de pedir e a causa de julgar no que se refere aos danos não patrimoniais invocados pelos Autores relativamente aos 3º, 4º e 5º pedidos.
XCIII. O despacho recorrido conheceu dos 2ºs (pedido principal e pedido subsidiário), 3º, 4º e 5º pedidos formulados pelos Autores, julgando-os improcedentes na totalidade com fundamento na inexistência do nexo de causalidade entre a os factos alegados pelos Autores e os danos por estes reclamados.
XCIV. Os Autores articularam factos relativos à conduta dos Réus que conduziram à decisão do Conselho de Administração da A, LIMITED de proceder à amortização (“redemption”) das acções detidas pela 1ª Autora naquela sociedade.
XCV. A causa de pedir que sustenta os pedidos de indemnização a título de danos não patrimoniais não é a que vem referida na decisão recorrida.
XCVI. Os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores e peticionados nos presentes Autos, não resultaram da amortização forçada (“redemption”) das acções acima aludida, não sendo a causa de pedir que fundamenta os pedidos de indemnização a esse título.
XCVII. Tendo os Réus praticado uma série de actos ilícitos, traduzidos na utilizarão e transferência para o exterior de Macau de dados pessoais e utilização desses dados para a elaboração do Relatório da J, com a consequente publicitação desse Relatório, que provocaram danos não patrimoniais susceptíveis de tutela judicial por se verificarem os respectivos nexos causais.
XCVIII. O Relatório imputa aos Autores diversas e graves acusações, falsas e infundadas, entre as quais a existência de pagamentos ilegais, a título de suborno, a favor de funcionários da I, para a obtenção de contrapartidas no âmbito dos investimentos nas Filipinas promovidos pela 2.ª Autora e suas empresas subsidiárias, e pelo 3.º Autor.
XCIX. Factos que, relativamente aos Autores, até hoje, nunca foram comprovados por qualquer instância judicial em nenhuma jurisdição.
C. O Relatório elaborado pela J incorpora os dados pessoais que foram ilicitamente transferidos para o exterior da RAEM.
CI. A publicitação do Relatório que incorpora esses dados pessoais lesou de forma grave o bom nome, a honorabilidade, imagem e reputação dos Autores.
CII. Lesão que sustenta os pedidos de indemnização a título de danos não patrimoniais formulados pelos Autores, danos que não se teriam verificado não fosse a conduta dos Réus, de tratamento e transferência ilícita dos dados.
CIII. Os prejuízos reclamados pelos Autores, a título de danos não patrimoniais, não decorrem da amortização forçada (“redemption”) das acções como foi pressuposto da decisão recorrida.
CIV. A prática do ilícito pelos Réus na utilização e transferência para o exterior, sem o consentimento dos respectivos titulares e com vista a uma finalidade diversa da que justificou a sua recolha, a expressa intenção da sua inclusão no Relatório da J, encontra-se provada, atendendo à sanção aplicada pelo Gabinete de Protecção de Dados Pessoais da Região, no âmbito do Processo de Investigação n.º 0013/2012/IP, decisão que foi noticiada nos meios de comunicação da RAEM.
CV. Tendo a 1ª Ré, no âmbito desse procedimento administrativo, confessado o tratamento e transferência de dados pessoais de terceiros sem o consentimento dos respectivos titulares e que os dados que facultou à A, LIMITED e à sociedade J, nos Estados Unidos da América, se destinavam à preparação do Relatório em causa.
CVI. O Relatório da J contém acusações imputadas aos Autores e foi amplamente divulgado na imprensa dos Estados Unidos da América, situação que lesou, de forma grave, o bom nome, honorabilidade, imagem e reputação dos Autores, lançando na praça pública, em termos internacionais, uma campanha de total descrédito dos mesmos.
CVII. Constituindo tais actos ofensas aos direitos de personalidade, protegidas por lei ao abrigo do instituto da responsabilidade civil, por respeitarem à violação de direitos subjectivos, direito ao bom nome e à reputação de outrem que se encontra legalmente consagrado, através da tutela de personalidade, nos artigos 67º e 73º do Código Civil.
CVIII. As 1.ª e 2.ª Autoras sofreram um prejuízo traduzido na diminuição de confiança pelos seus clientes e potenciais clientes quanto à sua capacidade e vontade de cumprimento das obrigações assumidas e, quanto aos parceiros sociais verificou-se uma perda de oportunidades de negócio, deixando de obter avultados rendimentos.
CIX. As 1.ª e 2.ª Autoras sofreram um prejuízo do seu bom nome, perdendo substancialmente o prestígio de que gozam no meio social em que exercem a sua actividade, com repercussão negativa na potencialidade de lucro, inerentes ao exercício da actividade que desenvolvem, já para não falar das perdas, em capitalização bolsista, que a 2ª Autora perdeu, no dia 20/02/2012, que se devem em parte às notícias relacionadas com a suposta falta de idoneidade dos Autores, com reflexos negativos para a 2ª Autora mas também para o 3.º Autor enquanto accionista de referência da primeira através da sociedade N.
CX. O 3.º Autor, na sequência ainda da conduta dos Réus, sofreu inúmeros danos sua imagem pública, honorabilidade e reputação, com reflexos na perda de lucros cessantes, traduzidos na perda de inúmeras oportunidades de negócio que teria conseguido, não fossem os comportamentos dos Réus.
CXI. A 1.ª Autora sofreu danos não patrimoniais, em resultado da conduta dos Réus, que se computam em MOP 40,000,000.00, valor que foi reclamado nos presentes Autos.
CXII. A 2.ª Autora sofreu danos não patrimoniais, em resultado da conduta dos Réus, que computam em MOP 80,000,000.00, valor que foi reclamado nos presentes Autos.
CXIII. O 3.º Autor sofreu danos não patrimoniais, em resultado da conduta dos Réus, que se computam em MOP 80,000,000.00, valor que foi reclamado nos presentes Autos.
CXIV. Cada um dos Autores formulou um pedido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais (cfr. 3º, 4º e 5º pedidos da PI), tendo descrito os factos em que fundamentaram esses pedidos.
CXV. Os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais têm como causa de pedir o tratamento e a transferência dos dados pessoais e a publicitação do Relatório J.
CXVI. O Tribunal a quo julgou improcedentes os 2ºs a 5º pedidos formulados, considerando incluídos nesse julgamento os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais, invocando como causa de decidir que os prejuízos sofridos e alegados pelos Autores foram uma consequência da amortização forçada (“redemption”) das acções detidas pela 1ª Autora na A LIMITED.
CXVII. A decisão recorrida sustenta-se, por isso, numa questão fundada em causa de pedir diversa da alegada pelos Autores, verificando-se uma desconformidade entre a causa de pedir invocada e a causa de julgar adoptada pelo Tribunal recorrido, incorrendo o M.mº Juiz a quo num erro de julgamento.
CXVIII. Violou assim a decisão recorrida os artigos 5º, 563º e 567º do CPC e os artigos 67º e 73º do CC.
CXIX. Como 6º argumento nuclear, refere-se que existe um nexo de causalidade entre os factos alegados na petição inicial, que servem de causa de pedir aos 2ºs, 3º, 4º e 5º pedidos e os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelos Autores.
CXX. A decisão recorrida inclui a causa dos danos patrimoniais e não patrimoniais reclamados nos Autos na deliberação do Conselho de Administração da A, LIMITED, de 18/02/2012, que procedeu à amortização forçada (“redemption”) das acções pela 1ª Autora nessa sociedade.
CXXI. O regime do nexo de causalidade em matéria de obrigações de indemnização previsto no artigo 557º do CC consagra a referida teoria na sua formulação negativa, ditando facto é causa do dano desde que, no plano naturalístico, o facto seja condição sem a qual o dano não se teria verificado.
CXXII. Sendo necessário verificar se aquele facto era, em abstracto ou em geral, de acordo com as regras da experiência, causa adequada ou apropriada para a produção do dano.
CXXIII. No entanto, o nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia de causalidade indirecta, subsistindo o nexo de causalidade quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto que o produz, na exacta medida em que este facto posterior tiver sido especialmente favorecido por aquele primeiro facto ou seja provável, segundo o curso normal dos acontecimentos.
CXXIV. Os Autores alegaram que o Relatório J, cuja elaboração se suportou no tratamento ilícito de dados pessoais de terceiros pelos Réus com a sua transferência para o exterior da RAEM, produziu necessariamente a amortização forçada (“redemption”) das acções detidas pela 1ª Autora privando-a e, reflexamente à 2ª e ao 3º Autor, da participação que detinha nessa sociedade.
CXXV. A amortização forçada (“redemption”) das acções detidas decorreu da deliberação do Conselho de Administração da sociedade em causa.
CXXVI. Mas essa deliberação tem como causa antecedente a conduta dos Réus iniciada com a prática de actos que integraram uma violação da lei de protecção de dados pessoais, pela sua utilização e transferência ilícita com vista à inclusão desses dados no relatório J.
CXXVII. Relatório cuja elaboração se destinou, exclusivamente, a sustentar a deliberação do Conselho de Administração da A, LIMITED de “redemption” das acções.
CXXVIII. Conduta dos Réus que é causa indirectamente adequada ou apropriada à produção dos danos patrimoniais reclamados pelos Autores (cfr. 2º pedido e pedido subsidiário na PI).
CXXIX. A deliberação constitui-se como um facto posterior, especialmente favorecido pela utilização e transferência ilícita dos dados pessoais para a sua inclusão no relatório J, deliberação que, em termos abstractos, conduziria ao desfecho provável, segundo o curso normal dos acontecimentos, por nessa reunião não terem sido discutidos outros factos que suportem a proposta de deliberação com aquele conteúdo.
CXXX. A conduta ilícita dos Réus que conduziu à deliberação é o resultado pretendido por aqueles, resultado que foi obtido, sendo causa adequada (ou apropriada) à produção dos danos que dessa deliberação resultaram para os Autores.
CXXXI. Razões pelas quais a decisão recorrida padece de erro de julgamento, porque o quadro factual constante dos Autos permite fundar um juízo abstracto de imputação da responsabilidade aos Réus quanto àquele concreto dano patrimonial peticionado.
CXXXII. O juiz apenas pode conhecer do pedido no despacho saneador se o processo proporcionar, com total segurança, todos os elementos que possibilitem uma decisão segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
CXXXIII. O processo deve prosseguir com vista ao apuramento dos factos alegados e posterior sujeição a prova pelas partes, não devendo conhecer-se do respectivo mérito no despacho saneador, quando o processo proporcionar apenas os elementos que são necessários à decisão segundo a solução a que adere o juiz do processo.
CXXXIV. O M.mº Juiz a quo entendeu que não se verifica um nexo de causalidade entre as condutas dos Réus [traduzidas na utilização ilícita de dados pessoais] e a amortização forçada (“redemption”) das acções, pressupondo erradamente que é este o facto que sustenta os danos patrimoniais e, também, os danos não patrimoniais reclamados pelos Autores.
CXXXV. Mas os danos não patrimoniais não têm como causa de pedir a deliberação tomada pelo Conselho de Administração, mas sim a lesão do bom nome, honorabilidade, imagem e reputação da 1ª, 2ª e 3º Autores, prejuízos que não foram imputados por estes como consequência directa da “redemption” das acções.
CXXXVI. O Mmo. Juiz bastou-se com a invocação da excepção deduzida, que não procede à impugnação dos factos deduzidos pelos Autores relativos aos danos não patrimoniais, inexistindo nos autos qualquer novo elemento trazido pelos Réus que permitisse ao Tribunal decidir, de imediato, do mérito da presente acção no sentido da procedência dessa excepção quanto aos danos não patrimoniais.
CXXXVII. Atendendo à causa de pedir e respectivos pedidos, o estado do processo não contém os elementos suficientes para que o Tribunal, com segurança, conhecesse, de imediato, a questão de facto e de direito da causa, por não se encontrar o M.mº Juiz munido de prova suficiente que lhe permita apreciar a referida excepção, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, depois de averiguar em concreto, de entre os factos controvertidos, aqueles que, potencialmente relevantes a uma das decisões legalmente admissíveis sobre a questão, fossem susceptíveis de se considerarem provados.
CXXXVIII. A solução encontrada pelo M. Juiz a quo não é, por isso, a única solução possível, pelo que não deveria ter sido proferida decisão de mérito no despacho saneador, por ter sido alegado na acção, pelos Autores, quanto aos danos não patrimoniais, factualidade diversa daquela em que assentou a decisão e que não foram ponderados pelo Tribunal a quo.
CXXXIX. Violou assim a decisão recorrida o artigo 557º do CC e o artigo 429º, nº 1, alínea b) do CPC, incorrendo ainda em erro de julgamento.
CXL. Quanto ao 7º argumento nuclear, o despacho-sentença decidiu que o direito à indemnização previsto no artigo 14º da Lei nº 8/2005 abrange apenas a protecção do titular dos dados pessoais e que, mesmo que os Autores tenham sofrido um prejuízo, os danos previstos nessa norma dizem respeito à violação de dados pessoais e não a qualquer outro tipo de danos.
CXLI. O direito a indemnização previsto no artigo 14º da Lei de Protecção de Dados Pessoais pode ser exercido por terceiros que não sejam os titulares dos dados.
CXLII. É a Lei nº 8/2015 que distingue entre o que são os direitos do titular dos dados e os direitos de terceiros, referindo-se ao titular dos dados nos artigos 10º, 11º e 12º e, no artigo 14º, a qualquer outra pessoa.
CXLIII. A opção pelo legislador, na utilização de uma expressão diferente nos mencionados artigos, não permite que o significado dos termos usados seja interpretado como tendo o mesmo sentido em todas as referidas normas da mesma lei.
CXLIV. Por isso, de acordo com o nº 1 do artigo 14º da Lei nº 8/2015, todos aqueles que na sequência do tratamento ilícito de dados sofram um prejuízo, independentemente de serem, ou não, os titulares dos dados, têm direito a ser indemnizados pelo responsável pelo tratamento desses dados.
CXLV. Também todos aqueles que tenham sofrido um prejuízo na sequência de um acto que viole disposição legal ou regulamentar em matéria de protecção de dados têm direito a reclamar uma indemnização, de acordo com o disposto no artigo 14º da Lei nº 8/2015.
CXLVI. O prejuízo que confere o direito de indemnização previsto no artigo 14º da Lei nº 8/2015 não se limita ao tratamento ilícito de dados pessoais, sendo extensivo à violação de todas as normas relacionadas com o tratamento de dados pessoais, incluindo as de natureza regulamentar.
CXLVII. A interpretação da identificada norma levada a cabo pela decisão recorrida deixa sem protecção jurídica terceiros lesados que sofram prejuízos decorrentes da utilização ilícita de dados pessoais, o que se verifica no caso dos autos, situação que não foi a pretendida pelo legislador.
CXLVIII. A decisão recorrida restringe o fim e a abrangência do artigo 14º, nº 1 da Lei nº 8/2005, no que se refere ao fim da norma e ao alcance das actuações que a sua previsão encerra, errando, por isso, na interpretação e aplicação da lei.
CXLIX. Violou assim a decisão recorrida os artigos 10º, 11º, 12º e 14º da Lei nº 8/2015
CL. Por último, quanto ao 8º argumento nuclear, o Tribunal a quo condenou os Autores em litigância de má-fé, com fundamento na alínea a) do nº 2 do artigo 385º do CPC, por terem deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam.
CLI. A decisão recorrida não qualifica a actuação dos Autores que julgou como litigância de má-fé, em termos de dolo ou de negligência, apesar do artigo 385º, nº 2 do CPC exigir, para a tipificação da litigância de má-fé, o dolo ou a negligência grave.
CLII. O M.mº Juiz a quo não procedeu à ponderação do comportamento dos Autores como integrando uma consciência da sua ausência de razão ou uma mera ofensa ao dever de cuidado.
CLIII. A lei impõe ao Tribunal que seja apreciada a verificação dos pressupostos subjectivos da litigância julgada de má-fé (dolo ou negligência grave), qualificando a conduta processual dos Autores como integrando um ou outro pressuposto, só depois podendo decidir que foi deduzida pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, apreciação e verificação que não foi feita pela decisão recorrida, incorrendo a mesma em erro de julgamento, por errada aplicação do artigo 385º, nº 2 do CPC.
CLIV. O 1º pedido deduzido pelos Autores foi julgado improcedente por falta de interesse processual e por não descortinar o Tribunal a quo que benefícios os Autores obteriam com a dissolução dessa sociedade com base na ilicitude do seu objecto social, relativamente ao regime jurídico do artigo 315º do Código Comercial.
CLV. A condenação em litigância de má-fé pelo Tribunal a quo tem subjacente uma interpretação da norma que sustentou o pedido, o artigo 315º do Código Comercial, que diverge no seu sentido e alcance da apresentada pelos Autores.
CLVI. A circunstância do M.mº Juiz a quo discordar da interpretação da lei enunciada pelos Autores e a particularidade da sua diferente convicção quanto ao enquadramento dos factos por aqueles enunciados, que levou à apreciação de mérito da causa circunscrita aos articulados apresentados pelas partes, não legitima que conclua que a litigância é de má-fé apenas por não convencer, numa primeira apreciação da causa, o julgador.
CLVII. O M.mº Juiz a quo parte de uma premissa errada quando configurou a causa (de pedir) de dissolução da 1ª Ré invocada pelos Autores como sendo a ilicitude do objecto social da mesma sociedade.
CLVIII. No entanto, o que constitui a causa petendi com referência ao 1º pedido formulado pelos Autores é a actividade ilícita de facto exercida pela 1ª Ré (desconforme com o objecto social) e não a ilicitude do objecto social, factos e razões que foram devidamente alegados e enunciados para sustentar o 1º pedido formulado, bem como os benefícios que, obtendo procedência esse pedido, resultam para os Autores.
CLIX. É por isso equivoca a condenação dos Autores em litigância de má-fé, que agiram com evidente boa-fé processual, verificando-se um erro de julgamento do M.mº Juiz a quo, face à inexistência de qualquer pressuposto subjectivo previsto na lei no que se refere à da litigância julgada de má-fé, previstos no artigo 385º, nº 2 alínea a) do CPC.
CLX. Violou a decisão recorrida os artigos 385º,nºs 1 e 2, alínea a), e 386º do CPC.
*
A (Macau) S.A. (A(澳門)股份有限公司), C, D e E, Recorridos, com os sinais identificativos nos autos, contra-alegou nos termos constantes de fls. 1547 a 1581 , tendo formulado as seguintes conclusões :
A (MACAU), S.A., C, D e E, respectivamente 1ª, 2º, 4º e 5ª Réus nos autos de processo comum ordinário à margem cotados vêm, em face da notificação que antecede, apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES DE RECURSO, com os seguintes fundamentos:
Venerandos Juízes do
Tribunal de Segunda Instância
O douto despacho saneador-sentença recorrido não padece de qualquer vício nem merece censura.
Lidas as conclusões oferecidas pelos Recorrentes, três questões se levantam de imediato:
a) A de que as alegações apresentadas não cumprem os requisitos formais e materiais prescritos pela lei.
b) a de confirmar que nos oito pontos escolhidos pelos Recorrentes para tentar reverter a decisão de primeira instância, os Recorrentes não têm razão;
c) a de saber se, em caso negativo, os Recorrentes reincidem na sua litigância de má-fé.
Nota prévia
O objecto do recurso deve ser limitado pelas suas conclusões.
Ora, é patente que os Recorrentes não cumpriram o esforço de síntese imposto pelo artigo 598º/1 do Código de Processo Civil.
Além disso, os Recorrentes alegam amiúde nas suas alegações e conclusões vários pontos da matéria de facto, repetindo de forma circular e enfadonha a narrativa apresentada na petição inicial, com ligeiras alterações.
Dado que, tanto quanto nos apercebemos, o presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, esta parte do recurso que se reporta ao revisionismo que os Recorrentes fazem da matéria de facto alegada em primeira instância vai ignorada.
O 1º argumento dos Recorrentes (Conclusões I a XXXIII)
Alegam, em suma, os Recorrentes que a dissolução requerida da 1 ª Ré resulta de uma causa de pedir complexa e diferenciada que vem vertida na petição inicial (Conclusão V das alegacões).
Mais remetendo os Recorrentes para os artigos 123º a 335º da petição inicial.
Na nossa modesta leitura das alegações de recurso, parece resultar que essa causa de pedir seria basicamente decomposta em:
a) desfuncionalização da 1 ª Ré pelo 2º Réu (Conclusão VI);
b) em prejuízo da própria sociedade e dos próprios Autores;
c) assentes na prática de actos jurídicos ilícitos em 3 situações (Conclusões XXVIII a XXX)
d) essa actividade manifestamente ilícita justifica a dissolução imediata da 1 ª Ré.
Ora, para além de ocupar 13 páginas de alegação e as referidas 33 conclusões a imputar aos Réus, em especial à 1 ª Ré a prática de actos ilícitos, de “negócios absolutamente obscuros” (parágrafo 30), etc., etc., as Recorrentes não impugnam qualquer ponto da matéria do presente processo nem sequer se insurgem contra a douta sentença recorrida.
Custa-nos perceber em concreto qual é a razão processual que leva os Recorrentes a perder tantas palavras com matéria de relativo desinteresse para a discussão do presente recurso.
De qualquer forma, sempre assistirá aos Recorridos o direito ao contraditório, daí que pelas presentes contra-alegações manifestam a sua vontade firme de impugnação de tudo quanto vem alegado nas alegações de recurso e que é contrário aos seus interesses. Bem como pretendem manifestar os Recorridos o maior repúdio pelas imputações e considerações tecidas a respeito dos Recorridos, a coberto de um suposto recurso que deveria versar exclusivamente sobre matéria de direito e reservam o direito de recorrer à tutela judicial, se necessário for para obter a necessária reparação à sua honra.
A decisão em crise é clara, precisa e concretiza a fundamentação de facto e de direito na qual se baseia.
O 2º argumento dos Recorrentes
Nas Conclusões XXXIV a XLVIII, os Recorrentes tentam combater a excepção de falta de interesse processual julgada procedente no douto saneador recorrido.
Por um lado, atacam a sentença por ter confundido o pressuposto processual da legitimidade com o da falta de interesse processual; por outro lado, vêm prestar o esclarecimento que não invocaram a ilicitude do objecto social da 1 ª Ré.
Ambos estes argumentos são fáceis de desmontar e não correspondem à realidade como se verá em seguida.
Em relação à confusão entre legitimidade e falta de interesse processual, não é verdade que a sentença tenha caído nesse erro.
Repare-se que a sentença recorrida é bastante clara, como já o tinham sido os Recorridos na sua Contestação, em relação a esta problemática, que é a seguinte: o que têm os Recorrentes a ganhar com o pedido de dissolução da 1 ª Ré?
Qual é o direito dos Autores no presente processo que requer a tutela do tribunal para justificar a dissolução da sociedade 1 ª Ré?
Quais são os interesses protegidos pelas normas que tutelam a dissolução judicial de uma sociedade (e, arriscamos nós, a própria invocação da desconsideração da personalidade dessa sociedade)?
Ora, a resposta é-nos dada na sentença: são os interesses dos credores na satisfação dos seus créditos.
Assim, seguindo de perto a sentença, a título exemplificativo, quando uma sociedade não tem qualquer actividade continua a ter determinadas despesas fixas, tais como com serviços de contabilidade. Então, o credor tem o direito de pedir a dissolução da sociedade ao Tribunal, para proteger o seu crédito.
Ora, motivou-se na sentença recorrida que, apesar de ter alegado um conjunto de factos que fundamentam o seu pedido de dissolução da 1ª Ré com base na prática de negócios jurídicos contrários à lei, ordem pública e os bons costumes, os Autores não forneceram no processo as razões que os levam a precisar de pedir essa dissolução.
Ou seja, não se percebe em que medida é que os créditos dos próprios Autores podem sair beneficiados com o pedido que formulam!
Aliás, lendo as conclusões XXXVIII, XLII, XLIII das alegações transparece que o objectivo dos Recorrentes era apenas o de expurgar a ordem jurídica da existência 1ª Ré. Porém, se assim for, será mais difícil aos Recorrentes o pagamento dos seus créditos.
Tendo embora uma aparente legitimidade no pedido de dissolução e aparente interesse processual, na realidade os Recorrentes não têm qualquer necessidade de formular aquele pedido.
Em nota ao artigo 144º do Código das Sociedades Comerciais, Raúl Ventura (Dissolução e Liquidação de Sociedades, Almedina, 2011), aflora esta questão da seguinte forma:
«Mais duvidosa parece a atribuição de legitimidade activa aos credores sociais, cujo interesse parece consistir apenas em que a sociedade satisfaça os seus créditos e não em que a sociedade se mantenha ou se dissolva. Pode, porém, suceder que a satisfação dos créditos seja melhor assegurada se a sociedade parar a sua actividade normal do que se a sociedade a continuar.»
Ora, em Macau a legitimidade activa dos credores sociais está assegurada, por força de lei através do artigo 315º/3 do Código Comercial. Porém, seguindo de perto o Código de Processo Civil Anotado e Comentado de Cândida Pires e Viriato Lima, L, 2006, p.227:
«A noção de interesse processual requer a sua demarcação de um outro pressuposto - a legitimidade - que o anterior CPC aferia pelo interesse directo em demandar ou contradizer. [...] Mas é preciso esclarecer que o interesse processual como pressuposto autónomo é sinónimo de interesse em agir, sendo portanto diferente do interesse (material ou substantivo) que têm os titulares da relação material litigada na apreciação jurisdicional dessa relação. O mesmo é dizer que a tutela judiciária, para poder ser concedida, requer um interesse adjectivo.
O interesse processual a que o preceito em anotação se refere é, pois, o interesse, não no objecto do processo judicial, mas no próprio processo judicial em si mesmo, indispensável para a salvaguarda de interesses privados. Por outras palavras, o interesse processual tem a ver com a necessidade de recurso à via judicial, recurso que só se torna oportuno e justificado a partir do momento em que determinados interesses entrem em conflito e um determinado direito subjectivo careça efectivamente de tutela.
Ou seja, tem interesse na acção quem está na impossibilidade de exercitar ou conservar o seu direito sem a intervenção do órgão judiciário. [...]»
Ora, os Recorrentes não têm o direito subjectivo de requerer a dissolução da sociedade 1ª Ré apenas pelo facto de esta ter alegadamente praticado três actos ilícitos.
O direito dos recorrentes, quando muito, seria o crédito da indemnização que peticionam. Decorrente deste direito, o direito a requerer as providências necessárias à garantia do seu eventual crédito.
Continuam aqueles autores (p. 232):
«Podem encontrar-se duas ordens de razões justificativas deste pressuposto processual:
a) uma de interesse público - apenas quando um direito subjectivo carecer efectivamente de tutela dos tribunais se justifica lançar mão do processo, para não sobrecarregar sem qualquer efeito útil a actividade dos tribunais;
b) outra de interesse particular - se, sem interesse justificado, se fosse lançar mão do processo judicial, impor-se-ia inutilmente ao demandado o encargo de suportar todos os incómodos resultantes de uma demanda judicial, designadamente o de ter de se defender.
Uma demanda inútil não aproveita a nenhuma das partes e vai dar desnecessariamente trabalho a um órgão estadual, que por um mero capricho é posto em movimento.»
A este propósito escreviam já Antunes Varela et A1, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1985, p. 180:
«Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única, ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho (de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico) de obter um pronunciamento judicial.
O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção - mas não mais do que isso.»
Ora, no presente caso, o que os Recorrentes fizeram foi precisamente formular um pedido completamente injustificado, desrazoável e inútil. Mais ‒ fizeram um pedido que, a ter provimento, lhes seria prejudicial...
Salvo o devido respeito por opinião distinta da nossa, o pedido de dissolução da 1ª Ré cumpre dois dos critérios mencionados da falta de interesse processual:
1 - é um mero capricho de vingança sobre o 2º Réu que os Recorrentes não conseguem esconder; e
2 - Corresponde a um interesse meramente subjectivo: a petição inicial, a réplica, bem como as alegações de recurso estão eivadas de juízos de valor e conceitos morais, mas que não têm qualquer significado na economia da presente demanda.
Para finalizar este segmento das contra-alegações, far-se-á uma pequena nota à conclusão vertida em XLIII, onde se refere que “os Autores são parte interessada até porque são destinatários de muitos dos actos ilícitos referidos entretanto praticados 1ª Ré (e pelos 2º e restantes Réus).”
Transparece da leitura do corpo das alegações dos Recorrentes que estes consultaram a citada obra de Raúl Ventura (designadamente os parágrafos 96 e 99 das alegações). Nestes dois parágrafos os Recorrentes citam as páginas 132 e 133 da referida obra.
Porém, com o respeito que nos é devido às competências técnicas da contraparte, certamente por lapso ou mera distracção esqueceu-se de transcrever o parágrafo seguinte, onde pode ler-se:
«Exercer uma actividade supõe uma certa permanência, não estando abrangida no preceito a simples prática de algum acto isolado. Aliás, à mesma conclusão se chega através de um outro pressuposto do preceito a actividade de facto não compreendida no objecto contratual deve existir no momento em que a causa de dissolução é feita valer, pois não se trata de punir um exercício já terminado, mas sim de impedir a sua continuação. Os actos isolados não permitem tal requisito.»
Ou seja, por mera cautela de patrocínio, mesmo em relação aos fundamentos invocados pelos Recorrentes, eles próprios não são idóneos a que fosse declarada a dissolução da 1ª Ré, pois são factos instantâneos que já ocorreram: uma alegada transmissão não autorizada de dados pessoais, a compra de um terreno e uma doação (embora, quanto a esta, se possa discutir se as prestações futuras se poderiam inserir neste requisito).
Donde, outros motivos ainda haveria para julgar procedente a verificação da falta de interesse processual das Autoras/Recorrentes, para além dos brilhantemente apresentados na douta sentença.
De referir, de resto, ainda quanto à questão do interesse processual, que na douta sentença se refere de forma explícita a sanção e as consequências da prática de actos contrários à lei, ordem pública ou bons costumes. E essa sanção não é a dissolução, como veremos.
O 3º argumento dos Recorrentes
Nas conclusões XLIX a LXX os Recorrentes apresentam o seu terceiro argumento: o de que o exercício de uma actividade não compreendida no objecto social é causa de dissolução de uma sociedade em Macau.
Cremos que não.
Desde logo, a argumentação dos Recorrentes segue de muito perto legislação que nunca esteve em vigor na RAEM ‒ designadamente o Código das Sociedades Comerciais português, de 1986.
Conforme alegam os próprios Recorrentes, “na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, terão que intervir naturalmente elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica e, inclusivamente de integração de lacunas da própria lei.” (conclusão LX)
A propósito da matéria de interpretação da lei, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 10/12/2006, no processo 05P4118 (disponível em www.dgsi.pt)
«É sabido que a interpretação das normas jurídicas, se tem de partir de uma matéria-prima que é a língua e da conjugação das palavras que formam o texto da lei ou norma, não deve bastar-se com o seu teor literal, quer porque as palavras não são unívocas na rede verbal que forma uma língua, adquirindo constantemente novos sentidos pela dinâmica própria do seu desenvolvimento e, por isso, sendo polissémicas, quer porque existe frequentemente uma distância, maior ou menor, entre o pensamento e a sua expressão, às vezes esta excedendo aquele, outras vezes ficando aquém dele.
Daí que a actividade interpretativa, por norma, tenha sempre de ir além do simples teor verbal da lei, porque, em rigor, não existe um exacto sentido para cada palavra, nem texto que tenha uma só interpretação, por muito claro que se aparente e próximo do que se chama a «linguagem natural», porque, em exactos termos, não existe uma «linguagem natural», dado que a linguagem escrita ou falada é uma construção, um acto de cultura, que, como tal, se opõe à natureza e postulando necessariamente uma actividade de elaboração e de interpretação, de produção e de busca de sentido. Assim, longe vai o brocardo latino, segundo o qual «in claris non fit interpretatio».
Para além do teor verbal da lei, o intérprete tem de socorrer-se de outros meios, outros utensilia disponíveis na panóplia hermenêutica: o elemento lógico e racional ou teleológico, que parte do pressuposto de que uma norma tem uma função a cumprir, um fim ou thelos, que é disciplinar um dada relação ou um conjunto de relações da vida social e, por conseguinte, há que surpreender o seu sentido em correlação com o escopo visado pela lei; a conjugação da norma com outras normas que regulam a mesma matéria, formando um todo tendente a um sentido, ou que regulam matérias afins, ou mesmo a totalidade da ordem jurídica, visto que esta constitui um sistema coerente e lógico (interpretação que sendo contextuai e intertextual, se designa de sistemática); o elemento histórico, socorrendo-se da história do preceito, da disciplina de certa matéria, de certas instituições dogmáticas, procura surpreender o sentido das normas, através da sua génese histórica e da sua evolução legislativa, dos trabalhos preparatórios (tendo sempre presente o carácter meramente subsidiário destes, uma vez que as leis modernas são obra de um legislador assaz complexo, sucedendo que os trabalhos preparatórios, sendo um vasto repositório de ideias por vezes contraditórias, nem sempre deixam transparecer o sentido que acabou por ser fixado na lei).
De acordo com estes princípios hermenêuticos, tão rudimentarmente esboçados (e seguindo a orientação fundamental que se colhe no clássico, mas ainda actual Ensaio Sobre A Teoria Da Interpretação Das Leis, de MANUEL DE ANDRADE e no ensaio Interpretação E Aplicação Das Leis, de FRANCESCO FERRARA, ambos reunidos no mesmo volume, 3.ª Edição, Coimbra 1978, pode chegar-se a uma interpretação que, logo a partir do seu teor verbal, não deixe dúvidas quanto ao seu sentido; pode alcançar-se um resultado que nos ofereça uma pluralidade de sentidos não concordes uns com os outros e, nesse caso, há que tentar conciliar o sentido que melhor corresponda ao fim para que a lei foi criada, tendo em conta a sua evolução histórica, e que se coadune com o sistema, isto é, que aí entre sem causar assimetria ou desarmonia.
A interpretação que corresponde ao sentido literal ou ao teor verbal da lei diz-se interpretação declarativa, englobando-se nesta ainda a interpretação restrita e a interpretação lata, «segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados» (FERRARA, p. 147). A interpretação restritiva e extensiva são diferentes e supõem ambas uma divergência entre a interpretação lógica, racional ou teleológica e a interpretação literal, procurando harmonizar-se a letra da lei com o seu espírito. Na primeira, chega-se à conclusão de que o legislador disse mais do que queria (magis quam voluit); na segunda, que disse menos do que queria (minus quam voluit). Num caso, encurta-se, no outro estende-se a letra a lei, de forma a coincidir com o seu real conteúdo. Daí que a operação consista em reconduzir o texto legal aos seus verdadeiros limites, ínsitos ou imanentes à própria ratio legis, não sendo outra coisa senão «reintegração do pensamento legislativo», no dizer de FERRARA e aplicando-se, portanto, mesmo a normas excepcionais.
Em qualquer dos casos, o teor verbal da lei é o limite, dentro do fim ou ratio que subjaz àquela e do sistema em que se insere, que não pode ser ultrapassado pelo intérprete, ou para usarmos a linguagem imaginosa de ANDRADE (ob. cito p. 64), «Só até onde chegue a tolerância do texto e a elasticidade do sistema é que o intérprete se pode resolver pela interpretação que dê à lei um sentido mais justo e apropriado às exigências da vida».
Aliás, em qualquer domínio hermenêutico que tenha como matéria ou objecto de interpretação a língua, o limite formado pelo quadro verbal é inultrapassável, como assinala, por exemplo, UMBERTO ECO a propósito da interpretação de textos literários e outros: «Até o descontrucionista mais radical aceita a ideia de que há interpretações que são clamorosamente inaceitáveis. Isto significa que o texto interpretado impõe restrições aos seus intérpretes. Os limites da interpretação coincidem com os direitos do texto (o que não quer dizer que coincidam com os direitos do seu autor).» (Os Limites da Interpretação, Editora Difel, 2.ª Edição, p. 17/18)
Não admira, assim, que este pressuposto se encontre vazado no art. 9.º do Código Civil (CC), que dispõe deste modo:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
«2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. (...)»1
Diferente é esta situação daquela em que a lei não prevê nem provê à situação carecida de disciplina jurídica, porque aí falta de todo a norma que deveria presidir à regulamentação da situação.
Neste caso, fala-se em lacuna, que não pode ser preenchida por qualquer interpretação extensiva, dado que o legislador não disse minus quam voluit; simplesmente não disse nada.
Será então necessário colmatar o vazio assim existente pelo recurso a outra ou outras normas que regulam a mesma ou matéria afim, delas deduzindo, por analogia, a regra aplicável ao caso (analogia legis). Outras vezes, à falta de caso semelhante, será necessário recorrer aos princípios gerais do direito, ou seja à construção da regra a partir dos princípios do sistema, dos quais aquela há-de laboriosamente deduzir-se e obter formulação adequada. Neste caso, estamos em face da analogia juris.
A estas duas formas de integração das lacunas se refere o art. 10.º do CC, nestes termos.2
«1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. (...)
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.»
Ora, atentando quer nos elementos literal, sistemático e no elemento histórico, vê-se que a tese defendida pelos Recorrentes não tem qualquer correspondência com as normas legais vigentes em Macau.
Por três ordens de razão:
I ‒ Desde logo, repare-se que o artigo 142º do Código das Sociedades Comerciais português, em vigor em Portugal à data da entrada em vigor do novo Código comercial de Macau, dispunha3;
«Artigo 142.º
(Casos de dissolução por sentença ou deliberação)
1 - Pode ser requerida a dissolução judicial da sociedade com fundamento em facto previsto na lei ou no contrato e ainda:
a) Quando o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei, excepto se um dos sócios restantes for o Estado ou entidade a ele equiparada por lei para esse feito;
b) Quando a actividade que constitui o objecto contratual se torne de facto impossível;
c) Quando a sociedade não tenha exercido qualquer actividade durante cinco anos consecutivos;
d) Quando a sociedade exerça de facto uma actividade não compreendida no objecto contratual.
2 - Se a lei nada disser sobre o efeito de um caso previsto como fundamento de dissolução ou for duvidoso o sentido do contrato, entende-se que a dissolução não é imediata.
3 - Nos casos previstos no n.º 1 podem os sócios, por maioria absoluta dos votos expressos na assembleia, dissolver a sociedade, com fundamento no facto ocorrido.
4 - A deliberação prevista no número anterior pode ser tomada nos seis meses seguintes à ocorrência da causa de dissolução e, a partir dela ou da escritura exigida pelo artigo 145.º, n.º 1, considera-se a sociedade dissolvida, mas, se a deliberação for judicialmente impugnada, a dissolução ocorre na data do trânsito em julgado da sentença.»
Ou seja, existe uma alínea que refere expressamente que “Quando a sociedade exerça de facto uma actividade não compreendida no objecto contratual”, pode ser requerida a dissolução judicial da sociedade.
II ‒ O Código Comercial de Macau é uma dúzia de anos posterior ao Código das Sociedades Comerciais português e, sendo embora notórias as parecenças de ambas legislações, neste particular, a legislação de Macau não acompanhou esta inovação do Código português. A falta do acompanhamento por parte do Código de Macau desta solução legislativa foi por opção do legislador, não existindo qualquer lacuna que deva ser preenchida pelo intérprete.
Caso o legislador tivesse querido compreender entre as causas de dissolução de uma sociedade o exercício de uma actividade não compreendida no objecto contratual, teria com toda a certeza incluído esta causa de dissolução no elenco do artigo 315º do Código Comercial.
III ‒ O Código das Sociedades Comerciais português continha uma disciplina específica para a dissolução judicial, no seu artigo 144°:
«Artigo 144. º
(Regime da dissolução judicial)
1 - A acção de dissolução deve ser proposta contra a sociedade por algum sócio, credor social, credor de sócio de responsabilidade ilimitada, ou pelo Ministério Público, no caso da alínea d) do n.º 1 do artigo 142.º e noutros em que a lei lhe atribua legitimidade para isso.
2 - No caso previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 142.º, a dissolução não será ordenada se, na pendência da acção, o vício for sanado.
3 - A acção de dissolução deve ser proposta no prazo de seis meses a contar da data em que o autor tomou conhecimento da ocorrência do facto previsto no contrato como causa de dissolução, mas não depois de decorridos dois anos sobre a verificação do facto.
4 - Quando o autor seja o Ministério Público, a acção pode ser proposta em qualquer tempo.»
Ora, desde logo, da leitura deste preceito decorre que a dissolução promovida por qualquer parte, que não o Ministério Público, só o pode ser dentro de apertados requisitos.
Nomeadamente:
a) o prazo de caducidade da acção judicial de dissolução é extremamente curto;
b) No caso de dissolução por exercício de facto de actividade não compreendida no objecto social, o vício podia ser sanado na pendência da acção.
Contrariamente, em Macau não existe um regime de protecção dos interesses da sociedade, dos outros credores, fornecedores, clientes e, neste caso, do próprio Governo, contra os abusos que seriam proporcionados pela admissão da dissolução da sociedade 1ª Ré/Recorrida.
Donde decorre que houve uma opção clara do legislador de Macau de não incorporar o regime da dissolução pelo exercício de actividade diferente da do objecto social.
Na verdade, conforme bem se refere na sentença recorrida, existem outros mecanismos para garantir que o comportamento de uma sociedade que fuja ao seu objecto é sancionado.
A Conclusão vertida sob o número LVIII das alegações não corresponde ao direito positivo em vigor na RAEM.
O artigo 315º do Código Comercial, quando refere que a sociedade pode ser dissolvida por sentença judicial que determine a dissolução refere-se a casos como o do artigo 5º/4.2) da Lei no. 10/2014 (Regime de prevenção e repressão dos actos de corrupção no mércio externo), que dispõe:
«Artigo 5.º - Responsabilidade penal das pessoas colectivas [...]
4. Pelo crime referido no n.º 1 são aplicáveis às entidades aí referidas as seguintes penas principais:
1) Multa;
2) Dissolução judicial. [...]
8. A pena de dissolução judicial só é decretada quando os fundadores das entidades referidas no n.º 1 tenham tido a intenção, exclusiva ou predominante, de, por meio delas, praticar o crime aí previsto ou quando a prática reiterada de tal crime mostre que a entidade está a ser utilizada, exclusiva ou predominantemente, para esse efeito, quer pelos seus membros, quer por quem exerça a respectiva administração.»
Ou seja, também fazendo uso da interpretação sistemática percebe-se que em Macau, a dissolução judicial é uma pena.
O artigo 315º/1-i) não comporta a dissolução pela actividade fora do âmbito do objecto social.
Quanto ao alegado nas Conclusões LXVIII e LXIX, os Recorridos têm que pedir a sua “defesa de honra”.
Nos artigos 277º e 278º da p.i. escreveram os AA./Recorrentes:
«277 - Finalidade essa que é, manifestamente, contrária à lei, ordem pública e bons costumes, sendo manifestamente ilícito o seu objecto (artigos 273º e 274º do Código Civil). Pelo que
278 - Tal ilicitude determina nos termos do disposto nas alíneas f) e i) do n.º 1 do artigo 315º do Código Comercial, a dissolução imediata da 1 ª Ré.»
Sendo que a alínea f) do artigo 315º dispõe:
«1. As sociedades dissolvem-se nos casos previstos na lei, nos estatutos e ainda:[...]
f) Pela ilicitude ou impossibilidade superveniente do seu objecto se, no prazo de 45 dias, não for deliberada a alteração deste, nos termos previstos para a alteração dos estatutos;»
Como é que é possível virem agora as mesmas pessoas, em sede de alegações de recurso escrever que a “linha de pensamento dos Réus totalmente distorcida que vem expressa na sua contestação, ao considerar que a causa de dissolução desta sociedade invocada pelos Autores na sua petição teria sido a ilicitude do objecto social da 1 ª Ré.» (Conclusão LXVIII) ???
Ou como é possível escrever «Os Autores invocaram na sua petição a ilicitude no que respeita à prática de negócios jurídicos por parte da 2ª Ré, ou seja, à sua actividade que se mostra fora do seu objecto social (ou contratual), e não obviamente qualquer ilicitude quanto ao objecto social da mesma sociedade [...]»???
‒ Quando quem falou no artigo 315º, número 1 alínea f) foram os próprios AA./Recorrentes, na sua petição inicial, certamente não podem querer acusar os Recorridos por terem uma linha de pensamento distorcida.
Muito menos podem querer assacar à sentença recorrida o defeito de assentar num “pressuposto totalmente errado” ‒ pois assenta exactamente na alegação dos AA./Recorrentes.
E, porém, escrevem os Recorrentes nos parágrafos 26 e 27 da sua alegação: «O que os Autores não estavam à espera é que os Réus, eles sim, laboram, de forma consciente e imbuídos num sórdido espírito de má-fé processual, num pretenso “erro de interpretação”, porquanto jamais alegaram os Autores na sua peça inicial ser ilícito o objecto social da sociedade. / Mas antes alegaram que a sociedade 1 ª Ré praticou negócios jurídicos contrários à ordem pública, aos bons costumes e à lei, conforme resulta de forma cristalina, entre outros, dos artigos 274º a 277º da petição inicial.»
Mas o que resulta do artigo 278º da p.i.?
‒ É que foram os AA./Recorrentes quem fez referência directa, expressa, clara e inequívoca a uma norma legal que trata precisamente da ilicitude do objecto social!
Nem os Recorridos induziram qualquer erro capaz de influenciar o julgamento desta pretensão nem houve qualquer erro. Simplesmente, os Recorrentes, esses sim, alegaram o impossível e vêm agora tentar emendar, embora sem sequer isso assumirem.
O 4º argumento dos Recorrentes
Abordam os Recorrentes nas Conclusões LXXI a XCI a questão da pretensa insuficiência da matéria de facto provada para a prolação de uma sentença de mérito neste estado do processo.
Questão curiosa, a da desconsideração da personalidade colectiva conforme colocada nos presentes autos (conclusão LXXIV):
1) Dos RR./Recorridos, o único que é sócio da 1ª Ré é o 4º Réu, mas os próprios AA./Recorrentes, no artigo 11º da sua p.i. escrevem que: “o certo é que, como se disse, é a A MACAU, LIMITED a verdadeira titular das acções da 1ª Ré”;
2) Esta sociedade A MACAU, LIMITED não é Ré no presente processo.
3) Os 2º e 5ª RR./Recorridos não são sócios da 1ª Ré/Recorrida.
Tradicionalmente, o levantamento da personalidade jurídica das sociedades vem associado a um comportamento abusivo dos sócios, sendo por toda a doutrina e jurisprudência apontada como um instituto de carácter subsidiário.
Sendo assim, é fácil de perceber que os Recorrentes não pretendem neste processo perseguir qualquer sócio da sociedade 1 ª Ré/Recorrida.
Pelo contrário, da leitura da p.i. percebe-se que quem está a ser accionado é o Presidente do Conselho de Administração da 1ª Ré (aqui 2º Réu), um membro do Conselho de Administração da 1ª Ré (aqui 4º Réu) e um outro membro do Conselho de Administração e “Chief Operating Officer” da 1ª Ré.(v. artigos 13º a 16º da p.i.).
Ora, nos termos do disposto no artigo 250.º do Código Comercial:
“Os administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros, pelos danos que a estes directamente causem no exercício das suas funções.”
Ou seja, a responsabilidade dos administradores tem fundamento directo na lei, não sendo necessário o recurso ao instituto do levantamento da personalidade jurídica, que conforme se disse, é de aplicação subsidiária.
Por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que não vem assacado qualquer comportamento gerador de responsabilidade, seja a que título for, de acção ou omissão, perante as aqui Recorrentes.
A petição inicial é vaga em relação aos factos que eventualmente pudessem ser geradores de qualquer dano causado pelos 2º a 5ª Réus.
Não foram alegados os factos necessários ao decretamento das medidas peticionadas, designadamente:
a) Não foi alegado o benefício pretendido pelos Autores com a dissolução da sociedade 1 ª Ré;
b) Não foi alegado o benefício pretendido pelos Autores com o levantamento da personalidade jurídica dos administradores da 1 ª Ré;
c) Em suma, não foi alegado qualquer receio da perda de garantia patrimonial que subjaz aos institutos jurídicos que invocam os Autores.
Por outro lado, a sentença em crise foi bastante clara no que toca à questão de se decidir pela absolvição do pedido, nos termos do disposto no artigo 230º/3 do CPC, chegando mesmo a motivar que “mesmo que os incidentes mencionados na introdução fossem exactamente como relatam os Autores, contrários à lei, ordem pública e bons costumes, isso não produziria as consequências apontadas na alínea f) do número 1 do artigo 315º do Código Comercial.”
Ou seja, ao contrário do que alegam os Recorrentes, o douto tribunal recorrido estava bem habilitado para um julgamento de mérito sobre o pedido de dissolução judicial da 1ª Ré.
Trata-se de um pedido infundado, malicioso e feito com o intuito único de prejudicar os Réus, sem qualquer benefício para os próprios AA./Recorrentes.
Daí não necessitarem de qualquer tutela jurisdicional.
Daí ter-se classificado o seu comportamento como contrário à boa-fé processual.
Nenhuma censura merece, pois, a sentença recorrida, atento o disposto no Artigo 563.º do CPC:
«1. Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 230.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões que possam conduzir à absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2. O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
3. O juiz ocupa-se apenas das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.»
A este propósito, cumpre citar o Acórdão desse Venerando TSI de 16/Junho/2016 no processo nº 282/2016:
«Preceitua-se no nº 3 do artigo 230º do CPC que “a irregularidade cometida só constitui excepção dilatória quando não tenha sido sanada; ainda que não tenha sido sanada, não tem lugar a absolvição da instância quando, destinando-se a excepção dilatória a tutelar o interesse de uma das partes, não haja, no momento da sua apreciação, outro motivo que obste ao conhecimento do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável a essa parte”.
Segundo essa disposição legal, é concedida ao juiz a faculdade de conhecer do mérito, mesmo que se verifique a existência de excepção dilatória não suprida, desde que a decisão seja inteiramente favorável à parte em cujo interesse se estabelecera o pressuposto processual.
No fundo, o que o legislador pretende é dar prevalência à decisão de mérito sobre a decisão de forma.
Como observa o Professor Miguel Teixeira de Sousa, “…no momento em que o tribunal conclui que falta um pressuposto processual é possível o conhecimento do mérito da acção. O que interessa discutir é se, neste caso, é admissível que o tribunal conheça do mérito apesar da falta do pressuposto. A resposta a esta questão depende da função do pressuposto que não está preenchido. Em geral, os pressupostos processuais podem realizar uma de duas funções: esses pressupostos podem destinar-se quer a assegurar o interesse público na boa administração da justiça, quer a garantir o interesse das partes na obtenção de uma tutela adequada e útil”.
Defende o mesmo autor que “...importa verificar se o conhecimento do mérito pode ser favorável à parte que seria beneficiada com a protecção que resultaria do preenchimento do pressuposto”. [...]
Como se disse acima, a norma exige a verificação de certas circunstâncias para que se possa conhecer do mérito, não obstante a falta de um pressuposto processual, tais como: a excepção dilatória destina-se a tutelar o interesse de uma das partes; não existe outro motivo que obste ao conhecimento de mérito; e a decisão de mérito deve ser integralmente favorável a essa parte.» (sublinhado nosso)
O 5º Argumento dos Recorrentes
O espaço dedicado pelos Recorrentes à apresentação do seu quinto argumento nuclear é o correspondente às Conclusões XCII a CXIX das suas alegações, que consiste resumidamente na invocação de uma desconformidade entre a causa de julgar e a causa de pedir no que se refere aos danos não patrimoniais invocados pelos AA/Recorrentes..
Mais uma vez não podem as Recorridas deixar de enfatizar o seu espanto perante a leitura das Conclusões dos Recorrentes, em total contradição com a postura processual anteriormente demonstrada.
Vamos por partes:
Alegaram os AA./Recorrentes na réplica:
116. Conforme alegado pelos Autores, particularmente nos artigos 64º a 195º da sua petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, os Réus praticaram um conjunto alargado de actos ilícitos no âmbito de um plano engendrado pelo 2º Réu e por todos os restantes Réus, contando ainda com a colaboração de diversos funcionários da A, LIMITED e da 1ª Ré, destinado a eliminar a 1ª Autora como o maior accionista da A, LIMITED.
117. Factos esses que constituem a causa de pedir dos diversos pedidos formulados pelos Autores a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos e que aqueles se propõem provar nos vertentes autos.
Alegam agora, entre outras, nas Conclusões XCV, XCVI e CXV:
XCV. A causa de pedir que sustenta os pedidos de indemnização a título de danos não patrimoniais não é a que vem referida na decisão recorrida.
XCVI. Os danos não patrimoniais sofridos pelos Autores e peticionados nos presentes Autos, não resultaram da amortização forçado (“redemption”) das acções acima aludida, não sendo a causa de pedir que fundamenta os pedidos de indemnização a esse título.
CXV. Os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais têm como causa de pedir o tratamento e a transferência dos dados pessoais e a publicitação do Relatório J.
Porém, a douta sentença recorrida não caiu na tentação de considerar que a causa de pedir dos danos não patrimoniais seria apenas esta.
Pois, o vertido na Conclusão XCIII não é verdadeiro.
Ou antes, é uma distorção total do texto da douta sentença recorrida. É uma pós-verdade.
A douta sentença recorrida motivou a improcedência dos pedidos de indemnização formulados de forma clara, precisa e bem fundamentada, assente em dois vectores:
1) Os factos alegados na p.i. não são causa adequada para a perda patrimonial (redemption) das acções que foram da 1 ª Autora; e
2) O objecto da norma de jurídica alegadamente violada (artigo 14º da LPDP) são os danos sofridos pelos titulares dos dados pessoais, e os AA./Recorrentes não são os titulares desses dados.
Em momento algum da douta sentença recorrida se pode retirar a conclusão que a improcedência do pedido de danos não patrimoniais teve como fundamento o argumento exposto em 1) acima, antes pelo contrário, a improcedência desse pedido teve fundamento exclusivamente na problemática de se saber se os danos resultantes da divulgação de dados pessoais de terceiro conferem direito a qualquer indemnização.
Em relação ao fundamento exposto em 1), cumpre reafirmar que a amortização das acções que a 1ª Autora detinha na A, LIMITED foi deliberada, pelo órgão social competente, com fundamento em factos praticados pelo 3º Autor, em conjugação de esforços com as 1ª e 2ª AA./Recorrentes.
Designadamente, conforme se deixou já alegado na contestação (artigos 63º a 65º), aquela decisão foi tomada porque foi deliberado pela A, LIMITED que a conduta dos AA./Recorrentes não era conforme ao “Código de Conduta da A” e porque houve quebra dos deveres fiduciários e de lealdade dos AA./Recorrentes.
Assim, o nexo causal entre a conduta dos RR./Recorridos e a perda alegada pelos Recorrentes é inexistente.
Aliás, cumpriria aos próprios AA./Recorrentes certificarem-se bem de que pretendem continuar a litigar em conjunto no presente processo, considerando que o 3º Autor, aqui Recorrente foi também acusado conduta imprópria pela 2ª Autora, não ocupando ali mais o cargo de direcção.
A tomada de uma qualquer deliberação social é um facto voluntário humano, não é um facto natural.
A ter havido qualquer vício da vontade na tomada daquela decisão, por parte do órgão social que a tomou, esse vício deve ser discutido em sede de impugnação da deliberação e a presente acção não é o meio judicial adequado à anulação daquela deliberação.
Por outro lado, em relação concretamente aos alegados danos não patrimoniais, parece transparecer nas conclusões C e CI que os Recorrentes pretendem culpar os Recorridos pela elaboração do relatório J e pela sua alegada publicitação.
Porém, em nenhum artigo da petição inicial alegam que foram os Recorrentes quem elaborou o tal relatório J ou quem o alegadamente publicitou.
Assim, no artigo 160º da p.i. os próprios Recorrentes alegam que quem teria contratado a elaboração do referido relatório foi a A, LIMITED, que é aqui Ré:
160.º
No âmbito desse plano, a A, LIMITED contratou, em data que as Autoras desconhecem, lima sociedade de consultadoria sediada nos Estados Unidos da América, a J, LLP (“J”), com vista à realização alegadamente, de uma “investigação independente” destinada, inter alia, a determinar se um dos membros do Conselho de Administração da A, L1MITED, in casu, H, teria realizado diversas diligências tendentes à criação de um estabelecimento de jogo na República da Filipinas e, paralelamente, i) violado os seus deveres societários para com a mesma sociedade, ii) adoptado uma conduta que potencialmente colocara em risco as licenças de jogo de que a mesma sociedade é titular e, por fim, iii) violado d politica de “compliance” da empresa.
E, no artigo 170º da sua p.i. vai mais longe ao afirmar expressamente que o relatório é da autoria da J e que alegadamente teria sido anunciado à imprensa pela A, Limited.
170.º
A verdade é que, munida dos dados pessoais daqueles cidadãos que foram facultados pela 1ª Ré, a J preparou e elaborou o relatório que aqui se junta e que se dá por integralmente reproduzido (Doc. n.º 35), adiante também designado Relatório J, documento esse que foi apresentado ao Conselho de Administração da A, LIMITED, em reunião de 18 de Fevereiro de 2012, e cujas conclusões foram anunciadas por esta sociedade, em comunicado de imprensa, logo na manhã do dia seguinte, como já foi referido.
Ou seja, mesmo que o delírio persecutório dos AA./Recorrentes fosse justificado e que a teoria da conspiração que engendram fosse verdadeira, no que não se concede, não existe qualquer relação directa entre o dano alegado e qualquer facto de qualquer dos RR. no presente processo.
Por fim, a douta sentença recorrida nega procedência ao pedido de indemnização formulado assente em dois vectores que estão suficientemente fundamentados, quer em termos de matéria de facto quer de direito, não havendo qualquer desconformidade entre a causa de pedir e a causa de decidir.
No caso dos danos patrimoniais, são negados por falta de nexo de causalidade; no caso dos danos patrimoniais, porque as AA./Recorrentes não estão protegidas pela disposição legal invocada.
O 6º argumento dos Recorrentes
Nas Conclusões CXIX a CXXXIX, pugnam os Recorrentes pela existência do nexo de causalidade entre os factos imputados aos RR. e os danos alegados.
Sem razão, no entanto.
Conforme ensina Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, 10ª Ed. Vol. 1, p. 525:
«A simples leitura do preceito mostra que vários pressupostos condicionam, no caso geral da responsabilidade por factos ilícitos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante. Cada um desses pressupostos desempenha um papel especial na complexa disciplina das situações geradoras do dever de reparação do dano.
É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente (não um mero facto natural causador de danos), pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados da lei, é capaz de violar direitos alheios ou de agir contra disposições (...violar ilicitamente...), que infrinja objectivamente qualquer das regras disciplinadoras da vida social. Em 3º lugar importa que haja um nexo de imputação do facto ao lesante (“Aquele que com dolo ou mera culpa, violar...). Em seguida é indispensável que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil (ao contrário do que sucede muitas vezes, quanto aos chamados crimes formais, no processo criminal). Por último a lei exige que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação. Só quanto a estes danos manda a lei indemnizar o lesado.»
Dispõe o Artigo 477º do Código Civil:
«1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»
Ou seja, o nexo de causalidade a que se reporta o artigo 477º do Código Civil é entre os danos e a violação da disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Ora, o dano alegado pelos Recorrentes foi a perda de acções cotadas em bolsa, bem como algumas quantias a título de danos não patrimoniais (que agora, e por mera cautela de patrocínio, vamos supor terem sido alegadas a título de lesão à honra ou o que quer que seja - embora nos seja difícil perceber se é essa a razão invocada).
Esse dano terá sido causado, provocado, desencadeado pelos Recorridos?
Cremos que não.
O dano em si, quer a perda das acções, quer uma alegada publicitação de dados pessoais não titulados pelos Recorrentes, não tem qualquer intervenção, directa ou indirecta dos Recorridos.
Tanto mais que o relatório mencionado poderia ter sido elaborado sem o recurso a quaisquer dados pessoais localizados em Macau.
O nexo causal é produto da imaginação dos Recorrentes, que se encontram cegos por um espírito de vingança, conforme adiante melhor se exporá.
Só assim se compreende que aleguem que a amortização forçada das acções pode ter acontecido porque a 1ª Recorrida alegadamente não pediu autorização aos titulares dos dados pessoais!
O 7º Argumento dos Recorrentes
Acresce que, os factos ilícitos alegadamente praticados pelas RR. não têm qualquer relação com ofensas a direitos de personalidade dos Recorrentes.
Pois, subjacente a toda a protecção de dados pessoais está, por um lado, a protecção do direito à autodeterminação informativa e, por outro, a protecção da privacidade. Se o primeiro visa assegurar um direito a um controlo sobre os dados de cada pessoa singular, impondo limitações quanto ao seu tratamento, acesso e divulgação, o segundo visa proteger a privacidade. Não se trata da simples protecção de interesses colectivos, mas da protecção directa de interesses individuais que constituem os bens jurídicos protegidos pelos ilícitos.
Este factor tem necessariamente que ser considerado, em especial atentando à parte final daquele artigo 477º do Código Civil: “danos resultantes da violação”.
Conforme se deixou amplamente alegado na contestação e na sentença recorrida, as 1ª e 2ª AA. são sociedades comerciais.
Na presente acção não vem imputado aos RR. o tratamento dos dados pessoais do 3º Autor.
E os AA./Recorrentes invocam o artigo 14º/1 da Lei de Protecção de Dados Pessoais, conjugado com o artigo 477º/1 do Código Civil, para fundamentar o seu direito a uma indemnização.
Porém, o artigo 14º está inserido no “Capítulo III - Direitos do titular dos dados” da Lei de Protecção de Dados Pessoais.
O conceito de titular dos dados pessoais está ínsito no artigo 4º da LPDP:
«2) «Titular dos dados»: pessoa singular à qual se referem os dados objecto do tratamento;» (sublinhado nosso)
Aquele Capítulo III da mesma lei, com o título direitos do titular dos dados, não pode querer dizer outra coisa senão que regulamenta tão-só os direitos das pessoas singulares.
A fórmula utlizada, com o uso dos vocábulos Direitos “do titular”, no seu singular, reforça esta ideia de protecção individual.
Por outro lado, os AA. não alegam a violação de qualquer direito de personalidade próprio ou alheio, bem como não alegam os factos de que dependeria a responsabilidade civil extracontratual por violação de direitos subjectivos, próprios nem alheios.
Sobram, assim, os factos que consistem na violação dos artigos da Lei de Protecção de Dados Pessoais ‒ ou seja, de “disposição legal destinada a proteger interesses alheios” (artigo 477º/1 do CC).
Para que se considere, no entanto, objectivamente preenchido o tipo legal e o seu agente incurso em ilícito, não basta a violação de uma «norma de protecção» no sentido do preceito.
É necessário atender ao «concreto escopo de protecção da norma», implicando na especialidade a verificação de três requisitos fundamentais:
1) que o lesado pertença ao seu domínio subjectivo de aplicação, incluindo-se no círculo de pessoas que a norma abstractamente visa proteger;
2) que tenha sido em concreto ofendido o interesse tutelado mediante a lei de protecção; e
3) que se mostre concretizado o perigo a esconjurar mercê da mesma lei.
Ora, é patente que as 1ª e 2ª Recorrentes, sendo pessoas colectivas não estão abrangido no círculo de pessoas que as normas da Lei de Protecção de Dados Pessoais visam proteger ‒ pois apenas as pessoas individuais são “pessoas singulares identificada ou identificável” ‒ artigo 4º/1-1).
Por outro lado, o 3º Recorrente sendo embora pessoa singular, não é o titular dos dados pessoais que alegadamente foram tratados pela 1ª Recorrida.
Ou seja, o direito de indemnização por responsabilidade civil extracontratual emergente da violação da Lei de Protecção de Dados Pessoais só pode ser exercido, obviamente, pelos próprios titulares dos dados pessoais que se sintam lesados!
Pois, não há qualquer norma que tutele em geral o direito das pessoas ao seu património ‒ pelo que os danos alegadamente sofridos pelos AA./Recorrentes não têm tutela específica.
Tal como os Recorrentes configuraram a presente acção, em relação ao pedido de indemnização, não se verificou o requisito da ilicitude da conduta dos RR.
O 8º Argumento dos Recorrentes
Em relação à condenação como litigante de má-fé dos Recorrentes, a douta sentença recorrida foi exemplar e não merece qualquer reparo.
Da Litigância de má-fé
Da leitura da alegação dos Recorrentes retira-se que o seu comportamento continua a ser o do mais total desrespeito pelo Direito e que corresponde apenas à vontade de “ferir” os Recorridos.
Não demonstram os Recorrentes qualquer arrependimento, nomeadamente limitando o objecto do recurso, aceitando pelo menos vencimento no pedido de dissolução da sociedade 1ª Ré, ou outra medida do género que mitigasse os estragos provocados.
E, porém, os Recorrentes bem sabem que o pedido de dissolução da 1ª Ré é completamente infundado.
Os Recorrentes conhecem bem as consequências do provimento do pedido de dissolução da 1ª Ré, que implicaria a entrada da sociedade em liquidação, com danos e prejuízos não só para os accionistas, para os trabalhadores e até para os próprios Recorrentes que se arrogam credores da 1ª Recorrida!!!
Trata-se de um pedido que não tem qualquer fundamento legal.
Por outro lado, os Recorrentes continuam sem demonstrar até ao presente qualquer interesse sério na dissolução da 1ª Recorrida.
Em geral, o interesse de um credor social em exigir a dissolução prende-se apenas na satisfação dos seus créditos e não que a sociedade se mantenha ou se dissolva.
Ora, os Recorrentes continuam sem alegar qualquer receio de perda da garantia patrimonial dos seus créditos nem qualquer outro facto que, objectivamente, justifique tal pedido.
O pedido de dissolução da 1ª Recorrida nunca correspondeu a um interesse processual sério dos Recorrentes, como continua a não corresponder.
E, conscientemente, os Recorrentes formularam alegações e conclusões cuja falta de fundamento não podiam ignorar.
Bem como, fazem do processo judicial um uso manifestamente reprovável.
E não o fazem por carência pessoal, nem por falta de conhecimentos, ou de perícia, ou de uma particular inaptidão profissional,
Simplesmente, fundamentam a sua pretensão num conjunto de factos inverídicos e insusceptíveis de conduzir ao efeito pretendido,
Bem como invocam um enquadramento jurídico de todo desajustado à situação de facto invocada.
Além disso, um último reparo merece ser feito. É que o recurso apresentado deveria incidir apenas sobre matéria de direito.
Porém, os Recorrentes aproveitaram para encher mais de trinta páginas de alegação com a repetição dos factos alegados na p.i., os quais contêm juízos de valor e proposições conclusivas,
Tecem considerações sobre o caracter dos Recorridos absolutamente desenquadradas de umas alegações de recurso,
Transportam para as Conclusões alguma dessa matéria ‒ tudo isto é revelador do objectivo dos Recorrentes, que não é outro senão o de ofender, magoar e pisar os Recorridos,
Com consciência de estarem a violar não só o princípio da cooperação e o dever de boa-fé processual,
Prolongando a dúvida e o “sofrimento” da 1ª Recorrida, através deste expediente de recurso,
Inflacionando enormemente os custos dos Recorridos com a defesa do presente processo que já eram altíssimos.
Devem ser condenadas as Recorrentes cada uma no pagamento de uma indemnização adicional a arbitrar nos termos do disposto no artigo 386º/1 do Código de Processo Civil, a título de pagamento de honorários dos mandatários e técnicos (tradutores) no montante de MOP$2,000,000.00.
Nestes termos e com o douto suprimento de v. Exas. Deverá o presente recurso ser julgado improcedente e confirmada na íntegra a douta sentença de primeira instância.
Mais se requer sejam as recorrentes condenadas como litigantes de má-fé no pagamento de uma multa exemplar e no pagamento aos recorridos de honorários de mandatários e técnicos no montante de mop$2,000,000.00.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
* * *
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
* * *
III – FACTOS ASSENTES:
São os seguintes factos pertinentes para apreciar as questões suscitadas neste recurso:
- Em 12/02/2015 os Autores F, INC., G CORP. e H vieram a propor uma acção na TJB contra os Réus A (Macau) S.A. (A(澳門)股份有限公司),C, D e E, com os fundamentos constantes de fls. 2 a 90 dos autos, cujo teor se dá por produzido aqui para todos os efeitos legais;
- Citados, os Réus contestaram a acção nos termos de fls. 1135 a 1200, cujo teor se dá por produzido aqui para todos os efeitos legais, tendo suscitado excepções e deduzido reconvenção;
- Os Autores apresentaram a réplica com os fundamentos constantes de fls. 1296 a 1336, cujo teor se dá por produzido aqui para todos os efeitos legais;
- Em 11/11/2017 foi proferido o despacho-sentença, contante de fls. 1353 a 1359, cujo teor se dá por produzido aqui para todos os efeitos legais, em que o Tribunal de primeira instância conheceu do mérito da acção, julgando improcedentes todos os pedidos dos Autores e condenando os mesmos em litigância de má fé.
* * *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
Como o presente recurso tem por objecto o despacho-sentença do Tribunal de primeira instância, importa ver o que este decidiu. Este afirmou na sua douta decisão:
清理批示-判決
*
原告F INC、G CORP及H(身份資料詳載於卷宗內)針對A(澳門)股份有限公司、C、O、D、E(身份資料詳載於卷宗內)提起本通常宣告案,並提出以下請求(詳見卷宗第2頁至第90頁)﹕
1. 請求解散A(澳門)股份有限公司;
2. 請求判處各名被告以連帶方式向第一原告支付澳門幣7,984,320,577.13圓的財產損害賠償;或以補充方式請求判處各名被告以連帶方式向第一原告支付不高於澳門幣7,984,320,577.13圓的財產損害賠償;
3. 請求判處各名被告以連帶方式向第一原告支付澳門幣40,000,000.00圓的非財產損害賠償;
4. 請求判處各名被告以連帶方式向第二原告支付澳門幣80,000,000.00圓的非財產損害賠償;
5. 請求判處各名被告以連帶方式向第三原告支付澳門幣80,000,000.00圓的非財產損害賠償。
關於第1點請求
為支持上述第一點請求,原告主張被告作出了違反法律、公共秩序、及善良風俗的行為。
原告在起訴狀中先後提及了兩宗事件,其中一宗事件是,於2005年至2008年期間,在一幅位於路氹區面積超過200,000.00平方米的土地批給過程中,第一、二被告以迂迴的方式向一間名為“K有限公司”支付了一筆為數三千五百萬美元的款項,在原告的眼中,該筆款項的支付是欠缺任何合理理由,純粹是給予“K有限公司”好處,而沒有為公司帶來益處,因此,其認為屬明顯違反法律、公共秩序、善良風俗,以及有違公司所營事業,對公司的形象和聲譽造成負面影響。
另一宗事件是,關於向澳門大學發展基金作出的捐獻,原告指出於2011年5月第一被告承諾於10年期間內向澳門大學發展基金合共捐款一億三千五百萬美元,同時指出該機構是一所私人機構,與澳門大學全無關係,不清楚捐款的目的,也不了解該機構是如何運用捐款,且正值第一被告申請路氹土地批給期間,故原告認為第一、二被告在作出上指行為時有欠透明度,欠缺合理理由,有違作為上市公司從事商業活動時應有的善意,有損公司股東的利益。
故原告現在根據《商法典》第315條第1款f項和i項的規定請求宣告解散第一被告。
關於第2至5點請求
為支持該等請求,原告提出的理據主要是,透過於2012年2月18日召開的A, LIMITED的特別董事會議,通過了對第一原告於A, LIMITED 內持有的股份進行強制贖回(redemption)的決議,方式是直接將第一原告持有的股份於美國納斯達克指數的股票市場內放售,決議直接導致第一原告失去在A, LIMITED 內的股東資格和持股以及因持股而帶來的經濟利益。而上述決議的依據是一份由調查機構J, LLP(以下簡稱“J”)撰寫的報告,當中指出第三原告試圖在菲律賓開設賭場,違反了作為公司股東的義務,影響公司利益,此外,報告亦指出原告(尤其是第三原告)曾向“I CORPORATION”(以下簡稱I)的僱員提供不法利益,以獲得在菲律賓方面的投資回報。而為著撰寫該份報告,J取得由第一被告(經A, LIMITED及其餘被告同意下)提供關於I的多名僱員的個人資料、相片及其他相關文件,也包括彼等家屬的資料,有關資料都是在他們逗留本澳(B酒店)時收集得來的,然而,原告指稱第一被告從未就那些個人資料的使用和移轉方面獲得資料當事人的許可。
所以,按照原告的觀點,各名被告的行為是直接導致第一原告所持有的A, LIMITED股份被強制贖回,因為正如前述,有關強制贖回的決議是完全建基於由J撰寫的不實報告,而編製有關報告時,使用了I僱員及其家屬的個人資料,基於資料是在各名被告同意下,由第一被告向J提供,但事前卻沒有獲得相關資料當事人的同意,因此,原告認為其遭受的損失(因強制贖回股份引致,包括財產和非財產的損失)是各被告的不法行為(違反第8/2005號法律 - 個人資料保護法)所引致,各名被告應以連帶方式承擔因不法事實而產生的賠償責任。
*
各名被告在經適當傳喚後,提交了答辯(見卷宗第1135頁至第1200頁)
在答辯狀中,被告提出了以下的問題﹕
1. 起訴狀不當;
2. 時效;
3. 對解散第一被告方面,原告欠缺訴之利益;
4. 欠缺構成因不法事實而產生之民事責任的要件,包括﹕a) 被歸責的不法行為與損害之間的因果關係;b) 行為的不法性;c) 過錯;
5. 以補充方式提出了反訴;
6. 惡意訴訟。
*
以下將按照《民事訴訟法典》第563條第1款的規定對被告提出的問題進行審理。
關於起訴狀不當
被告認為原告的起訴狀內陳述的訴因與請求之間存有明顯對立的情況,構成《民事訴訟法典》第139條第2款b項的起訴狀不當的理由。
被告上述的結論是基於一方面原告提出了“無視法律人格”(desconsideração da personalidade jurídica)的機制,另一方面又提出第一被告所作的行為純粹為著保護第二被告的利益,構成違反法律、公共秩序和善良風俗,且明顯違反公司的所營事業,但原告在按《商法典》第315條第1款f項和i項的規定要求解散公司時,卻完全沒有陳述任何關於公司所營事業存有不法性的事實。故被告認為原告混淆了公司的宗旨和所營事業兩個概念,其提出的事實理據與解散公司的請求有明顯對立。
關於這一方面,經整體分析原告的起訴狀,之所以原告提出“無視法律人格”(desconsideração da personalidade jurídica)的機制,相信是因為原告有意追究作為第一被告背後股東的第二被告的個人責任,希望第二被告(個人)與第一被告(法人)以連帶方式承擔原告主張的賠償責任,限制第二被告以第一被告的法律人格作為排除自身責任的“擋箭牌”。
至於原告提出第一被告的行為違反法律、公共秩序和善良風俗,以及公司的所營事業,實際上,原告是希望援引《商法典》第315條第1款f項,向法院聲請解散第一被告。
《商法典》第315條第1款規定﹕
一、除法律或章程所指之情況外,公司亦因下列情況解散:
a)股東決議;
b)存續期屆滿;
c)中止業務逾三年;
d)連續逾十二個月不經營任何業務,而業務非處於第一百九十三條規定之中止狀態;
e)所營事業消滅;
f)公司所營事業嗣後為不法或不能,而在四十五日內仍未按修改章程之規定對公司所營事業之修改議決;
g)從營業年度帳目證實公司資產淨值低於公司資本額半數;但第二百零六條所規定之情況除外;
h)破產;
i)法院判決下令解散。
(底線為我們後加)
須指出的是,原告陳述的事實理由是否符合上指f項是實體問題,因為原告提出的訴因是認為出現了第315條第1款f項的情況,而請求則是宣告解散第一被告,兩者之間沒有對立和矛盾,至於最終是否一如原告所言,證實解散公司的前提,則屬對實體問題的審理。
有見及此,法庭未見被告指稱的起訴狀不當。
*
關於原告欠缺訴之利益
被告在答辯中提出,原告現在要求宣告解散第一被告的請求,對任何一方當事人而言均是毫無意義的,因為原告的這一主張明顯欠缺訴之利益。
根據《民事訴訟法典》第72條的規定,“如原告需要採用司法途徑為合理者,則有訴之利益。”
關於這一方面,須強調的是,學理上認為“不應將原告訴諸司法途徑的需要絕對化,但是,如果僅僅為了滿足簡單的幻想或為了滿足取得司法裁判的純粹主觀利益,訴諸司法並不存在充足的理由”4。
回到本案中,根據《商法典》第315條第3款的規定,任何債權人均具有正當性聲請法院宣告因導致解散之事實而解散公司,即使股東曾按同條第二款之規定議決不確認解散者亦然。
該規定,明確賦予了自稱為被告債權人的各名原告提起解散公司的司法程序的正當性,而之所以賦予債權人該正當性,是因為立法者認為在某些情況下,對債權人而言,公司的解散反而會較公司繼續存在更能保護公司的資產和償付能力5,例如在公司不經營任何業務下,亦可能會繼續產生一些經常性開支,例如會計服務。所以,債權人具有正當性要求法院宣告公司解散,某程度上是為著維護公司債權人的利益。
而在本案中,為支持解散公司的請求,原告提出第一被告聯同其他被告作出了違反法律、公共秩序、及善良風俗的行為,但卻完全沒有陳述到任何關於宣告第一被告解散的應予考慮之理由,除了應有尊重外,法庭至今並不理解一旦第一被告被宣告解散,原告可獲得什麼利益,又或其債權在何等程度上獲得更大的保障。
所以,法庭認為關於要求解散第一被告的請求,原告是明顯欠缺訴諸法院的充份理由。
根據《民事訴訟法典》第230條第1款e項結合第413條h項的規定,應當駁回原告針對被告關於解散公司請求方面的起訴。
儘管裁定了上述的延訴抗辯理由成立,但根據第230條第3款的規定,由於欠缺訴之利益是為了維護被告一方的利益,且原告提出的這一請求屬明顯不成立,完全對被告有利,因此,現決定按照第230條第3款審理原告提出的第一點請求。
上面提到原告的請求屬明顯不成立,理由是在上述簡介部份提到的兩宗事件即使一如原告所言,屬違反法律、公共秩序、及善良風俗的行為,其後果不會產生《民法典》第315條第1款f項的後果,正如原告援引的《民法典》第273條第1款和第2款的規定,如法律行為之標的違反法律、公共秩序或侵犯善良風俗,其後果是法律行為無效。然而法律行為無效是有別於《商法典》第315條第1款f項所指的公司所營事業嗣後為不法或不能。
根據《商法典》第180條的規定,所謂所營事業是指公司欲從事之業務,又根據關於第一被告於商業登記內記載的所營事業(見卷宗第159頁),第一被告是以經營娛樂場博彩或其他方式博彩作為其所營事業,而實際上第一被告本身又獲政府批准經營有關業務,因此,法庭未見第一被告的所營事業有違法、違反公共秩序或侵犯善良風俗的情況。
針對第一被告作出的個別法律行為,即使其屬違法、違反公共秩序、善良風俗,又或違反公司的宗旨,其後果是導致具體作出的法律行為無效,或因欠缺行為能力而患有可撤銷的瑕疵,但卻不會因此引致公司解散的結果,更何況第《商法典》第315條第1款f項尚給予公司45天用作修正違法的所營事業。
綜上所述,法庭認為現在原告提出的第一點請求屬明屬不成立,現在決定根據《民事訴訟法典》第429條第1款b項,結合第230條第3款的規定,駁回原告針對被告提出的第一點請求,即使原告就提出該項請求方面欠缺訴之利益。
*
關於第2至第5點請求 – 賠償責任出現的要件
正如前述,根據原告的觀點,其之所以提出第2至第5點的賠償請求,是因為原告認為第一被告在未徵得I僱員及其家屬的許可和同意下,向J提供了他們的個人資料,有關資料被用作撰寫由J負責編製的調查報告,最終於2012年2月18日召開的A, LIMITED的特別董事會議中,該份報告成為強制贖回第一原告股份的決議的依據,因此,原告認為其遭受的損失(因強制贖回股份引致,包括財產和非財產的損失)是各被告違反第8/2005號法律(個人資料保護法)的不法行為所引致,各名被告應以連帶方式承擔因不法事實而產生的賠償責任。
在法律依據方面,原告援引了第8/2005號法律第14條第1款的規定。
根據該規定﹕“任何因資料的不法處理或其他任何違反個人資料保護範疇的法律規定或規章性規定的行為而受損害的人均有權向負責處理資料的實體要求獲得所受損失的賠償。”
然而,除了應有尊重外,法庭認為原告以上述理由來要求損害賠償的主張也屬明顯不成立。
首先,相信我們對構成因不法事實而生的民事責任的各項要件並不陌生,包括須同時存有﹕行為、損害、不法性、過錯以及因果關係。
而現在原告提出的損害賠償請求明顯不符合上述所指的因果關係要件。
所謂因果關係是指侵害行為與損害之間的因果性和關聯性,根據《民法典》第557條的規定,“僅就受害人如非受侵害即可能不遭受之損害,方成立損害賠償之債”。
對因果關係的解釋,主流學理採用的是適當因果關係理論(a doutrina da causalidade adequada),根據葡國學者Galvão Telles的理解,若經考慮所有情節後,按照一般經驗,如有關作為或不作為能適當地導致損害的出現,這時候,會認為行為和損害之間具備適當的因果關係6。
換言之,根據適當因為關係理論,將會排除那些雖為損害出現的原因之一,但卻不能適當引致損害發生的行為,又或損害的出現是在非正常的情況下發生。
回到本案,按照原告的觀點,其認為眾被告違反個人資料保護法的行為是引致第一原告失去於A, LIMITED內的持股的損害,我們先放下討論有否出現該違法行為,但即使有,我們相信該行為與第一原告的股權被強制贖回的結果之間不存有適當的因果關係,因為直接導致該結果出現的原因是於2012年2月18日召開的A, LIMITED的特別董事會議中作出的董事會決議,是決議的效果令到第一被告失去持股,否則,按照原告的觀點,應該認為召開會議的人士亦是導致損害出現的責任人,因為若然沒有該特別會議的召開,也就不會有強制贖回第一原告持股的決議出現,但我們深信,這明顯不是能適當導致原告提出的損害發生的原因,因為真正產生強制贖回效果的行為是當天公司董事會作出的決議,是董事會的集體意志。不妨試想,即使被告作出了違反個人資料保護法的行為,但董事會同樣可以議決不強制贖回第一原告的股份,所以真正能夠適當產生損害的行為明顯地不可能是現在原告歸責被告作出的違反個人資料保護法的行為。事實上,若決議有違反法律,原告應該訴諸法院以質疑有關決議的有效性(相信原告已經提出相關訴訟),而非以一些關聯性甚低的事件為由,提出損害賠償的主張。
有見及此,法庭認為原告現在提出的違法行為與原告聲稱遭受的損害之間沒有適當的因果關係,故不能同時符合導致因不法事實而生的民事責任的各項要件。
在此,仍須強調的一點是,第8/2005號法律所保障的個人資料是自然人的個人資料,換言之,受保護對象是資料當事人,所以原告也不應被視為該法第14條第1款中規定的有權要求損害賠償之人士,但即使有,所指的損害僅限於因個人資料受侵害而引致的損害,而非任何損害。所以,原告所援引的法律依據也無法支持其提出的損害賠償請求。
*
基於原告的第2點至第5點請求也屬明顯不成立,根據《民事訴訟法典》第563條第2款的規定,此將妨礙審理被告提出的其餘抗辯,同時亦妨礙審理被告以補充方式提出的反訴。
*
關於惡意訴訟
被告要求法庭判處原告屬惡意訴訟人,理由是,原告隱暪了其已在不同法區針對被告提起訴訟,其後果可以引致原告一旦獲裁定勝訴時,將出現不當得利的情況,尤其是可能重覆地獲得賠償。
然而,法庭認為,單純原告承認有關提起不同訴訟的事實仍不足以斷定原告有惡意訴訟的情況,至少到目前為止,仍未得悉原告具體提起的訴訟類型和請求,因此,不能以此為由裁定原告為惡意訴訟人。
然而,針對原告要求法院宣告解散第一被告的請求,正如前述,該請求在法律上屬明顯不成立,且在正常情況下亦無法理解原告要求解散第一被告的用意。
根據《民事訴訟法典》第385條第2款a項的規定,提出無依據之主張或反對,而其不應不知該主張或反對並無依據者,構成惡意訴訟人。
正如前述,原告自稱是被告的債權人而提出解散公司的請求,一方面該請求明顯不成立,另一方面法庭實未見原告透過解散公司將可獲得哪些利益,所以,可以總結出,現在原告要求解散第一被告的請求是屬於“損人不利己”的行為,背後是沒有合理的動機去支持的,這些行為應該受到讉責,且原告不應該意識不到。
法庭認為原告已構成惡意訴訟人,考慮到案的利益值及可能對被告產生或已產生的不利後果,現決定以連帶方式科處三名原告合共支付50個計算單位的罰款。
同時,亦認同被告的觀點,應以連帶方式判處三名原告向各名被告支付相關訴訟代理人的服務費,金額將在取得必需的資料後再作訂定,為此,按照《民事訴訟法典》第386條第4款的規定,聽取雙方當事人的意見。
*
決定
綜上所述,現裁定三名原告提出的全部請求屬明顯不成立,決定駁回其針對案中各名被告的各項請求。
裁定三名原告為惡意訴訟人,判處彼等以連帶方式支付合共50個計算單位的罰款。
判處三名原告須向各名被告支付訴訟代理人的服務費,雙方當事人得於10日內就服務費金額方面發表意見。
訴訟費用由三名原告共同承擔。
作出登錄和通知。
*
Quid Juris?
Neste recurso o Recorrente (conjuntamente com os Autores que vieram desistir do recurso tal como se referiu anteriormente), veio a suscitar, no essencial, as seguintes questões:
1) - Da actividade desenvolvida pela 1ª Ré manifestamente contrária à lei, ordem pública e aos bons costumes;
2) - Do interesse processual por parte dos Autores na formulação do 1º pedido que se prende com a dissolução da 1ª Ré;
3) - Da actividade ilícita exercida pela 1ª Ré, não compreendida no respectivo objecto social (ou contratual) e inclusivamente colidente com o mesmo objecto, como causa do pedido de dissolução da mesma sociedade formulado pelos Autores nos presentes autos;
4) - Os factos relevantes alegados pelos Autores na sua petição inicial que servem de causa de pedir ao 1º pedido mostram-se adequados e suficientes, no caso de se provarem na sua essência em sede própria, para a prolação de uma decisão favorável do mesmo pedido, não estando assim o Tribunal habilitado, neste estado do processo, a proferir uma decisão de mérito desfavorável sobre a mesma pretensão;
5) - Do erro de julgamento: Desconformidade entre a causa de pedir e a causa de julgar no que se refere aos danos não patrimoniais invocados pelos Autores com referência aos 3º, 4º e 5º pedidos;
6) - Existe um nexo de causalidade entre o acervo fáctico plasmado na petição inicial que serve de causa de pedir aos 2º (pedido principal e pedido subsidiário), 3º, 4º e 5º pedidos e os danos patrimoniais e não patrimoniais alegados pelos Autores que consubstanciam os mesmos pedidos;
7) - Do direito de indemnização que assiste aos Autores por danos por si sofridos decorrentes do tratamento e transferência ilícitos de dados pessoais e da violação da lei de protecção de dados pessoais levados a cabo pelos Réus; e
8) - Da inexistência de litigância de má-fé.
*
Por metódica de tratamento, podemos enquadrar estas questões em 3 blocos:
1º bloco: são as questões inseridas nos números 1 a 4;
2º bloco: são as questões enumeradas 5 a 7;
3º bloco: litigância de má fé por parte do Recorrente (inicialmente os Autores).
*
Comecemos pelo 1º bloco das questões levantadas.
O Recorrente veio pedir a declaração da dissolução da 1ª Ré porque entende que esta está a exercer actividades fora do seu objecto, tendo invocado os seguintes argumentos:
I. Os Autores requereram a dissolução da 1ª Ré nos presentes autos, assentando o mesmo pedido numa causa de pedir complexa e diferenciada que vem vertida na petição inicial (cfr., artigos 123º a 335º deste articulado).
II. Ora, a 1ª Ré encontra-se desfuncionalizada pelo 2º Réu, o qual utiliza a mesma sociedade para prosseguir os seus desígnios, em desrespeito expresso das normas legais vigentes na RAEM e, particularmente, do contrato de concessão de exploração de jogo que aquela assinou com o Governo da RAEM.
III. A actividade prosseguida pela 1.ª Ré é, essencialmente, o de proteger os interesses do 2.º Réu, em claro prejuízo da referida sociedade (1ª Ré) e essencialmente dos próprios Autores.
IV. Uma das actividades ilícitas por parte da 1.ª Ré tem a ver com a utilização e transmissão que levou a cabo, de forma consciente e indevida, de dados pessoais de terceiros para o exterior de Macau, sem a autorização ou consentimento destes, de forma a sustentar uma acusação falsa e infundada contra os Autores, com vista a retirar a idoneidade de que gozavam o 3.º Autor e, bem assim, as 1ª e 2ª Autoras e, em última instância, a proceder, de forma totalmente ilegal e injustificada, à amortização forçada das acções da A, LIMITED que eram tituladas pela 1ª Autora.
V. Actos ilícitos esses praticados pela 1ª Ré (em conjunto com os restantes Réus) que se inseriram num contexto de disputa pelo controlo da A, LIMITED, sociedade-mãe da 1.ª Ré, que foi iniciada pelo 2º Réu contra o seu maior accionista, a F, INC., representada na pessoa de H, e reflexamente, sobre a G CORP. e o próprio 3º Autor, na sequência do divórcio do 2ª Réu e do acordo e se seguiu de divisão das acções que detinha na referida sociedade (A, LIMITED), ficando assim este com menos de metade do número de acções detidas pela F, INC. naquela sociedade e de ser, consequentemente, o accionista de referência da mesma sociedade.
VI. No âmbito de um plano orquestrado pelos Réus, a 1.ª Ré, em conluio com os restantes Réus, decidiu utilizar e transmitir todos os dados pessoais, fotografias e ainda diversos documentos relativos a diversos funcionários da I CORPORATION (I) e seus familiares, sem a autorização ou consentimento dos respectivos titulares, com referência às suas estadias no Hotel A, em Macau, incluindo, sem limitar, os seus nomes, fotografias, consumos e despesas realizados pelos mesmos, para a A, LIMITED e para a sociedade J, LLP (J), com o único objectivo de sustentar um relatório totalmente infundado e coberto de falsidades que servisse os intentos próprios do 2.º Réu em eliminar a 1ª Autora (e, reflexamente, a 2.ª Autora e o 3.º Autor) enquanto accionista da A, LIMITED.
VII. Relatório esse em que são imputadas às ora Autoras e, particularmente, ao 3.º Autor diversas acusações totalmente falsas e infundadas tendo como base aqueles dados pessoais fornecidos pela 2ª Ré.
VIII. Com base nas conclusões falsas nesse relatório, a A, LIMITED, através do seu Conselho de Administração, decidiu, de forma injustificada, proceder à amortização a forçada (“redemption”) das acções daquela sociedade tituladas pela 1ª Autora.
IX. Nenhuma das acusações insinuadas no Relatório J (retiradas na sua essência dos dados pessoais que foram utilizados e transmitidos pela 1ª Ré) foram minimamente comprovadas por qualquer instância judicial de qualquer jurisdição, fosse nos Estados Unidos de América, nas Filipinas, em Macau ou em qualquer outro lugar.
X. A única entidade que foi punida foi a 1.ª Ré, pelo Gabinete de Protecção de Dados Pessoais da RAEM (GPDP), em virtude do tratamento e transmissão indevidos que levou a cabo dos dados pessoais daqueles cidadãos e seus familiares, com duas penas de multa no valor de MOP10,000.00 (dez mil patacas), no âmbito do Processo de Investigação n.º 0013/2012/IP, por violação dos Artigos 7º, 19º, 20º da Lei 8/2005 (Lei de Protecção de Dados Pessoais).
XI. Resulta assim evidente que a conduta da 1ª Ré violou a Lei de Protecção de Dados Pessoais, designadamente os artigos 7º, 14º, 19º, 20º da mesma Lei, desviando-se aquela sociedade da sua finalidade e do seu objecto social, em prol exclusivo dos interesses do 2º Réu e em claro prejuízo dos Autores.
XII. No âmbito do procedimento administrativo de concessão de um terreno no Cotai para construção de um complexo hoteleiro com casino, a 1.ª Ré celebrou um contrato, em 25 de Agosto de 2005, através do qual entraria numa “joint venture” com uma sociedade local, denominada B, LIMITADA, constituída cerca de 3 meses antes e cujo sócio maioritário (Ho Ho) era (e é) um verdadeiro desconhecido em Macau, assumindo a 1ª Ré todos os custos com o aproveitamento e desenvolvimento do projecto no terreno que, eventualmente, viesse a ser concedido pelo Governo de Macau a essa “joint venture”.
XIII. Por sua vez, a B, LIMITADA iria auferir USD 35,000,000.00 (trinta e cinco milhões de dólares americanos) no momento da concessão do Terreno, sem que tivesse que investir o que quer que fosse no seu aproveitamento.
XIV. A “joint venture” destinada para aquele efeito acabou por não envolver a 1ª Ré (e, pelos vistos, também não envolveu aquela outra sociedade que outorgou o referido contrato de Agosto de 2005), mas antes outras duas sociedades representadas pelo 2º Réu (A COTAI e CP PARTNER [CP]) e uma outra sociedade de Macau, denominada K LIMITED, conforme acordo outorgado em 19 de Abril de 2006, mantendo-se as restantes cláusulas em termos similares ao acordo de 25 de Agosto de 2005.
XV. A COTAI LAND DEVELOPMENT que era, ao fim ao cabo, a sociedade “joint venture” em causa e que foi parte nesse acordo, só veio a ser constituída em 11 de Maio de 2006, ou seja, 22 dias após a outorga desse acordo...
XVI. Nos considerandos deste Acordo de Abril de 2006, consta que a COTAI LAND DEVELOPMENT tinha já apresentado um pedido de concessão de um terreno no Cotai, com uma área de, aproximadamente, duzentos e dezoito mil metros quadrados, quando, na verdade, essa sociedade só foi constituída no dia 11 de Maio de 2006, i.e., em data posterior ao contrato de 19 de Abril de 2006 e ao próprio pedido de concessão do terreno em causa que foi apresentado na DSSOPT em Fevereiro daquele ano.
XVII. Nos termos do referido acordo de 2006, a 1ª Ré (ou uma sua afiliada) teria de pagar USD 35,000,000.00 (trinta e cinco milhões de dólares americanos) à K, a título de “finder's fee”, pelo esforço na obtenção de “direitos” sobre o Terreno cuja concessão fora requerida em Fevereiro desse mesmo ano.
XVIII. A K, sem qualquer histórico na RAEM e detida por dois sócios-administradores sem qualquer ligação a Macau, foi constituída em 7 de Outubro de 2005, i.e., cerca de seis meses antes do acordo de 19 de Abril de 2006 e cerca de apenas quatro meses antes da data da apresentação do pedido de concessão do mesmo terreno na DSSOPT.
XIX. Após a desistência daquela sociedade (COTAI LAND DEVELOPMENT) no respectivo procedimento administrativo e a sua substituição pela M em 2007, a K recebeu um pagamento de USD 50,000,000.00 (cinquenta milhões de dólares de dólares americanos), tudo assim o indica, da 1ª Ré, pela participação social de 12.5% que detinha na referida sociedade “joint venture”, à luz de um acordo outorgado em 1 de Agosto de 2008.
XX. Valor extremamente elevado (e totalmente injustificado) por uma participação social de uma sociedade (COTAI LAND DEVELOPMENT) sem qualquer actividade, património ou actividade económica relevante e que já tinha sido substituída, em 2007, por uma outra sociedade no tocante ao procedimento de concessão iniciado em 2006.
XXI. A 1ª Ré comprometeu-se, a largo prazo, a doar anualmente à FUNDAÇÃO L (L) cerca de oitenta milhões de patacas desde 2012 até 2022, para além do donativo de USD25,000,000.00 entregue a esta entidade em 2011, sem que ficasse clara a forma como a L iria utilizar aquele dinheiro e a razão da necessidade de tanto dinheiro durante todos esses anos, num momento em que decorria o procedimento administrativo para a concessão de um terreno no COTAI a favor da 1ª Ré (ou, em rigor, a favor da sua subsidiária, M LIMITED).
XXII. A L não tinha qualquer vínculo jurídico com a Universidade de Macau, não estando as suas actividades ou o aproveitamento dos donativos que recebe sujeitos minimamente a qualquer espécie de controlo ou fiscalização por parte da suposta beneficiária, a Universidade de Macau (UM).
XXIII. O Comissariado da Auditoria da RAEM elaborou um relatório no qual se observa que o modelo de fundação adoptado não permite à UM gerir, fiscalizar e controlar a L, não podendo, assim, intervir em matéria de donativos a si destinados, para além de que, promove a entrega de donativos que são destinados ao seu desenvolvimento a uma fundação de direito privado com a qual não mantém qualquer relação jurídica.
XXIV. Praticou assim a 1ª Ré no 1º caso apontado diversos actos jurídicos ilícitos, em claro desrespeito pela lei, servindo aquela actividade essencialmente os interesses e desígnios pessoais do 2.º Réu e prejudicar os interesses dos accionistas (directos e indirectos) da 1ª Ré, entre os quais a 1ª Autora.
XXV. Nos 2º e 3º casos apontados, conclui-se que os praticados pela 1.ª Ré não tinham nem têm qualquer ratio em termos empresariais e sem que dos mesmos obtivesse aquela sociedade qualquer benefício, mais não sendo que uma forma camuflada da mesma Ré se obrigar a pagar avultados pagamentos, completamente injustificados, infundados e sem qualquer contrapartida, a favor de terceiros, no interesse exclusivo do 2º Réu.
XXVI. Concluindo-se, por conseguinte, que a actividade que vem sendo desenvolvida pela 1ª Ré é totalmente desviante do seu objecto social (ou contratual) e ainda contrária à lei, ordem pública e aos bons costumes, infringindo claramente a ética dos negócios, envolvendo-se aquela sociedade em “negócios” que se mostram lesivos para a imagem, reputação e actividade comercial da mesma sociedade.
XXVII. Sendo, pois, aquela actividade manifestamente ilícita, o que justifica e determina, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 315.º do Código Comercial, a sua dissolução imediata.
XXVIII. O comportamento da 1.ª Ré, por iniciativa do 2.º Réu, ao envolver-se em negócios pouco claros bordeja as próprias fronteiras da responsabilidade criminal.
XXIX. Comportamento da 1.ª Ré que deve ser qualificado como contrário aos mais elementares princípios que devem reger as relações contratuais, a vida empresarial e a condução de negócios na RAEM e, nessa medida, merecer a forte censura do direito e dos tribunais, sobretudo se atentarmos que aquela sociedade apartou-se, desviou-se, de forma evidente, dos seus objectivos e das suas finalidades contratuais e estatutárias.
O Recorrente invoca como fundamento legal do seu 1º pedido o artigo 315º (Causas de dissolução e seu registo) do Código Comercial de Macau (CCOM), que dispõe:
1. As sociedades dissolvem-se nos casos previstos na lei, nos estatutos e ainda:
a) Por deliberação dos sócios;
b) Pelo decurso do prazo de duração;
c) Pela suspensão da actividade por período superior a três anos;
d) Pelo não exercício de qualquer actividade por período superior a 12 meses consecutivos, não estando a sua actividade suspensa nos termos do artigo 193.º;
e) Pela extinção do seu objecto;
f) Pela ilicitude ou impossibilidade superveniente do seu objecto se, no prazo de 45 dias, não for deliberada a alteração deste, nos termos previstos para a alteração dos estatutos;
g) Por se verificar, pelas contas do exercício, que a situação líquida da sociedade é inferior a metade do valor do capital social, salvo o disposto no artigo 206.º;
h) Pela falência;
i) Por sentença judicial que determine a dissolução.
2. Em caso de dúvida sobre a ocorrência de uma causa de dissolução e no caso previsto na alínea e) do número anterior, deve a assembleia geral ser convocada para deliberar sobre o reconhecimento ou não da dissolução ou sobre a prorrogação da sociedade ou alteração do seu objecto.
3. Qualquer credor ou o Ministério Público tem legitimidade para requerer ao tribunal que declare a dissolução da sociedade pela verificação de qualquer facto dela determinante, ainda que tenha havido deliberação dos sócios a não reconhecer a dissolução nos termos do número anterior.
Recapitularndo-se o que o Recorrente disse nas conclusões acima transcritas, entre outras coisas, o seguinte:
XXIX - Nos 2º e 3º casos apontados, conclui-se que os praticados pela 1.ª Ré não tinham nem têm qualquer ratio em termos empresariais e sem que dos mesmos obtivesse aquela sociedade qualquer benefício, mais não sendo que uma forma camuflada da mesma Ré se obrigar a pagar avultados pagamentos, completamente injustificados, infundados e sem qualquer contrapartida, a favor de terceiros, no interesse exclusivo do 2º Réu.
XXX - Concluindo-se, por conseguinte, que a actividade que vem sendo desenvolvida pela 1ª Ré é totalmente desviante do seu objecto social (ou contratual) e ainda contrária à lei, ordem pública e aos bons costumes, infringindo claramente a ética dos negócios, envolvendo-se aquela sociedade em “negócios” que se mostram lesivos para a imagem, reputação e actividade comercial da mesma sociedade.
XXXI - Sendo, pois, aquela actividade manifestamente ilícita, o que justifica e determina, nos termos do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 315.º do Código Comercial, a sua dissolução imediata.
Invocando como factos concretos que integram a causa de pedir:
- Transferir pela 1ª Ré dados pessoais para fora da RAEM em transgressão à legislação vigente na RAEM;
- Pagar injustificadamente uma quantia em avultado valor a uma companhia comercial identificada nos autos B, LIMITADA (para obter a concessão de um terreno);
- Fazer uma doação em valor igualmente elevado para a Universidade de Macau.
No recurso o Recorrente imputa à decisão do Tribunal a quo o vício de confusão entre 2 conceitos: legitimidade processual e interesse processual, tendo afirmado ele o seguinte:
XXXV - Salvo o devido respeito, o Tribunal confunde dois conceitos jurídicos, i.e., dois pressupostos processuais totalmente distintos: Um é a legitimidade processual que, como é sabido, constitui um pressuposto processual relativo às partes, que se afere, na falta de indicação da lei em contrário, face à relação material controvertida tal como configurada pelo autor (ou pelos autores); o outro é o interesse processual dos autores no que se refere à interposição da presente acção, particularmente no que se refere ao 1º pedido.
I. O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais; exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção – mas não mais do que isso.
II. O artigo 72º do Código de Processo Civil fornece o conceito de interesse processual, estabelecendo que “Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.”.
III. Os Autores pretendem alcançar, pela única via ao seu alcance - a judicial - a dissolução da 1ª Ré porquanto, conforme factos alegados, entre outros, nos artigos 64º a 263º da sua petição inicial, a 1ª Ré tem vindo a ser utilizada ilegitimamente para a prática de graves ilícitos que obstam a que possa continuar a sua actividade, designadamente no mercado de jogo de fortuna e azar em Macau.
IV. Na verdade, a conduta da 1ª Ré, em conluio com os restantes Réus, no sentido de afastar a 1ª Autora (e reflexamente a 2ª e o 3º Autores) da participação social que tinha (e que se entende continuar a ter) na empresa mãe da 1ª Ré, a A, LIMITED, correspondem a comportamentos claramente contrários à lei, ordem pública e bons costumes, com violação gravosa da ética dos negócios e inclusivamente das leis de Macau, designadamente da Lei de Protecção de Dados Pessoais.
V. Assim como todo o negócio relativo ao Terreno do Cotai, que veio a ser concessionado, por fim, a uma empresa filiada da 1ª Ré, o qual teve inquestionavelmente configurações e comportamentos por parte da 1ª Ré absolutamente contrários à ética dos negócios, com parcerias profundamente suspeitas que foram acompanhadas de pagamentos de elevado montante a favor de terceiros, completamente injustificados e infundados, em proveito claro dos interesses do 2º Réu.
VI. Tal-qualmente se verificou relativamente às doações feitas pela 1ª Ré a favor da L, nas circunstâncias claramente duvidosas da sua legitimação e de elevadíssimo montante, também claramente denunciadoras de comportamentos contrários à lei, ordem pública e aos bons costumes, e ainda contrários ao objecto social da 1ª Ré, e que, por isso, se revelam também altamente lesivos para a imagem, reputação e actividade comercial da mesma sociedade.
VII. Estes comportamentos ilícitos, imputáveis aos Réus, importaram também uma clara violação do “Código de Conduta da A” bem como uma quebra dos deveres fiduciários e de lealdade por parte dos Réus, afectando a reputação e o prestígio comercial das Autoras sociedades e do Autor pessoa individual, e mesmo das empresas mães da 1ª Ré (A, LIMITED e A MACAU, LIMITED), com reflexos nefastos na prossecução, quanto aos primeiros (ora Autores), da sua actividade comercial.
VIII. Em conclusão, os Autores são parte interessada até porque são destinatários de muitos dos actos ilícitos acima referidos entretanto praticados pela 1ª Ré (e pelos 2º e restantes Réus).
Acerca da legitimidade, é pertinente perguntar-se, que relação jurídica controversa que existe ou pode existir entre o Recorrente e os Recorridos? Particularmente com a 1ª Ré?
Se o pedido foi formulado com base no artigo 315º/2 do CCOM, então o Recorrente terá de alegar e provar que o Recorrente é credor da 1ª Ré!
Isto por um lado, por outro, pergunta-se ainda, o Recorrente está numa situação de carência de tutela judicial em face dos factos por ele alegados?
Antes de respondermos a estas 2 questões, vamos analisar, em primeiro lugar, as questões levantadas pelo Recorrente ligadas ao objecto social da 1ª Ré.
Ora, neste ponto, face aos termos acima citados, salvo o melhor respeito, o Recorrente está a confundir 2 coisas:
- Uma coisa é o exercício do objecto que os próprios estatutos da sociedade comercial define, é o que a 1ª Ré está a fazer, mesmo hoje em dia, tal como o próprio Recorrente invocou e aceitou quando afirmou:
LXXVII - A actividade desenvolvida pela 1ª Ré aparta-se claramente do seu objecto social (ou contratual) que, como é do domínio público, consiste unicamente na “exploração de jogos de fortuna ou azar ou outros jogos em casino”, actividade comercial essa que se encontra regulamentada ao abrigo de vários diplomas em vigor na RAEM, particularmente por força da Lei n.º 16/2001, de 30 de Agosto, que define o regime jurídico da exploração de jogos de fortuna ou azar em casino.
A 1ª Ré não deixou de exercer o seu objecto, e continua a exercê-lo actualmente, pois, quando dizemos que uma sociedade está a exercer o seu objecto social, quer significar-se que ela pratica actos comerciais inserido no seu âmbito de objecto, de forma sistemática e reiterada, a situação da 1ª Ré mantém-se, fazendo apelo ao conhecimento público, por isso, este aspecto não merece reparos;
- Outra coisa é a prática de algumas infracções no exercício do objecto social, casuisticamente, parece-nos, que os factos invocados pelo Recorrente, se eles têm e podem ter alguma relevância na presente acção, só podem ser vistos como “factos marginais”, não são factos sistematicamente praticados pela 1ª Ré e que possam integrar no seu objecto social. Nesta óptica, não nos parece que tais factos alegadamente contrários à lei e à ordem pública podem fundamentar o funcionamento do artigo 315º do CCOM. Mas isso não quer significar que estes factos não podem ser invocados para outros fins, e podem ser sindicados judicialmente também, só que não é nos termos tal como configura o Recorrente.
Mais, pode perguntar-se ainda, o que resulta desses “factos marginais” para o Recorrente? Parece nada! Não se esquece de que tais factos decorrem da execução de deliberações sociais, portanto são acções de execução material, o que acarreta ou pode acarretar prejuízo para o Recorrente são sempre as deliberações sociais pelas quais se autorizam tais actos: pagar quantia a uma empresa comercial e fazer doações, tais deliberações é que devem ser objecto de ataque e não as acções materiais de cumprimento das deliberações em causa!
Nestes termos, é manifesta a falta de fundamento para pedir a dissolução da 1ª Ré com base nos factos acima indicados e suscitados pelo Recorrente.
Por esta linha de pensamento, também está demonstrado que ao Recorrente falta o interesse processual nestes autos, pois não está demonstrado e provado que ele é credor da 1ª Ré enquanto titular de créditos consolidados (e não os direitos abstractamente alegados), ou seja, necessidade de tutela judicial tal como o legislador exige nos termos do artigo 315º/2 do CCOM.
Pelo que, é de julgar improcedentes os argumentos do Recorrente invocados neste ponto, mantendo-se a decisão de primeira instância.
*
2º bloco de questões: acerca do 2º a 5º pedido formulado na PI, que consiste em pedir indemnização não patrimonial pelo Recorrente
Nesta parte, o Recorrente imputa, em vários aspectos, à decisão recorrida o vício de erro no julgamento, defendendo que o seu pedido decorre da Lei de Protecção de Dados Pessoais, aprovada pela Lei nº 8/2005, de 22 de Agosto, nomeadamente do seu artigo 14º, invocando o argumento de que o Tribunal a quo entendeu mal a sua causa de pedir, porque não interpretou correctamente o artigo 14º da referida Lei, pelo que pede que seja revogada a decisão.
Ora, o artigo 14º (Direito de indemnização ) da Lei nº 8/2005, de 22 de Agosto, consagra:
1. Qualquer pessoa que tiver sofrido um prejuízo decorrente do tratamento ilícito de dados ou de qualquer outro acto que viole disposição legal ou regulamentar em matéria de protecção de dados pessoais tem o direito de obter do responsável pelo tratamento a reparação pelo prejuízo sofrido.
2. O responsável pelo tratamento pode ser parcial ou totalmente exonerado desta responsabilidade se provar que o facto que causou o dano lhe não é imputável.
3. Havendo subcontratação, aplicam-se as disposições relativas à relação de comissão constantes dos artigos 492.º e seguintes do Código Civil.
Não é verdade que o Tribunal a quo não apreciou esta questão em torno do artigo 14º da Lei citada, ele fê-lo efectivamente, agora se em termos queridos pelo Recorrente ou não já é uma outra questão.
O Tribunal a quo a firmou neste ponto:
關於第2至第5點請求 – 賠償責任出現的要件
正如前述,根據原告的觀點,其之所以提出第2至第5點的賠償請求,是因為原告認為第一被告在未徵得I僱員及其家屬的許可和同意下,向J提供了他們的個人資料,有關資料被用作撰寫由J負責編製的調查報告,最終於2012年2月18日召開的A, LIMITED的特別董事會議中,該份報告成為強制贖回第一原告股份的決議的依據,因此,原告認為其遭受的損失(因強制贖回股份引致,包括財產和非財產的損失)是各被告違反第8/2005號法律(個人資料保護法)的不法行為所引致,各名被告應以連帶方式承擔因不法事實而產生的賠償責任。
在法律依據方面,原告援引了第8/2005號法律第14條第1款的規定。
根據該規定﹕“任何因資料的不法處理或其他任何違反個人資料保護範疇的法律規定或規章性規定的行為而受損害的人均有權向負責處理資料的實體要求獲得所受損失的賠償。”
然而,除了應有尊重外,法庭認為原告以上述理由來要求損害賠償的主張也屬明顯不成立。
首先,相信我們對構成因不法事實而生的民事責任的各項要件並不陌生,包括須同時存有﹕行為、損害、不法性、過錯以及因果關係。
而現在原告提出的損害賠償請求明顯不符合上述所指的因果關係要件。
所謂因果關係是指侵害行為與損害之間的因果性和關聯性,根據《民法典》第557條的規定,“僅就受害人如非受侵害即可能不遭受之損害,方成立損害賠償之債”。
對因果關係的解釋,主流學理採用的是適當因果關係理論(a doutrina da causalidade adequada),根據葡國學者Galvão Telles的理解,若經考慮所有情節後,按照一般經驗,如有關作為或不作為能適當地導致損害的出現,這時候,會認為行為和損害之間具備適當的因果關係7。
換言之,根據適當因為關係理論,將會排除那些雖為損害出現的原因之一,但卻不能適當引致損害發生的行為,又或損害的出現是在非正常的情況下發生。
回到本案,按照原告的觀點,其認為眾被告違反個人資料保護法的行為是引致第一原告失去於A, LIMITED內的持股的損害,我們先放下討論有否出現該違法行為,但即使有,我們相信該行為與第一原告的股權被強制贖回的結果之間不存有適當的因果關係,因為直接導致該結果出現的原因是於2012年2月18日召開的A, LIMITED的特別董事會議中作出的董事會決議,是決議的效果令到第一被告失去持股,否則,按照原告的觀點,應該認為召開會議的人士亦是導致損害出現的責任人,因為若然沒有該特別會議的召開,也就不會有強制贖回第一原告持股的決議出現,但我們深信,這明顯不是能適當導致原告提出的損害發生的原因,因為真正產生強制贖回效果的行為是當天公司董事會作出的決議,是董事會的集體意志。不妨試想,即使被告作出了違反個人資料保護法的行為,但董事會同樣可以議決不強制贖回第一原告的股份,所以真正能夠適當產生損害的行為明顯地不可能是現在原告歸責被告作出的違反個人資料保護法的行為。事實上,若決議有違反法律,原告應該訴諸法院以質疑有關決議的有效性(相信原告已經提出相關訴訟),而非以一些關聯性甚低的事件為由,提出損害賠償的主張。
有見及此,法庭認為原告現在提出的違法行為與原告聲稱遭受的損害之間沒有適當的因果關係,故不能同時符合導致因不法事實而生的民事責任的各項要件。
在此,仍須強調的一點是,第8/2005號法律所保障的個人資料是自然人的個人資料,換言之,受保護對象是資料當事人,所以原告也不應被視為該法第14條第1款中規定的有權要求損害賠償之人士,但即使有,所指的損害僅限於因個人資料受侵害而引致的損害,而非任何損害。所以,原告所援引的法律依據也無法支持其提出的損害賠償請求。
*
基於原告的第2點至第5點請求也屬明顯不成立,根據《民事訴訟法典》第563條第2款的規定,此將妨礙審理被告提出的其餘抗辯,同時亦妨礙審理被告以補充方式提出的反訴。
Ora, tal como o Recorrente configure a presente acção, o facto gerador do dano não é o facto de transferência ilegítima feita pela 1ª Ré de dados pessoais, mas sim a inserção de tais dados num relatório e a publicação de tais informações na imprensa dos EUA, pois são os seguintes termos invocados pelo Recorrente:
CIV - A prática do ilícito pelos Réus na utilização e transferência para o exterior, sem o consentimento dos respectivos titulares e com vista a uma finalidade diversa da que justificou a sua recolha, a expressa intenção da sua inclusão no Relatório da J, encontra-se provada, atendendo à sanção aplicada pelo Gabinete de Protecção de Dados Pessoais da Região, no âmbito do Processo de Investigação n.º 0013/2012/IP, decisão que foi noticiada nos meios de comunicação da RAEM.
CV - Tendo a 1ª Ré, no âmbito desse procedimento administrativo, confessado o tratamento e transferência de dados pessoais de terceiros sem o consentimento dos respectivos titulares e que os dados que facultou à A, LIMITED e à sociedade J, nos Estados Unidos da América, se destinavam à preparação do Relatório em causa.
I. O Relatório da J contém acusações imputadas aos Autores e foi amplamente divulgado na imprensa dos Estados Unidos da América, situação que lesou, de forma grave, o bom nome, honorabilidade, imagem e reputação dos Autores, lançando na praça pública, em termos internacionais, uma campanha de total descrédito dos mesmos.
II. Constituindo tais actos ofensas aos direitos de personalidade, protegidas por lei ao abrigo do instituto da responsabilidade civil, por respeitarem à violação de direitos subjectivos, direito ao bom nome e à reputação de outrem que se encontra legalmente consagrado, através da tutela de personalidade, nos artigos 67º e 73º do Código Civil.
III. As 1.ª e 2.ª Autoras sofreram um prejuízo traduzido na diminuição de confiança pelos seus clientes e potenciais clientes quanto à sua capacidade e vontade de cumprimento das obrigações assumidas e, quanto aos parceiros sociais verificou-se uma perda de oportunidades de negócio, deixando de obter avultados rendimentos.
IV. As 1.ª e 2.ª Autoras sofreram um prejuízo do seu bom nome, perdendo substancialmente o prestígio de que gozam no meio social em que exercem a sua actividade, com repercussão negativa na potencialidade de lucro, inerentes ao exercício da actividade que desenvolvem, já para não falar das perdas, em capitalização bolsista, que a 2ª Autora perdeu, no dia 20/02/2012, que se devem em parte às notícias relacionadas com a suposta falta de idoneidade dos Autores, com reflexos negativos para a 2ª Autora mas também para o 3.º Autor enquanto accionista de referência da primeira através da sociedade N.
V. O 3.º Autor, na sequência ainda da conduta dos Réus, sofreu inúmeros danos sua imagem pública, honorabilidade e reputação, com reflexos na perda de lucros cessantes, traduzidos na perda de inúmeras oportunidades de negócio que teria conseguido, não fossem os comportamentos dos Réus.
VI. A 1.ª Autora sofreu danos não patrimoniais, em resultado da conduta dos Réus, que se computam em MOP 40,000,000.00, valor que foi reclamado nos presentes Autos.
VII. A 2.ª Autora sofreu danos não patrimoniais, em resultado da conduta dos Réus, que computam em MOP 80,000,000.00, valor que foi reclamado nos presentes Autos.
VIII. O 3.º Autor sofreu danos não patrimoniais, em resultado da conduta dos Réus, que se computam em MOP 80,000,000.00, valor que foi reclamado nos presentes Autos.
IX. Cada um dos Autores formulou um pedido de condenação dos Réus no pagamento de uma indemnização a título de danos não patrimoniais (cfr. 3º, 4º e 5º pedidos da PI), tendo descrito os factos em que fundamentaram esses pedidos.
X. Os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais têm como causa de pedir o tratamento e a transferência dos dados pessoais e a publicitação do Relatório J.
XI. O Tribunal a quo julgou improcedentes os 2ºs a 5º pedidos formulados, considerando incluídos nesse julgamento os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais, invocando como causa de decidir que os prejuízos sofridos e alegados pelos Autores foram uma consequência da amortização forçada (“redemption”) das acções detidas pela 1ª Autora na A LIMITED.
XII. A decisão recorrida sustenta-se, por isso, numa questão fundada em causa de pedir diversa da alegada pelos Autores, verificando-se uma desconformidade entre a causa de pedir invocada e a causa de julgar adoptada pelo Tribunal recorrido, incorrendo o M.mº Juiz a quo num erro de julgamento.
XIII. Violou assim a decisão recorrida os artigos 5º, 563º e 567º do CPC e os artigos 67º e 73º do CC.
Ora, é de ver que os alegados danos eventualmente sofridos pelo Recorrente resulta da publicação de tais informações (se bem que trabalhadas), e não o simples facto de transferência de tais dados pessoais para fora da RAEM, sendo certo que este é o ponto de origem, mas tais dados podem ser guardados na gaveta e ninguém os liga! Mas não foi chamado para esta acção a pessoa ou instituição que fez tal publicação! Há aqui incoerência até incompatibilidade entre o pedido, o autor dos factos danosos e os factos invocados.
Nesta óptica, andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente os pedidos nestes termos formulados, pois, é uma situação de manifesta improcedência nos termos do disposto no artigo 429º/3 do CPC, o que dispensa absolutamente a produção de mais provas por desnecessária.
Pelo expendido, é de julgar igualmente infundados os argumentos produzidos pelo Recorrente nesta parte do recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
3º bloco de questão: litigância de má fé por parte dos Autores, incluindo o Recorrente.
Como só o H é que veio manter o recurso por ele interposto, enquanto outros dois desistiram do mesmo, a condenação de primeira instância dos outros dois Autores mantém-se.
O Recorrente invocou nesta parte do recurso o seguinte:
I. Por último, quanto ao 8º argumento nuclear, o Tribunal a quo condenou os Autores em litigância de má-fé, com fundamento na alínea a) do nº 2 do artigo 385º do CPC, por terem deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam.
II. A decisão recorrida não qualifica a actuação dos Autores que julgou como litigância de má-fé, em termos de dolo ou de negligência, apesar do artigo 385º, nº 2 do CPC exigir, para a tipificação da litigância de má-fé, o dolo ou a negligência grave.
III. O M.mº Juiz a quo não procedeu à ponderação do comportamento dos Autores como integrando uma consciência da sua ausência de razão ou uma mera ofensa ao dever de cuidado.
IV. A lei impõe ao Tribunal que seja apreciada a verificação dos pressupostos subjectivos da litigância julgada de má-fé (dolo ou negligência grave), qualificando a conduta processual dos Autores como integrando um ou outro pressuposto, só depois podendo decidir que foi deduzida pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar, apreciação e verificação que não foi feita pela decisão recorrida, incorrendo a mesma em erro de julgamento, por errada aplicação do artigo 385º, nº 2 do CPC.
V. O 1º pedido deduzido pelos Autores foi julgado improcedente por falta de interesse processual e por não descortinar o Tribunal a quo que benefícios os Autores obteriam com a dissolução dessa sociedade com base na ilicitude do seu objecto social, relativamente ao regime jurídico do artigo 315º do Código Comercial.
VI. A condenação em litigância de má-fé pelo Tribunal a quo tem subjacente uma interpretação da norma que sustentou o pedido, o artigo 315º do Código Comercial, que diverge no seu sentido e alcance da apresentada pelos Autores.
VII. A circunstância do M.mº Juiz a quo discordar da interpretação da lei enunciada pelos Autores e a particularidade da sua diferente convicção quanto ao enquadramento dos factos por aqueles enunciados, que levou à apreciação de mérito da causa circunscrita aos articulados apresentados pelas partes, não legitima que conclua que a litigância é de má-fé apenas por não convencer, numa primeira apreciação da causa, o julgador.
VIII. O M.mº Juiz a quo parte de uma premissa errada quando configurou a causa (de pedir) de dissolução da 1ª Ré invocada pelos Autores como sendo a ilicitude do objecto social da mesma sociedade.
IX. No entanto, o que constitui a causa petendi com referência ao 1º pedido formulado pelos Autores é a actividade ilícita de facto exercida pela 1ª Ré (desconforme com o objecto social) e não a ilicitude do objecto social, factos e razões que foram devidamente alegados e enunciados para sustentar o 1º pedido formulado, bem como os benefícios que, obtendo procedência esse pedido, resultam para os Autores.
X. É por isso equivoca a condenação dos Autores em litigância de má-fé, que agiram com evidente boa-fé processual, verificando-se um erro de julgamento do M.mº Juiz a quo, face à inexistência de qualquer pressuposto subjectivo previsto na lei no que se refere à da litigância julgada de má-fé, previstos no artigo 385º, nº 2 alínea a) do CPC.
XI. Violou a decisão recorrida os artigos 385º,nºs 1 e 2, alínea a), e 386º do CPC.
Resta ver se a decisão de primeira instância neste ponto merece ou não algum reparo.
Ora, a propósito da figura de litigância de má fé, como dispõe o artigo 385º/1 do CPC, tendo litigado de má fé, a parte será condenada em multa [...]
O n.º 2 deste artigo 385º tipifica as várias hipóteses de litigância de má fé. Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A má fé processual tinha, entre nós, como requisito essencial o dolo, não bastando a culpa, por mais grave que fosse.
A redacção actual do CC de Macau mudou esse estado de coisas, considerando reveladora da má fé no litígio tanto o dolo, como a culpa grave, que designa por negligência grave.
É o que resulta do artigo 385º do CPC actualmente vigente em Macau, cuja redacção é ligeiramente diferente da do artigo 456º do CPC de 1961.
A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos artigos 385º/1-c) e d) do CPC.
Se, intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má fé» (cfr. Rodrigues Bastos, «Notas ao Código de Processo Civil», Vol. II, 3ª ed., pág. 221).
Quando houverem que fazer valer os direitos em juízo, têm as partes de agir com verdade e probidade: sobre elas impende, com efeito, «o dever de, conscientemente, não formular pedidos ilegais, não articular factos contrários à verdade, nem requerer diligências meramente dilatórias» (cf. artigo 264º/2 do Código de Processo Civil). Sobre as partes impende, ao cabo e ao resto, um dever geral de boa fé (Cfr. neste sentido, Antunes Varela, «Manual de Processo Civil», 2ª ed., pág. 477).
A violação deste dever de verdade e probidade constitui litigância de má fé.
O dever de agir de boa fé e de observar os deveres de cooperação estão hoje expressos nos artigos 8º e 9º do CPC (que corresponde ao artigo 266º-A do CPC vigente em Portugal) encontrando-se tipificada na al. c) do n.º 2 do artigo 385º do CPC a litigância de má fé por violação grave do dever de cooperação, do honeste procedere a que se refere Teixeira de Sousa (cfr. «Estudos Sobre o Novo Processo Civil», 2ª ed., pág. 62).
No caso, o Tribunal a quo afirmou:
關於惡意訴訟
被告要求法庭判處原告屬惡意訴訟人,理由是,原告隱暪了其已在不同法區針對被告提起訴訟,其後果可以引致原告一旦獲裁定勝訴時,將出現不當得利的情況,尤其是可能重覆地獲得賠償。
然而,法庭認為,單純原告承認有關提起不同訴訟的事實仍不足以斷定原告有惡意訴訟的情況,至少到目前為止,仍未得悉原告具體提起的訴訟類型和請求,因此,不能以此為由裁定原告為惡意訴訟人。
然而,針對原告要求法院宣告解散第一被告的請求,正如前述,該請求在法律上屬明顯不成立,且在正常情況下亦無法理解原告要求解散第一被告的用意。
根據《民事訴訟法典》第385條第2款a項的規定,提出無依據之主張或反對,而其不應不知該主張或反對並無依據者,構成惡意訴訟人。
正如前述,原告自稱是被告的債權人而提出解散公司的請求,一方面該請求明顯不成立,另一方面法庭實未見原告透過解散公司將可獲得哪些利益,所以,可以總結出,現在原告要求解散第一被告的請求是屬於“損人不利己”的行為,背後是沒有合理的動機去支持的,這些行為應該受到讉責,且原告不應該意識不到。
法庭認為原告已構成惡意訴訟人,考慮到案的利益值及可能對被告產生或已產生的不利後果,現決定以連帶方式科處三名原告合共支付50個計算單位的罰款。
同時,亦認同被告的觀點,應以連帶方式判處三名原告向各名被告支付相關訴訟代理人的服務費,金額將在取得必需的資料後再作訂定,為此,按照《民事訴訟法典》第386條第4款的規定,聽取雙方當事人的意見。
No caso sub judice, importa reter as seguintes ideias:
1) – Embora não decorressem expressamente dos termos consignados da decisão acima citada, não se pode dizer que o Tribunal a quo não chegou a qualificar a conduta do Recorrente no seu aspecto subjectivo, pois o Tribunal recorrido concluiu que o Recorrente deduziu pretensões infundadas que ele próprio não pode dizer que não sabia, isto é, não pode dizer que ele não sabe que não está reunido de requisitos para pedir a dissolução da 1ª Ré.
2) – Tal como o Tribunal a quo afirmou, efectivamente o Recorrente não tem legitimidade para promover a declaração da dissolução da 1ª Ré A (Macau)S.A., por não ser sócio nem credor da mesma, ainda que esta tivesse praticado eventualmente algumas infracções em violação da legislação vigente na RAEM;
3) – Todas estas circunstâncias que o Recorrente não devia ignorar;
4) – Quem deu razão injustificadamente à causa foram os Autores (incluindo o ora Recorrente), agora deve assumir as consequências daí decorrentes.
Pelo que, a condenação do Recorrente na litigância de má fé não merece reparo, ao abrigo do disposto no artigo 631º/5 do CPC, é de manter a decisão tomada pelo Tribunal recorrido.
* * *
Síntese conclusiva:
I – Como causa de pedir o Recorrente/Autor invocou, entre outros, os seguintes factos:
- Transferir pela 1ª Ré, A (Macau) S.A. (A(澳門)股份有限公司), dados pessoais para fora da RAEM em transgressão à legislação vigente na RAEM;
- Pagar injustificadamente uma quantia em avultado valor a uma companhia comercial identificada nos autos, B, LIMITADA (para obter a concessão de um terreno) ;
- Fazer uma doação em valor igualmente elevado para a Universidade de Macau.
Concluindo pela ideia de que a 1ª Ré, para além de praticar actos fora do objecto social, estava a exercer actividades contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes, pediu que fosse decretada a dissolução da 1ª Ré, tendo alegado como fundamento legal o artigo 315º do Código Comercial de Macau (CCOM).
II – Porém, nos autos não foram alegados elementos comprovativos de que o Recorrente/Autor é credor da 1ª Ré (artigo 315º/2 do CCOM), nem elementos demonstrativos de que o Recorrente/Autor está numa situação de carência de tutela judicial, como tal não se justifica a produção de mais provas nesse sentido, por a acção estar condenada ao fracasso, circunstâncias estas que levaram o Tribunal a quo a conhecer dos pedidos no saneador, julgando improcedentes todos os pedidos formulados pelos Autores (deles fazia parte o ora Recorrente), com base no artigo 429º/3 do CPC.
III – Com base no facto de que, ao formularem o pedido de dissolução da 1ª Ré, os Autores (incluindo o ora Recorrente) sabiam que não podiam assim fazer por lhes faltarem legitimidade e interesse processual, o Tribunal a quo condenou os Autores em litigância de má-fé ao abrigo do disposto no artigo 385º do CPC, por estarem reunidos os pressupostos subjectivos e objectivos exigidos pela figura de má-fé, enunciada no preceito legal citado.
IV – Igualmente improcederá a pretensão de indemnização por dano não patrimonial, formulada pelos Autores, quando estes invocaram, a título de causa de pedir, a publicação pela imprensa dos EUA dos dados pessoais ilegítima e ilegalmente transferidos para fora de Macau pela 1ª Ré, lhes lesava o bom nome, honorabilidade, imagem e reputação, e também um relatório elaborado pela J que, para além de incorporar tais dados pessoais, imputa aos Autores diversas “acusações”, entre as quais a existência de pagamentos ilegais, a título de suborno, a favor de funcionários da I, para a obtenção de contrapartidas no âmbito dos investimentos nas Filipinas promovidos pela 2.ª Autora e suas empresas subsidiárias, e pelo 3.º Autor. A improcedência do pedido em causa reside no facto de se verificarem incompatibilidades entre os factos alegados, os seus autores (de dano) e os pedidos formulados, porque, em bom rigor, não foi o facto de transferência (ilegal) de tais dados pessoais que ao Recorrente causou danos, mas sim a publicação dos dados pessoais e de imputação de certos factos.
V - Em sede de recurso, o Recorrente veio a rebater os seus pontos de vista, não tendo apresentado elementos novos suficientes para abalar a decisão do Tribunal recorrido, é de julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.
*
Tudo visto e analisado, resta decidir.
* * *
V ‒ DECISÃO
Em face de todo o que fica exposto e justificado, os juízes do Tribunal de 2ª Instância acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
*
Custas a cargo do Recorrente.
*
Registe e Notifique.
*
RAEM, 21 de Fevereiro de 2019.
Fong Man Chong
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Tem correspondência exacta no artigo 8º do CC de Macau.
2 Tem correspondência exacta no artigo 9º do CC de Macau.
3 Para efeitos da presente análise, faz-se referência à redacção original do diploma de 1986. Depois de sucessivas alterações, o regime de dissolução judicial foi abandonado e substituído pelo regime de dissolução administrativa, cujo procedimento vem estatuído em diploma próprio. A actual redacção do Artigo 142º do CSC é a seguinte:
«Artigo 142.º
Causas de dissolução administrativa ou por deliberação dos sócios
1 - Pode ser requerida a dissolução administrativa da sociedade com fundamento em facto previsto na lei ou no contrato e quando:
a) Por período superior a um ano, o número de sócios for inferior ao mínimo exigido por lei, excepto se um dos sócios for uma pessoa colectiva pública ou entidade a ela equiparada por lei para esse efeito;
b) A actividade que constitui o objecto contratual se torne de facto impossível;
c) A sociedade não tenha exercido qualquer actividade durante dois anos consecutivos;
d) A sociedade exerça de facto uma actividade não compreendida no objecto contratual.
2 - Se a lei nada disser sobre o efeito de um caso previsto como fundamento de dissolução ou for duvidoso o sentido do contrato, entende-se que a dissolução não é imediata,
3 - Nos casos previstos no n.º 1 podem os sócios, por maioria absoluta dos votos expressos na assembleia, dissolver a sociedade, com fundamento no facto ocorrido.
4 - A sociedade considera-se dissolvida a partir da data da deliberação prevista no número anterior, mas, se a deliberação for judicialmente impugnada, a dissolução ocorre na data do trânsito em julgado da sentença.»
4 Viriato Manuel Pinheiro de Lima,《民事訴訟法教程》譯本,2009年,第二版,第142頁。
5 Raúl Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedade, Almedina, Coimbra, 1993, pág. 199.
6 Pires de Lima e Antunes Varela, 《Código Civil Anotado》, Coimbra editora, v. I, 4ª ed., p. 578.
7 Pires de Lima e Antunes Varela, 《Código Civil Anotado》, Coimbra editora, v. I, 4ª ed., p. 578.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
2018-244-Wynn-má-fé 86