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Proc. nº 1035/2018-A
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 7 de Março de 2019
Descritores:
- Suspensão de Eficácia
- Requisitos Cumulativo
- Ónus de prova

SUMÁRIO:

I – O acto que afasta um candidato a um concurso para a concessão por arrendamento de um espaço comercial apresenta uma natureza negativa. Contém, porém, uma vertente positiva, na medida em que o afasta do procedimento e, consequentemente, da possibilidade de aceder a um acto final favorável. Daí a suspensibilidade da sua eficácia, nos termos do art. 120º, al. b), do CPAC.

II – Sobre o requerente da suspensão de eficácia recai o ónus de alegar e demonstrar os requisitos cumulativos previstos no art. 121º, nº1, do CPAC

Proc. nº 1035/2018-A

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da RAEM

I – Relatório
“A LIMITADA”, sociedade comercial com sede em Macau, na XXXXXX, matriculada no Registo Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXXXXA (SO), vem requerer a ------
Suspensão de eficácia ------
Do despacho do Senhor Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura n.º 58/SASC/2018, de 5 de Outubro de 2018, que confirmou a deliberação de 14 de Agosto de 2018 da Comissão de Abertura de Propostas de não admitir ao Concurso Público n.º 3/P/2018 (realizado pelo Instituto de Formação Turística - aberto pelo Instituto de Formação Turística para exploração de três lojas no Anim’Arte NAM VAN, na Avenida da Praia da Grande, em Macau - a proposta apresentada pela ora Requerente, com fundamento na não aposição do seu carimbo em todas as páginas dos respectivos documentos, e consequentemente excluiu a dita proposta.
Invocou um prejuízo irreparável, a inexistência de grave prejuízo para o interesse público e a legalidade processual na interposição do recurso contencioso do referido acto.
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Contestou a entidade requerida pugnando pela improcedência da providência.
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Os contra-interessados não deduziram oposição.
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O digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se contra o deferimento da pretensão, por não verificado o requisito da alínea a), do nº1, do art. 121º do CPAC, nos seguintes termos:
“(…) Abordando, por último, o requisito da alínea a), ou seja, a previsibilidade de ocorrência de prejuízo de difícil reparação em resultado da execução do acto, é sabido que cabe a quem requer a providência alegar e demonstrar a verificação desse prejuízo.

Nesse sentido, a requerente alegou que a eliminação da sua proposta e o impedimento de prosseguir no concurso pode fazer gorar a oportunidade de vir a explorar o restaurante “Lusitanvs” no espaço da loja S6, que tem excelente localização e adequadas instalações, o que lhe causaria um prejuízo irreparável.
Ora bem, o acto não interfere com o actual funcionamento do restaurante, não provocando nomeadamente a paralisação da sua actividade ou um agudizar das condições em que a desenvolve. O que está em causa é uma expectativa de melhoria de funcionamento ocasionada pela localização e pelo espaço da loja posta a concurso. Mas a não concretização dessa projectada melhoria de funcionamento e os prejuízos que isso possa vir a desencadear não podem ser imputados à execução do acto. Esta hipótese só seria equacionável se a requerente tivesse por adquirido que a não execução do acto redundaria no vencimento do concurso e no subsequente arrendamento da loja. Ora esse desiderato é porvir, dependendo do resultado do concurso, ignorando-se em absoluto se a requerente o vai vencer e conseguir o almejado arrendamento da loja. O que quer dizer que não está caracterizado e especificado qualquer prejuízo directamente decorrente do acto suspendendo.
Em suma, não se mostra preenchido o requisito da alínea a) daquele artigo 121.º, n.º 1, sem o que a providência não pode ser concedida.
Nestes termos, o nosso parecer vai no sentido de ser negada a peticionada suspensão de eficácia.”
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Cumpre decidir.
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II – Pressupostos processuais
O tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
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III – Os Factos
1 - A Requerente é uma sociedade comercial de responsabilidade limitada que foi constituída pela sua sócia única, a Casa de Portugal em Macau (abreviadamente A), uma associação de direito privado sem fins lucrativos, para obviar à impossibilidade jurídica de a CPM se apresentar a concursos públicos relativos às suas áreas de interesse que exijam que os concorrentes tenham a natureza de sociedade comercial.
2 - A A, por intermédio da Requerente, explora um estabelecimento de comidas e bebidas denominado “Lvsitanvs”.
3 - Desde a cessação do arrendamento no Centro Comercial e Turístico “S. Paulo” em 2013, onde a Requerente explorava o “Lvsitanvs”, passou este a funcionar provisoriamente na sede da A, em condições muito precárias, devido à exiguidade da área disponível e outros grandes constrangimentos logísticos.
4 - Foi aberto concurso tendo por objecto o arrendamento das lojas S1, S6 e S11 sitas no Anim’Arte NAM VAN para exploração naquele local de serviços de comidas ligeiras e bebidas ou venda a retalho de produtos alimentares típicos de Macau.
5 - A requerente apresentou-se ao concurso, candidatando-se à loja S6 para aí instalar e explorar, em obediência ao programa do Concurso, um estabelecimento de comidas e bebidas.
6 - A Requerente pretende redinamizar o projecto “Lvsitanvs” na área da gastronomia, permitindo servir os utentes com mais produtividade e eficiência, devido à excelente localização do espaço a arrendar e de este ser apropriado e dotado de instalações adequadas ao fim a que se vocaciona o “Lvsitanvs”, o que não acontece na sede da A.
7 - A requerente não tem capacidade para, no mercado privado, arrendar um imóvel adequado.
8 - A loja S6 permitirá à requerente desenvolver a sua actividade numa zona privilegiada com frente de água, e integrada no projecto de animação cultural “Anim’Arte NAMVAN”.
9 - A importância destes factores - a proximidade da água e a integração da actividade de restauração num complexo de animação cultural - é inestimável.
10 - Se a requerente não tiver a oportunidade de se manter no concurso, perderá a oportunidade de vir a arrendar aquela loja, ficando privada de ali explorar o Lvsitanvs.
11 - A proposta da requerente não foi admitida pelo facto de não ter aposto o seu carimbo em todas as páginas dos documentos de candidatura.
12 - A Requerente interpôs recurso contencioso do aludido Despacho para o Tribunal de Segunda Instância, em 14 de Novembro de 2018, o qual foi autuado como Processo n.º 1035/2018.
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IV – O Direito
1 - O art. 120º do CPAC só permite que a eficácia dos actos seja suspensa se o acto for positivo ou, sendo negativo, apresentar uma vertente positiva.
Ora, um acto negativo puro é aquele que deixa intocada a esfera jurídica do interessado, a ponto de com ele, ou por ele, nada ter sido criado, modificado, retirado ou extinto relativamente a um “status” anterior. Nessa medida, a sua eficácia é insuspensível, porque o deferimento da providência nenhuma vantagem ou benefício àquele traria. O requerente ficaria exactamente na mesma situação anterior.
Há, porém, actos (v.g. indeferimento de uma renovação ou prorrogação) que, alterando uma situação jurídica anterior, apresentam uma vertente positiva, traduzida nalguma vantagem para a esfera do interessado. Por essa razão, a eficácia destes já pode ser suspensível. Porquê?
Porque com a suspensão o interessado mantém intacta a possibilidade de vir a obter um “ganho” provisório, que pode vir a tornar-se definitivo. É esse novo aporte que gera a dimensão positiva num acto que, geneticamente, reconheçamo-lo, é negativo1
Actos com uma tal natureza são, por exemplo, os que indeferem um pedido de renovação ou de prorrogação, mas também os que afastam os candidatos a estudantes de um curso ou que impedem os candidatos de prosseguirem nalgum concurso2. Neste segundo grupo de casos, a posição de vantagem que advém para os alunos ou para os concorrentes é manifesta, já que dessa maneira se apresentam em pé de igualdade com os demais interessados admitidos ao curso ou concurso e, nessa medida, nas mesmas circunstâncias apriorísticas de alcançarem o êxito a que se propuseram.
O caso vertente inscreve-se neste segundo grupo de situações.
Razão pela qual o art. 120º, nº1 não constitui obstáculo à pretensão.
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2 - Sabe-se que a procedência da providência exige, salvos os casos especiais dos nº 2, 3 do art. 121º e do 129º, nº1, do CPAC, que o requerente alegue e prove os requisitos cumulativos das três alíneas do nº1 do primeiro dos preceitos citados.
Quanto ao requisito negativo da alínea c), do nº1, do art. 121º (“do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso”), não parece que ele não ocorra, face ao teor da petição inicial copiada a fls. 28 e sgs.
O mesmo se dirá do da alínea b) (“a suspensão não determine grave lesão do interesse público”). Na verdade, a dita loja está integrada num lote de outras cuja ocupação ao longo dos tempos não tem merecido total adesão ou aceitação do “mercado” (isto é facto notório). Daqui não se crê minimamente resultar que a espera pela conclusão da impugnação contenciosa com uma sentença transitada, acrescida da agora pretendida suspensão de eficácia, traga prejuízos, graves e aparentes, para o interesse público do turismo. Dito de outra maneira, nenhum interesse público, nem o do turismo nem outro qualquer, justifica a imediata exclusão da candidatura da requerente; por outras palavras, a manutenção da requerente no seio do concurso não prejudica gravemente o interesse público.
Aliás, nem a própria entidade na sua contestação se atreve a suscitar a inexistência desse requisito e, em vez disso, até se mostra concordante com a sua verificação.
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E quanto ao requisito dos “prejuízos de difícil reparação” a que alude a alínea a), do nº1?
Quanto a ele, estamos convencidos que a requerente fez um relato pouco assertivo acerca dos factos com os quais haveria de desenhar o quadro de prejuízos de difícil reparação que a não suspensão deveria ocasionar na sua esfera.
Na verdade, a requerente já explora o “Lvsitanvs” nas instalações da sua sede. Não oferecerá grandes condições para a actividade de restauração? Admite-se que não. Mas, não é isso o que está em causa nos autos. Ou seja, não se pode reconhecer a existência daquele “prejuízo de difícil reparação” apenas porque a “Casa de Portugal em Macau” não desenvolve convenientemente aquela actividade nesse local onde explora o restaurante actualmente. Em boa verdade, podia até nem exercê-la, ali ou em lado nenhum de Macau. Mas, já que a desenvolve nesse local, mesmo com o nobre propósito de divulgação da gastronomia portuguesa, por certo estará, desde o início, ciente de que o faz em condições não ideais, até mesmo precárias. E se desde o primeiro momento terá essa consciência, assim haveria de continuar, não fosse uma luz de esperança que se lhe deparou com a abertura deste concurso. “Aqui está uma oportunidade de alargar os horizontes dos nossos propósitos”, terá pensado, e bem.
Mas, essa esperança não é necessariamente a porta única para o desenvolvimento da actividade. Dito de outra maneira não equivale a uma expectativa jurídica, por si só, necessariamente tutelável.
Claro que o local é muito bom, que a renda não deverá ser elevada (visto que na génese do concurso estará necessariamente um interesse turístico relevante), que o espaço é generoso, que os turistas provavelmente ali acorreriam mais amiúde, que a divulgação da cultura gastronómica seria melhor promovida, etc. Tudo isto parece certo.
Simplesmente, não vem afirmado que sem esse espaço o “Lvsitanvs” encerrará automaticamente, que sem ele a requerente jamais conseguirá difundir a gastronomia ocidental de origem portuguesa. E não o afirmou, porque isso não é certo, não é inquestionável, não é fatal. É futuro incerto. Com efeito, pode acontecer que venha a conseguir arrendar outro espaço equivalente com uma renda comportável, mesmo com a boa vontade, generosidade, até mesmo filantropia, de algum ente público ou privado, que tome a peito a missão de abraçar iniciativas lusófonas, nomeadamente deste género.
Portanto, possamos nós embora reconhecer a melhoria das condições de exploração desta actividade de restauração no local posto a concurso por parte da requerente, não está indiciariamente alegado e provado ser a única possível. O que significa que não está manifestada de uma maneira satisfatória a alegação do prejuízo, sendo certo que à requerente da providência cabia o respectivo ónus.
Aliás, e agora para rematar, com todo o respeito pela requerente, não é sequer certo que venha a obter vencimento no recurso contencioso, muito menos é fora de dúvida que viesse a vencer o próprio concurso, circunstância que, sim, podia inviabilizar a expectativa do arrendamento caso, entretanto, o local fosse dado de arrendamento a outrem na sequência do mesmo procedimento concursal.
Somos, enfim, a concluir, lamentavelmente, que não está demonstrado o referido requisito. O que é bastante para obstar à procedência da providência.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a suspensão de eficácia.
Custas pela requerente, com taxa de justiça em 5 UCs.
T.S.I., 7 de Março de 2019
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa



1 No sentido de que os actos que não admitem a proposta de concursantes são negativos com vertente positiva, ver, v.g., Acs. do TUI, de 4/05/2010, Proc. nº 15/201 e do TSI, de 19/05/2011, Proc. nº 74-A/2011.
2 Sobre o assunto, José Cândido de Pinho, Manual de Formação de Direito Processual de Direito Administrativo Contencioso, 2ª ed., pág. 279 e Notas e Comentários ao Código de Processo Administrativo Contencioso, 2018, pág.192-193; Tb. Ac. do STA, de 19/03/2003, Proc. nº 0484/03.
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